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APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE. OCORRÊNCIA. ESGOTAMENTO DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS DISPONÍ...

Data da publicação: 07/07/2020, 07:37:22

EMENTA: APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE. OCORRÊNCIA. ESGOTAMENTO DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS DISPONÍVEIS NO SUS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ATIVIDADE DE ESTÁGIO DE PRÁTICA FORENSE. DESCABIMENTO. 1. O direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público dos indivíduos de exigir do Estado prestações positivas, passíveis de garantia pela via judicial. Nesse aspecto, a velha concepção de que os preceitos constitucionais alusivos à matéria encerrariam diretrizes de caráter meramente programático restou há muito superada em face da necessidade imperiosa de que as normas definidoras das prerrogativas fundamentais, a exemplo dos direitos à vida e à saúde, tenham aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, §1º, da Magna Carta, o que autoriza, por consectário, a interferência do Poder Judiciário, quando chamado a atuar, na concretização de tais direitos. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. In casu, o perito judicial, chancelando a prescrição medicamentosa do profissional assistente, referiu terem sido esgotadas as alternativas terapêuticas previstas no SUS e atestou a imprescindibilidade do fármaco requerido. 4. Descabe a fixação de honorários sucumbenciais em causa patrocinada por advogado vinculado às atividades de estágio de prática forense em cursos de Direito, segundo preconiza o artigo 18, inciso V, da Lei Complementar n.º 155/97 do Estado de Santa Catarina. (TRF4, AC 5008230-20.2017.4.04.7204, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 23/10/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008230-20.2017.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: MIRCON DEXHEIMER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária ajuizada por Mircon Dexheimer em face da União, do Estado de Santa Catarina, e do Município de Araranguá-SC objetivando o fornecimento gratuito do medicamento BORTEZOMIBE (Velcade) para o tratamento de doença oncológica da qual é portador (Mieloma Múltiplo - CID 10 C90).

Saneado e devidamente instruído o feito, a magistrada a quo, ao proferir sentença, em 14-03-2019 (evento 131), julgou procedente o pedido, confirmando, inclusive, a antecipação dos efeitos da tutela, oportunidade em que condenou os réus ao pagamento solidário de honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa.

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (evento 137), pugnando pela exclusão de sua condenação em verba honorária, em virtude da causa ter sido patrocinada por advogado vinculado às atividades de estágio de prática forense em curso de direito. Alternativamente, pleiteia a redução do montante para valor não superior a R$ 1.000,00, pro rata.

A União também apelou (evento 139), requerendo a reforma do decisum hostilizado para que seja julgada improcedente a demanda, sob os seguintes argumentos: (1) inexistência de prova da ineficácia da política pública; (2) princípio da integralidade da assistência versus princípio da isonomia; (3) adequação do caso à repercussão geral do Tema n.º 06 do STF. Subsidiariamente, pleiteia (4) o direcionamento da obrigação de fazer ao Estado de Santa Catarina, assim como (5) o afastamento ou minoração dos honorários sucumbenciais.

Transcorrido o prazo para apresentação de contrarrazões, ascenderam os autos a esta Egrégia Corte.

É o relatório.

VOTO

A Constituição da República Federativa do Brasil, no que interessa ao deslinde desta causa, assim preconiza:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

[...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Exsurge dos dispositivos acima colacionados que o direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público dos indivíduos de exigir do Estado prestações positivas, passíveis de garantia pela via judicial. Nesse aspecto, a velha concepção de que os preceitos constitucionais alusivos à matéria encerrariam diretrizes de caráter meramente programático restou há muito superada em face da necessidade imperiosa de que as normas definidoras das prerrogativas fundamentais, a exemplo dos direitos à vida e à saúde, tenham aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, §1º, da Magna Carta, o que autoriza, por consectário, a interferência do Poder Judiciário, quando chamado a atuar, na concretização de tais direitos.

Inobstante, a problemática da judicialização do direito à saúde faz transparecer, à evidência, o conflito entre o que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível”. Noutras palavras, em razão da carência de suportes financeiros suficientes à satisfação de toda e qualquer necessidade social, cumpre ao Poder Público, notadamente ao Legislativo e Executivo, enquanto formuladores e executores de políticas sanitárias, estabelecer prioridades e realizar escolhas alocativas, pautadas por critérios de macrojustiça. Doutro vértice, quando o Judiciário, norteado, a rigor, por parâmetros de microjustiça, entrega certa prestação de saúde a um determinado indivíduo que a postulou, acaba, por vezes, ignorando as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício de certa parte, com invariável prejuízo para o todo.

Nesse cenário, a tomada de decisão em matéria de saúde exige do magistrado notável racionalidade para compatibilizar, tanto quanto possível, direitos individuais indispensáveis à realização prática da dignidade da pessoa humana com a máxima efetividade das políticas públicas destinadas à coletividade.

Veja-se, pois, que a legislação infraconstitucional atinente à dispensação de fármacos (Lei n.º 8080/90), ao regular o comando normativo expresso no artigo 197 da Carta da República, tratou de vincular as ações do Sistema Único de Saúde à corrente intitulada de “Medicina com base em evidências”. Confira-se:

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

[...]

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

[...]

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

[...]

19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

À vista de tal regramento, é possível concluir não haver direito incondicional a qualquer medicamento disponível no mercado, sob pena de gerar grave lesão à ordem administrativa e comprometer o próprio funcionamento do Sistema Único de Saúde. Além do que uma medicação em desconformidade com os atos normativos do SUS deve ser vista com cautela, porquanto tende, em princípio, a contrariar um consenso científico vigente a respeito.

De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175/CE, em 17-03-2010, estabeleceu, de forma paradigmática, critérios para solução judicial dos casos concretos envolvendo o direito à saúde. Naquela oportunidade, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, concluiu que, a rigor, "deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, reverberando a inteligência externada pelo Pretório Excelso, firmou entendimento de que a indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. (STJ, AgRg no AREsp 697.696/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 26-06-2015; STJ, AgRg no REsp 1.531.198/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 08-09-2015; STJ, AgRg no AREsp 711.246/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 21-08-2015; STJ, AgRg no AREsp 860.132/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 13-04-2016).

Em idêntico sentido, transcrevo precedentes desta Corte:

MEDICAMENTOS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS EXISTENTES. 1. Somente fará jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 2. Inexistente a prova de que tenha se esgotado a possibilidade de tratamento pelo estabelecimento da rede de atenção oncológica com aqueles medicamentos fornecidos a todos indistintamente, não há evidência nos autos acerca da presença dos requisitos autorizadores da tutela pretendida. (TRF4, Terceira Turma, Apelação n.º 50066499720174047000, rel. Desembargadora Fededal Marga Inge Barth Tessler, j. 06-03-2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ESGOTAMENTO DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS DISPONÍVEIS NO SUS. TUTELA PROVISÓRIA. 1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. In casu, a parte autora, além de demonstrar a adequação do fármaco reclamado, comprovou que os medicamentos disponíveis na rede púbica ou já foram por ela utilizados, sem que houvesse melhoria clínica, ou lhe são contraindicados em razão de seu quadro de saúde. 4. Agravo de Instrumento improvido. (TRF4, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Agravo de Instrumento n.º 5048140-98.2018.4.04.0000, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, j. 03-04-2019)

Tem-se, ainda, que o fato de o paciente estar sendo atendido por plano de saúde ou de eventual receituário estar subscrito por médico particular não afasta a responsabilidade do Estado na dispensação do fármaco, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição da República, até porque as ações e serviços públicos de saúde devem obedecer aos princípios da universalidade de acesso e da igualdade da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, sendo de todo relevante salientar que a saúde constitui um ramo de caráter não contributivo da Seguridade Social, cujos serviços são acessíveis a todos os cidadãos.

Assentadas tais premissas, passo ao exame do caso concreto.

Compulsando o acervo probatório anexo ao caderno processual, entendo que o pleito inaugural deve ser acolhido, a ensejar, por consectário, a ratificação, no mérito, da sentença hostilizada.

Transcrevo, por oportuno, trecho da decisão vazada no evento 131 dos autos principais:

No caso em tela, resta comprovado (consoante atestado na perícia médica - ev. 33, LAUDO1) que o autor é portador de Mieloma Múltiplo (CID 90.0), sendo que o medicamento ora pleiteado foi prescrito por médico conveniado ao SUS, em tratamento feito no UNACON desta cidade (evento 1, OUT2, p. 9, e EXMMED3, p. 5 e 6).

- Da (in)capacidade financeira

No caso, pelos documentos anexados aos autos, está comprovado que a parte autora não tem capacidade financeira para arcar com o custo do tratamento pleiteado, que perfaz R$ 118.025,92 (evento 1 - OUT2), enquanto ele percebe benefício previdenciário no valor mínimo (evento 103 - COMP2).

- Da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS

No que pertine à necessidade e à adequação do tratamento requerido, reporto-me aos fundamentos da decisão que determinou o fornecimento do fármaco (evento 35):

[...] o perito judicial, Eduardo Schmitz, CRM/SC 8.031 (evento 33), referiu que o autor é portador de mieloma múltiplo (CID 10: C90.0), tendo se submetido a "3 ciclos de Quimioterapia Convencional (Ciclo fosfamida+Dexametasona+Talidomida), sem resposta", tendo esgotado, portanto, as alterantivas terapêuticas previstas no SUS. Segundo o expert, faz-se necessária a associação do Bortezomide diante da protenúria grave atual e do risco de morte existente no quadro.

Portanto, das conclusões extraídas do laudo médico, tem-se que o tratamento pleiteado é imprescindível para o atual estágio da doença que acomete o autor e não há, diante dos elementos colhidos, fármaco ou procedimento disponível no SUS que permita a substituição. Com efeito, consoante referido pelo expert, o autor já se submeteu ao tratamento disponibilizado pelo SUS, porém, sem sucesso.

Não só, oportuno transcrever o seguinte excerto de documento acostado pela própria Estado de Santa Catarina (evento 22, PROCADM2):

A Portaria nº 708, de 6 de agosto de 2015 (http://conitec.gov.br/images/Protocolos/ddt_Mieloma-Multiplo.pdf) do Ministério da Sáude que aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Mieloma Múltiplo, estabelece o bortezomibe como opção terapêutica de primeira linha, entre outros medicamentos que possuem atividade clínica anti-mieloma e podem ser igualmente usados na poliquimioterapia de primeira linha em diferentes combinações.

Porém, não houve portaria subsequente criando novo procedimento e/ou alterando descrições e valores do procedimento 03.04.03.018-0 (Quimioterapia de neoplasia de células plasmáticas – 1ª linha), então, na prática, apesar da Portaria de 2015 incluir o bortezomibe como opção terapêutica, não foi oferecido PELA UNIÃO, a solução de financiamento deste medicamento e assim, as Unidades de Oncologia do SUS não oferecem este tratamento. (Grifou-se)

Com efeito, observo que a Portaria n° 708, de 6 de agosto de 2015, a qual aprovou as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Mieloma Múltiplo, expressamente prevê a possibilidade de tratamento com bortezimibe, in verbis:

8.3.1 Quimioterapia de primeira linha

Os seguintes medicamentos possuem atividade clínica anti-mieloma e podem ser igualmente usados na poliquimioterapia de primeira linha em diferentes combinações: bortezomibe, ciclofosfamida, cisplatina, dexametasona, doxorrubicina, doxorrubicina lipossomal, etoposido, melfalano, vincristina e talidomida [92-119].

Doentes elegíveis para transplante de TCTH devem receber três a quatro ciclos de quimioterapia antineoplásica com finalidade citorredutora, sem melfalano, com o esquema disponível de maior taxa de resposta, idealmente baseado em três ou quatro antineoplásicos, seguido por coleta de células-tronco hematopoéticas e quimioterapia em alta dose com TCTH [120-122].

Isso porto, tenho que o quadro processual instaurado traz elementos que evidenciam a verossimilhança das alegações contidas na petição inicial.

Reporto-me, ainda, aos fundamentos do voto condutor que negou provimento ao agravo de instrumento nº 5069525-39.2017.4.04.0000/SC:

Peço vênia para divergir.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal em face de decisão (evento 35 - DESPADEC1) que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela consistente no fornecimento do fármaco Bortezomibe (Velcade) 3,5mg, para tratamento de Mieloma Múltiplo (CID 10 C 90.0).

Em suas razões, afirma a União que não estão presentes os requisitos da tutela antecipada, porquanto não há comprovação científica da superioridade do medicamento pleiteado sobre o tratamento disponibilizado pelo sistema público. Sustenta, deste modo, não haver verossimilhança do direito no caso dos autos, uma vez que o laudo pericial não corrobora com a tese do autor, deixando de atestar a imprescindibilidade do tratamento, tampouco houve o esgotamento das alternativas terapêuticas oferecidas pela rede pública de saúde. Postula, subsidiariamente, seja o prazo de fornecimento prolongado para 30 dias. Requer a antecipação da tutela recursal.

A i. Relatora entendeu, em síntese, que "o laudo pericial resultou em parecer sucinto, não logrando êxito a demonstrar a imprescindibilidade da medicação postulada, tampouco referindo se o agravado esgotou as alternativas disponíveis no âmbito do SUS (evento 33 - LAUDO1)". Desta forma, ressaltou que "os pareceres constantes nos autos não indicam vantagem terapêutica entre a medicação aqui pretendida se comparada com as oferecidas na rede pública de saúde", razão pela qual deu provimento ao agravo de instrumento.

Penso, contudo, que os documentos juntados ao feito amparam a utilização do medicamento pleiteado, como bem ressaltado pelo Julgador de 1º grau: nos seguintes termos:

[...]

Na hipótese dos autos, portanto, não há motivos para se afastar conclusão judicial, que constatou a necessidade da medicação ora pleiteada, a qual deve ser considerada adequada e eficaz para o tratamento da enfermidade, sendo que a mesma possui registro na ANVISA.

Observo, a par de tais fundamentos, que, no seguir da instrução processual, as partes não apresentaram elementos probatórios que justificassem a alteração do posicionamento adotado. Nessa esteira, a procedência do pedido inicial é a medida que se impõe, com base nas normas constitucionais que garantem o direito à saúde como dever do Estado.

Acrescento, em paralelo à prova dos autos, que o NAT-JUS/SC, em face de quadro clínico muito semelhante ao do autor, expediu a recente Nota Técnica n.º 112/2019, cuja conclusão, lastreada na literatura científica pertinente, trago à baila:

Considerando o caso concreto e os estudos apresentados nesta Nota técnica, o medicamento pleiteado (bortezomibe) é um dos agentes que demonstrou benefício nas taxas de resposta ao tratamento e impacto na sobrevida dos pacientes com mieloma múltiplo recidivado. (Processo n.º 5002187-96.2019.4.04.7204, evento 18, PARECER1)

A par do cenário esposado, havendo notícia de que o BORTEZOMIBE tem registro na ANVISA e levando em conta que o valor de sua aquisição para o tratamento da enfermidade que aflige o autor - que percebe benefício assistencial no importe de um salário mínimo - supera a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), entendo deva ser mantida a procedência do feito, assim como a tutela de urgência confirmada na sentença.

Direcionamento da obrigação

No tocante ao direcionamento da obrigação a determinada pessoa da Federação, registro que a norma constitucional extraída do artigo 196 da Carta Magna consagra a responsabilidade solidária dos entes federativos em matéria de saúde pública, eis que o vocábulo "Estado", considerado em sua maior amplitude, retrata o Poder Público como um todo, alcançando, indubitavelmente, a União, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.

A reforçar tal ilação, os artigos 23, inciso II, e 198, caput e §1º, do Texto Maior, trataram de firmar a competência comum das pessoas federativas com relação à prestação de serviços públicos de saúde, cujo financiamento deve ser levado a efeito a partir dos recursos orçamentários de todos os entes.

Neste particular, reputo descabida intervenção judicial, porquanto o vínculo da solidariedade franqueia a possibilidade de os devedores da obrigação serem demandados isolada ou conjuntamente, de modo que o acerto entre os entes deve ocorrer na via administrativa.

Tema n.º 06-STF

Relativamente à questão do alto custo do medicamento, registro que o RE n.º 566.471/RN (Tema 6 - STF), de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, teve sua repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973 (em 15-11-2007) e não houve a determinação de suspensão dos feitos em todos os tribunais pátrios. Inaplicável, pois, o disposto no 1.037, II, do CPC/2015.

Honorários advocatícios

Em se tratando de causa afeta à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, a incidência da norma contida no artigo 85, §8º, do Novo Código de Processo Civil, revela-se de todo adequada, ficando a cargo do julgador, mediante apreciação equitativa, o arbitramento da verba honorária.

Nesse aspecto, em não havendo situação excepcional a recomendar outro valor, os réus haveriam de ser condenados em honorários advocatícios à razão de R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata, consoante precedentes desta Turma, a saber: Apelação Cível n.º 5000334-54.2016.4.04.7205, Relator Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, j. 30-01-2019; Embargos de Declaração na Apelação Cível n.º 5000778-23.2017.4.04.7215, Relator Juiz Federal João Batista Lazzari, j. 20-03-2019; Apelação Cível n.º 5017612-59.2016.4.04.7208, Relator Celso Kipper, j. 20-03-2019.

Nada obstante, verifico que a parte autora litiga por meio de núcleo de prática jurídica, tendo formulado, inclusive, pedido expresso para que não sejam arbitrados honorários (evento 01, INIC1, fl. 13), que, nos termos do art. 18, inciso V da Lei Complementar Estadual n.º 155/97, devem ser afastados, a saber:

Art. 18 . Descabe, igualmente, a remuneração ao advogado, quando a causa tratar de:

(...)

V - causa patrocinada por advogado vinculado às atividades exercentes do Estágio de prática Forense nos Cursos de Direito.

Tal inteligência ecoa na jurisprudência deste Sodalício:

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. FALECIMENTO DA PARTE AUTORA. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. DIREITO INTRANSMISSÍVEL. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DA AÇÃO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ATIVIDADE DE ESTÁGIO DE PRÁTICA FORENSE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. 1. Indo à óbito a parte autora, sobrevém a perda do objeto da demanda, vez que a dispensação de medicamentos por parte do Poder Público é direito intransmissível, dada sua natureza personalíssima. Nesse sentido, forçosa a extinção do feito sem resolução meritória, consoante disposto no artigo 485, incisos VI e IX e § 3º, do Código de Processo Civil. 2. Em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios. 3. Descabe a fixação de honorários sucumbenciais em causa patrocinada por advogado vinculado às atividades de estágio de prática forense em cursos de Direito, segundo preconiza o artigo 18, inciso V, da Lei Complementar n.º 155/97 do Estado de Santa Catarina. (TRF4 5000254-59.2017.4.04.7204, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, j. 28/08/2019)

PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ATIVIDADES DE ESTÁGIO DE PRÁTICA FORENSE. Descabe a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais em causa patrocinada por advogado vinculado às atividades de estágio de prática forense em cursos de Direito, nos termos da Lei Complementar Estadual de Santa Catarina n.º 155/1997 (art. 18, inciso V). Precedentes. (TRF4, AC 5007793-13.2016.4.04.7204, Terceira Turma, Relatora Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 13/12/2017)

No ponto, merecem guarida as apelações dos entes políticos para o fim de afastar a condenação em honorários.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do Estado de Santa Catarina e parcial provimento à apelação da União.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001388966v12 e do código CRC 101538d3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 22/10/2019, às 17:0:33


5008230-20.2017.4.04.7204
40001388966.V12


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:37:21.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008230-20.2017.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: MIRCON DEXHEIMER (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE. OCORRÊNCIA. ESGOTAMENTO DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS DISPONÍVEIS NO SUS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ATIVIDADE DE ESTÁGIO DE PRÁTICA FORENSE. DESCABIMENTO.

1. O direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público dos indivíduos de exigir do Estado prestações positivas, passíveis de garantia pela via judicial. Nesse aspecto, a velha concepção de que os preceitos constitucionais alusivos à matéria encerrariam diretrizes de caráter meramente programático restou há muito superada em face da necessidade imperiosa de que as normas definidoras das prerrogativas fundamentais, a exemplo dos direitos à vida e à saúde, tenham aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, §1º, da Magna Carta, o que autoriza, por consectário, a interferência do Poder Judiciário, quando chamado a atuar, na concretização de tais direitos.

2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS.

3. In casu, o perito judicial, chancelando a prescrição medicamentosa do profissional assistente, referiu terem sido esgotadas as alternativas terapêuticas previstas no SUS e atestou a imprescindibilidade do fármaco requerido.

4. Descabe a fixação de honorários sucumbenciais em causa patrocinada por advogado vinculado às atividades de estágio de prática forense em cursos de Direito, segundo preconiza o artigo 18, inciso V, da Lei Complementar n.º 155/97 do Estado de Santa Catarina.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do Estado de Santa Catarina e parcial provimento à apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 16 de outubro de 2019.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001388967v4 e do código CRC 1e1a9692.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 22/10/2019, às 17:0:33


5008230-20.2017.4.04.7204
40001388967 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:37:21.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/10/2019

Apelação Cível Nº 5008230-20.2017.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: MIRCON DEXHEIMER (AUTOR)

ADVOGADO: GABRIELE DUTRA BERNARDES ONGARATTO (OAB SC027016)

ADVOGADO: MÔNICA ABDEL AL (OAB SC011104)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/10/2019, na sequência 712, disponibilizada no DE de 27/09/2019.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA E PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:37:21.

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