Agravo de Instrumento Nº 5010509-18.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: GENECI DE OLIVEIRA
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação previdenciária, na qual foi suprimido o montante fixado a título de indenização por danos morais e redimensionado o valor atribuído à demanda, sendo declinada a competência para uma das varas do Juizado Especial Previdenciário.
Pretende a parte agravante, em síntese, seja mantido o valor atribuído à causa e, consequentemente, a competência da Vara Federal para o julgamento do processo originário. Sustenta que efetivamente sofreu abalo psíquico e emocional ao não ter reconhecido o seu direito ao benefício previdenciário pretendido. Alega que o valor do dano moral integra o valor da causa, sendo que o valor da causa indicado na inicial refere-se ao cálculo das parcelas vencidas e vincendas (R$ 33.336,70), somadas à indenização de mesmo valor correspondente ao dano moral, totalizando em R$ 66.673,40. Aduz que o pedido de dano moral pressupõe a análise do mérito do pedido de concessão da aposentadoria, devendo ser oportunizada dilação probatória.
Liminarmente, foi deferida em parte a antecipação da tutela recursal, para o fim de considerar o valor de R$ 10.000,00 a título de danos morais como parte do valor da causa, com o reconhecimento da competência absoluta do Juizado Especial Federal.
O agravante interpôs agravo interno (evento 8).
Intimado, o agravado apresentou contrarrazões (evento 9).
É o relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos termos que transcrevo:
Admissibilidade
De início, registro o trânsito em julgado do REsp n.º 1696396/MT e do REsp n.º 1704520/MT, em 22/02/2019, com tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos do STJ - Tema 988, in verbis:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
À luz desta nova orientação jurisprudencial, entendo que se deve dar trânsito ao agravo para exame da questão relativa à competência para processamento e julgamento da ação originária.
Mérito do recurso
O Juízo a quo declinou da competência para o Juizado Especial Federal, sendo a decisão proferida nos seguintes termos:
I. Trata-se de ação na qual a parte autora pretende a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER, com o pagamento das parcelas vencidas e vincendas, monetariamente corrigidas, bem como a condenação do réu ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 33.336,70. O valor total da causa foi fixado em R$ 66.673,40.
Verifica-se que, nos termos da Resolução n.º 54/2020 do TRF da 4ª Região, que dispõe sobre a especialização e regionalização de competências na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, a 6ª Vara Federal de Novo Hamburgo passou a ter competência exclusiva para o processamento e julgamento dos processos previdenciários tanto do rito ordinário como do rito sumaríssimo, no âmbito territorial da Subseção de Novo Hamburgo.
Assim, não sendo o pedido de compensação por dano moral de natureza previdenciária, constata-se que esta Vara não tem competência para o julgamento dessa parte da demanda, uma vez que, nos termos do art. 327, § 1º, II, do CPC, não é admissível a cumulação de pedidos de competência de juízos diversos, conforme transcrição que segue:
Artigo 327 do CPC
É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1° São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I - os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação, se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum.
Saliento que o pedido de compensação por danos morais possui natureza cível abarcada pela responsabilidade civil, independente da origem do fato (criminal, previdenciário, ambiental etc).
Em face disso, cumpre cindir o processo para que prossiga neste juízo somente no que pertine aos pedidos de matéria previdenciária, remetendo-se cópia dos autos ao juízo desta subseção competente para o julgamento do pedido de compensação por dano moral.
II. Suprimido o montante fixado para o pedido de compensação por danos morais (R$ 33.336,70), retifico de ofício o valor da causa para R$ 33.336,70.
Tendo em conta as disposições do § 3º do art. 3º da Lei 10.259, que estabelecem a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, e considerando apenas a expressão econômica do objeto remanescente à lide, eminentemente previdenciário, cumpre alterar o rito do processo para que passe do ordinário para o preconizado pela referida lei e redistribuir livremente o feito entre os Juizados competentes.
III. Assim sendo, após o esgotamento de todos os prazos recursais pertinentes a esta decisão, proceda-se na cisão do feito, na redistribuição do processo cível ao juízo competente e, após, na redistribuição livre do feito previdenciário entre os Juizados Especiais Federais desta Subseção.
É possível a cumulação de pedidos, na forma do disposto no artigo 327, caput, do CPC/2015, uma vez atendidos os requisitos previstos nos parágrafos e incisos do artigo.
E é verdadeiro que a jurisprudência da 3ª Seção deste Tribunal consolidou-se no sentido de que o o valor atribuído à causa, quando requerida indenização por danos morais, no caso de ações previdenciárias, não deve ser desproporcional à soma dos valores vencidos e de doze parcelas vincendas, aplicando-se o que dispõe o artigo 292, VI, do CPC (TRF4 5026471-62.2013.404.0000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 13/05/2014).
Ocorre que a pretensão de valores a título de danos morais não pode configurar uma tentativa clara de manipulação do valor da causa, com vistas à fixação da competência perante juízo federal comum, sendo cabível o controle do valor da causa com a finalidade de evitar eventual abuso na sua definição a partir de critério arbitrário e totalmente em dissonância com a jurisprudência desta mesma 3ª Seção, nos excepcionais casos de admissibilidade de indenização por danos morais em decorrência de negativa de concessão ou revisão de benefício ou do cancelamento de benefícios pelo INSS.
O entendimento das turmas da 3ª Seção, nos casos em que houve arbitramento de danos morais, é de que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, definida em cada caso à luz de circunstâncias específicas, orbita em torno dos R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que não chega próximo ao pretendido no caso dos autos. Cumpre referir que valores maiores já foram fixados, chegando-se a R$ 20.000,00, frente a circunstâncias muito específicas.
Diante disso e considerando que a parte autora não se desincumbiu de apontar especificamente os danos efetivos a embasar o valor atribuído a título de danos morais, entendo que o valor da causa não pode ser obtido pela mera soma de parcelas vencidas e doze vincendas. Cabe a adoção de uma metodologia bifásica em que, em um primeiro momento, buscam-se balizas na jurisprudência previdenciária, quanto ao dano moral decorrente de situações similares e, em um segundo momento, examinam-se as circunstâncias específicas do caso.
De registrar que não se trata de negativa quanto ao mérito do pedido de danos morais, cumulado com os materiais. A parte autora pode prosseguir requerendo inclusive a quantia lançada como pretensão inicial, matéria a ser oportunamente analisada em sentença, mas o valor da causa deve ser recalculado, de forma a evitar a artificial fixação desse valor e a consequente escolha do juiz competente.
No caso, o arbitramento de valor da causa que exceda todos os parâmetros que vêm sendo adotados em casos similares, sem justificação específica, caracteriza exercício de faculdade processual com desvio de finalidade - fixar a competência na vara comum, com exclusão do Juizado Especial. Se ao Judiciário não for dado poder para atuar em casos como tais, estará sendo legitimado ato processual praticado com desvio de finalidade, portanto abusivo.
Consoante a teoria do abuso de direito, o ato abusivo tem inicialmente uma aparência de legalidade, mas seu exercício revela-se irregular a partir do momento em que se observa o desvio de finalidade que move o agente, ao fazer uso anormal de uma prerrogativa que a lei lhe assegura.
Sobre a teoria do abuso no direito de demandar, o Desembargador Rui Stoco, fazendo distinção com a ma-fé processual, dá bem a noção dos motivos que levaram o magistrado a reconhecer que o valor da causa foi excessivo e, assim, corrigi-lo de ofício:
E, como instrumento de paz social e distribuição de justiça, visando não só a dar a cada um o que é seu, mas, ainda, dar a cada um o que deve ser seu e, também tendo como meta optata precípua solucionar as pretensões resistidas em juízo, a teoria do abuso do direito faz-se presente no procedimento, posto que se exige das partes em juízo que atuem de boa-fé, procedendo com lisura e lealdade. O descumprimento desses ditames induz a má-fé, que se subsume no conceito de abuso do direito e do ato ilícito que, por sua vez, integra o campo maior da responsabilidade civil. Portanto, o abuso do direito está para a má-fé assim como a responsabilidade civil está para o ato ilícito. Desde longa data MENDONÇA LIMA (1980, p. 59) já advertia que: A infração mais grave ao princípio da probidade processual é, sem dúvida, a que caracteriza o "abuso do direito de demandar". Tal direito não diz respeito apenas à atividade do autor ao propor a ação, mas, também, abrange a do réu em defender-se ou, na linguagem de nosso Código de Processo Civil, em responder (excepcionar, contestar ou reconvir). Lembrava, ainda, o ilustre professor aspecto importante, que merece registro, ao afirmar: Mesmo uma ação bem proposta ou uma defesa lisa podem originar, contudo, atos de improbidade em vários atos no decorrer da causa. Mas, se a origem já é pecaminosa todo o processo ficará maculado, ainda que nenhum ato mais se apresente infringente do preceito de lealdade. São, portanto, situações diferentes: o abuso do direito de demandar e os atos de má-fé no curso do processo. Esses podem existir - ainda que um só - independentemente daquela atitude inicial: mas aquela contaminará todo o processo, mesmo que, depois, venha correr sem nenhum vício em qualquer dos atos.
(...)
A má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos, não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos isso possa ocorrer. Contudo, o abuso do direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem origem ou com suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos. Essa a lição que se colhe em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Só quando se chama alguém a juízo, sem base alguma, sem fomento de direto, sem se mostrar com legítimo interesse de agir, é que surge o abuso no exercício da demanda" (TJSP - 19ª C. Civil - Ap. 241.788-2 - Rel. Des. Telles Corrêa - j. 13.03.1995). Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato com a consequente imposição de sanção pecuniária. (Stoco, Rui; Abuso do direito e ma-fé processual; p.76/77; São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 2001)
Nesse contexto, assiste razão em parte à agravante, devendo ser reconhecido o pedido de indenização por danos morais como integrante do valor da causa, no entanto, deve ser afastado o excesso, para fins de competência, sendo hipótese de controle desse requisito da petição inicial.
No caso, o cálculo das parcelas vencidas e vincendas totaliza R$ 33.336,70 (trinta e três mil trezentos e trinta e seis reais e setenta centavos), sendo postulada indenização por danos morais de igual valor. Portanto, determino a retificação do valor da causa, considerando-se o valor de R$ 10.000,00 a título de danos morais, o que perfaz como valor da causa a quantia de R$ 43.336,70 (quarenta e três mil trezentos e trinta e seis reais e setenta centavos), e reconheço a competência absoluta do Juizado Especial Federal.
Por fim, consigno que o fato do Incidente de Assunção de Competência n.º 5050013-65.2020.4.04.0000 ter sido admitido não implica, necessariamente, na suspensão dos processos que tratam da mesma matéria. No caso concreto, em especial, porque se estaria obstando o prosseguimento de ação que está em fase inicial. Ademais, vale lembrar que todos os atos praticados, em caso de alteração futura de competência, poderão ser convalidados pelo juízo declarado competente.
Ante o exposto, defiro em parte a antecipação da tutela recursal, para o fim de considerar o valor de R$ 10.000,00 a título de danos morais como parte do valor da causa, e reconheço a competência absoluta do Juizado Especial Federal.
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o agravo interno.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002590642v4 e do código CRC 31c5a684.Informações adicionais da assinatura:
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AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANOS MORAIS. VALOR DA CAUSA. CONTROLE. ABUSO DE DIREITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.
1. Nos pedidos de benefício cumulados com dano moral é cabível ao juízo exercer o controle do valor da causa, de forma a evitar eventual abuso de direito na sua definição, a partir de critério arbitrário e em dissonância com a jurisprudência da 3ª Seção desta Corte.
2. Quando o juiz não extingue o processo, sequer parcialmente, para afastar o pedido formulado e a medida se resume a identificar e afastar o excesso no valor da causa, para fins de competência, a hipótese é de mero controle desse requisito da petição inicial.
3. Havendo a devida adequação deve ser observada, no tocante ao valor da causa, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002590643v2 e do código CRC ad67e0a9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 02/06/2021
Agravo de Instrumento Nº 5010509-18.2021.4.04.0000/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
AGRAVANTE: GENECI DE OLIVEIRA
ADVOGADO: IMILIA DE SOUZA (OAB RS036024)
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 02/06/2021, na sequência 581, disponibilizada no DE de 24/05/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, RESTANDO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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