AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5017870-96.2015.4.04.0000/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
AGRAVANTE | : | HEGEL MESQUITA HERVE |
ADVOGADO | : | DULCE MARIA FAVERO |
AGRAVADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO ADMINISTRATIVO. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ.
1. A Terceira Seção desta Corte sedimentou o entendimento de serem irrepetíveis as parcelas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar.
2. A mudança na interpretação dos fatos, pela Administração, não pode retroagir para prejudicar os beneficiários do ato administrativo, sob pena de grave prejuízo à segurança jurídica.
3. Em cognição sumária, à míngua de qualquer prova que revele a má-fé do segurado, há de se prestigiar a presunção de boa-fé a qualificar o agir do agravado, resultando incabível o bloqueio patrimonial pretendido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de agosto de 2015.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5017870-96.2015.4.04.0000/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
AGRAVANTE | : | HEGEL MESQUITA HERVE |
ADVOGADO | : | DULCE MARIA FAVERO |
AGRAVADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu parcialmente os efeitos da tutela pretendidos, nos seguintes termos:
Vistos, em despacho.
A parte autora requer seja desconstituído o débito decorrente do pagamento indevido efetuado pelo órgão administrativo a título de aposentadoria por tempo de contribuição e determinada a cessação do desconto no valor remanescente daquela prestação.
A pretensão, contudo, não merece ser acolhida.
Não vejo como acolher a tese de que, em sendo verba de natureza alimentar, é descabida a restituição. Primeiro porque tal entendimento se mostrava incongruente na jurisprudência porquanto verbas igualmente alimentares - como aposentadorias de servidores públicos e de segurados da Previdência Social - tinham tratamento diferenciado, afirmando-se a irrepetibilidade destas e, ao mesmo tempo, a possibilidade de repetição daquelas! De outro lado, além da vedação ao enriquecimento sem causa, aplicável tanto a relações entre particulares como quando envolvidos entes públicos, independe a devolução do elemento subjetivo segundo o qual a pessoa sujeita à mesma recebeu os valores. Vale dizer, o fato de receber os valores de boa ou de má-fé não é critério jurídico e nunca o foi adotado pelo legislador para determinar se há ou não a necessidade de restituição de quantias indevidamente recebidas! Tal elemento subjetivo serve, na legislação atual, apenas para definição, como por exemplo em se tratando de servidores públicos, do modo pelo qual se dará a devolução, admitindo-se o parcelamento naquela situação de comprovada boa-fé e, inexistindo a mesma, sendo exigível, de pronto, a totalidade da quantia.
Ademais, sendo a tese da irrepetibilidade dos valores com caráter alimentar oriunda, como bem demonstrado, dos alimentos provisionais, parece fundamental delinear-se que o fato de naqueles alimentos existir uma obrigação recíproca (razão pela qual o alimentando de hoje pode ser o alimentado de amanhã e vice-versa) e modulável no regime de sua efetiva necessidade, tal fator inocorre no pagamento de prestações, ainda que de natureza alimentar, feitas pelo Poder Público em prol de particulares sendo que a decretação da desnecessidade de devolução dos valores finda por impor o ônus dos mesmos a toda a coletividade, no que se denomina no jargão forense e extremamente informal com a expressão 'quem paga a conta é a viúva', sendo esta a União.
No entanto, a jurisprudência do STJ parecia, após grande período de incongruência no tratamento da necessidade de devolução de valores conforme se tratasse de matéria administrativa ou previdenciária, se direcionar no sentido de determinar de modo uniforme o cabimento da restituição, independentemente da relação jurídica subjacente. Contudo, os poucos arestos manejados neste sentido no ano de 2008 logo sofreram reforma, inclusive através de efeitos infringentes alcançados em embargos de declaração, predominando na 3ª Seção daquela Corte, atualmente, o posicionamento uniforme pela irrepetibilidade de tais parcelas, com o que, com a devida vênia, pelos motivos acima expostos, não pode este Juízo concordar.
Sendo assim, fixo, de pronto, a premissa a partir da qual é não apenas cabível como devida a devolução de todas as quantias percebidas pelos segurados da Previdência Social a título de benefícios inacumuláveis entre si, bem assim por eventual equívoco administrativamente praticado pela autarquia mesmo que sem participação do segurado.
De igual modo, sendo passível de repetição os valores indevidamente percebidos - ainda que de boa-fé - pelo segurado, não há como determinar-se, de inverso giro, novo pagamento ao mesmo pelo INSS, a partir da requerida determinação de cessação dos descontos.
Cabe aferir, portanto, o modo de efetivação de tal descontos. A discussão passa, inicialmente, pela análise da aplicabilidade do artigo 115 da Lei nº 8.213/91, que assim preceitua:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
...
II - pagamento de benefício além do devido;
...
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.
§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II."
Como se vê, referido preceito seria a base legal invocada pelo INSS para proceder aos descontos administrativamente dos valores pagos a maior. Desde logo, necessário frisar que tal diploma legislativo não possui nenhuma especificação sobre modo do desconto e percentuais mínimos e máximos, sendo tal disciplina objeto de regulamentação no Decreto nº 3.048/99:
"Art.154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
...
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
...
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais.
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
..."
Da previsão do referido artigo 154 do Decreto nº 3.048/99 é que surge a convicção autárquica pela possibilidade de efetivação dos descontos nos moldes do asseverado na inicial, qual seja, em 30%. De início, registre-se, por lealdade da redação, que tal percentual de 30%, usualmente adotado e aceito na prática como o devido é, na estrita previsão daquele diploma, o percentual máximo de desconto cabível.
No entanto, outra questão imperiosa se faz necessária fixar. Ocorre que, embora se reconheça a legalidade dos descontos efetuados pelo INSS administrativamente em relação aos benefícios, na forma do artigo 115 da Lei nº 8.213/91 e do artigo 154 do Decreto nº 3.048/99, tenho que, de acordo com farta jurisprudência, não é cabível tal desconto quando o valor remanescente da renda mensal do segurado reste inferior ao salário-mínimo, o que não é o caso dos autos.
Contudo, verifico que o próprio INSS expediu a Resolução INSS/PRES nº 185/2012, cujo artigo 2º determina, em seu inciso II, 'I - para benefícios com renda mensal de até seis salários mínimos e idade do titular menor do que 21 (vinte e um) anos e a contar de 53 (cinquenta e três) anos, o percentual de desconto será de 20% (vinte por cento);'. Sendo assim, tendo o próprio INSS admitido a fixação de percentual diverso, não vejo como não acolher, ao menos nesta limitação, o pedido.
Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE a antecipação da tutela jurisdicional postulada nestes autos. para o fim de determinar ao INSS que limite a 20% o desconto que está procedendo no benefício de aposentadoria NB 42/106985170-9, em nome de Hegel Mesquita Herve, a título de restituição de valores indevidamente recebidos.
Designo o dia 17/06/2015, às 15 h 15 min, para a realização da audiência de instrução e julgamento, com a tomada do depoimento pessoal da parte autora e das testemunhas arroladas na petição do evento 32.
Deverão as partes atentar às regras processuais abaixo:
a) Prazo para o INSS arrolar testemunhas: Fixo o prazo de 10 (dez) dias antes da audiência, nos termos do art. 407 do CPC, a fim de que o INSS, pretendendo ouvir testemunhas, apresente o rol das mesmas;
b) Substituição de testemunhas: Após arroladas as testemunhas, somente é cabível a substituição quando presente uma das hipóteses do artigo 408 do CPC; e
c) Número de testemunhas a arrolar: Considerando a natureza da causa, fixo, desde logo, o máximo de 3 (três) testemunhas a serem arroladas, conforme o par. único do artigo 407 do CPC.
Intimem.
Sustenta a agravante que são indevidos os descontos efetuados na sua aposentadoria, decorrentes de revisão administrativa do benefício. Requer, liminarmente, seja concedido efeito suspensivo ativo (antecipação de tutela), com o restabelecimento do valor da mensalidade integral de seu benefício.
Liminarmente, foi deferida a antecipação da pretensão recursal.
Intimado, o agravado deixou de apresentar contrarrazões.
É o breve relatório.
VOTO
A decisão inaugural foi proferida nos seguintes termos:
"De acordo com as assertivas da Autarquia Previdenciária, a revisão do benefício originalmente concedido ao agravado fundou-se em erro administrativo na consideração dos contratos de trabalho, no período em que era estudante (estagiário).
Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, seja por erro da Administração, seja em razão de antecipação de tutela, não é cabível a repetição das parcelas pagas.
Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Trata-se de benefício de caráter alimentar, recebido pelo beneficiário de boa-fé.
Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto, não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Neste sentido vem decidindo o STF, em diversos julgados (RE 734.199/RS, Rel. Min. Rosa Weber; AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia).
No caso concreto, tendo o beneficiário agido de boa-fé, a devolução pretendida pelo INSS não tem fundamento. A boa-fé, ademais, é presumida, cabendo ao INSS a prova em contrário.
No caso dos autos, a decisão mantém os descontos e apenas determina o respeito ao um limite mensal de 20% do valor da aposentadoria percebida pelo segurado.
Portanto, deve ser modificada a decisão, suspendendo-se a exigibilidade dos valores supostamente pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, até final decisão.
Defiro, pois, a antecipação da tutela recursal, determinando a cessação dos descontos sobre os proventos do agravante.
Comunique-se ao Juízo de origem.
Intimem-se, sendo o agravado para os fins do art. 527, V, do CPC.
.
Porto Alegre, 19 de maio de 2015."
Não vejo razão, agora, para modificar tal entendimento. A mudança na interpretação dos fatos ou mesmo da norma jurídica, não justifica a revisão de ato administrativo com efeitos retroativos, em prejuízo do beneficiário que não agiu de má-fé, sob pena de grave prejuízo à segurança jurídica e à própria presunção de legitimidade dos atos administrativos.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/08/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5017870-96.2015.4.04.0000/RS
ORIGEM: RS 50494571620144047100
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Flavio Augusto de Andrade |
AGRAVANTE | : | HEGEL MESQUITA HERVE |
ADVOGADO | : | DULCE MARIA FAVERO |
AGRAVADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/08/2015, na seqüência 343, disponibilizada no DE de 07/08/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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