Apelação Cível Nº 5019589-46.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: JOSE GUARAGNI (AUTOR)
ADVOGADO: SANDRO GUARAGNI (OAB RS078594)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE TAQUARI/RS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por JOSE GUARAGNI, objetivando obter o medicamento CEMIPLIMABE 350mg, com aplicação de uma ampola a cada três semanas, para tratamento de CARCINOMA BASOCELULAR – CID C44.9 (Neoplasia Maligna da Pele) que lhe acomete.
Em sentença (EVENTO 114), o juízo singular julgou a demanda improcedente, com amparo em conclusão desfavorável da nota técnica emitida no âmbito do sistema NAT-JUS (EVENTO 81), e também sob o fundamento de que a dispensação de fármacos para tratamento oncológico pressupõe que a parte demandante esteja em tratamento no âmbito do SUS, em um CACON ou UNACON, o que não é, atualmente, o caso do autor. O autor foi condenado ao pagamento das custas processuais, dos honorários periciais, dos honorários advocatícios para os réus, fixados, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, em R$ 3.000,00, a serem rateados em favor dos réus e atualizados até o efetivo pagamento pela variação do IPCA-e. Opostos embargos de declaração pela parte autora (EVENTO 127), foram acolhidos (EVENTO 129) para complementar o dispositivo da sentença: "em razão da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais, dos honorários periciais (já depositados integralmente no evento 72) e em honorários advocatícios para os réus, que fixo, na forma da fundamentação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, em R$ 3.000,00, a serem rateados em favor dos réus e atualizados até o efetivo pagamento pela variação do IPCA-e. Resta suspensa a exigibilidade dos honorários advocatícios, com base no art. 98, §3º, do CPC."
Irresignado, o autor apelou (EVENTO 139), reafirmando a eficácia do medicamento prescrito e a inexistência de outras alternativas terapêuticas para o caso.
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofereceu contrarrazões (EVENTO 161), a cujos termos aderiu o MUNICÍPIO DE TAQUARI/RS (EVENTO 162), e vieram os autos a esta Corte.
Oficiando no feito, manifestou-se a douta Procuradora da República pelo provimento da apelação da parte autora (EVENTO 4).
No EVENTO 5 o autor peticionou requerendo a prioridade de tramitação do feito.
É o relatório.
VOTO
I - PRELIMINARES
DA DESERÇÃO
No que tange à alegação de deserção, vertida pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EVENTO 161) e aderida pelo MUNICÍPIO DE TAQUARI/RS (EVENTO 162), ressalte-se que no EVENTO 10 foi parcialmente deferida a gratuidade judiciária no concernente aos honorários, razão pela qual os embargos de declaração da parte autora (EVENTO 127) foram acolhidos (sentença do EVENTO 129) para suspender a exigibilidade da verba honorária então fixada em razão da improcedência do pedido (EVENTO 114). Por esse motivo não havia a necessidade de preparo do recurso de apelação da parte autora, não havendo falar, portanto, em deserção.
Afastada a preliminar arguida.
II - LEGITIMIDADE PASSIVA
A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.
Cumpre ressaltar que na sessão de 22/05/2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando os embargos de declaração opostos no Recurso Extraordinário nº 855.178, fixou a seguinte tese, em repercussão geral (Tema 793):
"Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro."
Nessa esteira, tanto a União, como os Estados e os Municípios são partes legítimas para compor o polo passivo nas ações em que se postula a obtenção de medicamento, sendo certo que dessa tese se extrai que os entes federados podem ser solidariamente demandados como litisconsortes passivos, ratificando a antiga jurisprudência acerca do tema.
Assim, é caso de litisconsórcio passivo facultativo, sendo solidária a responsabilidade dos entes envolvidos, dada sua legitimidade passiva.
III - FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO - Considerações Gerais
A Constituição Federal de 1988 consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu artigo 6º, como direito social. O artigo 196 da Carta, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Cumpre situar-se que, entre os serviços e benefícios prestados no âmbito da Saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. Não obstante, em se tratando da intervenção do Poder Judiciário nas questões de saúde, é importante considerar que se cuida de dever condicionado à capacidade orçamentária do Estado, bem como às prioridades de gastos, cuja gestão compete ao legislador e administrador, motivo pelo qual não se trata de um direito universal e incondicionado, sempre passível de efetivação mediante a ação judicial. Outrossim, de outra banda, o descompasso entre as políticas públicas existentes e o atendimento ao cidadão, mormente quando verificada a inoperância do sistema e a perspectiva de lesão grave, legitima a atuação do Judiciário. Ainda assim, essa atuação não ocorrerá sem respeito aos parâmetros gerais da política de saúde pública, de forma a assegurar o acesso igualitário aos serviços.
Nesse contexto, a judicialização da política pública de distribuição de medicamentos deve obedecer a critérios que não permitam que o Judiciário faça as vezes da Administração, bem como que não seja convertido em uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem que se leve em consideração a existência de outros cidadãos na mesma ou em piores circunstâncias.
Bem por isso o Supremo Tribunal Federal, interpretando o artigo 196 da Constituição da República e se debruçando sobre toda a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, fixou, no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário no tema da saúde, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos Entes Políticos. Em suma, devem ser considerados os seguintes fatores quando da avaliação do caso concreto:
a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;
b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;
c) a aprovação do medicamento pela ANVISA;
d) a não configuração de tratamento experimental.
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1657156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, firmou o seguinte entendimento:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
(REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018, grifei)
Ao acolher os embargos de declaração então opostos, o Colegiado esclareceu que, no caso do fornecimento de medicamentos fora da lista do SUS, conforme precedente estabelecido no citado repetitivo, o requisito do registro na ANVISA afasta a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer remédios para uso off label - aquele prescrito para um uso diferente do que o indicado na bula - salvo nas situações excepcionais autorizadas pela agência, modificando um trecho do acórdão a fim de substituir a expressão existência de registro na Anvisa para existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.
O Ministro Benedito Gonçalves, relator do recurso, asseverou que o esclarecimento em embargos de declaração é necessário para evitar que o sistema público seja obrigado a fornecer medicamentos que, devidamente registrados, tenham sido indicados para utilizações off label que não sejam reconhecidas pela ANVISA nem mesmo em caráter excepcional.
Segundo o relator, ainda que determinado uso não conste do registro na ANVISA, na hipótese de haver autorização, mesmo precária, para essa utilização, deve ser resguardado ao usuário do SUS o direito de também ter acesso ao fármaco.
Registre-se, entretanto, que, quando da modulação dos efeitos do julgado, foi definido que tais critérios somente seriam exigidos para os processos distribuídos a partir da conclusão do referido julgamento (4-5-2018).
IV - CASO CONCRETO
No caso, trata-se de paciente com 62 anos de idade, que apresenta diagnóstico de CARCINOMA BASOCELULAR – CID C44.9 (Neoplasia Maligna da Pele), alegando necessitar do medicamento CEMIPLIMABE.
Em que pese o teor da sentença julgando improcedente o pedido, veja-se que o panorama jurídico-probatório, de forma generalizada, in casu, não é, em verdade, absolutamente desfavorável ao pleito do autor/agravante. Confira-se, a propósito, trecho do parecer favorável proferido pela douta Procuradoria da República a esse respeito, neste processo (EVENTO 4):
"(...)
II – Fundamentação
Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Não obstante, se há elementos nos autos que comprovam ser o medicamento indispensável para o tratamento da moléstia, ele deverá ser fornecido pelo Poder Público.
No caso dos autos, o autor, atualmente com 62 anos de idade, é portador de neoplasia maligna da pele (carcinoma basocelular). Para seu tratamento, teve prescrita por seu atual médico assistente, em atendimento fora do âmbito do Sistema Único de Saúde, o fármaco CEMIPLIMABE 350 mg, em substituição ao medicamento VISMODEGIBE, cujo fornecimento fora-lhe assegurado por provimento judicial exarado em demanda anterior, autuada sob o n.º 9000991-752019.8.21.0071.
Os relatórios elaborados pelo médico que assiste o autor (evento 1, RELT4, e evento 101, LAUDO2) elucidam que a patologia foi inicialmente diagnosticada no ano 2000 e permaneceu sob adequado controle até 2018, quando foi constatada progressão sistêmica do carcinoma basocelular (metástases). Em 2019, sob o uso do fármaco VISMODEGIBE, o autor teve evolução clínica satisfatória, porém a doença voltou a apresentar progressão sistêmica em 2021, razão pela qual foi recomendada a ministração do medicamento reclamado no presente feito (CEMIPLIMABE 350 mg). A indicação está de acordo com os melhores dados da literatura médica, e o fármaco tem excelentes taxas de resposta, proporcionando aumento de sobrevida. Além disso, o quadro do paciente é grave e o CEMIPLIMABE representa a única opção terapêutica disponível.
Contudo, a prova técnica, consubstanciada em nota elaborada no âmbito do sistema NAT-JUS (evento 81), trouxe conclusão desfavorável à dispensação do medicamento, ao fundamento de que não existiria evidência científica suficiente a respaldar a prescrição de CEMIPLIMABE para tratamento do carcinoma basocelular avançado e de que se trata de fármaco considerado não custo-efetivo. Confira-se:
6.4 Conclusão técnica: desfavorável.
6.5 Justificativa:
Justifica-se o parecer desfavorável por duas razões principais:
(1) Atualmente, não há evidência científica que garanta superioridade, no que tange eficácia e segurança, do cemiplimabe aos cuidados de suporte exclusivos. À medida que ensaios clínicos randomizados com comparador (grupo controle) forem realizados e evidenciem ganho em desfechos clinicamente relevantes (como sobrevida global ou qualidade de vida), será necessário reavaliar tal parecer.
(2) Trata-se de um medicamento de alto custo: país de alta renda, o Canadá, recomendou sua incorporação mediante redução importante de preço. Dessa forma, pode-se inferir que para um país de baixa renda, como o Brasil, o fármaco cemiplimabe exceda limiar de custo-efetividade aceitável e, mesmo em decisão isolada, sua aquisição traga prejuízo indireto aos demais assistidos pelo Sistema Único de Saúde.
Em que pese a conclusão desfavorável da nota técnica, tem-se que o conjunto probatório dos autos, considerado globalmente, conforta a pretensão autoral.
Nesse passo, observa-se que o parecer do NAT-JUS confere peso relevante à relação custo-efetividade negativa da medicação reclamada, por tratar-se de fármaco de alto custo.
Contudo, tem-se que, nas ações de medicamentos, a análise da necessidade e adequação do tratamento buscado deve ter prioridade. E no presente caso, os elementos de convicção existentes indicam ser o tratamento com CEMIPLIMABE indispensável à parte autora.
Como destacado pelo médico assistente no evento 101, o ensaio clínico referido no parecer do NAT-JUS traz dados favoráveis a sua adoção no tratamento do carcinoma basocelular, sendo que, além disso, não existe nenhuma outra opção terapêutica para o caso. Confira-se:
No momento o Sr. José apresenta indicação terapêutica de uso de cemiplimabe. Esta indicação, embora baseada em estudos pequenos, de fase 2, está plenamente de acordo com os melhores dados da literatura médica. A medicação foi testada em estudo com 84 pacientes com diagnóstico de carcinoma basocelular avançado e que haviam falhado ao uso de vismodegib. No estudo, 67 pacientes (80%) apresentaram controle da doença, sendo estimado que 85% desses pacientes seguiriam com benefício após 12 meses. A taxa de resposta clínica objetiva – redução superior a 30% do volume de doença, foi de 31% sendo que 5 pacientes apresentaram desaparecimento completo da doença. O tempo estimado para sobrevida livre de progressão foi de 19 meses e de sobrevida global não foi alcançado. Cabe ressaltar a inexistência de NENHUMA outra opção terapêutica disponível.
Portanto, um percentual significativo dos pacientes acompanhados no estudo teve benefício relevante com o uso do CEMIPLIMABE, o que denota sua adequação para tratamento do carcinoma basocelular. O fármaco é também necessário no caso concreto, na medida em que representa a única opção terapêutica existente para o caso do autor, que, de resto, já se submeteu às alternativas disponibilizadas pelo SUS e também já fez uso do medicamento VISMODEGIBE, sem êxito.
Por fim, calha observar que o fato de o autor encontrar-se sob acompanhamento médico fora do SUS de modo algum constitui óbice intransponível ao deferimento da pretensão em juízo, como essa Egrégia Corte Regional já teve ocasião de decidir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRATAMENTO FORA DO SUS. NÃO EXCLUSÃO. Quanto à realização de tratamento médico fora do Sistema Único de Saúde, tal fato, por si só, não exclui o paciente da assistência prestada pelo Poder Público, observadas das peculiaridades envolvendo as doenças oncológicas. Se a Constituição não estabelece distinção entre os assistidos, nem o legislador prescreve a hipossuficiência como critério seletivo para a prestação do serviço público (ou seja, o dever do Estado de assistir o indivíduo não está condicionado à condição de paciente do SUS), não há como preterir o indivíduo que, às vezes com certo sacrifício, adere a plano privado de saúde (via de regra, restrito à cobertura de custos relativos a consulta e exame médicos e laboratoriais), porém necessita do fornecimento de um determinado medicamento/tratamento que não se inclui no âmbito de sua cobertura. (TRF4, AG 5003301-85.2018.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 18/05/2018.)
Tal entendimento mostra-se tanto mais aplicável ao caso do autor, que, ao que consta, já se submeteu anteriormente a tratamento em um CACON ou UNACON pela mesma patologia, e somente veio a buscar a rede médica privada no período recente, em razão do agravamento de seu estado de saúde.
Assim, em suma, levando-se em conta a alta gravidade da enfermidade, o medicamento postulado é a única alternativa de tratamento com boa perspectiva de melhora na qualidade de vida do autor. Se há elementos nos autos que comprovam ser o medicamento indispensável para o tratamento da moléstia, como de fato há, deverá o fármaco ser fornecido pelo Poder Público.
III – Conclusão
Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo provimento da apelação."
Observa-se, no caso, efetivamente, que a parte autora já fez tratamento pelo SUS, sem apresentar mais resposta, tendo sido redirecionada por aquele próprio profissional do SUS ao seu atual médico. Nessa esteira, não só a prescrição do fármaco por estabelecimento conveniado à Rede de Atenção Oncológica, como também a orientação tem que ser entendida como suficiente para convencer a respeito da verossimilhança/certeza do direito alegado. A conclusão é evidente: se o estabelecimento indicado pelo Poder Público reputa necessário o tratamento e/ou indica/redireciona a outro profissional que o faça, fragiliza-se a argumentação deste Poder Público contestando o tratamento sugerido na via judicial.
Assim, na hipótese em exame, os documentos médicos juntados com a inicial, em especial os laudos do EVENTO 1 - RELT4 e EVENTO 101 - LAUDO2 demonstram que a parte autora/apelante é portadora da referida doença e necessita do medicamento. Confiram-se seus termos:
"O Sr. Jose Guarani é portador de patologia classificada por CID 10: C44.9 (Neoplasia maligna da pele - carcinoma basocelular). O diagnóstico ocorreu no ano 2000 com lesão de pele isolada em região anterior do tórax. Realizou diversas ressecções por recidivas locais, com controle adequado por um período de aproximadamente 17 anos. Em 2018 passou a apresentar dor de moderada intensidade em região quadril direito. Exames de imagens comprovaram tratar-se de progressão sistêmica (metástases) do carcinoma basocelular, não apenas em quadril, mas também com outros focos ósseos. Realizou radioterapia para os locais com maior volume ou sintomas da doença em 2019. Em julho daquele iniciou tratamento sistêmico com vismodegibe 150mg 1x ao dia. Apresentou satisfatória evolução clínica, porém em fevereiro 2021 novamente se constatou progressão sistêmica da doença avaliada por PET-CT (laudo em anexo).
No momento o Sr. José apresenta lesões metastáticas sistêmicas, acarretando sintomas clínicos pela doença. No momento o Sr. José apresenta indicação terapêutica de uso de cemiplimabe. Esta indicação, embora baseada em estudos pequenos, de fase 2, está plenamente de acordo com os melhores dados da literatura médica. A medicação foi testada em estudo com 84 pacientes com diagnóstico de carcinoma basocelular avançado e que haviam falhado ao uso de vismodegib. No estudo, 67 pacientes (80%) apresentaram controle da doença, sendo estimado que 85% desses pacientes seguiriam com benefício após 12 meses. A taxa de resposta clínica objetiva – redução superior a 30% do volume de doença, foi de 31%, sendo que 5 pacientes apresentaram desaparecimento completo da doença. O tempo estimado para sobrevida livre de progressão foi de 19 meses e de sobrevida global não foi alcançado. Cabe ressaltar a inexistência de NENHUMA outra opção terapêutica disponível. Outrossim, ressalto que não existe nenhuma formulação genérica ou similar de cemiplimabe. Destaco a indicação terapêutica precisa e definida para este quadro, bem como a plena necessidade de manutenção enquanto demonstrar benefício clínico do tratamento considerando-se a gravidade do caso, além do potencial benefício clínico. A sua ausência, ou demora na instituição do tratamento, pode permitir o agravo da doença, levando a piora dos sintomas e da qualidade de vida. referências: (...)"
Válidas, portanto, as conclusões do médico assistente da parte autora, Oncologista, no sentido de que o medicamento pleiteado é indicado ao caso do paciente, porquanto analisando os elementos do caso concreto - e fundamentando suas conclusões igualmente em estudo científico - ponderou o profissional ser adequada a medicação, sopesando todas as circunstâncias envolvidas, sobretudo relevando o risco de morte a que está ele submetido caso não faça uso do fármaco pleiteado.
Outrossim, é bem certo, cumpre ressaltar que o autor, segundo relatório médico, já esgotou o protocolo de medicamentos do SUS previsto para a sua enfermidade, nos termos já explicitados.
Quanto à questão de fundo, destaco precedente desta Corte (os grifos não pertencem ao original):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SUBSTITUIÇÃO DO FÁRMACO. POSSIBILIDADE. 1. É possível a substituição do medicamento outorgado inicialmente, ainda que em fase de cumprimento de sentença, desde que reste devidamente demonstrada a imprescindibilidade do novo fármaco. 2. Hipótese em que o o NatJus Nacional afirmou o acerto da prescrição de Cemiplimabe para tratamento de Câncer de Pele tipo basocelular. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5034114-90.2021.4.04.0000, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 21/03/2022)
A par disso, esta Corte vem decidindo que, quanto ao fato de a parte autora contar com plano de saúde particular para o custeio de suas despesas médicas, tal circunstância, por si só, não constitui motivo para excluí-la da assistência prestada pelo Poder Público. Tal interpretação pode ser aplicada ao caso concreto. Nesse sentido (os grifos não pertencem ao original):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. USTEQUINUMABE. PSORÍASE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. 1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988). 2. O direito fundamental à saúde é assegurado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e compreende a assistência farmacêutica (artigo 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico. 4. Quanto ao fato de a parte autora contar com plano de saúde particular para o custeio de suas despesas médicas, tal circunstância, por si só, não constitui motivo para excluí-la da assistência prestada pelo Poder Público, mormente porque a imprescindibilidade da dispensação do medicamento, nesse momento, vem respaldada e reforçada pela perícia médica judicial, que além de especializada, é totalmente isenta e de confiança do juízo. Precedentes desta Corte. 5. No concernente ao pedido de realização de ressarcimento entre os entes federativos na via administrativa, inexistindo dúvida acerca da legitimidade passiva dos réus e sendo solidária a sua responsabilidade na ação, igualmente são responsáveis pelo fornecimento e pelo ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido. Não obstante, ainda que reconhecida a solidariedade, não cabe aqui declarar as atribuições ou direito de determinado réu em ressarcir-se dos demais quanto às despesas relativas ao cumprimento da obrigação. Eventual acerto de contas que se fizer necessário, em virtude da repartição de competências dentro dos programas de saúde pública e repasses de numerário ou restituições, deverá ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5044114-57.2018.4.04.0000, 6ª Turma, Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE JUNTADO AOS AUTOS EM 04/04/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. DEFERIMENTO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Repetitivo 1.657.156, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, não condicionou a dispensação de medicamentos oncológicos ao atendimento junto à Rede de Atenção Oncológica - CACON ou UNACON. 2. Assim, mesmo em tratamentos fora do âmbito do SUS, e considerando a inexistência de cuidados especiais no manejo e aplicação do fármaco, a manutenção da tutela de urgência é a medida adequada. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5028756-52.2018.4.04.0000, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, DECIDIU, POR UNANIMIDADE JUNTADO AOS AUTOS EM 14/12/2018)
Outrossim, no caso dos autos, reconhecido o valor da medicação - cerca de R$ 57.000,00 cada ampola (EVENTO 29), e considerando-se a utilização de uma ampola a cada três semanas, reputa-se que os gastos com a medicação não possam ser suportados pela parte autora que, atualmente, está auferindo apenas rendimentos de aposentadoria de cerca de R$ 4.000,00 mensais (EVENTO 15).
Nessa medida, tenho por comprovados, in casu, os requisitos do artigo 300 do CPC, quais sejam, a "probabilidade do direito" e o "perigo de dano" ou "risco ao resultado útil do processo" (necessários para fins de deferimento da antecipação da pretensão recursal no presente apelo).
Nesse contexto, é de ser provido o presente recurso e deferido o pedido de antecipação da pretensão recursal, determinando aos réus, solidariamente, o fornecimento/entrega do medicamento CEMIPLIMABE à parte autora/apelante, conforme prescrição médica (vide termos da ação principal e prescrições). Sucessivamente, poderá ser efetivado o depósito do valor necessário à aquisição do fármaco, devendo os réus iniciar o cumprimento da decisão no prazo máximo de 20 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00.
Não obstante, nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da ordem judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Nessa perspectiva, considerando a possibilidade de o tratamento perdurar por tempo considerável - pois o fornecimento do fármaco será mantido enquanto for eficaz para o controle da doença - a parte autora deverá, como medidas de contracautela: (a) comprovar a persistência das condições que fundamentaram o pedido, apresentando à unidade de saúde competente receita médica atualizada a cada 6 (seis) meses; (b) informar imediatamente a suspensão/interrupção do tratamento, e (c) devolver, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento. Todas essas condutas deverão ser realizadas perante o primeiro grau de jurisdição, em sede de cumprimento de sentença.
V - ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS ENTRE OS RÉUS
Quanto à solidariedade dos entes envolvidos no cumprimento da ordem judicial, a atual jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como desta Corte, em consonância com os artigos 23, II e 198, §1º, da CF/88, é uníssona no sentido de que a responsabilidade dos entes federados configura litisconsórcio passivo facultativo, podendo a demanda em que se postula fornecimento de prestação na área da saúde ser proposta contra a União, Estado ou Município, individualmente ou de forma solidária, a critério da parte proponente, consoante já explicitado. Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso e Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia.
RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015).
Não obstante, na sessão de 22-5-2019, o Plenário do STF, julgando os embargos de declaração opostos no RE nº 855.178 (Tema 793), fixou a tese de repercussão geral, anteriormente transcrita.
Conforme ponderado pelo ministro Edson Fachin, quanto à tese fixada, "o texto, em sua primeira parte, reafirma a solidariedade e, ao mesmo tempo, atribui poder-dever à autoridade judicial para direcionar o cumprimento. A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." (in Informativo nº 89, de 5-2019 do STF (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativomensalmaio2019.pdf).
VI - No que tange ao custeio, considerando que a UNIÃO é a responsável financeira por prover as despesas dos tratamentos de alto custo, cabível registrar desde logo que a ela caberá o pagamento ou ressarcimento das despesas, a serem objeto, se for o caso, de acertamento apenas na via administrativa. Nesse sentido (os grifos não pertencem ao original):
DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. 1. Sobre a responsabilidade administrativa nas ações de saúde, a competência para atender diretamente o cidadão, inclusive como porta de entrada para o sistema de saúde e com o fornecimento da ação, medicamento ou produto de saúde pleiteado é, como regra geral, do Estado membro. Em algumas situações, tais atribuições são compartilhadas com os entes municipais e, muito raramente, a atribuição material é da União. 2. Sobre a responsabilidade financeira, no contexto de aperfeiçoamento do SUS, é dever da União prestar cooperação financeira aos demais entes políticos (art. 16, XIII, Lei n.º 8.080/90), até porque o ente federal é o gestor de maior nível na hierarquia e descentralizada do Sistema Único de Saúde. Enquanto ausente uma diretriz objetiva sobre ações de saúde específicas, a responsabilidade pelo custeio é integralmente da União, isto até que haja pactuação em sentido diferente por meio das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite ou por meio de outras diretrizes do Ministério da Saúde. 3. Sem prejuízo de outras situações, a responsabilidade financeira é integralmente da União quando se trata de tratamento oncológico e fornecimento de medicamentos ou tratamentos não inclusos em políticas públicas do Sistema Único de Saúde. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5009750-31.2020.4.04.7100, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/09/2021)
VII - NOMENCLATURA DO FÁRMACO
No concernente ao deferimento do fármaco pela Denominação Comum Brasileira e não pelo nome comercial, cumpre esclarecer que, efetivamente, os medicamentos a serem adquiridos pelo SUS não ficam vinculados ao nome comercial, mas sim ao seu princípio ativo. Dessa forma, caso seja encontrada outra marca ou genérico do mesmo princípio ativo, poderá ser adquirido para cumprimento desta decisão, desde que não cause prejuízo à eficácia do tratamento da parte autora.
VIII- HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
RESPONSABILIDADE DA UNIÃO
Consoante explicitado, recentemente a matéria, quanto ao ponto específico (responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios em casos de fornecimento de medicamento oncológico e/ou tratamentos/procedimentos de alto custo), sofreu alteração de entendimento na Turma (os grifos não pertencem ao original):
DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO. EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. 1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). Caso concreto em que restou demonstrada a adequação do tratamento. 2. A responsabilidade financeira final para tratamento oncológico é atribuída integralmente à União. 3. Nos casos em que é atribuída a responsabilidade financeira integral à União por determinada prestação de saúde, à luz da causalidade, a condenação ao pagamento das despesas e dos honorários deve ser também direcionada ao ente federal. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003697-40.2021.4.04.7119, 6ª Turma, Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/02/2022)
Assim, nas palavras do ilustre Desembargador João Batista Pinto Silveira:
"(...)
Conforme já mencionado acima, a política pública destinada a tratamentos oncológicos conta com preponderante atuação federal, tanto na organização administrativa como no custeio. Como visto, cabe à União garantir o financiamento adequado dessa política pública específica (art. 8º, II, Portaria n.º 876/13). Nesse cenário, realmente, os demais entes políticos não contam com reais condições de evitar o possível litígio e, portanto, não dão causa à demanda. A solidariedade da obrigação atinente ao direito à saúde não se estende necessariamente às obrigações que decorrem da relação processual.
Além disso, embora haja condenação, fato é que os demais entes políticos não concorrem diretamente com o pagamento final da obrigação. A solidariedade reconhecida na obrigação principal diz respeito à disponibilização do tratamento ou procedimento, assegurando que o custeio competirá ao ente legalmente responsável para tanto. Ora, se o custeio do principal é integralmente atribuído à União, o reforço prático que justifica a condenação dos demais entes políticos não tem o condão de afastar a responsabilidade financeira da União sobre o acessório decorrente da sentença.
Por consequência, nos casos em que é atribuída a responsabilidade financeira integral à União por determinada prestação de saúde, à luz da causalidade, a condenação ao pagamento das despesas e dos honorários deve ser também direcionada ao ente federal."
Por outro lado, em se tratando de causa afeta à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, a incidência da norma contida no §8º do artigo 85 do novo Código de Processo Civil se revela de todo adequada, ficando a cargo do julgador, mediante apreciação equitativa, o arbitramento da verba honorária.
Por esse motivo - e porque inexistente situação excepcional que recomende outro valor -, o montante deverá ser fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente corrigido, a ser pago apenas pela UNIÃO, valor que se mostra adequado nas demandas dessa natureza. As demais despesas processuais (eventualmente existentes) também devem ser distribuídas ao ente federal.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora provida para determinar o fornecimento do fármaco pleiteado enquanto for eficaz para o controle da sua doença, com a fixação das contracautelas, honorários e deferimento da antecipação da pretensão recursal, nos termos da fundamentação.
IX - DISPOSITIVO
Frente ao exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e deferir a antecipação da pretensão recursal, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5019589-46.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: JOSE GUARAGNI (AUTOR)
ADVOGADO: SANDRO GUARAGNI (OAB RS078594)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE TAQUARI/RS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
Apelação. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE N.º 855178/SE (TEMA 793). DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. CEMIPLIMABE. CARCINOMA BASOCELULAR – CID C44.9 (Neoplasia Maligna da Pele). ANTECIPAÇÃO DA PRETENSÃO RECURSAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONTRACAUTELAS. NOMENCLATURA DO FÁRMACO. responsabilidade financeira. honorários ADVOCATÍCIOS.
1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988). Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no polo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Jurisprudência prevalente reafirmada pelo STF quando fixada a tese de repercussão geral (RE 855.178, Tema 793) no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de direito à saúde. Nessa esteira, deve ser reconhecido que a UNIÃO é a responsável financeira pelo custeio de tratamentos oncológicos e de alto custo, nada obstante o medicamento e o serviço médico sejam exigíveis contra os réus solidariamente, e eventual ressarcimento que entenderem devido deverá ocorrer apenas na via administrativa.
2. O direito fundamental à saúde é assegurado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e compreende a assistência farmacêutica (artigo 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.
3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico. Quanto ao fato de a parte autora contar com plano de saúde particular para o custeio de suas despesas médicas, tal circunstância, por si só, não constitui motivo para excluí-la da assistência prestada pelo Poder Público.
4. Não obstante, nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da ordem judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Nessa perspectiva, considerando a possibilidade de o tratamento perdurar por tempo considerável, pois o fornecimento do fármaco será mantido enquanto for eficaz para o controle da doença, a parte autora deverá, como medidas de contracautela: (a) comprovar a persistência das condições que fundamentaram o pedido, apresentando à unidade de saúde competente receita médica atualizada a cada 6 (seis) meses; (b) informar imediatamente a suspensão/interrupção do tratamento, e (c) devolver, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento. Todas essas condutas deverão ser realizadas perante o primeiro grau de jurisdição, em sede de cumprimento de sentença.
5. No concernente ao deferimento do fármaco pela Denominação Comum Brasileira e não pelo nome comercial, cumpre esclarecer que, efetivamente, os medicamentos a serem adquiridos pelo SUS não ficam vinculados ao nome comercial, mas sim ao seu princípio ativo. Dessa forma, caso seja encontrada outra marca ou genérico do mesmo princípio ativo, poderá ser adquirido para cumprimento da decisão, desde que não cause prejuízo à eficácia do tratamento da parte autora.
6. A responsabilidade financeira final para tratamento oncológico é atribuída integralmente à UNIÃO.
7. Conforme orientação desta Turma, nas hipóteses em que é atribuída a responsabilidade financeira integral à UNIÃO por determinada prestação de saúde, à luz da causalidade, a condenação ao pagamento das despesas e dos honorários deve ser também direcionada ao ente federal.
8. Apelação da parte autora provida para determinar o fornecimento do fármaco pleiteado enquanto for eficaz para o controle da sua doença, com a fixação das contracautelas, honorários e deferimento da antecipação da pretensão recursal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e deferir a antecipação da pretensão recursal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003176558v8 e do código CRC 44889726.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 20/5/2022, às 7:19:49
Conferência de autenticidade emitida em 28/05/2022 12:01:25.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/05/2022 A 18/05/2022
Apelação Cível Nº 5019589-46.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: JOSE GUARAGNI (AUTOR)
ADVOGADO: SANDRO GUARAGNI (OAB RS078594)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE TAQUARI/RS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2022, às 00:00, a 18/05/2022, às 14:00, na sequência 406, disponibilizada no DE de 02/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DEFERIR A ANTECIPAÇÃO DA PRETENSÃO RECURSAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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