Apelação/Remessa Necessária Nº 5031103-73.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: MARIA ELESAVETE WITSMISZYN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: Paulo Martins (OAB PR030780)
ADVOGADO: KAROLINE DE CASTRO (OAB PR086749)
ADVOGADO: ALINI IANK RIBEIRO (OAB PR091976)
APELADO: Chefe da Divisão da Apoio Administrativo DAD, da Secretaria de Apoio Administrativo - SFA - PR do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - Curitiba (IMPETRADO)
APELADO: CHEFE DO SERVIÇO DE GESTÃO DE PESSOAS - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - Curitiba (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em mandado de segurança pelo qual a parte impetrante busca o reconhecimento do direito à manutenção de pensão especial.
Os fatos estão relatados na sentença:
Pretende a impetrante, por meio da presente demanda, o reconhecimento do direito à manutenção de pensão especial, ameaçada de ser cancelada em razão de decisão administrativa proferida no PAD 21034.000914/2017-18.
Relata e argumenta que é pensionista do ex-servidor público federal, José Witsmeszyn, falecido em 1968, na condição de filha solteira do instituidor, com fundamento na Lei 3.373/58; o benefício foi cancelado com fundamento da interpretação do TCU de impossibilidade de acumulação de aposentadoria por tempo de contribuição junto ao RGPS com pensão civil temporária para filha solteira maior de 21 anos. Alega que a interpretação do TCU é contrária à lei vigência a época do óbito.
No evento 3 deferido o pedido liminar.
A União manifestou interesse em acompanhar a lide.
A autoridade impetrada, apesar de regularmente intimada não apresentou informações.
O Ministério Público Federal disse não ser causa que justificasse sua intervenção.
Vieram os autos conclusos e registrados para sentença.
Relatados. Decido.
A sentença concedeu a segurança (Evento 34 do processo de origem):
Ante o exposto, confirmo a medida liminar e concedo a segurança, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para reconhecer o direito da impetrante à manutenção da pensão especial objeto dos autos, independentemente de ser aposentada pelo RGPS.
Sem custas e honorários nesta instância (arts. 54, caput, e 55, caput, da Lei 9.099/95).
Havendo interposição de recurso no prazo de 10 (dez) dias, dê-se vista ao recorrido para oferecimento de contrarrazões, no prazo legal, e, em seguida, promova-se a remessa eletrônica a uma das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Paraná.
Transitada em julgado, havendo valores a executar, remetam-se os autos à Contadoria para elaboração de cálculos de referência, altere-se a classe para cumprimento de sentença e expeça-se requisição de pagamento.
Expedida requisição, aguarde-se o pagamento.
Oportunamente, arquivem-se.
Sentença registrada eletronicamente e publicada com a disponibilização no sistema. Intimem-se as partes.
Apela a parte impetrada (Evento 42 do processo de origem), pedindo a reforma da sentença e a denegação da segurança. Traça a recorrente histórico da pensão temporária prevista na Lei 3.373/68. Alega: a) a legalidade e constitucionalidade da supressão da pensão da Lei nº 3.373/1958 na ausência de dependência econômica em relação ao instituidor; b) a ausência de decadência do direito de anular ou revogar o ato administrativo de concessão da pensão; c) que há condição resolutiva do benefício prevista na própria Lei nº 3.373/1958; d) a ausência de retroação do cancelamento da pensão; e) ausência de violação ao princípio da segurança jurídica, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito; f) a legalidade do ato que ordenou a supressão da pensão da parte autora; e g) a ausência de dependência econômica em relação ao instituidor da pensão.
Houve contrarrazões.
O Ministério Público Federal deixou de se manifestar sobre o mérito do recurso.
O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
Examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto, da sentença concessiva da segurança, proferida pelo juiz federal Friedamnn Anderson Wendpap, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:
Diante da ausência de preliminares, passo à análise do mérito, em relação ao qual não vejo motivos para modificar o entendimento expresso na decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela.
Ainda que o benefício recebido pela autora cause certa perplexidade nos tempos atuais de austeridade orçamentária e, especialmente, de emancipação das mulheres, não são essas as luzes que devem nortear a sua interpretação normativa.
Como exposto, a necessidade de comprovar a dependência econômica para fazer jus à pensão por morte instituída à época da vigência da Lei 3.373/1958 decorre de interpretação recente adotada pelo TCU em Orientação Normativa nº 13, de 30/10/2013, e Acórdão 2.780/2016 - Plenário.
Assim, não poderia a nova interpretação alcançar o benefício percebido pela autora desde 1968, a teor do artigo 2º, inciso XIII, da Lei 9.784/99. Vejamos:
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Ademais, ela contraria a lei de regência da pensão, a qual tem a seguinte redação:
Art 5º. Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado:
...
II - Para a percepção de pensões temporárias:
a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;
b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados.
Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.
Como se vê, a filha solteira só perde o direito à pensão se vier a ocupar cargo público permanente. A percepção de renda, seja ela qual for, à exceção daquela decorrente de cargo público permanente, não é causa extintiva do benefício. Assim, a circunstância da impetrante ser ser aposentada pelo RGPS, não poderia ser utilizado para fundamentar a cessação do benefício. Independe dessa conclusão a circunstância eventual dessa renda vir implicar ausência de dependência econômica do instituidor, pois este requisito não existe na lei.
Sobre o tema, o STF analisou, recentemente, medida cautelar em mandado de segurança coletivo (MS 34.677 MC/DF) impetrado pela Associação Nacional da Previdência e da Seguridade Social, em que requereu a suspensão do Acórdão nº 2.780/2016 do Plenário do TCU, o qual, por sua vez, determina a revisão de benefícios previdenciários de pensão por morte titularizados por filhas de servidores públicos civis, instituídas com base no art. 5º, II, parágrafo único, da Lei nº 3.373/1958. A medida cautelar foi concedida pelo Ministro Edson Fachin, com base nos fundamentos acima explicitados. Cito-a, adotando-a como razões de decidir:
... Inicialmente, assento a jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal Federal quanto à incidência, aos benefícios previdenciários, da lei em vigência ao tempo em que preenchidos os requisitos necessários à sua concessão. Trata-se da regra “tempus regit actum”, a qual aplicada ao ato de concessão de pensão por morte significa dizer: a lei que rege a concessão do benefício de pensão por morte é a vigente na data do óbito do segurado. ... A tese foi assentada, inclusive, no julgamento do RE 597.389-RG-QO, sob a sistemática da repercussão geral. As pensões cujas revisões foram determinadas no Acórdão 2.780/2016 – Plenário – TCU, tiveram suas concessões amparadas na Lei 3.373/58, ... Os requisitos para a concessão da pensão por morte aos filhos dos servidores públicos civis federais eram, portanto, serem menores de 21 (vinte e um anos) ou inválidos. Excepcionalmente, a filha que se mantivesse solteira após os 21 anos não deixaria de receber a pensão por morte, exceto se passasse a ocupar cargo público permanente. Não se exigiam outros requisitos como, por exemplo, a prova da dependência econômica da filha em relação ao instituidor ou ser a pensão sua única fonte de renda. De igual modo, não havia na lei hipótese de cessação da pensão calcada no exercício, pela pensionista, de outra atividade laborativa que lhe gerasse algum tipo de renda, à exceção de cargo público permanente. A superação da qualidade de beneficiário da pensão temporária ocorria, apenas, em relação aos filhos do sexo masculino após os 21 anos, quando da recuperação da capacidade laborativa pelo filho inválido, e, no que tange à filha maior de 21 anos, na hipótese de alteração do estado civil ou de posse em cargo público. A Lei 1.711/1952 e todas as que a regulamentavam, incluída a Lei 3.373/58, foram revogadas pela Lei 8.112/90, que dispôs sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, à luz na nova ordem constitucional inaugurada em 1988. Nesse novo estatuto a filha solteira maior de 21 anos não mais figura no rol de dependentes habilitados à pensão temporária. ... Haure-se, portanto, da leitura rasa da jurisprudência e da legislação acima citadas a seguinte conclusão: as pensões concedidas às filhas maiores sob a égide da Lei 3.373/58 que preenchiam os requisitos pertinentes ao estado civil e à não ocupação de cargo público de caráter permanente encontram-se consolidadas e somente podem ser alteradas, é dizer, cessadas, se um dos dois requisitos for superado, ou seja, se deixarem de ser solteiras ou se passarem a ocupar cargo público permanente. O Tribunal de Contas da União, contudo, não interpreta do mesmo modo a legislação e a jurisprudência transcritas acima e esclarece, no ato coator, ter havido uma “evolução na jurisprudência recente do TCU a respeito do tema”. O TCU adotava a tese firmada no Poder Judiciário no sentido de que à pensão por morte aplica-se a lei vigente à época da concessão. Permitia, ainda, nos termos da Súmula 168, que a filha maior solteira que viesse a ocupar cargo público permanente na Administração Direta e Indireta optasse entre a pensão e a remuneração do cargo público, considerando a situação mais vantajosa. No entanto, em 2012, após consulta formulada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o que resultou na confecção do Acórdão 892/2012, o TCU alterou a interpretação sobre o tema “a partir da evolução social” e considerou revogar a Súmula 168, bem como reputar necessária a comprovação da dependência econômica das filhas em relação ao valor da pensão da qual são titulares. Para a Corte de Contas, “a dependência econômica constitui requisito cujo atendimento é indispensável tanto para a concessão da pensão quanto para a sua manutenção, ou seja, a eventual perda de tal dependência por parte da pensionista significará a extinção do direito à percepção do benefício em referência.” Partindo dessa premissa, ou seja, de que para a obtenção e manutenção da pensão por morte é exigida a prova da dependência econômica, o TCU definiu ser incompatível com a manutenção desse benefício a percepção, pela pensionista, de outras fontes de renda, ainda que não decorrentes da ocupação de cargo público permanente. Editou, então, a Súmula 285, de seguinte teor: “A pensão da Lei 3.373/1958 somente é devida à filha solteira maior de 21 anos enquanto existir dependência econômica em relação ao instituidor da pensão, falecido antes do advento da Lei 8.112/1990.” Ademais, foram fixadas diretrizes para a análise do novo requisito: “Se comprovado que o salário, pró-labore e/ou benefícios não são suficientes para a subsistência condigna da beneficiária, ela poderá acumular a economia própria com o benefício pensional. De outra forma, se a renda for bastante para a subsistência condigna, não há que se falar em habilitação ou na sua permanência como beneficiária da pensão.” (eDOC 30, p. 8). Estabeleceu-se como parâmetro da análise de renda “condigna da beneficiária” o valor do teto dos benefícios do INSS. Entendo, no entanto, ao menos em análise própria do pedido cautelar, que os princípios da legalidade e da segurança jurídica não permitem a subsistência in totum da decisão do Tribunal de Contas da União contida no Acórdão 2.780/2016. A violação ao princípio da legalidade se dá pelo estabelecimento de requisitos para a concessão e manutenção de benefício cuja previsão em lei não se verifica. Ainda que a interpretação evolutiva do princípio da isonomia entre homens e mulheres após o advento da Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, I) inviabilize, em tese, a concessão de pensão às filhas mulheres dos servidores públicos, maiores e aptas ao trabalho, pois a presunção de incapacidade para a vida independente em favor das filhas dos servidores não mais se sustenta com o advento da nova ordem constitucional, as situações jurídicas já consolidadas sob a égide das constituições anteriores e do arcabouço legislativo que as regulamentavam não comportam interpretação retroativa à luz do atual sistema constitucional. Nesse sentido, embora o princípio da igualdade não tenha sido uma novidade na Constituição Federal de 1988, por já constar dos ideais revolucionários em 1879 e formalmente nas constituições brasileiras desde a do Império, de 1824, a sua previsão não se revelou suficiente para impedir a escravidão ou para impor o sufrágio universal, por exemplo, tampouco para extirpar do Código Civil de 1916 a condição de relativamente incapazes das mulheres casadas, o que somente ocorreu em 1962, com a Lei 4.121/62. ... Nesse contexto, revelava-se isonômico, quando da disciplina do estatuto jurídico do servidor público no ano de 1958, salvaguardar às filhas solteiras uma condição mínima de sobrevivência à falta dos pais. Essa situação não mais subsiste e soaria não só imoral, mas inconstitucional, uma nova lei de tal modo protetiva na sociedade concebida sob os preceitos de isonomia entre homens e mulheres insculpidos na atual ordem constitucional. No entanto, a interpretação evolutiva dada pelo Tribunal de Contas da União não pode ter o condão de modificar os atos constituídos sob a égide da legislação protetiva, cujos efeitos jurídicos não estão dissociados da análise do preenchimento dos requisitos legais à época da concessão, pois “não é lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu” (RE 71.284, Rel. Min. Aliomar Baleeiro). Além disso, o teor da Lei 3.373/58 e o histórico retro mencionado acerca da situação da mulher na sociedade pré Constituição de 1988, revela claramente a presunção de dependência econômica das filhas solteiras maiores de vinte e um anos, não se revelando razoável, exceto se houver dúvida no tocante à lisura da situação das requerentes no momento da solicitação da pensão (...), exigir que faça prova positiva da dependência financeira em relação ao servidor instituidor do benefício à época da concessão. Veja-se que a legislação de regência, quando previu, em relação a benefícios de caráter temporário, a possibilidade de “superação da qualidade de beneficiário”, o fez expressamente. A Lei 3.373/58, por exemplo, estabelecia a manutenção da invalidez como “condição essencial” à percepção da pensão do filho ou do irmão inválido. De igual modo, a Lei 8.112/90, atual estatuto jurídico dos servidores públicos civis federais, no artigo 222, enumera de modo expresso as hipóteses para a “perda da qualidade de beneficiário”: falecimento, anulação de casamento, cessação de invalidez ou afastamento de deficiência, acumulação de pensões, renúncia expressa ou, em relação ao cônjuge, o decurso dos prazos de que tratou a Lei 13.135/2015. Mesmo para os benefícios devidos aos pais e aos irmãos, que necessitam comprovar a dependência econômica para a concessão do benefício, a superação dessa condição não consta dentre as hipóteses de perda da qualidade de beneficiário. ... Ademais, dizer que a pensão é temporária não significa suscitar a sua revisão a cada dia ou a cada mês para verificar se persistem os requisitos que ensejaram a sua concessão. Significa que esse tipo de benefício tem condições resolutivas pré-estabelecidas: para os filhos, o atingimento da idade de 21 anos; para os inválidos, a superação dessa condição; para as filhas maiores de 21 anos, a alteração do estado civil ou a ocupação de cargo público de caráter permanente. Assim, enquanto a titular da pensão permanece solteira e não ocupa cargo permanente, independentemente da análise da dependência econômica, porque não é condição essencial prevista em lei, tem ela incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito à manutenção dos pagamentos da pensão concedida sob a égide de legislação então vigente, não podendo ser esse direito extirpado por legislação superveniente, que estipulou causa de extinção outrora não prevista. ... Nesse contexto, viola, a piori, o princípio da legalidade o entendimento lançado no Acórdão 2.780/2016 no sentido de que qualquer fonte de renda que represente subsistência condigna seja apta a ensejar o cancelamento da pensão ou de outra fonte de rendimento das titulares de pensão concedida na forma da Lei 3.373/58 e mantida nos termos do parágrafo único do artigo 5º dessa lei. Em segundo lugar, o acórdão do TCU não subsiste a uma apreciação à luz do princípio da segurança jurídica. Como dito, a Lei 9.784/99 impõe prazo decadencial para a revisão, pela Administração, de atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis aos destinatários, salvo comprovada má-fé. Assim, ressalvados os casos em que as pensionistas deliberadamente violaram a lei, é dizer, usaram de má-fé para a obtenção ou manutenção do benefício previdenciário em questão, a revisão do ato de concessão há de observar o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/99, pois o STF, no julgamento do RE 626.489, sob a sistemática da repercussão geral, assentou entendimento segundo o qual, com base na segurança jurídica e no equilíbrio financeiro e atuarial, não podem ser eternizados os litígios. A exceção à prova de má-fé não consta do Acórdão 2.780/2016, porque a interpretação que deu o TCU à manutenção das pensões temporárias é a de que elas podem ser revogadas a qualquer tempo, constatada a insubsistência dos requisitos que ensejaram a sua concessão, especialmente a dependência econômica, a qual, para o TCU, não é presumida. Por derradeiro, observo que um dos principais fundamentos do Acórdão 2.780/2016 é a “evolução interpretativa” realizada pelo TCU à luz da nova ordem constitucional, a permitir que se exija a comprovação da dependência econômica da pensionista em relação ao valor percebido. Veja-se que a nova interpretação resultou inclusive na revogação de Súmula do TCU que tratava da acumulação da pensão com cargo público. Ainda que fosse admissível a exigibilidade da dependência econômica como condição para a manutenção da pensão em debate nestes autos, a aplicação da inovação interpretativa aos atos já consolidados encontra óbice no inciso XIII do parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.784/99, o qual veda a aplicação retroativa de nova interpretação na análise de processos administrativos. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a necessidade de se conferir efeitos ex nunc às decisões administrativas que modificam posicionamentos anteriores, a fim de dar segurança jurídica a atos já consolidados e até mesmo para evitar que justificativas como “orçamento público” sejam utilizadas para rever atos dos quais decorram efeitos financeiros favoráveis ao beneficiário. Precedente: AO 1.656, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 10.10.2014. Ante todo o exposto, considero, a priori, plausíveis de serem revistos apenas os atos de concessão de pensões por morte cujas titulares deixaram de se enquadrar na previsão legal vigente na época do preenchimento dos requisitos legais, ou seja, é possível a revisão das pensões cujas titulares ocupem cargo público de caráter permanente ou recebam outros benefícios decorrentes da alteração do estado civil, como a pensão prevista no art. 217, inciso I, alíneas a, b e c, Lei 8.112/90, ou a pensão prevista no art. 74 c/c art. 16, I, ambos da Lei 8.213/91, ou seja, pensões por morte de cônjuges. Assentadas essas premissas, há plausibilidade jurídica no pedido formulado, no sentido de que, reconhecida a qualidade de dependente na filha solteira maior de vinte e um anos em relação ao instituidor da pensão e não se verificando a superação das condições essenciais previstas em lei, a pensão é, prima facie, devida e deve ser mantida. ...
Assim, o pedido merece juízo de procedência.
A Lei 3.373/58 (art. 5º, parágrafo único) prevê que a filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.
A impetrante é beneficiária de aposentadoria por tempo de contribuição do Regime Geral da Previdência Social. Não ocupa, portanto, cargo público permanente.
A posição adotada na sentença recorrida está em conformidade com o entendimento do STF (Emb. Decl. nos Emb. Decl. em Mandado de Segurança nº 34.677, Rel. Min. Edson Fachin, publicado em 07/05/2019), no sentido de que "reconhecida a qualidade de dependente da filha solteira maior de vinte e um anos em relação ao instituidor da pensão e não se verificando a superação das condições essenciais previstas na Lei n.º 3373/1958, que embasou a concessão, quais sejam, casamento ou posse em cargo público permanente, a pensão é devida e deve ser mantida, em respeito aos princípios da legalidade, da segurança jurídica e do tempus regit actum."
A interpretação dada pelo Tribunal de Contas ao art. 5º da Lei 3.373/58, por meio do Acórdão 2.780/2016, fere o disposto no art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/99. O art. 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com a redação dada pela Lei 13.655/2018, também prevê que "a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas." (grifado)
O pagamento da pensão deve ser mantido.
O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença.
Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei 12.016/2009).
Prequestionamento
Para evitar futuros embargos, dou expressamente por prequestionados todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais indicados pelas partes no processo. A repetição de todos os dispositivos é desnecessária, para evitar tautologia.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001878656v6 e do código CRC eb59d224.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Data e Hora: 16/7/2020, às 20:35:54
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2020 05:00:18.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5031103-73.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
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ADVOGADO: Paulo Martins (OAB PR030780)
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ADVOGADO: ALINI IANK RIBEIRO (OAB PR091976)
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MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO VITALÍCIA (LEI 3.373/58). CANCELAMENTO. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO ACÓRDÃO 2.780/2016 DO TCU. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.
1. A Lei 3.373/58 (art. 5º, parágrafo único) prevê que a filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.
2. O STF (Emb. Decl. nos Emb. Decl. em Mandado de Segurança nº 34.677, Rel. Min. Edson Fachin, publicado em 07/05/2019) decidiu que "reconhecida a qualidade de dependente da filha solteira maior de vinte e um anos em relação ao instituidor da pensão e não se verificando a superação das condições essenciais previstas na Lei n.º 3373/1958, que embasou a concessão, quais sejam, casamento ou posse em cargo público permanente, a pensão é devida e deve ser mantida, em respeito aos princípios da legalidade, da segurança jurídica e do tempus regit actum."
3. A interpretação dada pelo Tribunal de Contas ao art. 5º da Lei 3.373/58, por meio do Acórdão 2.780/2016, fere o disposto no art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/99. O art. 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com a redação dada pela Lei 13.655/2018, também prevê que "a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas." (grifado)
4. Sentença concessiva da segurança mantida. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001878658v3 e do código CRC 24580808.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Data e Hora: 16/7/2020, às 20:1:43
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2020 05:00:18.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 15/07/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5031103-73.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: MARIA ELESAVETE WITSMISZYN (IMPETRANTE)
ADVOGADO: Paulo Martins (OAB PR030780)
ADVOGADO: KAROLINE DE CASTRO (OAB PR086749)
ADVOGADO: ALINI IANK RIBEIRO (OAB PR091976)
APELADO: Chefe da Divisão da Apoio Administrativo DAD, da Secretaria de Apoio Administrativo - SFA - PR do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - Curitiba (IMPETRADO)
APELADO: CHEFE DO SERVIÇO DE GESTÃO DE PESSOAS - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - Curitiba (IMPETRADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 15/07/2020, na sequência 655, disponibilizada no DE de 03/07/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2020 05:00:18.