Apelação Cível Nº 5020685-38.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: PAULO EVERALDO BANDEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações contra sentença, publicada em 05-03-2024, na qual o magistrado a quo reconheceu a inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC n. 103/2019, determinou a antecipação dos efeitos da tutela e julgou parcialmente procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença, desde o cancelamento na esfera administrativa (31-03-2018), determinando sua conversão em aposentadoria por invalidez a partir de 16-12-2022.
Condenou o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em suas razões, a Autarquia Previdenciária assevera, em síntese, que deve ser observada a metodologia de apuração da RMI estabelecida pela EC 103/2019, uma vez que a incapacidade permanente restou comprovada após 13-11-2019. Ressalta a constitucionalidade do artigo 26, §2º, inciso III da Emenda Constitucional nº 103/2019, bem como refere precedente do Supremo Tribunal Federal nesse sentido.
Dessa forma, requer a reforma da sentença de primeiro grau, para que seja aplicado, no cálculo da RMI da aposentadoria por incapacidade permanente, o regramento disposto no art. 26, da EC n. 103/2019, vigente na data em que a incapacidade da parte autora se tornou permanente.
A parte autora, por sua vez, ressalta que apresenta incapacidade total e definitiva para o trabalho, desde a DCB (31-03-2018), razão pela qual requer a reforma do termo inicial de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Mérito
Na espécie, não se discute a existência de incapacidade laborativa total e definitiva, restringindo-se a controvérsia à possibilidade de reforma do termo inicial de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, desde a DCB (31-03-2018).
A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
No caso concreto, o autor possui 53 anos, e desempenha a atividade profissional de pedreiro. Foi realizada perícia médica judicial, por especialista em medicina legal e perícia médica, em 02-06-2023 (evento 51).
Respondendo aos quesitos formulados, assim se manifestou o perito:
Histórico/anamnese: Periciando informa que realiza acompanhamento com cardiologista desde 2014, devido miocardiopatia isquemica. sofreu novo infarto agudo do miocárdio em 31/01/2018 - novo infarto atestado dr james alberton cardiologista de 31/01/18 do hs cita solicito pericia medica e afastamento temporariamento do trabalho. Informa ainda que foi submetida a revascularização do miocárdio (ponte de safena) em dezembro de 2022.
Atualmente estaria sendo medicado com AAS, clopidogrel, selozok, rosuvastatina e losartana
Documentos médicos analisados: VisualizarCCON17 VisualizarDECL18
VisualizarATESTMED19 VisualizarEXMMED20
VisualizarEXMMED21 VisualizarEXMMED22
VisualizarLAUDO23 VisualizarPRONT24
VisualizarRECEIT25 VisualizarEXMMED26
VisualizarCALC27
Exame físico/do estado mental: Bom estado geral, corado hidratado
Murmúrio vesicular positivo, bilateral, sem ruídos adventícios
Rítmo cardíaco regular, dois tempos, bulhas normofonéticas
Abdomen flácido
Membros sem particularidades
75 kg
Diagnóstico/CID:
- I25 - Doença isquêmica crônica do coração
DID - Data provável de Início da Doença: 24/08/2014
Conclusão: com incapacidade permanente para toda e qualquer atividade
- Justificativa: Ao exame pericial foram observados sinais seguros e objetivos de intensidade de gravidade suficiente para causar incapacidade da parte autora, lembrando mais uma vez que doença é uma situação e indicação de incapacidade laboral é outra situação. Apresenta assim incapacidade total e permanente.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 31/01/2018
- Data a partir da qual foi possível constatar que a incapacidade era permanente: 16/12/2022
- Justificativa: Avaliados atestados médicos e histórico INSS
- Há necessidade de acompanhamento permanente de terceiros? NÃO
- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? NÃO
Como se vê, o perito judicial concluiu que a parte autora, por ser portadora de doença isquêmica crônica do coração (CID I25), está incapacitada para o trabalho desde 31-01-2018, sendo esta definitiva a contar de 16-12-2022.
Em que pese o perito judicial tenha fixado o início da incapacidade definitiva em 16-12-2022, não me parece plausível concluir que o quadro incapacitante tenha se tornado permanente justamente nessa época.
Nesse passo, cumpre destacar que o autor é portador de doença cardíaca desde, pelo menos, agosto de 2014, tendo sofrido infarto agudo do miocárdio em janeiro de 2018. Em dezembro de 2022 foi submetido à revascularização do miocárdio (ponte de safena).
Embora o perito do juízo tenha afirmado que a incapacidade era permanente desde 16-12-2022, data dos atestados médicos que informam a realização da cirurgia cardíaca, cabe reiterar que o próprio perito judicial constatou a persistência do quadro incapacitante desde a época do cancelamento administrativo (31-03-2018).
Outrossim, a documentação acostada aos autos demonstra a gravidade do quadro clínico desde a época do cancelamento administrativo (DCB em 31-03-2018) (eventos 1 e 26), sem evidencias de que tenha ocorrido melhora no quadro de saúde desde então.
Diante de tais circunstâncias, mostra-se razoável inferir que o quadro incapacitante suportado pelo autor adquire contornos de definitividade desde à época do cancelamento administrativo (31-03-2018).
Dessa forma, tendo o conjunto probatório apontado a existência de incapacidade laboral total e definitiva, desde a DCB (31-03-2018), o benefício de aposentadoria por invalidez é devido desde então, devendo o INSS pagar à parte autora as respectivas parcelas, descontados os valores já adimplidos por força da antecipação de tutela.
Por fim, cumpre ressaltar que a RMI do benefício deve ser calculada com base nas regras em vigor na época da constatação da incapacidade permanente, ou seja, em 31-03-2018, anterior, portanto, ao início da vigência da EC nº 103/2019.
Assim sendo, nego provimento ao apelo do INSS e dou provimento ao apelo da parte autora.
Correção monetária e juros moratórios
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.
Conclusão
Apelação do INSS desprovida, devendo a RMI do benefício ser calculada com base nas regras em vigor na época da constatação da incapacidade permanente, ou seja, em 31-03-2018, anterior, portanto, ao início da vigência da EC nº 103/2019.
Apelação da parte autora provida para reformar o termo inicial de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, fixando-o a contar da DCB (31-03-2018).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004480503v6 e do código CRC d5c4c350.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 24/6/2024, às 11:56:44
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2024 04:01:58.
Apelação Cível Nº 5020685-38.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: PAULO EVERALDO BANDEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE VALOR ABSOLUTO. FORMAÇÃO DE CONVICÇÃO EM SENTIDO DIVERSO DO EXPERT. POSSIBILIDADE SE EXISTENTE PROVA CONSISTENTE EM SENTIDO CONTRÁRIO OU SE O PRÓPRIO LAUDO CONTIVER ELEMENTOS QUE CONTRADIGAM A CONCLUSÃO DO PERITO. SITUAÇÃO PRESENTE NO CASO CONCRETO. JUÍZO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. CÁLCULO DA RMI. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA ANTERIOR À EC 103/2019. REFORMA PREVIDENCIÁRIA. REGRAMENTO ANTERIOR.
1. A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
2. No caso concreto, havendo nos autos prova robusta produzida pelo segurado indicando a existência da incapacidade laboral total e definitiva desde a época do cancelamento administrativo (31-03-2018) e, desse modo, apta a infirmar o entendimento técnico externado pelo expert, reforma-se a sentença para prover o apelo da parte autora.
3. Tendo as provas dos autos apontado a existência da incapacidade laboral total e definitiva desde a época do cancelamento administrativo (31-03-2018), o benefício de aposentadoria por invalidez é devido desde então.
4. Restando comprovada a existência de incapacidade total e definitiva prévia ao início da vigência da EC nº 103/2019, ou seja, a 13-11-2019, a RMI do benefício deve ser apurada conforme o regramento anterior.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004480504v5 e do código CRC 0153319b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 24/6/2024, às 11:56:44
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2024 04:01:58.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024
Apelação Cível Nº 5020685-38.2022.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
APELANTE: PAULO EVERALDO BANDEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO(A): PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO(A): SALESIO BUSS (OAB SC015033)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 1455, disponibilizada no DE de 04/06/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/07/2024 04:01:58.