Agravo de Instrumento Nº 5030959-45.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
AGRAVANTE: JOAO FRANCISCO MARTINS MACHADO
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO/RS
RELATÓRIO
JOÃO FANCISCO MARTINS MACHADO interpõe agravo de instrumento em face da decisão (
originário), que indeferiu o pedido de tutela de urgência em que o agravante requereu o medicamento Pazopanibe para o tratamento de Carcinoma de Células Renais, CID C 64.Alega o agravante que o medicamento postulado apresenta evidências científicas de eficácia para o seu tratamento, atestado por seu médico assistente, sendo de sopesar que o indeferimento representa dano irreparável de progressão e evolução da doença.
A antecipação da tutela recursal foi deferida (
).Sem contrarrazões, os autos vieram para julgamento.
VOTO
A decisão liminar (
) neste agravo de instrumento resolveu suficientemente a matéria recursal:O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
É certo que a atribuição de formular e implantar políticas públicas na defesa da saúde da população é do Executivo e do Legislativo, entretanto, não pode o Judiciário se furtar de seu múnus público quando chamado para apreciar alegações de desrespeito a direitos fundamentais individuais e sociais, entre eles o direito à saúde do cidadão.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde:
(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;
(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;
(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e
(d) a não configuração de tratamento experimental.
Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (REsp 1657156/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 04/05/2018).
O leading case está assim ementado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituirem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, que criou um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.
Deste modo, a atuação do Judiciário se qualifica e justifica quando visa assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, quando, especialmente quando se trata de aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS, sendo, de qualquer sorte, de se buscar observar as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.
Observo, ainda, que a CONITEC, além de expedir Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) apresenta, no caso dos tratamentos oncológicos, as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), fundamentadas em evidências científicas, que nos termos do próprio site (http://conitec.gov.br/index.php/protocolos-e-diretrizes), constituem documento que não se restringe às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim, ao que pode ser oferecido a este paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica.
Deste modo, é lastreado nas referidas diretrizes que o tratamento oncológico pelo SUS, em que os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde credenciados pelo SUS, habilitados em oncologia, na qualidade de UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), aos quais cabe prestar assistência especializada e integral ao paciente.
Assentados tais pontos, passo a analisar o caso concreto.
No caso concreto, o agravante comprova possuir de Neoplasia Maligna de Próstata, EC IV, com metástase pulmonar, CID C 64 e ter recebido prescrição do medicamento Pazopanibe com a finalidade de aumento do tempo de vida e melhora da qualidade de vida, sendo o medicamento incorporado ao SUS pela Portaria SCTIE/MS nº 91/2018 (
).O deferimento de tutela de saúde antecipadamente, exige a realização a produção de prova extreme de dúvida sobre a eficácia do medicamento ou tratamento para o caso concreto, na linha do entendimento firmado nesta Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PRÉVIA.
1. A judicialização da política pública de distribuição de medicamentos deve obedecer a critérios que não permitam que o Judiciário faça as vezes da Administração, bem como que não seja convertido em uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem que se leve em consideração a existência de outros cidadãos na mesma ou em piores circunstâncias.
2. O deferimento de tratamentos de saúde antecipadamente, sem a realização a produção de provas além das prescrições do médico assistente encontra óbice no entendimento desta Corte, contido no enunciado da Súmula 101.
3. Em que pese o laudo da médica que assiste à agravada tenha sido lavrado por profissional vinculado ao UNACON que a atende (evento 1 - LAUDO8), tenho que não há prova da verossimilhança das alegações a ponto de justificar o afastamento do entendimento unificado por esta Corte quanto à realização da perícia prévia para a análise da tutela antecipada, já determinada pelo juízo a quo.
4. Assim, não demonstrada a verossimilhança do pleito, ao menos em uma análise preliminar, prudente que se decida a respeito da antecipação após haver segurança nos autos de que a prescrição está amparada pela medicina baseada em evidências. (AG 5026134-97.2018.4.04.0000, rel. Des. Marga Inge Barth Tessler, 3ª Turma, julgado em 02/10/2018)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PROVA PERICIAL.
- O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.
- In casu, é indispensável a realização de perícia médica judicial para elucidar questões atinentes à real eficácia do medicamento e ao esgotamento das alternativas terapêuticas disponibilizadas pela rede pública. (AG 5019134-46.2018.4.04.0000, rel. Des. Vivian Josete Pantaleão Caminha, 3ª Turma, julgado em 19/09/2018)
Trata-se de orientação consolidada na Súmula 101 desta Corte: Para o deferimento judicial de prestações de saúde não inseridas em um protocolo pré-estabelecido, não basta a prescrição do médico assistente, fazendo-se necessária a produção de provas atestando a adequação e a necessidade do pedido.
Entretanto, em casos em que a própria Administração admite a eficácia e adequação da medicação prescrita ao incorporar o medicamento para a enfermidade que acomete a parte. Assim sendo, supera-se, excepcionalmente, a exigência prévia perícia judicial. Neste sentido, orienta-se esta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NIVOLUMABE. MELANOMA MALIGNO METASTÁTICO. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. EFICÁCIA E ADEQUAÇÃO DO MEDICAMENTO. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. POSSIBILIDADE. CUSTEIO. 1. Tratando-se de adoção de uma política pública de saúde, caberá aos profissionais de saúde, dentro de suas melhores convicções profissionais, tomarem as decisões que espelhem os interesses de toda a Sociedade. Isso importa, necessariamente, na eleição de prioridades, na análise de custo-benefício, na ponderação dos objetivos alcançáveis pelo tratamento, para que possa o sistema de saúde dar atendimento ao maior número de pacientes, e com a melhor eficiência possível frente as limitações orçamentárias. 2.Considerando que a CONITEC reconheceu haver vantagem terapêutica no uso da tecnologia, que foi integrada ao rol da assistência farmacêutica do SUS para tratamento de melanoma em estágio avançado não-cirúrgico e metastático, confirmando a adequação e a pertinência do pedido, cabível a dispensação do fármaco. (TRF4, AC 5005400-85.2020.4.04.7007, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 08/12/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO ONCOLÓGICO. MEDICAMENTO INCORPORADO PELO SUS. AGRAVO DESPROVIDO. O medicamento Abiraterona, por apresentar impacto na sobrevida livre de progressão e por ter sido incorporado no âmbito do SUS, torna-se, com base na Medicina Baseada em Evidências, imprescindível para o tratamento de Neoplasia Maligna de Próstata. (TRF4, AG 5027031-57.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 16/09/2020)
DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO MÉDICO E INSUMOS. BOMBA DE INSULINA. DIABETES MELLITUS TIPO I. CRIANÇA/ADOLESCENTE. EVIDENCIADA A VANTAGEM TERAPÊUTICA. VEDADA A DESIGNAÇÃO DE MARCA. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovada a existência de vantagem terapêutica do equipamento postulado e dos insumos necessários para a dispensação de insulina em quantidades adequadas ao tratamento de criança ou adolescente em relação ao disponibilizado pelo SUS, deve ser judicialmente deferida a disponibilização do equipamento e insumos adequados. 5. Não havendo comprovação de que a marca do equipamento é a única capaz de alcançar o tratamento adequado e havendo outras no mercado, não se há de limitar as opções de tratamento, sob pena de incentivar práticas inadequadas de mercado e provocar indevido estímulo à judicialização na área de saúde. (TRF4, AG 5031075-85.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 28/10/2021)
O fármaco, ademais, além do reconhecimento de eficácia pela CONITEC, tem eficácia reconhecida para os casos de neoplasia de rim metastática, consoante colhe-se dos seguintes arestos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SUNITINIBE. CARCINOMA RENAL DE CÉLULAS CLARAS. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. EFICÁCIA E ADEQUAÇÃO DO MEDICAMENTO. COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. CABIMENTO. Considerando que a CONITEC reconheceu haver vantagem terapêutica no uso do Sunitinibe e que o medicamento foi integrado ao rol da assistência farmacêutica do SUS para tratamento de neoplasia renal de células claras metastática, afirmando a adequação e a pertinência do pedido, cabível o fornecimento do fármaco. (TRF4, AG 5036614-32.2021.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 08/12/2021)
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE. CÂNCER DE CÉLULAS CLARAS RENAIS METASTÁTICO. DECISÃO FAVORÁVEL DA CONITEC. INCORPORAÇÃO AO SUS. ADEQUAÇÃO DO MEDICAMENTO COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. CABIMENTO. 1. Tratando-se de medicamento incorporado ao SUS, após análise favorável da Conitec, e constando nos autos que a parte autora é portadora de neoplasia maligna do rim com metástase em pulmão e fígado, vê-se que se enquadra no caso para o qual foi incorporada a medicação ao SUS, confirmando a adequação e a pertinência do pedido, sendo cabível a dispensação do fármaco. (TRF4, AC 5019198-03.2021.4.04.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 11/11/2021)
DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. TRATAMENTO ONCOLÓGICO. POLÍTICA ESTATAL. VEROSSIMILHANÇA DAS RAZÕES. TEMA 793 DO STF. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Os tribunais superiores estabeleceram pressupostos para a atuação judicial em matéria de saúde, dentre os quais: a) a necessidade de registro na ANVISA, ressalvadas situações muito excepcionais e observados determinados parâmetros; b) a imprescindibilidade do tratamento ou medicamento pleiteado para a doença que acomete o postulante; c) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; d) a não configuração de tratamento experimental. 3. A imprescindibilidade de fornecimento do medicamento ou do tratamento pela via judicial consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco ou tratamento e da ausência de alternativa terapêutica. 4. Se o medicamento ou procedimento pleiteado judicialmente já estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas por questões burocráticas ainda não houver fornecimento regular, é possível a concessão do pedido pela via judicial. Hipótese verificada. 5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 793, fixou tese no sentido de que "os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." 6. Uma vez que os tratamentos oncológicos estão enquadrados como Procedimentos de Alta Complexidade e que cabe ao Ministério da Saúde garantir o financiamento para o tratamento do câncer, nos moldes das pactuações vigentes, deve ser reconhecido que a União é a responsável financeira pelo custeio de tratamentos oncológicos, nada obstante o fornecimento do medicamento e do serviço médico sejam exigíveis solidariamente dos entes políticos, como estratégia de ampliação do acesso à saúde. 7. Eventual ressarcimento das despesas entre os entes federados deverá ser objeto de acertamento na via administrativa. (TRF4, AG 5031726-20.2021.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/10/2021)
Não interfere na decisão a comprovação de hipossuficiência da parte, o que sindica o Juízo Singular, uma vez que, ao menos para os fins de análise da tutela de urgência, estão presentes elementos para aferir a hipossuficiência da parte, que percebe benefício de aposentadoria especial no valor de R$ 5.291,59 (cinco mil duzentos e noventa e um reais e cinquenta e nove centavos)(
), valores insuficientes para dar sustento à medicação orçada em R$ 17.000,00 mensais ( , e ).Nestes termos, de ser deferida a tutela antecipada.
Direcionamento da obrigação
Sobre a questão, não havendo dúvida quanto à legitimidade passiva dos réus e sendo solidária a responsabilidade destes na demanda, também são igualmente responsáveis pelo fornecimento e pelo ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido. Cabe, todavia, direcionar o cumprimento da obrigação, nos termos do definido no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, em 23.05.2019, em que restou fixada a seguinte tese de repercussão geral:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Assim sendo, considerando-se que a incorporação de novas tecnologias ao SUS é matéria atribuída pela Lei nº 8.080/90 ao Ministério da Saúde, nos termos do art. 19-Q do referido diploma legal, é da União a responsabilidade de suportar o ônus financeiro da dispensação de medicamento que ainda não se encontra disponível na rede pública, ressalvado o direito de ressarcimento acaso se pactue em comissão tripartite, distribuição diversa de competências, caso em que a compensação deverá se efetuar na esfera administrativa.
Ademais, tendo em vista que na Portaria SAS/MS nº 346, de 23/06/2008, editada pela Secretaria de Atenção à Saúde, restou assentado que o financiamento dos tratamentos oncológicos ministrados nos CACON's e UNACON's são sustentados pelo Ministério da Saúde por meio das denominadas APACs ONCO, reforça-se a obrigação da União em custear a referida medicação.
Caberá ao ERGS fornecer sua expertise na entrega da medicação ao agravado, (1) de posse dos valores repassados pela União ou (2) no caso de descumprimento pela União da obrigação no prazo fixado, fornecer o medicamento com recursos próprios, garantido, também neste caso, o ressarcimento administrativo dos valores dispendidos.
Quanto ao prazo, considera-se prazo adequado para o cumprimento de obrigação de fazer que se destina ao fornecimento de medicamentos, considerando os atos administrativos necessários para a disponibilização de valores, repasse e entrega da medicação à parte, o prazo de vinte dias úteis (vide AG 5022425-49.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 02/09/2021 e AG 5010536-98.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/06/2021).
Portanto, com esses contornos, tenho que existem razões para reformar a decisão agravada.
Ante o exposto, defiro o pedido antecipação da tutela recursal.
Comunique-se.
Intimem-se, sendo a agravada para fins do art. 1.019, II, do CPC.
Ausentes novos elementos de fato ou de direito, a decisão que resolveu o pedido de liminar deve ser mantida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
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Agravo de Instrumento Nº 5030959-45.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
AGRAVANTE: JOAO FRANCISCO MARTINS MACHADO
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO/RS
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PAZOPANIBE (VOTRIENT®). NEOPLASIA MALIGNA DO RIM. EVIDENCIADA A VANTAGEM TERAPÊUTICA. evidencias CIENTÍFICAS. DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO.
1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão consoante definido pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011, de modo a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovada a existência de vantagem terapêutica do medicamento postulado em relação ao disponibilizado pelo SUS, a existência de evidências científicas de elevado grau, inclusive reconhecidas em Diretrizes Terapêuticas do próprio SUS, deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. 5. Por conta da solidariedade, a responsabilidade pelo cumprimento da decisão judicial é igual entre os demandados, sendo o caso de se apontar o órgão responsável pelo cumprimento e o direito de ressarcimento, nos termos do Tema 793 do STF, ressalvado que o ressarcimento se há de processar na esfera administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de setembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/09/2022 A 27/09/2022
Agravo de Instrumento Nº 5030959-45.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
AGRAVANTE: JOAO FRANCISCO MARTINS MACHADO
ADVOGADO: ANGELA MARIA MOISES RIBEIRO (OAB RS031259)
AGRAVADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO: MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO/RS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/09/2022, às 00:00, a 27/09/2022, às 16:00, na sequência 49, disponibilizada no DE de 08/09/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:08:41.