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AGRAVO DE INSTRUMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. INTERESSES INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO. TRF4. 5001214-30.2016.4.04.0...

Data da publicação: 02/07/2020, 06:18:11

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. INTERESSES INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO. 1. O Ministério Público Federal possui legitimidade para defender, por meio de ação civil pública, interesses individuais homogêneos, quando evidenciado interesse social relevante. 2. Tratando-se da tutela de interesses indígenas, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal decorre diretamente do art. 129 da Constituição. 3. A jurisprudência há muito é uníssona em flexibilizar o referido limite etário para os segurados especiais do meio rural, ainda com mais razão não pode servir de óbice à percepção de benefício em tela pelas adolescentes indígenas. 4. Presentes os requisitos autorizadores da medida antecipatória, quais sejam a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano, traduzido pelo caráter alimentar do benefício previdenciário almejado. (TRF4, AG 5001214-30.2016.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 20/04/2016)


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5001214-30.2016.4.04.0000/RS
RELATOR
:
LUIZ ANTONIO BONAT
AGRAVANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. INTERESSES INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO.
1. O Ministério Público Federal possui legitimidade para defender, por meio de ação civil pública, interesses individuais homogêneos, quando evidenciado interesse social relevante.
2. Tratando-se da tutela de interesses indígenas, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal decorre diretamente do art. 129 da Constituição.
3. A jurisprudência há muito é uníssona em flexibilizar o referido limite etário para os segurados especiais do meio rural, ainda com mais razão não pode servir de óbice à percepção de benefício em tela pelas adolescentes indígenas.
4. Presentes os requisitos autorizadores da medida antecipatória, quais sejam a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano, traduzido pelo caráter alimentar do benefício previdenciário almejado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, prejudicado o pedido de reconsideração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de abril de 2016.
Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT
Relator


Documento eletrônico assinado por Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8197124v4 e, se solicitado, do código CRC 21A5CDE1.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Luiz Antônio Bonat
Data e Hora: 20/04/2016 08:49




AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5001214-30.2016.4.04.0000/RS
RELATOR
:
LUIZ ANTONIO BONAT
AGRAVANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão monocrática que deferiu pedido de tutela antecipada, formulado nos autos de ação civil pública, que objetiva, liminarmente, a concessão de salário-maternidade para indígenas sem a necessidade de observância do requisito etário, considerando peculiaridades culturais.

Sustenta o agravante, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do agente ministerial, considerando não se cuidar, na espécie, de direito indisponível. No mérito, destaca que pessoas não consideradas seguradas não fazem jus ao almejado benefício (arts. 71 a 73 da Lei nº 8.213/91). Afirma que, segundo disposições da Lei nº 11.718/2008 as indígenas menores de 16 anos de idade não podem ser tidas como seguradas especiais, considerando a vedação legal do seu labor profissional. No contexto, entende o ente previdenciário que há que ser observado o requisito etário, na hipótese dos autos. Anota ainda, que a concessão do benefício em tela "tenderá a perpetuar costume que deve ser repudiado e que leva a gravidez precoce das indígenas". Refere, ainda, a impossibilidade de se emprestar tratamento semelhante à situação do menor aprendiz no caso dos autos e a ausência de atendimento dos requisitos inerentes à antecipação de tutela (art. 273 do CPC).

Indeferido o pedido de efeito suspensivo, o INSS peticionou pedindo reconsideração (Evento 27 - PET1).

Com contrarrazões do MPF.

É o relatório.

VOTO

Legitimidade ativa do Ministério Público Federal

Cumpre referir, na hipótese, que o Ministério Público Federal possui legitimidade para defender, por meio de ação civil pública, interesses individuais homogêneos, quando evidenciado interesse social relevante. Nesse sentido:

AGRAVO. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MPF. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS DE VALOR MÍNIMO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. 1. O Ministério Público Federal tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que evidenciado interesse social relevante, como no caso dos autos. Precedentes do STF e desta Corte. 2. Estando-se diante de situação que afeta interesses sociais e individuais indisponíveis, a ação civil pública revela-se via processual adequada. (...) (TRF4, AG 5012046-30.2013.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 06/09/2013)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE DE AGIR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE CUNHO CONSTITUCIONAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, LEGALIDADE E EFICIÊNCIA. MANUTENÇÃO DE PERITOS MÉDICOS DO INSS EM NÚMERO SUFICIENTE. PRAZO DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS PARA REALIZAÇÃO DAS PERÍCIAS. VIABILIDADE. 1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social. 2. Deve ser afastada a carência de ação por falta de interesse de agir, visto que há resistência na pretensão deduzida em juízo pelo Ministério Público Federal, com o intuito de zelar pela eficiência da prestação do serviço público, de forma efetiva, conferindo adequada aplicabilidade ao art. 37 da Constituição Federal. 3. Inconsistente a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, haja vista a possibilidade de controle da Administração e de suas políticas pela via judicial, quando necessário à tutela de direitos fundamentais. 4. Evidenciada grave situação, consolidada pela falta do mínimo existencial em relação aos serviços públicos prestados pela Autarquia Federal, haja vista a carência de profissionais no quadro de peritos do INSS, inviabilizando o exercício de direitos constitucionalmente assegurados a pessoas que se encontram impossibilitadas de trabalhar por motivo de enfermidade, impõe-se a correção da situação. 5. Hipótese em que caracterizado descumprimento de normas de cunho constitucional, como os princípios da legalidade e da eficiência, o que clama a intervenção do Poder Judiciário, a fim de equilibrar a situação, garantindo a dignidade da pessoa humana. 6. Deve o INSS manter, de forma permanente e em número suficiente, profissionais habilitados para a realização de perícias médicas indispensáveis à análise dos pedidos de benefícios previdenciários, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data do agendamento inicial, sob pena de implantação automática. (TRF4, APELREEX 5004831-56.2012.404.7010, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 16/07/2014)

A 5ª Turma desta e. Corte já teve a oportunidade de assentar a legitimidade ativa do parquet inclusive em caso muito semelhante ao que ora analisamos. Cuida-se da Apelação Cível n.º 5010723-55.2012.404.7200/SC, julgada em 13/08/2013, na qual foi relator para acórdão o Des. Federal ROGÉRIO FAVRETO, cuja ementa a seguir transcrevemos:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. SALÁRIO MATERNIDADE. TRABALHADORES INDÍGENAS. REQUISITO ETÁRIO. RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AGRAVADA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. Este Tribunal vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal. Hipótese, ademais, em que se discute sobre direito de indígenas de idade inferior a 16 anos, de modo que a legitimidade do Ministério Público Federal decorre do que expressamente dispõem os artigos 129 da CF, e 5º e 6º da LC 75/93.
(...) - grifei

Com efeito, em se tratando da tutela de interesses indígenas, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal decorre diretamente do art. 129 da Constituição, verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

Dessa forma, deve ser afastada a preliminar suscitada pelo ente previdenciário, vez que resta devidamente configurada a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, sendo perfeitamente cabível, por conseguinte, a proposição de ação pelo agente ministerial, cuja finalidade é garantir o acesso a benefício previdenciário de salário-maternidade a índias gestantes sem a necessidade de observância do requisito etário.

Do Mérito

Insurge-se o ente previdenciário, consoante anteriormente descrito, com o deferimento de medida antecipatória para a concessão de salário-maternidade para indígenas sem a necessidade de observância do requisito etário, tendo sido consideradas as peculiaridades culturais dos índios.

Analisando a questão, exigente de cuidadosa atenção do Judiciário, denota-se a improcedência do inconformismo recursal com o ato judicial impugnado, bem como do requerimento de sua suspensão.

Inicialmente, cumpre referir a determinação constitucional que impõe situação de pluralismo jurídico relativamente às comunidades em geral; e, nesse contexto, imputando aos componentes da sociedade, ao Estado, além do próprio judiciário, que no momento busca solucionar a presente questão, um tanto delicada, a obrigação de ter olhar diferente para casos envolvendo adolescentes índias e adolescentes não índias.

No caso, a idade mínima de trabalho estabelecida pelo art. 7º, XXXIII, da Constituição não deve configurar óbice à percepção de benefício previdenciário por menores de dezesseis anos, já que a norma constitucional não pode ser aplicada em prejuízo daquele a quem ela pretende proteger também constitucionalmente. Considerando que a jurisprudência há muito é uníssona em flexibilizar o referido limite etário para os segurados especiais do meio rural, ainda com mais razão não pode servir de óbice à percepção de benefício em tela pelas adolescentes indígenas.

Certamente, é indiscutível a necessidade de proteção social constitucional aos direitos dos indígenas, considerando que a Magna Carta veda qualquer tipo de discriminação por etnia, sexo e idade. Nesse sentido, as ponderações do INSS não merecem acolhimento. A guarida de índole previdenciária à mulher indígena, consubstanciada nesse momento na decisão ora agravada, constitui providência judicial perfeitamente coerente com a realidade dos fatos e com o ordenamento constitucional, devendo, assim ser afastada a pretensão do agravante quanto ao efeito suspensivo.

A propósito, o tema sob análise já foi devidamente enfrentado pela 5ª Turma desta e. Corte, consoante se observa da brilhante decisão exarada pelo i. Juiz Federal Roger Raupp Rios, por ocasião do julgamento da Apelação e Reexame nº 5004029-67.2012.404.7104, cuja ementa, por oportuno, transcrevemos, in verbis:

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNICIDADE RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO. IDADE MÍNIMA. DESCONSIDERAÇÃO. MULHERES INDÍGENAS. ETNIA KAINGANG. SEGURADAS ESPECIAIS. PROTEÇÃO SOCIAL CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MULHER INDÍGENA. DISCRIMINAÇÃO POR ETNIA, SEXO E IDADE. DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU INTERSECCIONAL. DIREITOS CULTURAIS. DIVERSIDADE CULTURAL. DIREITO AO RECONHECIMENTO. DIREITO PROBATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO INDIRETA. PODER JUDICIÁRIO. LEGISLADOR NEGATIVO. ATUAÇÃO CONCRETIZADORA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. APLICAÇÃO IMEDIATA. DIREITOS SOCIAIS DERIVADOS. PRESTAÇÃO SOCIAL POSITIVA. PROIBIÇÃO DO TRABALHO. MENORES DE DEZESSEIS ANOS. NORMA PROTETIVA. TRATAMENTO DIFERENCIADO. POSSIBILIDADE. 1. Não se conhece de segundo recurso interposto por força do princípio da unicidade recursal. 2. O MPF tem legitimidade para a defesa, por meio de ação civil pública, de direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, notadamente em defesa das comunidades indígenas, nos termos do art. 129, V, da Constituição. 3. Direito à proteção previdenciária em favor de mulheres mães indígenas, ainda que com idade inferior a 14 anos de idade. 4. A Constituição da República reconhece "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam" (art. 231). O Estatuto do Índio prevê que "o regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas" (art. 55). 5. A Constituição de 1988, atenta às diferenças culturais presentes na sociedade brasileira, previu tratamento específico quanto às culturas e etnias indígenas. Toda a legislação infraconstitucional deve ser interpretada conforme o comando do artigo 231, que prevê verdadeiro direito ao reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas. 6. Inaplicabilidade ao caso do art. 11, VII, "c", da Lei n.º 8.213/1991, que estipula a idade de 16 anos, para o filho ou quem for a este equiparado, como segurado obrigatório da Previdência Social, porque não se trata de condição de segurada decorrente da qualidade de filha, mas sim de cônjuge ou companheira de segurado especial, uma vez que a mulher indígena em questão estabelece relação conjugal. 7. Mesmo no paradigma do Código Civil, direito legislativo próprio da cultura não-indígena, permite-se o casamento aquém dos 16 anos de idade, em caso de gravidez (CC, art. 1520). Se assim é em norma jurídica cuja aplicação divorciada da cultura indígena seria inadequada - e que poderia levar à condição de segurada, como cônjuge, abaixo dos 16 anos -, com muito mais razão diante do mandamento constitucional de respeito às diferenças culturais. 8. No plano dos fatos, a literatura especializada não deixa dúvida quanto à idade de casamento na cultura kaingang ser não só inferior aos 16 anos, como serem consideradas adultas e, portanto, aptas para casarem desde a menarca (que ocorre entre os 9 e 15 anos, acontecendo em média aos 12 anos; dentre os Kaingang, há registro científico de 13 anos como idade média. 9. Na cultura indígena em questão, como em geral nas culturas indígenas espalhadas pelo Brasil, por volta dos 12 anos surgem não somente a menarca, como também a vida adulta. Junto com a vida adulta, não há como não reconhecer, igualmente, a participação ativa e relevante destas indígenas nas atividades vitais para o desenvolvimento de sua comunidade, expressão que utilizo objetivando aproximar-me da categoria "trabalho", como entendida desde a modernidade. 10. Não bastasse a proibição constitucional de discriminação sexista quanto à compreensão do que seja trabalho, a proibição de discriminação étnica também incide, fazendo ver que as atividades desempenhadas por mulheres indígenas casadas e mães, independentemente de idade, são culturalmente relevantes e valorizadas na cultura kaingang. É preciso, portanto, evitar qualquer tentação colonialista de desprezar o trabalho indígena, sob pena de violação da proibição de discriminação por motivo étnico, bem como em face do artigo 231 da CF/88. 11. Assim, ficam superadas alegações quanto à falta de comprovação de trabalho ou, do "costume de trabalhar" (sic). Tal argumentação parece padecer, ainda que involuntariamente, das representações preconceituosas, decorrentes do etnocentrismo, em particular, quanto às atividades produtivas na cultura indígena, e, mais ainda, quando se entrecruzam etnia, sexo e idade. 12. Diante de fatos históricos, passados e presentes, bem como da organização social da cultura indígena, estamos diante de fato púbico e notório, que não pode se confundir somente com aquilo que é disseminado no senso comum e, mais grave ainda, no senso comum da cultura branca ocidental. A dificuldade probatória decorrente da chamada discriminação institucional indireta, vale dizer, de efeitos discriminatórios involuntários originados da dificuldade que a cultura dominante e os grupos privilegiados tem para perceber a sua posição de vantagem e a naturalização, como se neutra fosse, sua visão de mundo. 13. A jurisprudência, inclusive aquela do Supremo Tribunal Federal, assentou que não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à Constituição e à lei, no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho. O limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em prol do menor, vale dizer, norma protetiva do menor norteadora da legislação trabalhista e previdenciária. A mesma norma editada para proteger o menor não pode, no entanto, prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou. 14. Não se sustenta o argumento de que o Estatuto do Índio apenas estende aos índios o regime previdenciário em vigor, o que significaria tornar letra morta o art. 55. Fosse correta tal interpretação, bastaria ao Estatuto dizer que a Previdência Social deve abranger os índios, sem necessidade de atender suas condições sociais, econômicas e culturais. Este argumento não ultrapassa, ainda pelo menos duas ordens de razões. A primeira diz respeito mesmo à letra da lei, aplicada no contexto cultural em causa. A mulher indígena aqui não é filho nem menor a tanto equiparada. Ela é, no mínimo, cônjuge, quando não trabalhadora segurada especial. A segunda, a partir e mesmo além da letra da lei, pelo chamado "espírito da lei", no caso, a sua finalidade protetiva. 15. De outro lado, não se está a aplicar tratamento diferenciado com base em critérios não razoáveis. Pelo contrário, o critério de diferenciação é perfeitamente razoável, tendo em vista as peculiaridades da cultura indígena, em especial da etnia Kaingang, e está expressamente previsto em Lei (Estatuto do Índio). Trata-se de normativa, a propósito, que deve ser vista como especial, prevalecendo diante das disposições da Lei n.º 8.213/1991, que ignoram os costumes das comunidades indígenas. 16. É superável igualmente o argumento de que a permissão da concessão de benefício a menores de dezesseis anos equivale a política assistencialista, cuja atribuição é da FUNAI. Não se trata de política propriamente assistencialista, mas sim de conceder benefício previdenciário também a menores de dezesseis anos, assim como já é concedido às maiores, desde que satisfeitos os demais requisitos. 17. Também não se sustenta o argumento de que a flexibilização do limite etário incentivará o trabalho infantil e a gravidez precoce. A um, porque tais elementos já ocorrem há muito tempo, fazendo parte da cultura dos índios, havendo ou não cobertura previdenciária; a dois, porque não se concebe a impossibilidade de se conceder qualquer benefício previdenciário ao argumento de que poderá abstratamente incentivar alguém a preferir a situação de risco coberta pela Previdência. A possibilidade de recebimento de salário-maternidade de forma alguma incentivará a gravidez precoce e muito menos pode servir de argumento para flexibilizar o requisito etário. 18. Não se trata de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo. Primeiro, porque o artigo 231 da CF/88, que é norma de direito fundamental, a proteger liberdade e igualdade fundamentais aos povos indígenas, bem como a reconhecer sua dignidade, tem eficácia direta e imediata. Ainda que não se empreste tal eficácia direta e aplicabilidade imediata do direito de igualdade, estamos diante de direito fundamental derivado a não-ser discriminado no sistema previdenciário. Deste modo, o tribunal está agindo não como legislador positivo, não está inovando. Ele está aplicando a clássica proteção antidiscriminatória, de natureza negativa, ao dizer o que o legislador, no sistema que ele mesmo erigiu, não pode fazer: ele não pode excluir direito derivado à proteção social para uns e favorecer outros. Dito de outro modo: não há espaço para opção legislativa que viole o dever de observância à igualdade, seja diretamente, seja, como no caso, de direito derivado a prestação social. 19. Apelação e remessa necessária desprovidas, mantendo-se a sentença que determinou ao INSS que admita o ingresso no RGPS e se abstenha de indeferir benefício de salário-materinidade em razão do requisito etário para mulheres indígenas residentes em comunidades Kaingang abrangidas pela Subseção Judiciária de Passo Fundo/RS. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004029-67.2012.404.7104, 5ª TURMA, Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/11/2014)

Tenho, portanto, que, de fato, encontram-se presentes os requisitos autorizadores da medida antecipatória, quais sejam a verossimilhança do direito alegado e o fundado receio de dano, traduzido pelo caráter alimentar do benefício previdenciário almejado, relevando-se, dessa forma, improcedente a pretensão da parte agravante para a suspensão da decisão agravada.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada e voto no sentido de negar provimento ao agravo, prejudicado o pedido de reconsideração.

É o voto.

Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT
Relator


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Data e Hora: 20/04/2016 08:49




EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2016
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5001214-30.2016.4.04.0000/RS
ORIGEM: RS 50017962320154047127
RELATOR
:
Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dr. Marcus Vinícius Aguiar Macedo
AGRAVANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2016, na seqüência 241, disponibilizada no DE de 28/03/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO, PREJUDICADO O PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
VOTANTE(S)
:
Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
Marilia Ferreira Leusin
Secretária em substituição


Documento eletrônico assinado por Marilia Ferreira Leusin, Secretária em substituição, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8271901v1 e, se solicitado, do código CRC 36682D99.
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Signatário (a): Marilia Ferreira Leusin
Data e Hora: 19/04/2016 18:06




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