AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018889-69.2017.4.04.0000/RS
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
AGRAVANTE | : | GENI CLECI RIBEIRO |
ADVOGADO | : | LEANDRO DO NASCIMENTO LAMAISON |
AGRAVADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. COISA JULGADA. OCORRÊNCIA.
Embora o julgador sempre deva dar especial atenção ao caráter de direito social das ações previdenciárias e à necessidade de uma proteção social eficaz aos segurados e seus dependentes quando litigam em juízo, há limites na legislação processual que não podem ser ultrapassados, entre eles, os fixados pelo instituto da coisa julgada material, exceto pelas estreitas vias previstas na legislação, como é o caso da ação rescisória.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 31 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora para Acórdão
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018889-69.2017.4.04.0000/RS
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
AGRAVANTE | : | GENI CLECI RIBEIRO |
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RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento contra a seguinte decisão:
"Compulsando os autos, observo que a autora pleiteia, dentre outros pedidos, o reconhecimento e posterior averbação da atividade rural no período de 01/01/1985 a 30/11/1988. O réu, por sua vez, aduz a existência de coisa julgada em relação à referida matéria, visto que a parte adversa já teria ajuizado ação idêntica com o mesmo objeto, restando julgada improcedente.
Nesse ponto, verifico que a demandante efetivamente ajuizou ação anterior buscando o reconhecimento do labor rural pelo período referido na inicial. No referido feito, autuado no JEF Previdenciário da Justiça Federal de Santo Ângelo/RS sob nº 2007.71.55.002874-1/RS, não houve o acolhimento do pedido da autora em face da "imprecisão advinda dos depoimentos", conforme se extrai da análise da sentença e acórdão, acostados às fls. 148/152 e 153.
Assim, da análise dos elementos carreados, tenho que assiste razão à autarquia previdenciária, pois efetivamente já ocorreu a apreciação do mérito em relação ao pleito de reconhecimento do labor rural. De ressaltar, inclusive, que a sentença prolatada no juízo federal analisou as provas carreadas pela autora e apreciou o pleito, optando pela improcedência do pedido. Não há que se falar, portanto, em extinção da ação originária, sem resolução do mérito.
Desse modo, considerando que a decisão em comento já transitou em julgado, tenho que o acolhimento da preliminar suscitada em sede de contestação mostra imperativo.
Pelo exposto, acolho a preliminar arguida pelo réu, para o fim de reconhecer a coisa julgada em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/01/1985 a 30/11/1988, julgando, por consequência, extinto o feito em relação ao referido ponto, forte no art. 485, V, do NCPC.
Intimem-se as partes da presente decisão, oportunidade em que deverão dizer sobre o interesse na produção de provas, especificando-as e indicando a finalidade."
Refere a agravante que ajuizou ação contra o INSS, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento das seguintes situações fático-jurídicas: (a) exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01/01/1985 a 30/11/1988; (b) exercício de atividade especial no período de 04/01/1999 até a atualidade, junto ao Hospital Santa Tereza, de Guarani das Missões, com conversão do tempo especial em comum. Informou na inicial que já havia postulado em ação precedente, que tramitou perante a Justiça Federal de Santo Ângelo sob n. 2007.71.55.002874-1, o reconhecimento da atividade rural entre 02/03/1980 e 30/11/1988, tendo sido acolhida apenas a averbação do período de 02/03/1980 a 31/12/1984, sob o argumento de que a prova não teria sido precisa e suficiente em relação ao período posterior ao ano de 1985. Alega que, assim, não houve, a rigor, julgamento de mérito com relação ao período de 1985 a 1988, pois a negativa ocorreu em razão de suposta deficiência de provas, permitindo que busque novamente comprovar o seu direito com novos elementos. Aduz, ainda, que na primeira ação ajuizada houve um problema relativo à ilegibilidade de parte dos documentos juntados. Remata que no novo requerimento administrativo foram apresentadas novas e significativas provas, como: (a) Histórico Escolar de 1997 a 1980; (b) Ficha de Sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guarani das Missões, de 1971 a 1996; (c) certidão de casamento dos seus pais, na qual indica a profissão do genitor Ramão como sendo agricultor; (d) guias do Incra em nome do pai, de 1985 a 1988; (e) notas fiscais de produtor de 1985 a 1988; (f) matrícula de propriedade rural em nome do seu pai. Pede o, pois, o afastamento da preliminar de coisa julgada, para que possa postular o reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 01/01/1985 a 30/11/1988.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
In casu, não há controvérsia sobre a identidade das demandas com relação ao período indigitado.
Neste passo, cumpre ponderar que não há dúvida de que em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deve ser mitigado. Não se pode, todavia, ignorar os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual quando estejam concretizando princípios ditados pelo próprio ordenamento constitucional. Um desses princípios que informam o direito processual é o da coisa julgada, o qual goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito.
Não há que se falar, assim, em relativização da coisa julgada com base nos princípios informadores do direito previdenciário.
Entrementes, é admitida em matéria previdenciária a formação de coisa julgada secundum eventum probationis, pois se refere a uma relação jurídica própria, admitindo-se a propositura de ação idêntica, mas com novas provas. Nesse sentido já se manifestou esta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. RELATIVIZAÇÃO. AFASTAMENTO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. HIDROCARBONETOS. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONCESSÃO.
1. Não afronta a coisa julgada a discussão sobre o reconhecimento de labor especial de período analisado em demanda precedente, para fins de obtenção do mesmo tipo de aposentadoria, tendo em vista a possibilidade de reexame das alegações não declinadas naquele feito, mediante apresentação de novos elementos probantes com relação à prestação laboral no período controvertido. Preliminar de ocorrência de coisa julgada rejeitada por maioria.
2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
4. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente.
5. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
6. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.
7. Segundo decidiu o STJ, no julgamento de recurso sob o rito do art. 543-C do CPC, devem ser tratadas de forma distinta, para fins de aplicação da lei previdenciária no tempo, a caracterização de determinado período de trabalho como tempo especial ou comum, e a possibilidade e os critérios para a conversão do tempo de serviço que foi classificado como comum ou especial.
8. Na esteira deste entendimento, a lei aplicável para definir se o tempo se qualifica como especial ou comum é a lei vigente à época da prestação do trabalho, mas a possibilidade e os critérios para a conversão do tempo de serviço que foi classificado como especial em tempo comum, ou do período que foi qualificado como comum, em especial, mediante a utilização do multiplicador correspondente, rege-se pela lei vigente no momento em que o segurado implementa todos os requisitos para a aposentadoria.
9. Implementados mais de 25 anos de tempo de atividade sob condições nocivas e cumprida a carência mínima, é devida a concessão do benefício de aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
10. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamento do processo, e diante da pendência, nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5010206-86.2013.404.7112, 5a. Turma, TAIS SCHILLING FERRAZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/10/2016)
Com efeito, embora o Direito Previdenciário também se submeta à processualística civil, não há como desconsiderar as peculiaridades das demandas previdenciárias, sendo mesmo curial uma flexibilização da rígida metodologia civilista, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. Deve-se priorizar o princípio da busca pela verdade real, diante do interesse social que envolve esta espécie de demandas. Na lição do Magistrado José Antônio Savaris, "a coisa julgada não deve significar uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica(...) Não há insegurança em se discutir novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas, como inexiste segurança na possibilidade de se rever uma sentença criminal em benefício do réu (....) seria minimamente adequada a sentença que impõe ao indivíduo a privação perpétua de cobertura previdenciária a que, na realidade, faz jus?"
Estabelecidas tais premissas, tenho que, no caso em análise, deve ser afastada eficácia preclusiva da coisa julgada em face da possibilidade de comprovação por meio de novas e recentes provas apresentadas pela agravante, tais como: (a) Histórico Escolar de 1997 a 1980; (b) Ficha de Sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guarani das Missões, de 1971 a 1996; (c) certidão de casamento dos seus pais, em que consta a profissão do genitor como sendo agricultor; (d) guias do INCRA em nome do pai, de 1985 a 1988; (e) notas fiscais de produtor de 1985 a 1988; (f) matrícula de propriedade rural em nome do seu pai.
Logo, deve ser rejeitada a alegação de coisa julgada com relação ao período de 01/01/1985 a 30/11/1988, tendo prosseguimento a ação originária também quanto ao pedido de reconhecimento de trabalho rural em regime de economia familiar naquele lapso temporal.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018889-69.2017.4.04.0000/RS
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VOTO DIVERGENTE
Com a devida vênia, divirjo do voto proferido pelo eminente relator.
O presente agravo de instrumento foi interposto contra decisão que acolheu a preliminar arguida pelo réu, para o fim de reconhecer a coisa julgada em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/01/1985 a 30/11/1988 e extinguiu o processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, V, em relação ao referido período.
O eminente relator deu provimento ao recurso para rejeitar a alegação de coisa julgada e determinar o prosseguimento da ação originária também quanto ao pedido de reconhecimento de trabalho rural em regime de economia familiar naquele lapso temporal.
Sobre esta matéria, no julgamento da Ação Rescisória nº 0000815-86.2016.4.04.0000/RS, me pronunciei no sentido de que embora o julgador sempre deva dar especial atenção ao caráter de direito social das ações previdenciárias e à necessidade de uma proteção social eficaz aos segurados e seus dependentes quando litigam em juízo, há limites na legislação processual que não podem ser ultrapassados, entre eles, os fixados pelo instituto da coisa julgada material, exceto pelas estreitas vias previstas na legislação, como é o caso da ação rescisória.
Oportuno transcrever trechos do julgado da Terceira Seção deste Tribunal que, por maioria, julgou procedente a ação rescisória:
(...)
Aliás, a regra do ordenamento processual brasileiro é a de que a cognição deve ser plena e exauriente para que se tenha um processo justo, garantindo-se o direito fundamental de acesso à jurisdição, possibilitando às partes da relação jurídica sustentarem suas razões e apresentarem suas provas e, assim, influírem, por meio do contraditório, na formação do convencimento do julgador.
Segundo, ainda, Eduardo Talamini (Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT. 2005. p. 58-61):
Nos processos de cognição exauriente, vigora a regra geral no sentido de que mesmo a sentença que julga o mérito tomando em conta a falta ou insuficiência de provas (i. e., que aplique as regras sobre ônus da prova) faz coisa julgada material.
O estabelecimento de ônus probatórios para as partes visa a fornecer para o juiz critérios para decidir naqueles casos em que não foi possível produzir as provas suficientes para formar seu convencimento. É então uma "regra de juízo". O processo, por um lado, não pode ter duração indeterminada no tempo. Não é possível passar a vida inteira tentando descobrir a verdade - até porque, em termos absolutos, a verdade é inatingível. A atuação jurisdicional para cada caso concreto tem de, em um determinado momento, terminar, sob pena de sua prolongada pendência ser até mais prejudicial, no âmbito social, do que os males que o processo buscava eliminar. Por outro lado, o juiz não pode eximir-se de decidir apenas porque tenha dúvidas quanto à "verdade dos fatos". Trata-se do princípio de vedação ao non liquet.
O juiz terá necessariamente de chegar a uma decisão, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Então, a atribuição de ônus da prova às partes serve de critério - o último recurso - para o juiz decidir nesses casos. O legislador, tomando em conta situações de anormalidade, identifica qual das partes em princípio mais facilmente comprovaria um fato, atribuindo-lhe o ônus de prová-lo. Quando o juiz, a despeito de ter adotado todas as providências razoáveis para reconstrução dos fatos da causa, não houver conseguido formar convencimento a esse respeito, ele deverá aplicar as regras sobre ônus probatório - decidindo contra aquele que não produziu a prova que lhe incumbia.
Pois bem, nesses casos, em regra, formar-se-á a coisa julgada material.
A mesma razão que justifica decidir com amparo no critério da distribuição do ônus - evitar a prolongação excessiva do litígio e afastar a insegurança jurídica - legitima igualmente a atribuição de coisa julgada material à decisão a que se chegue.
A cognição não se tornará "sumária" porque o juiz decidiu tomando em conta o ônus da prova ou se amparou em presunções. Se a cognição era exauriente, cognição exauriente continuará havendo. Afinal, não é, em si e por si, mensurável o grau de convencimento de que é dotado o juiz no momento em que sentencia acerca do mérito. Eventualmente, não há plena convicção pessoal do magistrado quanto aos fatos, e ele mesmo assim acaba tendo de decidir, valendo-se de máximas da experiência ou dos critérios de distribuição dos ônus probatórios. Mas a falta de plena convicção pode ocorrer até mesmo quando o juiz sentencia amparando-se em provas ditas "diretas". Por isso, não é o grau de convencimento pessoal do juiz, no momento da sentença, que permite qualificar a atividade cognitiva então encerrada como exauriente ou não. O adequado critério para tal classificação (sumário versus exauriente) é dado por aquilo que se fez antes, no curso do processo - melhor dizendo: por aquilo que o procedimento legalmente previsto possibilitava fazer para chegar à decisão. Processo cujo momento da sentença encontra-se depois de ampla permissão de instrução e debate é de cognição exauriente. Já quando a lei prevê que o pronunciamento judicial não será precedido de tal leque de oportunidades, a cognição é sumária (superficial). Resumindo: a estrutura procedimental instrutória repercute necessariamente na qualificação da cognição. A psicologia do juiz, seu efetivo "grau de convencimento", é insondável.
Portanto, se é exauriente a cognição desenvolvida, e na medida em que a sentença em questão julga o mérito, aplicam-se as regras gerais: há coisa julgada material. Em princípio, a reunião de novas ou melhores provas não permitirá nova ação sobre o mesmo objeto entre as mesmas partes.
Só não será assim, excepcionalmente, por expressa disposição legal. É o que ocorre, por exemplo:
(a) na ação popular (art. 18, da Lei 4.711/1965): a sentença de improcedência por falta ou insuficiência de provas não faz coisa julgada material. Tanto o autor quanto qualquer outro cidadão poderá tomar a propor exatamente a mesma ação popular (mesmos réus, mesmo pedido, mesma causa de pedir), reunindo novos elementos instrutórios destinados a demonstrar a lesividade do ato;
(b) na ação coletiva em defesa de direito difuso ou coletivo (CDC, art. 103, I e II, Lei 7.347/1985, art. 16): aplica-se regime semelhante ao da ação popular. Se a ação foi julgada improcedente porque faltaram provas ou elas foram insuficientes, qualquer legitimado, inclusive o que foi autor da ação rejeitada, pode repetir a mesma ação;
(c) no mandado de segurança: quando não há prova documental suficiente, a sentença que o juiz profere não faz coisa julgada material (Lei 1.533/1951, art. 6°, c/c arts. 15 e 16; STF, Súm. 304). Discute-se, porém, qual o exato motivo pelo qual não se põe essa autoridade. Parte da doutrina e da jurisprudência reputa que não é de mérito tal sentença: terá faltado um pressuposto processual ou condição da ação, de caráter especial, consistente na prova preconstituída (o "direito líquido e certo"). Mas há quem sustente que a sentença, nessa hipótese, é de cognição superficial de mérito. O mandado de segurança seria, então, ação de cognição sumária secundum eventum probationes: se há prova preconstituída a respeito de todos os fatos relevantes, juiz desenvolveria cognição exauriente; ausente esse "direito líquido e certo", apenas se teria cognição superficial.
Em todas essas hipóteses, há disposição legal expressa estabelecendo disciplina própria para a coisa julgada. E, em todas, especiais razões justificam o tratamento especial: (nos dois primeiros exemplos, a regra em exame presta-se a atenuar as conseqüências da extensão da coisa julgada a terceiros; no terceiro, é uma contrapartida à exclusiva admissão de prova preconstituída).
Portanto, a extensão desse regime a outros tipos de processo depende de norma expressa a respeito. Mais ainda: a alteração legislativa apenas se justifica, em cada tipo de caso, se se fundar em razoáveis motivos."
Assim, o processo previdenciário, quer orientado pelo rito ordinário ou pelo rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Federais, é sempre de cognição plena e exauriente, não havendo autorização para a adoção da coisa julgada secundum eventum probationis. O vetor da celeridade processual não pode desencadear numa sentença denegatória por insuficiência de provas sem antes instaurar a cooperação no procedimento visando à solução adequada do processo. O magistrado, quando indefere provas postuladas ou deixa de proceder, de ofício, na busca da verdade dos fatos, limita sua própria atividade cognitiva, relegando para segundo plano o direito do segurado, sob o argumento da celeridade ou do artifício da possibilidade de repetição da demanda sem ofensa à coisa julgada, ao sustentar a aplicação da cognição secundum eventum probationis.
A relativização da coisa julgada em matéria previdenciária carece, portanto, do necessário suporte legal, por meio de alteração do código de processo civil ou, até, pela criação de normas processuais específicas para as ações previdenciárias.
A despeito da compreensão emprestada por alguns juristas e doutrinadores à coisa julgada secundum eventum probationis, se há produção de provas e essas, crivadas em cognição exauriente, forem consideradas insuficientes quanto ao direito constitutivo do autor, o mérito necessariamente será examinado, podendo culminar em julgamento de improcedência do pedido, autorizando, portanto, a formação da coisa julgada material.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Tema 629 no Recurso Especial Repetitivo nº 1.352.721/SP, por maioria, assentou que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência da ação, autorizando-se a extinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267, IV, CPC/73). Nesse julgamento, houve divergência quanto à possibilidade que, em feitos previdenciários com provas insuficientes, possa o processo ser extinto com fulcro no artigo 269, I, do CPC, com julgamento de mérito, ocorredo a coisa julgada material secundum eventum probationis, de forma a autorizar a propositura de nova ação, desde que amealhadas novas provas.
No ponto, peço vênia para colacionar excerto do voto-vista prolatado pelo eminente Des. Federal Roger Raupp Rios na ação rescisória nº 5000348-22.2016.404.0000, in verbis:
A aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis em caso de instrução deficiente (quer dizer, deficiência probatória e não insuficiência completa de provas), harmoniza a necessidade de preservação da coisa julgada, evitando-se a eternização dos litígios, com a proteção do segurado que, por circunstâncias diversas, não teve oportunidade de produzir determinada prova. Se, de um lado, não permite o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, baseadas nas mesmas provas (o que será permitido se houver extinção sem exame do mérito), de outro, autoriza o ajuizamento de nova demanda, mesmo após sentença de improcedência, quando comprovado o surgimento de novas provas, que não estavam ao alcance do segurado-autor quando do processamento da primeira demanda.
Todavia, não tem sido esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o próprio prolator do voto divergente, que aplicou a teoria da coisa julgada secundum eventum probationis, Min. Mauro Campbell Marques, tem ressalvado seu entendimento pessoal, curvando-se ao entendimento da Corte Especial no REsp. 1.352.721/SP (nesse sentido, decisões proferidas nos REsp. 1.574.979/RS, 1.484.654/MS, 1.572.373/RS, 1.572.577/PR e 1.577.412/RS, em que reconhecida a existência de coisa julgada por força de anteriores ações em que proferidos julgamentos de improcedência com exame de mérito).
Na mesma linha, embora convencido de que, no caso de insuficiência de provas, deve haver julgamento de improcedência secundum eventum probationis, passei a aplicar novamente o entendimento pela extinção do processo sem exame do mérito, ressalvando ponto de vista pessoal.
Tal compreensão é relevante no caso concreto. Acaso admitida a possibilidade de ocorrência da coisa julgada secundum eventum probationis, mesmo em caso de improcedência, ou seja, de exame do mérito, será possível o ajuizamento de nova ação, desde que amparada em novas provas e devidamente justificada a impossibilidade de apresentação de tais elementos probantes na primeira ação.
Por outro lado, rejeitada a aplicação da teoria, havendo sentença de mérito, estará fechada - ressalvada eventual ação rescisória - a possibilidade de nova demanda.
Afastada a teoria da coisa julgada secundum eventum probationis, só considero possível o ajuizamento de nova ação se a primeira tiver sido extinta sem resolução do mérito.
No caso concreto, houve improcedência quanto ao tempo rural na primeira ação, e não julgamento sem exame do mérito, de modo que há coisa julgada. Cabia ao autor, naquele feito, ter buscado provimento sem exame de mérito, para que remanescesse a possibilidade de ajuizamento de nova ação.
Assim, ressalvado ponto de vista pessoal, reconheço a existência de coisa julgada, tal como a eminente relatora, concluindo pela procedência da ação rescisória. (...).
No entanto, a despeito das duas posições externadas do recurso especial representativo de controvérsia, na linha do expendido alhures, ao ser examinado o conjunto probatório em cognição exauriente e restar constatada a deficiência da prova, haverá julgamento de mérito do pedido, de modo a ensejar a extinção do processo conforme previsto no art. 269, I do CPC/73 (art. 487, I, CPC/2015) fazendo, portanto, coisa julgada formal e material.
No caso concreto, quanto à produção de provas, como se vê da decisão das fls. 349-352, o magistrado que conduziu a primeira ação proposta por Jatyr Nonemacher (2006.71.14.000593-1), antes de encerrar a instrução, franqueou à parte autora a produção de provas mais robustas quanto à suposta atividade rural que alegou desempenhar no período de 1965 a 1970. No entanto, outras provas constitutivas do direito do autor não foram acostadas, restando apenas aquelas acostadas com a inicial e as da justificação administrativa, consideradas insuficientes para o juízo de procedência.
E, no meu sentir, a sentença prolatada no primeiro processo que extinguiu o processo com julgamento de mérito foi correta, fazendo, portanto, coisa julgada material, a impedir posterior ação para rediscussão da lide, mesmo com novas provas.
Em face do que foi dito, não merece reforma a decisão agravada que reconheceu a coisa julgada em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/01/1985 a 30/11/1988.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018889-69.2017.4.04.0000/RS
ORIGEM: RS 00008294820168210102
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Maurício Pessutto |
AGRAVANTE | : | GENI CLECI RIBEIRO |
ADVOGADO | : | LEANDRO DO NASCIMENTO LAMAISON |
AGRAVADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 1236, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DESEMBARGADORA FEDERAL SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, PRIMEIRA NA DIVERGÊNCIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Processo Pautado
Divergência em 22/05/2017 17:51:14 (Gab. Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE)
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9027296v1 e, se solicitado, do código CRC 7DCFCAB1. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 01/06/2017 20:08 |
