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Agravo de Instrumento Nº 5034525-31.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO contra decisão que deferiu a tutela provisória de urgência visando ao fornecimento dos medicamentos azacitidina e venetoclax, em razão de diagnóstico de leucemia mieloide aguda (CID 10 C92.0).
Requer a parte agravante, em síntese:
(a) a atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso na forma do artigo 1.019, I, do CPC, sustando-se os efeitos da decisão combatida;
(b) a intimação do agravado, na pessoa de seu procurador, para oferecimento de resposta ao recurso;
(c) ao final, seja provido o presente agravo, para que seja cassada a tutela e, subsidiariamente, o que apenas por argumentar se admite, seja repartido com o ESTADO de forma pro rata os custos de aquisição e fornecimento do referido medicamento.
Liminarmente, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (
).Oportunizadas contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Quando da análise do pedido liminar, foi proferida a seguinte decisão (
):Considerações gerais sobre o direito à saúde
Há balizas já estabelecidas na jurisprudência dos tribunais superiores no que toca ao direito fundamental à saúde à luz da ordem constitucional vigente, e bem assim ao dever de fornecimento de medicamentos e outras prestações dessa natureza pelo poder público, inclusive através de ações judiciais (STF, STA 175 AgR, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010). Os limites da intervenção judicial sobre políticas públicas de saúde efetivamente existentes, porém, ainda suscitam discussão.
Acerca da "reserva do possível", por exemplo, o entendimento é de que ela não justifica, por si só, o descumprimento dos deveres constitucionais impostos ao Poder Público, inclusive no que diz respeito ao direito à saúde. Nesse exato sentido, aliás, a posição do Supremo Tribunal Federal:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
A alegação de "reserva do possível" apenas é legítima quando se demonstra, mediante elementos concretos e objetivamente aferíveis, a absoluta impossibilidade financeira no que tange ao cumprimento da prestação estatal exigida pela Constituição. Com isso, não há que se falar em impossibilidade de reconhecimento do direito à saúde pleiteado com base na genérica alegação de alto custo do tratamento.
Quanto à dispensação de medicamentos, o Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, assentou no acórdão dos embargos de declaração no REsp 1657156/RJ (Tema 106 - Rel. Min. Benedito Gonçalves, pub DJe 21/9/2018) entendimento no sentido de que "A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
"i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência".
A possibilidade de "off label", como visto, foi restringida. O tema, contudo, ainda suscita controvérsias, havendo posição no sentido de que quem deve decidir sobre a concreta adequação do medicamento, mesmo que "off label", é o profissional médico (REsp 1769557/CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 21/11/2018). Além disso, noutra oportunidade, foi apontado que "havendo evidências científicas que respaldem a prescrição, é universalmente admitido e corriqueiro o uso off label de medicamento, por ser fármaco devidamente registrado na Anvisa, aprovado em ensaios clínicos, submetido ao Sistema Nacional de Farmacovigilância e produzido sob controle estatal, apenas não aprovado para determinada terapêutica" (REsp 1729566/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018).
Por outro lado, nos casos de tratamento do câncer, deve ser ressaltada a existência de sistemática própria, na qual os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde habilitados em oncologia (CACON/UNACON) e credenciados pelo SUS. Esses centros oferecem assistência especializada e integral ao paciente, cumprindo observar que são eles que padronizam, adquirem e prescrevem os medicamentos oncológicos.
Em suma, na análise do caso concreto é relevante verificar, dentre outras coisas:
a) se há comprovação cabal da doença e do seu atual estágio, por meio de documentação idônea e atualizada, acompanhada da prescrição da tecnologia com a devida justificativa;
b) se há incapacidade da parte autora de arcar com os custos do seu tratamento;
c) se, em caso de câncer, o tratamento do paciente ocorre junto à rede de saúde credenciada como CACON/ UNACON;
d) se ficou configurado o esgotamento de alternativas de tratamento disponíveis no SUS;
e) se foi demonstrada a eficácia da tecnologia, com realização de estudos científicos idôneos, não se tratando de tecnologia com caráter experimental;
f) se há possibilidade de progressão da doença ou de maior risco de morte em caso de não utilização da tecnologia requerida, sendo demonstrada sua imprescindibilidade; e,
g) se existe Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) em relação à doença apresentada.
A perícia médica não é indispensável em todos os todos os processos que tratam do direito à saúde, nem constitui condição para o exame de pedidos que tratam de situações de urgência. O juiz poderá se valer de pareceres médicos e de notas técnicas para a tomada de decisão e, em situações de urgência, terá que decidir com base em verossimilhança, a ser avaliada diante dos documentos de que dispõe.
Ademais, a perícia técnica poder ser substituída por nota técnica. É o que sugere o Enunciado n° 31, da I Jornada de Direito da Saúde: "Recomenda-se ao Juiz a obtenção de informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc."
Adicione-se que a circunstância de o medicamento ou tratamento ser prescrito por médico particular não é, por si só, motivo para excluir o paciente da assistência prestada pelo Poder Público (TRF4, AG 5033599-60.2018.4.04.0000, Sexta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 23/11/2018).
Por fim, não se pode deixar de considerar, em todos os casos, a real condição de saúde daquele que ingressa em juízo e formula o pleito relacionado à tutela do direito fundamental à saúde.
Do efeito suspensivo postulado
Nos termos do art. 1019, I, do CPC, recebido o agravo de instrumento, é possível a atribuição de efeito suspensivo ou antecipação de tutela recursal ao remédio jurídico. Além disso, nos termos do art. 995, parágrafo único, do CPC, "a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso".
Tenho, portanto, que dois requisitos cumulativos devem estar presentes para o deferimento da medida liminar que é buscada nestes autos: (a) demonstração de que o cumprimento da decisão combatida poderá causar um dano grave, de difícil ou impossível reparação e; (b) probabilidade do direito alegado.
No caso dos autos, a decisão agravada, da lavra do Juiz Federal Substituto Everson Guimarães Silva, deve por ora ser confirmada pelos próprios fundamentos (
):I)
Pretende a parte autora o fornecimento dos medicamentos AZACITIDINA 75mg/m² (Dose de 110mg) por 7 dias (a cada 28 dias) e VENETOCLAX 400mg ao dia, por período indeterminado, em razão do diagnóstico de Leucemia Mieloide Aguda (CID 10 C92.0).
Após a produção de nota técnica (
), o pedido de tutela de urgência foi indeferido ( ).A autora apresentou novo laudo (
) requereu a reconsideração da decisão ( ).Decido.
II)
O artigo 196 da CF/88 estabeleceu que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação". Estabelece, ainda, a Carta Política, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Assim, por força dos fundamentos constitucionais acima referidos, tem o Estado obrigação de prestar assistência à saúde àqueles que dela necessitam por estarem acometidos de grave moléstia, devendo o tratamento dispensado pelo Sistema Único de Saúde observar a evolução dos medicamentos que visem à cura da moléstia ou à minoração de seus efeitos, especialmente em casos graves como o do autor.
Logo, é possível o fornecimento do medicamento, ainda que não integrante da relação oficial do SUS.
Feitas tais considerações, cumpre examinar se os elementos de convicção apresentados pela postulante e a nota técnica autorizam o deferimento do pleito antecipatório.
O tratamento foi prescrito por médico integrante do Sistema Único de Saúde, vinculado so Hospital Escola da UFPEL, conforme laudo médico e receituário anexados aos autos (
, e ).De acordo com o laudo médico atualizado anexado ao evento 37 (doc. 3):
Conforme o laudo da médica assistente, a quimioterapia disponível no SUS (citarabina) não vem apresentando o efeito esperado no tratamento da patologia. Além disso, a médica assistente esclarece que a parte autora, paciente idosa com 72 anos, é inelegível ao transplante de medula óssea. E também não é elegível àquimioterapia em altas doses (
).Outrossim, a nota técnica registra que "Existe um estudo de boa qualidade metodológica que avaliou o tratamento com a combinação de venetoclax e azacitidina no cenário LMA recém diagnosticada. Esse estudo demonstrou aumento da taxa de resposta e da sobrevida global dos participantes." Fica evidenciado, na leitura da nota técnica, que a conclusão desfavorável esteve mais fortemente associada ao alto custo do fármaco do que nas evidências de eficácia e segurança do medicamento.
Verifico, por fim, que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem concedendo o referido medicamento e entendendo que são boas as estimativas de ganho de sobrevida livre de progressão de sobrevida global.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. AZACITIDINA E VENETOCLAX. LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA. IMPRESCINDIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. 1. A parte autora realiza tratamento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) junto a estabelecimento cadastrado como CACON (Centro de Alta Complexidade em Oncologia), afigurando-se prescindível a realização de perícia prévia à análise da antecipação de tutela postulada. 2. Os medicamentos Azacitidina e Venetoclax, por apresentarem impacto na sobrevida livre de progressão, tornam-se, com base na Medicina Baseada em Evidências, imprescindíveis para tratamento de Leucemia Mieloide Aguda. (TRF4, AG 5001046-47.2024.4.04.0000, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 25/06/2024) (grifei)
DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. VENCLEXTA (VENETOCLAX). VIDAZA (AZACITIDINA). LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE. OCORRÊNCIA. Os medicamentos Venetoclax e Azacitidina são, com base na Medicina Baseada em Evidências, imprescindíveis para o tratamento de Leucemia Mieloide Aguda. (TRF4 5003882-71.2022.4.04.7207, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/02/2024) (grifei)
Assim, não obstante a conclusão desfavorável do parecer técnico, deve ser reconhecido o direito postulado, porquanto está demonstrada tanto a adequação do tratamento pleiteado ao seu quadro clínico da parte autora, quanto à ausência de alternativa eficaz no âmbito do Sistema Único de Saúde, visto que a autora já se submeteu ao tratamento oncológico disponibilizado na rede pública de saúde, sem resultado satisfatório.
Portanto, fica configurada a probabilidade do direito a justificar o deferimento da tutela antecipada de urgência postulada na inicial, aliada ao risco de dano irreparável, uma vez que o demandante se encontra acometido de doença grave, que reclama tratamento imediato e contínuo.
Da responsabilidade pelo fornecimento e custeio do medicamento postulado
Considerando a dificuldade da União em cumprir às ordens judiciais, bem como a previsão de regionalização e hierarquização contida no art. 198 da Constituição Federal e na Lei n° 8.080/90, que organiza o Sistema Único de Saúde, tenho por prudente e oportuna a necessidade de alteração na forma como este Juízo vem atribuindo as responsabilidades pelo cumprimento das ordens judiciais relacionadas às demandas de saúde.
Assim, mesmo entendendo que a responsabilidade pelo fornecimento do medicamento seja da União, este Juízo não pode deixar de avaliar o princípio de solidariedade dos entes federados ante a necessidade de maior efetividade das decisões judiciais.
Ainda que através de métodos coercitivos se alcance, ao final, uma forma de compensação pela ausência no fornecimento do mencionado medicamento ou os recursos para sua aquisição, seja pela multa prevista no artigo 537 do CPC, seja pela multa prevista no § 2º do artigo 77, no caso da autora acometida de doença grave, há que se ter meios de conduzir à efetividade mais célere da prestação jurisdicional.
Por outro lado, considerando-se as responsabilidades dos entes federados no atendimento à saúde da população e seguindo a indicação proferida nos autos do INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF Nº 5019997-38.2015.4.04.7200/SC, em que sustenta que "apesar da estrutura organizacional do Sistema Único de Saúde - SUS estabelecer competências e atribuições diversas à União, aos Estados e aos Municípios (arts. 16 a 19, Lei nº 8.080/90), todos são compelidos pela solidariedade imposta pela Constituição Federal a atender a população" e conclui mencionando que "a responsabilidade solidária entre os entes federativos não obsta a imposição judicial ao Estado do cumprimento de prestações em demandas sobre direito à saúde, considerando a melhor estrutura e a maior proximidade com o cidadão, condições estas que não se concentram em quaisquer dos demais entes políticos."
Acrescente-se, ainda, que o meio que vinha sendo utilizado pelo juízo para atribuir diretamente à União o ônus financeiro pela compra do medicamento não vem se mostrando eficaz. Portanto, a fim de buscar essa efetividade, considerando que o direito à saúde é direito social (art. 6º da CF/1988 ) e dever do Estado (art. 196 da CF/1988), que está intimamente ligado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, atribuo responsabilidade solidária aos entes federados réus e determino que o ERGS forneça o medicamento, e a União providencie o ressarcimento administrativamente.
Da duração da tutela pretendida
Registro que, tratando-se de tratamento prescrito por prazo indeterminado, entendo que se afigura razoável o deferimento do pleito, inicialmente, pelo período de 6 meses, ao fim do qual deverá a parte autora fazer prova de que persiste a indicação de uso do medicamento.
Da fixação de contracautelas
Para a regularidade da dispensação, faz-se necessária a atualização semestral da receita médica (atentando à denominação comum brasileira - DCB quanto à prescrição do medicamento) em juízo e na esfera administrativa, no local em que retirado o fármaco, ou mediante a remessa do documento para o endereço eletrônico demanda-judicial@saude.rs.gov.br. No caso de interrupção ou suspensão do tratamento, a parte-autora deverá comunicar imediatamente o órgão dispensador do medicamento para atualização de seu cadastro no sistema AME, bem como restituir eventual saldo do medicamento no local em que retirado o fármaco.
III)
Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência antecipada para determinar que o ERGS forneça à parte autora, no prazo de 10 (dez) dias, o(s) medicamento(s) AZACITIDINA e VENETOCLAX (
), nas doses prescritas pelo médico assistente, pelo período inicial de 6 (seis), ou efetue o depósito da quantia necessária para sua aquisição, em conta à disposição do Juízo, conforme o menor orçamento apresentado com a inicial.Para a regularidade da dispensação, faz-se necessária a atualização semestral da receita médica (atentando à denominação comum brasileira - DCB quanto à prescrição do medicamento) em juízo e na esfera administrativa, no local em que retirado o fármaco, ou mediante a remessa do documento para o endereço eletrônico demanda-judicial@saude.rs.gov.br. No caso de interrupção ou suspensão do tratamento, a parte-autora deverá comunicar imediatamente o órgão dispensador do medicamento para atualização de seu cadastro no sistema AME, bem como restituir eventual saldo do medicamento no local em que retirado o fármaco.
Dê-se ciência desta decisão, mediante requisição no eproc, à Assessoria Jurídica da SES/RS para que abra processo administrativo específico junto ao Sistema AME registrando a CONCESSÃO DE MEDICAMENTO(S)/ TECNOLOGIA(S) e para que promova a disponibilização deste(s) à parte autora.
A presente decisão servirá de AUTORIZAÇÃO para que a parte, ou quem designado pelo juízo para realizar a compra, quando da aquisição do medicamento, valha-se do desconto obrigatório do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP) determinado pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) e previsto na Resolução CMED n. 03/2011, podendo ensejar, em caso de recusa do fornecedor, a aplicação das sanções previstas na Lei nº 10.742/2003 e na Lei nº 8.078/90.
Autorizo, desde já, a utilização de valores eventualmente disponíveis em outros processos. No caso de descumprimento injustificado desta decisão, determino, de plano, o bloqueio da importância líquida para aquisição medicamento/tratamento, via sistema de Precatórios do TRF4 ou via SISBAJUD, conforme o caso.
Porém, se o orçamento estiver desatualizado, certifique a secretaria o(s) valor(es) do(s) referido medicamento/tratamento com base na Tabela da Anvisa atualizada ou solicitando previamente, se for o caso, orçamentos atualizados para a parte autora, através de ato ordinatório.
Assim, no caso de descumprimento, os medicamentos deverão ser adquiridos diretamente de farmácias.
Intimem-se as partes da presente decisão, sendo o ERGS, com urgência.
(...)
Com efeito, no caso dos autos, quanto à probabilidade do direito alegado, verifica-se que estão presentes os vetores jurisprudencialmente aceitos para o reconhecimento do direito à entrega de medicamentos, ponderando ainda o quadro fático demonstrado pelos documentos acostados e pela indicação do médico assistente, de forma que caracterizada a urgência da solicitação.
A despeito de desfavorável a nota técnica (
), deve-se destacar que as respectivas conclusões deram-se precipuamente por motivos de custo-efetividade, não elencados nas balizas definidas pelos Tribunais Superiores ao tratar da temática de concessão de medicamentos, sendo que foi expressa ao pontuar a existência de evidências científicas relativas ao ganho de qualidade de vida.O parecer técnico é expresso em reconhecer que "existe um estudo de boa qualidade metodológica que avaliou o tratamento com a combinação de venetoclax e azacitidina no cenário LMA recém diagnosticada. Esse estudo demonstrou aumento da taxa de resposta e da sobrevida global dos participantes". Ademais, devido à idade e condição clínica da parte autora, há contraindicação para outras terapêuticas disponíveis no SUS.
No que se refere ao alto custo do tratamento, importa destacar que, embora não possa ser desconsiderado, não é motivo, por si só, para negar o respectivo fornecimento judicial, quando ficar demonstrada a imprescindibilidade, adequação e esgotamento das diretrizes terapêuticas estabelecidas nos protocolos do SUS, como já decidido pelo Min. Gilmar Mendes, na STA nº 175 AgR/CE, nos seguintes termos: "o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público".
Preenchidos os requisitos estabelecidos no Tema 106 do Superior Tribunal de Justiça, o autor faz jus à medicação postulada, não merecendo acolhimento o recurso portanto.
Observo que esta Corte em diversas oportunidades já apreciou situações semelhantes, reputando cabível o deferimento do medicamento postulado.
A título ilustrativo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AZACITIDINA E VENETOCLAX. LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA (LMA). TUTELA PROVISÓRIA. VIABILIDADE. 1. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 2. In casu, a equipe do renomado Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), instada a examinar o caso específico dos autos, emitiu a criteriosa Nota Técnica n.º 192.019/2024, chancelando a prescrição do hematologista assistente e assentando a necessidade de administração da medicação. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002316-09.2024.4.04.0000, 9ª Turma, Desembargador Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 24/06/2024).
DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRATAMENTO ONCOLÓGICO. IMPRESCINDIBILIDADE. EFICÁCIA SUPERIOR. ALTERNATIVA DO SUS. ADEQUAÇÃO. CUSTO-EFETIVIDADE. CONTRACAUTELAS. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Os tribunais superiores estabeleceram pressupostos para a atuação judicial em matéria de saúde, dentre os quais: a) a necessidade de registro na ANVISA, ressalvadas situações muito excepcionais e observados determinados parâmetros; b) a imprescindibilidade do tratamento ou medicamento pleiteado para a doença que acomete o postulante; c) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; d) a não configuração de tratamento experimental. 3. A imprescindibilidade do fornecimento do medicamento ou do tratamento pela via judicial consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco ou tratamento e da ausência de alternativa terapêutica. 4. Ante a demonstração da inadequação das alternativas terapêuticas ao quadro particular, bem como existindo comprovação científica acerca da eficácia do fármaco postulado para o tratamento da moléstia em questão, é de ser judicialmente deferida a sua dispensação. 5. Análises de custo-efetividade, feitas a partir de critérios arbitrários e sem base em parâmetros objetivos mínimos, não são suficientes para obstar a dispensação em caso de efetividade de medicamento e inexistência de alternativas terapêuticas. 6. Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de contracautelas efetivas é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5007989-17.2023.4.04.0000, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/08/2023).
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. AZACITIDINA. MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. REQUISITOS. ESGOTAMENTO DAS OPÇÕES. VANTAGEM TERAPÊUTICA EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É ônus das partes a prova da existência ou ausência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na realização de tratamento, dispensação de fármaco ou emprego de nova tecnologia, na afirmação do direito à saúde. 3. Uma vez demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponbilizados na rede pública de saúde, é admitido o fornecimento de medicação cuja vantagem terapêutica para o caso concreto está evidenciada. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008358-74.2024.4.04.0000, 5ª Turma, Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 02/07/2024).
Ainda, em relação ao cumprimento da obrigação de fazer, isto é, para medidas executórias, deve ocorrer um direcionamento preferencial a quem tem a competência constitucional e legal para atuar, determinando-se, em qualquer caso o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro dessas providências (STF, RE 855.178 ED, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 23-05-19). Já no caso de deferimento de tutela provisória, caberá uma avaliação criteriosa acerca das melhores alternativas legítimas para que se atinja o resultado pretendido com a celeridade que a situação vier a exigir.
A assistência à saúde, por sua imprescindibilidade à concretização do direito à vida digna, justifica, inclusive, a adoção das medidas necessárias e eficazes diante do descumprimento da ordem pelo Poder Público. Nesse sentido, prevê o art. 139, IV, do CPC que o magistrado poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial.
É sabido que cabe à União o financiamento do tratamento oncológico. Entretanto, isso não significa que os demais entes federativos não possam sofrer medidas constritivas, como forma de conferir efetividade à ordem judicial. Como se está em sede de tutela de urgência, não há impedimento para que, ao término da ação, haja uma redistribuição das responsabilidades pelo cumprimento da decisão ou, até mesmo, que a questão seja primeiro resolvida na via administrativa entre os próprios entes políticos envolvidos, o que, aliás, foi ressaltado pelo Juízo a quo na decisão agravada.
No mais, as atribuições relativas ao custeio e ressarcimento da obrigação entre os entes federativos são questões a serem enfrentadas em cognição exauriente, por ocasião da sentença.
Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Ausentes novos elementos de fato ou direito, a decisão que resolveu o pedido liminar deve ser mantida, por seus próprios fundamentos.
Prequestionamento
A fim de possibilitar o acesso às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas no recurso, nos termos dos fundamentos do voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou havidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do que está declarado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004856045v3 e do código CRC 146d1b97.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 12/12/2024, às 18:7:34
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51) 3213-3000 - www.trf4.jus.br
Agravo de Instrumento Nº 5034525-31.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
EMENTA
agravo de instrumento. direito à saúde. fornecimento de medicamento não incorporado ao sus. azacitidina e venetoclax. leucemia mieloide aguda.
- O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, assentou no acórdão dos embargos de declaração no REsp 1657156/RJ (Tema 106 - Rel. Min. Benedito Gonçalves, pub DJe 21/9/2018) entendimento no sentido de que "A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: "i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência."
- No caso dos autos, quanto à probabilidade do direito alegado, verifica-se que a decisão de primeiro grau não apenas considerou os vetores jurisprudencialmente aceitos para o reconhecimento do direito à entrega de medicamentos, ponderando ainda o quadro fático demonstrado pelos documentos acostados e pela indicação do médico assistente, de forma que caracterizada a urgência da solicitação.
- No que se refere ao alto custo do tratamento, importa destacar que, embora não possa ser desconsiderado, não é motivo, por si só, para negar o respectivo fornecimento judicial, quando ficar demonstrada a imprescindibilidade, adequação e esgotamento das diretrizes terapêuticas estabelecidas nos protocolos do SUS, como já decidido pelo Min. Gilmar Mendes, na STA nº 175 AgR/CE, nos seguintes termos: "o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público".
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004856046v6 e do código CRC 6b7d4b1a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 11/12/2024
Agravo de Instrumento Nº 5034525-31.2024.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 11/12/2024, na sequência 222, disponibilizada no DE de 02/12/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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