Teste grátis agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N. º 1. 657....

Data da publicação: 21/10/2021, 07:01:12

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO STJ. DABRAFENIBE E TRAMETINIBE. MELANOMA MALIGNO DE PELE. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Conforme a regra da singularidade recursal estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil (art. 496, § 1º), tendo sido interpostas apelações pelos entes federados, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária. 2. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 3. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 4. In casu, o órgão de assessoramento do juízo em matéria de saúde, por intermédio da criteriosa Nota Técnica n.º 746/2020, chancelou a prescrição medicamentosa da profissional assistente, especialista em oncologia clínica, assentando, com base nas melhores evidências científicas atualmente disponíveis, a necessidade de utilização conjugada dos fármacos pela parte autora. 5. Tendo em conta que o objeto do expediente originário consiste no fornecimento de medicação oncológica, a responsabilidade financeira da aludida prestação é atribuível ao ente federal. 6. Em não havendo situação excepcional a recomendar outro valor, os réus devem ser condenados em honorários advocatícios à razão de R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata. Precedentes desta Turma. (TRF4 5000375-34.2020.4.04.7220, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 14/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000375-34.2020.4.04.7220/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: SANDERLEI DE OLIVEIRA REPULA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária movida por Sanderlei de Oliveira Repula contra a União, o Estado de Santa Catarina e o Município de Tijucas-SC, objetivando o fornecimento gratuito dos medicamentos DABRAFENIBE e TRAMETINIBE para tratamento de doença oncológica que lhe acomete (melanoma maligno de pele).

Saneado e devidamente instruído o feito, o magistrado a quo, ao proferir sentença, em 25-03-2021 (evento 52), julgou procedente o pedido, confirmando, inclusive, a tutela de urgência anteriormente deferida, e condenou os réus ao pagamento, pro rata, de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (evento 68), alegando, preliminarmente, que os tratamentos oncológicos são de responsabilidade exclusiva da União, de modo que não caberia ao ente estadual responder por obrigação que não é de sua atribuição. Nesse sentido, pleiteia a modificação da sentença, determinando-se exclusivamente que a União financie e adquira o medicamento e que o Estado de Santa Catarina seja o responsável pelo armazenamento, manuseio e aplicação deste. Pugna, outrossim, pelo arbitramento de honorários advocatícios em valor fixo não superior a R$ 1.000,00 (mil reais), a ser repartido entre os réus.

A União também apelou (evento 60), suscitando, em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, dada a ausência da produção de prova pericial em juízo, a despeito de sua expressa solicitação. No mérito, requer, a reforma do decisum hostilizado para o fim de que seja julgada improcedente a demanda. Para tanto, alega, em síntese, que existe política pública para tratamento da patologia que assola a autora, apontando a necessidade de prova de seu esgotamento ou de sua ineficácia. Discorre sobre o alto custo dos fármacos, a incorporação de novas tecnologias ao SUS, a medicina baseada em evidências, a tese jurídica fixada pelo STJ no âmbito do Tema 106 e a necessidade de prestar saúde dentro da "reserva do possível". Subsidiariamente, pede a redução dos honorários advocatícios para R$1.000,00 (mil reais), de forma pro rata.

O Município de Tijucas-SC, de seu turno (evento 82), argumenta que o ente federal deve fornecer e custear o medicamento oncológico postulado, pelo que o feito há de ser julgado improcedente com relação à municipalidade.

Apresentadas as contrarrazões (evento 93), ascenderam os autos a esta Egrégia Corte, inclusive por força da remessa necessária.

É o sucinto relatório.

VOTO

Reexame necessário

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foram interpostos recursos voluntários por todos os entes públicos ocupantes do polo passivo desta demanda, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.

A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).

Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)

No mesmo sentido, inclusive, pronunciou-se esta Turma Julgadora:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO. 1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal. 2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade. 3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão. 4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).

Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interpostas apelações pelos três entes federados, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

Cerceamento de defesa

Não há se falar em cerceamento de defesa, pois este Colegiado já pacificou o entendimento de que a perícia judicial, via de regra, pode ser substituída por parecer subscrito por órgão de assessoramento técnico do Poder Judiciário1, o que ocorreu na espécie (evento 19). Aliás, é digno de nota que o NatJus/SC examinou o caso concreto por meio de nota técnica criteriosamente fundamentada em evidências científicas.

Rejeito, portanto, a prefacial.

Mérito

A fim de evitar tautologia e, ao mesmo tempo, cumprir o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, com homenagem ao princípio da economia processual, transcrevo, no que interessa, excerto da decisão monocrática proferida pelo ilustre Desembargador Federal Celso Kipper - no bojo da qual Sua Excelência analisou o quadro fático subjacente a esta causa - nos autos do Agravo de Instrumento n.º 5056089-08.2020.4.04.0000, oportunidade em que foram mantidos os efeitos da tutela provisória deferida na origem, a saber (evento 3, DESPADEC1):

[...]

De início, tenho que a natureza sumária do juízo de cognição exarado em análise de eventual tutela provisória desobriga o julgador a revelar alto grau de certeza jurídica acerca da pretensão posta em juízo, bastando-lhe, para fins de sua outorga, a constatação da plausibilidade do direito material vindicado, assim como do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 300, caput, do Novo Código de Processo Civil.

Compulsando os autos originários, vislumbro que tais requisitos restaram satisfeitos, sendo de todo conveniente a reprodução de trecho do decisum impugnado, cujo prolator bem analisou os elementos de prova carreados ao feito (evento 21, DESPADEC1):

[...]

i) imprescindibilidade ou necessidade do medicamento e ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. Requisitos demonstrados pelo(s) seguinte(s) documento(s):

a) Nota Técnica do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário - NATJUS, constituído na forma da Resolução 238/2016, do CNJ, para elaboração de pareceres à luz de dados da Medicina Baseada em Evidências (Evento 19, PARECER1):

"(...)

Conforme Portaria nº 357, de 8 de abril de 2013, que aprovou a Diretriz Diagnóstica e Terapêutica (DDT) para Melanoma Cutâneo no âmbito do SUS, os pacientes com a doença possuem a opção de tratamento cirúrgico, seguido de tratamento adjuvante sistêmico com agentes antineoplásicos como a​ dacarbazina (já utilizado pela autora) ou agentes como a alfa-interferona (a-IFN) (já utilizado pela autora) em altas doses a depender do estadiamento clínico. Para doença metastática (caso da autora) o mesmo tratamento pode ser disponibilizado.

(...)

Conclusão justificada: ( X ) Favorável ( ) Desfavorável

As evidências apresentadas nesta Nota Técnica sugerem que a associação pleiteada (dabrafenibe + trametinibe) apresentou benefícios superiores (sobrevida livre de progressão e sobrevida global), quando comparada à monoterapia de dabrafenibe. Além disso, o ensaio clínico demonstrou que​ o tratamento de primeira linha com dabrafenibe + trametinibe resultou em benefícios a longo prazo em aproximadamente um terço dos doentes que apresentavam melanoma irressecável ou metastático com uma mutação BRAF V600E ou V600K.

Há evidências científicas? (​X​) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SE APLICA

Justifica-se a alegação de urgência conforme definição de Urgência e Emergência doCFM? (​X​) SIM ( ) NÃO".

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito: a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência econômica para as despesas do processo (CPC, art. 99, §3º), de regra inferiores ao custo do medicamento prescrito, firmada por advogado com poderes específico para esse fim (CPC, art. 105), como no caso dos autos (Evento 1, DECLPOBRE3), mostra-se razoável como parâmetro de atendimento do requisito em análise.

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência: o medicamento prescrito é autorizado pela ANVISA, com prescrição em consonância com as indicações da respectiva bula, nos termos da Nota Técnica do NATJUS citada no item 5.i.b.

6. Tutela de urgência: evidenciada a probabilidade do direito pela presença dos requisitos indicados no EDcl no RESP repetitivo 1.657.156 - RJ, e tendo em conta, por outro lado, o risco de agravamento do quadro clínico da parte autora caso não faça uso da medicação prescrita, impõe-se o deferimento da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC.

[...]

Verifico que o órgão de assessoramento do juízo em matéria de saúde, por intermédio da criteriosa Nota Técnica n.º 746/2020 (evento 19, PARECER1), chancelou a prescrição medicamentosa da profissional assistente, especialista em oncologia clínica, assentando, com base nas melhores evidências científicas atualmente disponíveis, a necessidade de utilização conjugada dos fármacos pela parte autora.

Destaco, então, que o NAT-Jus goza de plena confiabilidade técnica e adequada isenção em suas manifestações. De criação decorrente de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, consiste em corpo técnico multidisciplinar, composto por profissionais da saúde, servidores estatais, habilitados para esclarecer o juízo sobre os aspectos científicos alusivos às demandas judiciais de fornecimento de fármacos. A experiência revela, inclusive, que, muitas vezes, seus pareceres são mais abrangentes e fundamentados que aqueles advindos de perícias judiciais.

Acrescento que a decisão recorrida, lastreada em parecer subscrito por NAT-Jus, atende ao disposto no Enunciado n.º 18 aprovado na I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, in verbis:

Sempre que possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por Núcleos de Apoio Técnico em Saúde - NATS.

[...]

A reforçar a adequação da medida concessiva, cito precedentes desta Turma, inclusive de minha relatoria, no sentido da concessão judicial de ambos os fármacos para fins de manejo - ainda que paliativo - do melanoma cutâneo. Confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOENÇAS ONCOLÓGICAS. CACON/UNACON. PRESUNÇÃO DE ACERTO DA PRESCRIÇÃO MÉDICA. DABRAFENIBE E TRAMETINIBE. MELANOMA CUTÂNEO. TUTELA PROVISÓRIA. 1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. Este Tribunal tem entendimento cristalizado no sentido de que, em casos de tratamento de doenças oncológicas perante unidades credenciadas como CACON/UNACON, existe, a princípio, presunção de acerto da prescrição médica, razão pela qual, nesses casos, dispensa-se a realização de perícia antes do exame do pleito liminar. 4. O Hospital Israelita Albert Einstein, na qualidade de NATJus Nacional, emitiu a recente Nota Técnica n.º 3.33401, de 12-05-2020, manifestando posição favorável à concessão das medicações justamente para paciente portador de melanoma maligno de pele. (TRF4, AG 5021763-22.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 04/09/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. TRATAMENTO PELO SUS EM CACON/UNACON. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA PARA CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É dispensável a realização de perícia prévia à análise da antecipação de tutela postulada quando a parte autora realiza tratamento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) junto a estabelecimento cadastrado como CACON/UNACON. 2. Os medicamentos Dabrafenibe e Trametinibe, por apresentarem impacto na sobrevida livre de progressão, tornam-se, com base na Medicina Baseada em Evidências, imprescindíveis para o tratamento de Melanoma Maligno de Pele. (TRF4, AG 5017009-37.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 21/08/2020)

Nesse cenário, tenho que eventual perigo de irreversibilidade da medida deve curvar-se à verossimilhança das alegações autorais, que, in casu, revela-se patente.

Dessarte, assimilado o referido quadro fático-probante, havendo prova do registro do fármaco na ANVISA e levando em conta que o custo de sua aquisição supera em muito os rendimentos mensais da parte autora (evento 1, OUT15), entendo deva ser mantida a tutela de urgência deferida.

[...]

Não vejo motivos para alterar o entendimento acima externado, sendo o caso, portanto, de ratificação, no mérito, da sentença vergastada.

Responsabilidade financeira

A norma constitucional extraída do artigo 196 da Carta Magna consagra a responsabilidade solidária dos entes federativos em matéria de saúde pública, eis que o vocábulo "Estado", considerado em sua maior amplitude, retrata o Poder Público como um todo, alcançando, indubitavelmente, a União, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.

A reforçar tal ilação, o artigo 23, inciso II, bem como o artigo 198, caput e §1º, ambos do Texto Maior, trataram de firmar a competência comum das pessoas federativas com relação à prestação de serviços públicos de saúde e de instituir um Sistema Único de Saúde (SUS), cujo financiamento fosse levado a efeito a partir dos recursos orçamentários de todos os entes.

A jurisprudência corrente dos Tribunais Superiores orienta-se, de maneira uniforme, no sentido de que a responsabilidade dos entes federados traduz litisconsórcio passivo facultativo, de modo que, em ações deste jaez, é dado ao cidadão enfermo obter os medicamentos de que necessite perante quaisquer das pessoas políticas, cabendo-lhe, portanto, o direito subjetivo de demandá-las em conjunto ou isoladamente.

Nada obstante, destaco que o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23 de maio de 2019, ao julgar os embargos de declaração opostos pela União contra decisão do Plenário Virtual no RE n.º 855178/SE (Tema 793), com relatoria para o acórdão do Ministro Edson Fachin, fixou, por maioria, a seguinte tese de repercussão geral:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro (grifei)

Embora a Corte Suprema tenha reafirmado sua jurisprudência prevalente - no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de direito à saúde -, tratou de inovar no cenário jurídico, ao exigir, de forma expressa, que o magistrado direcione o cumprimento da obrigação, segundo as normas de repartição de competências, assim como condene a pessoa política legalmente responsável pelo financiamento da prestação sanitária a ressarcir quem suportou tal ônus.

In casu, levando em conta que o objeto do expediente originário consiste no fornecimento de medicação oncológica, a responsabilidade financeira de sua aquisição, consoante iterativa jurisprudência deste Regional, é exclusiva da União, não havendo se falar, pois, em financiamento pro rata da prestação sanitária.

Doutro vértice, o fato de a responsabilidade financeira de custear as drogas buscadas recair sobre o ente federal não impede o acionamento dos corréus, haja vista o multicitado vínculo de solidariedade existente entre os ocupantes do polo passivo. De tal constatação apenas decorre, em verdade, que o Estado de Santa Catarina e o Município de Tijucas-SC devem ser ressarcidos na hipótese de terem despendido recursos financeiros com a execução da tutela, e não que devem ser excluídos da lide ou que suas obrigações estejam adstritas, de forma apriorística, ao armazenamento, manuseio, aplicação ou entrega do fármaco requestado.

Como bem ventilado no voto condutor do Tema 793 do STF, ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde.

Obtempero, então, a necessidade de acolhimento parcial dos recursos manejados pelo Estado catarinense e pelo Município de Tijucas-SC para o fim de lhes resguardar o direito ao ressarcimento caso tenham arcado financeiramente com o cumprimento da obrigação estampada na sentença.

Honorários advocatícios

Tratando-se de causa afeta à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, a incidência da norma contida no artigo 85, §8º, do Novo Código de Processo Civil, revela-se de todo adequada, ficando a cargo do julgador, mediante apreciação equitativa, o arbitramento da verba honorária.

Nesse aspecto, em não havendo situação excepcional a recomendar outro valor, os réus devem ser condenados em honorários advocatícios à razão de R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata, consoante iterativa jurisprudência desta Turma.

No ponto, os apelos dos entes federal e estadual merecem ser acolhidos para o fim de redimensionar o valor da verba sucumbencial.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento às apelações.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002862140v14 e do código CRC 2f9d694b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 14/10/2021, às 12:21:14


1. AG 5044996-48.2020.4.04.0000, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/04/2021; AG 5003553-83.2021.4.04.0000, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 21/04/2021 e AG 5037092-74.2020.4.04.0000, juntado aos autos em 19/11/2020

5000375-34.2020.4.04.7220
40002862140.V14


Conferência de autenticidade emitida em 21/10/2021 04:01:12.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000375-34.2020.4.04.7220/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: SANDERLEI DE OLIVEIRA REPULA (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO stj. DABRAFENIBE e TRAMETINIBE. melanoma maligno de pele. comprovação da necessidade. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. Conforme a regra da singularidade recursal estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil (art. 496, § 1º), tendo sido interpostas apelações pelos entes federados, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

2. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

3. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS.

4. In casu, o órgão de assessoramento do juízo em matéria de saúde, por intermédio da criteriosa Nota Técnica n.º 746/2020, chancelou a prescrição medicamentosa da profissional assistente, especialista em oncologia clínica, assentando, com base nas melhores evidências científicas atualmente disponíveis, a necessidade de utilização conjugada dos fármacos pela parte autora.

5. Tendo em conta que o objeto do expediente originário consiste no fornecimento de medicação oncológica, a responsabilidade financeira da aludida prestação é atribuível ao ente federal.

6. Em não havendo situação excepcional a recomendar outro valor, os réus devem ser condenados em honorários advocatícios à razão de R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata. Precedentes desta Turma.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 08 de outubro de 2021.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002862141v4 e do código CRC 4c6af6d5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 14/10/2021, às 12:21:14


5000375-34.2020.4.04.7220
40002862141 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 21/10/2021 04:01:12.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2021 A 08/10/2021

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000375-34.2020.4.04.7220/SC

RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE TIJUCAS/SC (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: SANDERLEI DE OLIVEIRA REPULA (AUTOR)

ADVOGADO: CAROLINE BELLETTI (OAB SC038884)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2021, às 00:00, a 08/10/2021, às 16:00, na sequência 1021, disponibilizada no DE de 22/09/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 21/10/2021 04:01:12.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Teste grátis agora!