Agravo de Instrumento Nº 5016875-10.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
AGRAVANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: JOSE NILTON BORGES MARTINS
ADVOGADO: MATEUS DA SILVA RODRIGUES (OAB RS072452)
RELATÓRIO
Relatório. UNIÃO - FAZENDA NACIONAL interpõe agravo de instrumento contra decisão na execução fiscal 50050886720154047110 que deferiu o pedido da executada de levantamento da penhora incidente sobre RPV.
Sustenta estarem presentes as condições do inc. I do art. 1.019 do CPC.
Requer intervenção sobre a decisão agravada, inclusive por medida liminar recursal, segundo os seguintes fundamentos:
[...] os valores excedentes ao salário mensal se constituem em reservas econômicas, não abrangidas pela impenhorabilidade. Há uma diferença, pois, entre o salário e os valores em dinheiro acumulados em conta, ou recebidos de forma acumulada por meio de precatório decorrente de decisão judicial transitada em julgado de forma favorável ao executado.
Na hipótese dos presentes autos, considerando que restaram frustradas as demais medidas executivas, a UNIÃO requereu a penhora no rosto dos autos da Ação nº 5007799-79.2014.4040.7110, uma vez que, tratando-se de valores decorrentes de ação judicial, pagos de uma só vez e em elevado montante, essas quantias perdem a natureza salarial e passam a compor verdadeira reserva de capital, sendo possível, assim, e excepcionalmente, a penhora, conforme entendimento dos tribunais pátrios (REsp 1.264.358-SC; TRF5, 3T, AGTR 119606, Rel. Des.Federal Geraldo Apoliano, j. em 17.05.2012).
Os valores pagos de uma só vez e em elevado montante perdem a natureza salarial e passam a compor verdadeira reserva de capital, sendo, portanto, passíveis de penhora.
Ocorre que a impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, CPC tem por objetivo garantir a existência de recursos indispensáveis à mantença do devedor e de sua família. Por esse motivo, o salário ou a aposentadoria recebida mês a mês não é passível de penhora.
Da mesma forma, o art. 114 da Lei 8.213/91, que também trata da impenhorabilidade dos benefícios previdenciários, refere-se àquelas prestações pagas de forma continuada, mês a mês, indispensáveis à mantença do segurado.
Como se pode observar, os valores vultosos recebidos no bojo de ação judicial, que superam as necessidades mínimas do devedor e de sua família, convertem-se em reservas ou economias, penhoráveis, portanto.
Ademais, até o momento não foram localizados bens passíveis de penhora, sendo um contrassenso liberar vultosa quantia em favor do devedor quando existe crédito público, em fase de execução, inadimplido. Tal fato, sem dúvida, atenta contra o princípio da razoabilidade, não se confortando no espírito ético que nutre a ordem constitucional vigente.
Não há olvidar que a impenhorabilidade constitui norma de exceção e benéfica ao executado/devedor, uma vez que a penhorabilidade é a regra geral do sistema (art. 591 do CPC), vez que a jurisdição executiva busca a satisfação do crédito do credor (art. 5º, XXXV, da CF, artigos 612, 646 e 659, todos do CPC), de modo que o rol do art. 649 deve ser interpretado de forma restritiva.
De fato, não se pode esquecer que a execução realiza-se no interesse e para a satisfação do credor (CPC, art. 612). Nesse ínterim, o art. 649, IV do CPC, não comporta interpretação extensiva, devendo-se compreender por impenhoráveis tão somente os valores depositados em caderneta de poupança e respeitado o limite legal indicado.
Ora, a regra da impenhorabilidade visa a garantir ao executado que terá meios de subsistência mesmo em caso de vir a ter seus bens penhorados para satisfação da dívida exequenda. Nesta seara, infere-se que a intenção do legislador foi a de preservar as reservas do pequeno poupador, isto é, preservar os interesses daquele que mantém depósitos em caderneta de poupança com o nítido propósito de resguardar as economias pessoais ou para algum fim específico, e não aquelas importâncias mantidas a produzir renda enquanto não empregadas. [...].
A medida liminar foi indeferida (ev2)
Sem contrarrazões, veio processo para julgamento.
VOTO
A decisão que resolveu a medida liminar, também resolveu suficientemente a matéria recursal no seguinte trecho relevante:
[...]Assim constou na decisão agravada (ev43 na origem):
Trata-se de analisar manifestação da parte executada de que não foi citada e não teve prazo aberto para opor embargos, requerendo, ainda, que seja reconhecida a impenhorabilidade de valores levada a efeito no rosto dos autos processo nº 50077997920144047110/RS, sob a alegação de que os valores são impenhoráveis por força da previsão contida no artigo 833, IV, do Código de Processo Civil.
Intimada, a exequente manifestou-se contrária ao pedido formulado, aduzindo, em síntese, que o executado foi devidamente citado e que a penhora sobre precatório não tem caráter alimentar, não se aplicando a regra da impenhorabilidade.
Decido.
Primeiramente, analisando os autos, verifico que não assiste razão ao executado, pois foi citada por mandado (certidão juntada no evento 8), e foi intimado da abertura do prazo para opor embargos, conforme AR juntado no evento, devidamente firmado pelo próprio executado).
Quanto à impenhorabilidade, saliento que se constitui em matéria de ordem pública, podendo ser alegada em qualquer fase processual e, inclusive, ser reconhecida de ofício pelo Juiz, sendo despiciendo o ajuizamento de embargos à execução para tal finalidade, caso as alegações sejam demonstradas de plano pela parte executada.
Compulsando estes e os autos nos quais ocorreu a penhora verifico que o crédito penhorado efetivamente se trata de título judicial, no qual condenou à UFPEL ao pagamento das diferenças salariais.
Assim, com razão a parte executada, porquanto tal crédito possui natureza salarial e sua restituição mantém a natureza alimentar, sendo portanto, impenhorável.
Nesse sentido:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DE EXECUÇÃO. RESTITUIÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. IMPENHORABILIDADE. O crédito a ser pago por Requisição de Pequeno Valor (RPV) corresponde à restituição de imposto de renda realizado de forma indevida sobre quantias pagas acumuladamente em ação trabalhista. O que foi retido a título de imposto de renda desfalcou a parte agravada de valores postos no lugar de salários. Em razão disso, a restituição de tais valores mantém a natureza alimentar, sendo impenhorável nos termos do art. 833, IV, do Código de Processo Civil. (TRF4, AG 5041190-73.2018.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 12/06/2019)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. BLOQUEIO DE VALORES VIA BACEN-JUD. RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. IMPENHORABILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC. CARÁTER ALIMENTAR. Quanto à penhora das verbas relativas à restituição do imposto de renda, os tribunais pátrios têm admitido a natureza alimentar desses valores, de modo que se mostram protegidos pela impenhorabilidade absoluta, nos termos do art. 649, IV, do CPC. (TRF4, AG 5006900-32.2018.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 30/10/2018)
Assim, tratando-se de crédito que possui natureza salarial e que mantém a natureza alimentar, reconheço sua impenhorabilidade tornando insubsistente a penhora levada a efeito no rostos dos autos nº 50007118520174047109/RS.
Sem condenação em honorários advocatícios, porquanto o acolhimento do pedido da parte executada não pôs fim à presente execução, permanecendo hígido o crédito em execução nestes autos.
Intimem-se.
As normas relevantes para o objeto específico deste agravo de instrumento assim constam no Código de Processo Civil (CPC):
Art. 833. São impenhoráveis:
[…]
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
[…]
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
[…]
§ 2º. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
Assim, tem-se que os valores oriundos do pagamento de diferenças salariais são impenhoráveis, ressalvada a hipótese em que a penhora serve à garantia de dívida alimentícia e relativamente ao valor que exceder 50 (cinquenta) salários mínimos mensais.
Nessa mesma linha, há precedentes deste TRF4, nos seguintes termos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 833 DO CPC. VALORES DECORRENTES DE CONDENAÇÃO EM DEMANDA PREVIDENCIÁRIA. IMPENHORABILIDADE.
1. São absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, nos termos do art. 833 do CPC.
2. Tratando-se de créditos oriundos de ação relativa a benefício previdenciário, ainda que recebidos cumulativamente, a sua natureza alimentar não se descaracteriza em razão do decurso do tempo.
(TRF4, AG 5018990-38.2019.4.04.0000, Segunda Turma, rel. Luciane Amaral Corrêa Münch, j. 13jun. 2019).
EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE DE VERBAS SALARIAIS. ART. 833 DO CPC. recebimento de valores decorrentes de condenação em demanda previdenciária.
1. São absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, nos termos do art. 833 do CPC.
2. Tratando-se de créditos oriundos de ação revisional de benefício previdenciário, ainda que recebidos cumulativamente, a sua natureza alimentar não se descaracteriza em razão do decurso do tempo. A circunstância de o valor ter sido recebido acumuladamente, e mais, em razão de composição heterônoma de uma pretensão resistida não altera a natureza alimentar do crédito.
(TRF4, AG 5024660-28.2017.4.04.0000, Primeira Turma, rel. Amaury Chaves de Athayde, j. 23jun. 2017).
Tal impenhorabilidade é de caráter absoluto, consoante recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA RECONHECIDA PELA INSTÂNCIA A QUO. IMPENHORABILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC/1973.
1. O acórdão de origem não destoa da jurisprudência firmada no STJ de que salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1421221/MS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 22/05/2019)
Não é inequívoca, portanto, a prova do direito alegado, não lhe outorgando verossimilhança. [...]
Ausentes novos elementos de fato ou de direito a decisão que indeferiu a medida liminar neste recurso de agravo deve ser mantida.
Pelo exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5016875-10.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
AGRAVANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: JOSE NILTON BORGES MARTINS
ADVOGADO: MATEUS DA SILVA RODRIGUES (OAB RS072452)
EMENTA
agravo de instrumento. execução fiscal. impenhorabilidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/08/2020 A 19/08/2020
Agravo de Instrumento Nº 5016875-10.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
AGRAVANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO: JOSE NILTON BORGES MARTINS
ADVOGADO: MATEUS DA SILVA RODRIGUES (OAB RS072452)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/08/2020, às 00:00, a 19/08/2020, às 16:00, na sequência 470, disponibilizada no DE de 31/07/2020.
Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juíza Federal CLAUDIA MARIA DADICO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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