APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5024462-64.2017.4.04.9999/RS
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RELATOR |
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LUIZ CARLOS CANALLI |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MEROLINDA PAULO SCALCON |
ADVOGADO | : | ANA PATRÍCIA ORSI |
APENSO(S) | : | 0019949-12.2010.404.0000 |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS NOCIVOS. PROVA PERICIAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL. DATA INICIAL DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS.
1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. Devidamente comprovada a exposição a agentes químicos nocivos em razão da rotina de trabalho da segurada, deve-se reconhecer a especialidade do correspondente tempo de serviço.
4. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal, e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo comum, utilizado o fator de conversão previsto na legislação aplicada na data da concessão do benefício.
5. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea.
6. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto, pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional, o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
7. Assim, desnecessário o afastamento da parte autora das atividades tidas como especiais para a implantação do benefício, e a data inicial do benefício de aposentadoria deve ser fixada na DER.
8. Sistemática de atualização do passivo observará a decisão do STF consubstanciada no seu Tema nº 810.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do reexame necessário, negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2017.
Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9202487v7 e, se solicitado, do código CRC E4E798ED. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luiz Carlos Canalli |
| Data e Hora: | 25/11/2017 00:07 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5024462-64.2017.4.04.9999/RS
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RELATOR |
: |
LUIZ CARLOS CANALLI |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MEROLINDA PAULO SCALCON |
ADVOGADO | : | ANA PATRÍCIA ORSI |
APENSO(S) | : | 0019949-12.2010.404.0000 |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por MEROLINDA PAULO SCALCON contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, narrando que efetuou requerimento administrativo para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, em 04/03/2009, contudo o pedido foi indeferido, sob o argumento de falta de tempo de contribuição, visto que não foram computados os períodos laborados na agricultura, em regime de economia familiar, e aqueles exercidos sob condições especiais. Aludiu contar com tempo equivalente ao exigido para a concessão do benefício. Citou legislação aplicável à espécie. Requereu a procedência da ação, com a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde o requerimento administrativo, acrescendo-se ao seu tempo de serviço o período rural, em regime de economia familiar, de 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973 e o resultante da conversão da atividade especial para comum, condenando-se o requerido ao pagamento dos valores mensais devidos.
Citado, o INSS apresentou contestação. Defendeu que somente houve o reconhecimento da atividade rural em relação ao ano de 1972, vez que não houve apresentação de documentos originais quanto aos demais períodos. Discorreu acerca dos requisitos necessários para o reconhecimento da atividade especial. Aduziu que, no caso, os documentos apresentados não se enquadram nas exigências da legislação e o PPP não indica, de forma adequada, os agentes de risco. Ao final, requereu a improcedência da ação.
Durante a instrução, foram ouvidas duas testemunhas (fls. 105/106).
O laudo pericial foi juntado aos autos (fls. 213/223), e oportunizada vista às partes.
Sentenciando, em 14/10/2016, o juízo a quo julgou procedente a demanda, constando do dispositivo o seguinte:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MEROLINDA PAULO SCALCON qualificada na inicial, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, igualmente identificado, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para:
A) RECONHECER o exercício de atividade rurícola pela parte autora e DETERMINAR sua a averbação, administrativamente, nos períodos de 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973;
B) DECLARAR comprovado o exercício de atividade em condições especiais pelo autor e DETERMINAR a conversão, administrativamente dos períodos de 12/05/1975 a 22/08/1979, 19/09/1979 a 24/02/1981 e de 03/11/1998 e 31/10/2008;
C) CONDENAR o réu a conceder o benefício de aposentadoria proporcional à parte autora à razão de 70% do salário de beneficio, mais 05% para cada novo ano completo de contribuição, até o máximo de 100% do salário de beneficio; a contar da DER (04/03/2009), implantando o benefício para pagamento mensal, bem como condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária desde o dia em que deveria ter sido paga cada parcela (Súmulas 43 e 148 do STJ), e, diante do reconhecimento da inconstitucionalidade de parte do critério estabelecido na atual redação do artigo 1º-F da Lei n.° 9.494/1997 (ADIs nºs 4425, 4357, 4372 e 4400) e da nova redação dada ao Manual de Cálculos do CJF, a correção monetária deve ocorrer pelo INPC (indexador expressamente previsto nos artigos 29-B e 41-A da Lei n.° 8.213/1991), desde cada vencimento, e juros de mora de 1% ao mês, até junho de 2009 (Decreto-Lei n.° 2.322/1987 e Súmula n.° 75 do TRF4), 0,5% ao mês, até abril de 2012 (Lei n.° 11.960/2009), e conforme o percentual incidente sobre a caderneta de poupança a partir de então -0,5% ao mês, caso a taxa SELIC seja superior a 8,5% ao ano, ou 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, caso seja igual ou inferior a tal razão (Lei n.° 11.960/2009 c/c Lei n.° 12.703/2012); e
D) CONDENAR a requerida, ainda, ao pagamento das custas processuais, que são devidas por metade, conforme antiga redação da Lei Estadual n° 8.121/1985, em razão da inconstitucionalidade formal da Lei Estadual 13.471/2010 declarada no julgamento da ADI n° 70041334053, e honorários advocatícios, ao procurador da parte autora, os quais fixo no percentual de 10%, incidente sobre as parcelas vencidas até a presente sentença, devidamente corrigidas na forma retro
estabelecida (Súmula 11 do STJ), tendo em vista a natureza da demanda, a tramitação do feito e o zelo do profissional (art. 85, §3°, do CPC).
O INSS recorre (evento 03 - APELAÇÃO42), sustentando que não está comprovado o exercício do labor agrícola em regime de economia familiar; que, quanto ao período de 1960 a 1995, não houve comprovação, por meio de laudo técnico contemporâneo, do labor especial; no que tange ao período de abril de 1995 a março de 1997, diz que é imprescindível, além do formulário, a apresentação de Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT, expedido por médico do trabalho ou engenheiro especializado em segurança do trabalho; que a contar de 28/05/1998, restou legalmente vedada a conversão de tempo de serviço especial, prestado após essa data, em tempo de serviço comum; que a parte autora não apresenta qualquer informação segura quanto à exposição ao agente ruído, nem mesmo o nível de exposição; que a parte autora não comprovou a efetiva exposição aos agentes nocivos de modo permanente (exposições a agentes nocivos em todas as funções desempenhadas) e não ocasional nem intermitente (sem a alternância, durante a jornada, de exercício de atividade comum e especial). Afirma ainda que a parte autora continuou exercendo atividades especiais após a Data de Entrada do Requerimento administrativo (DER), situação essa comprovada pelo extrato do CNIS e que a data de início dos pagamentos na concessão do beneficio de aposentadoria especial será a Data do Afastamento do Trabalho (DAT), uma vez que o recebimento do beneficio é incompatível com a continuidade do exercício da atividade sujeita a condições especiais. Por fim, quanto aos consectários legais, requer a aplicação do INPC e/ou TR para a correção das parcelas vencidas, bem como a fixação de juros moratórios no patamar de 6% ao ano.
Foram apresentadas contrarrazões (CONTRAZ44).
É o relatório.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
No caso em tela, todavia, quando publicada a sentença destes autos, não estava sujeita a reexame obrigatório, pois já na égide do novo CPC, no qual foi suprimido o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos.
Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não há condição (interesse) para o conhecimento da remessa.
Com efeito, considerando os elementos existentes nos autos, pode-se antever que o valor da renda mensal, multiplicado pelo número de meses da condenação, até a data da sentença, acrescido de correção monetária e de juros de mora nas condições estabelecidas na decisão de primeiro grau, resulta em valor manifestamente inferior a mil salários-mínimos.
Assim, não conheço da remessa oficial.
MÉRITO
A controvérsia no plano recursal diz respeito à comprovação do período de atividade rural, bem como do período de atividade exercida em condições especiais.
TEMPO DE SERVIÇO RURAL
Tempo de serviço rural: premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (Súmula nº 577 do STJ: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.");
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide Súmula nº 577 do STJ (supracitada) e recentes julgados da Terceira Seção: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
Caso concreto
A autora busca o reconhecimento do período de labor na agricultura, em regime de economia familiar, nos períodos de 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973.
Buscando comprovar o trabalho rural, no período referido, a parte autora apresentou documentos e foram ouvidas testemunhas. Transcrevo neste ponto a sentença:
[...]
A parte autora alega que desenvolveu atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973.
Como início de prova material dos períodos acima mencionados, juntou aos autos os seguintes documentos:
- certidão do INCRA de cadastro de imóvel rural, em nome do genitor da parte autora, entre os anos de 1965 a 1971 e 1972 a 1978 (fl. 41);
- declaração de que a autora estudou em escola municipal na localidade de "Cruzinha", distrito pertencente ao município e São Francisco de Paulo, no período de 1962 a 1964 (fl. 42);
- declaração do Sindicato dos trabalhadores rurais de São Francisco de Paulo, afirmando que o genitor da parte autora era associado, tendo exercido atividade rural na localidade de Cruzinha, com cancelamento em 1993 (fls. 43/45); e
- guia de recolhimento de imposto do INCRA, em nome do genitor da autora, referente ao exercício de 1966, 1967, 1968, 1970/1971, 1972, 1973 (fls. 46/49).
A parte autora requereu, ainda, a inquirição de testemunhas, motivo pelo qual passo a analisar a referida prova.
A testemunha Remi Grifante disse que conhece a requerida, vez que ela morava na comunidade de "Cruzinha" e confirmou que ela trabalhava na "roça", juntamente com o pais e irmãos. Disse que não exerciam outra atividade além do trabalho rural e não possuíam empregados. Aduziu que eles plantavam milho, feijão e outras verduras e vendiam um pouco na cidade de São Francisco. Afirmou que não possuíam maquinário agrícola. Disse que saiu da colônia em 1980 e acha que a parte saiu por volta de 1975 (CD fl. 206).
A testemunha Terezinha Jurema Grifante Reis disse que conhece a autora da comunidade de "Cruzinha", pertencente a São Francisco de Paula. Relatou que a autora estudava no turno da manhã e, à tarde, trabalhava na roça com os pais. Referiu que a autora tinha oito irmãos e que não exerciam outra atividade, bem como que plantavam milho, feijão e arroz e o que sobrava era vendido. Afirmou que não possuíam maquinário agrícola. Aduziu que via a autora laborando, vez que passam no local para ir até os armazéns. Disse que a autora saiu da colônia em 1975. Afirmou que não tinham empregados.
Como se observa, as testemunhas concordam que a autora permaneceu na agricultura até meados dos anos de 1975. Ou seja, referem que a parte autora ficou até esse ano na agricultura e depois foi trabalhar na cidade.
Ademais, cabe frisar que não se mostra necessária a comprovação documental, ano a ano, do período que se pretende o reconhecimento, sendo exigido apenas o início de prova material, corroborado por prova testemunhal. Nesse sentido:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARENCIA COMPROVADO. 1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3°, da Lei 8.213/91, mediante inicio de prova material complementado por prova testemunhal idônea. 2. Tendo em vista que o conjunto probatório demonstrou o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do beneficio de aposentadoria por idade rural. (TRF4, AC 0023981-31.20134049999, Sexta Turma, Relator Paulo Paim da Silva, D.E. 06/03/2015).
Resta evidenciado, portanto, analisando todo o contexto probatório, que a requerente exerceu atividade rural, explorando atividade agropecuária, em labor no qual o trabalho dos membros da família era indispensável à própria subsistência, tendo sido realizado em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados, nos períodos de 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973, que totaliza 7 anos e 1 mês.
[...]
Assim, merece ser reconhecido o período de atividade rural compreendido entre 05/03/1965 a 31/12/1971 e de 01/01/1973 a 05/04/1973, eis que devidamente comprovado o labor rural nesse interregno pelas provas materiais carreadas aos autos, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas, constantes dos vídeos anexados no evento 07 deste processo.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
Premissas:
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova. Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGRESP 493.458/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJU 23/06/2003, e REsp 491.338/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 23/06/2003), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99.
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis (dB) por meio de parecer técnico trazido aos autos, ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95, no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei nº 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Intermitência na exposição aos agentes nocivos:
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n. 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n. 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF n. 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; TRF4, EINF n. 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Conversão de tempo especial em comum
Ao contrário do que alega a autarquia, é possível e devida a conversão do tempo de atividade especial em comum, com acréscimo decorrente da conversão.
Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. REVISÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. 1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal, e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo comum, utilizado o fator de conversão previsto na legislação aplicada na data da concessão do benefício. (...)
(TRF4, APELREEX 5009191-27.2013.404.7001, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 18/11/2015)
PREVIDENCIÁRIO. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL ANTERIOR A 01/01/1981. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. TEMPO ESPECIAL PRESTADO NO RGPS. CONTAGEM RECÍPROCA. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. FATOR DE CONVERSÃO. LEI APLICÁVEL. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 2. Comprovado o exercício de atividade especial perante o RGPS (Regime Geral de Previdência Social), conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal, bem como ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo comum para fins de contagem recíproca e averbação perante o RPPS (Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos). (...) 4. O fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação vigente na data concessão do benefício - e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado (REsp 1310034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012, julgamento proferido de acordo com a sistemática dos recursos representativos de controvérsia - art. 543-C, CPC/1973). (...) (TRF4 5015427-63.2011.404.7001, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 06/10/2017)
Exame do Tempo Especial no Caso Concreto:
Quanto aos períodos controvertidos nesta ação, o magistrado sentenciante assim os analisou, concluindo pelo cabimento do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida:
[...]
Atinente à contagem de tempo de serviço em condições especiais, cumpre destacar que, anteriormente à Lei nº 9.032/95, para se considerar o tempo de serviço como especial, bastava que a atividade desenvolvida pelo segurado estivesse elencada como tal na legislação previdenciária (Decretos n°s 53.381/64 e 83.080/79), sendo que importava a natureza da atividade.
Atualmente, o que importa é a efetiva exposição do segurado a agentes nocivos ou perigosos à saúde. Contudo, a prova da exposição é feita consoante a legislação vigente à época em que o trabalho foi prestado. Assim, para o agente ruído, sempre foi exigido laudo pericial. Diversamente, para os demais agentes insalutíferos, a partir da Lei 9.032/95, é exigível apenas, independentemente de laudo pericial, a apresentação do formulário (SB-40/DIRBEN/DSS 8030), em que conste a presença efetiva de agentes agressivos no ambiente de trabalho do segurado, qualificadores da atividade como especial.
Aliás, com relação ao ruído, tem-se o seguinte quadro que ilustra o enquadramento legal em relação à época do desempenho da atividade (...).
Com efeito, tendo a Lei n° 9.032/95 passado a exigir a efetiva exposição do trabalhador a agentes insalubres (ainda que não disciplinada a forma de comprovação), não tem mais lugar, a partir de sua edição (28/04/1995), o enquadramento por categoria profissional, posto que decorrente de mera presunção legal de insalubridade/periculosidade.
De outro vértice, a comprovação técnica da efetiva exposição do trabalhador a agentes insalutíferos (à exceção do ruído), somente pode ser exigida a partir da data de entrada em vigor do Decreto n° 2.172 (05/03/1997). Isso porque foi o referido diploma legal que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios, pela Medida Provisória n° 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n° 9.528/97.
Em resumo, seguindo-se a evolução legislativa quanto à matéria, temos que:
- até 28/04/1995 é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos já citados decretos regulamentadores da matéria;
- de 29/04/1995 a 05/03/1997 faz-se necessária a demonstração da efetiva exposição a agentes insalubres por meio de qualquer prova, sendo suficiente a apresentação de formulário padrão (SB- 40/DIRBEN/DSS 8030) preenchido pela empresa e,
- a partir de 06/03/1997, há necessidade de embasamento em laudo técnico.
A parte autora postula na petição inicial o reconhecimento do labor em condições especiais dos seguintes períodos: 12/05/1975 a 22/08/1979, de 19/09/1979 a 24/02/1981 e de 03/11/1998 a 31/10/2008.
Dessa forma, cabia à parte autora juntar aos autos provas que demonstrassem a realização de atividades exercidas em condições especiais nos períodos relatados na inicial.
In casu, foi determinada a prova pericial para a comprovação da especialidade dos referidos períodos.
Assim, passo à apreciação do laudo pericial das fls. 213/223, transcrevendo as principais considerações do expert:
[...]
As atividades da reclamante consistiam basicamente no seguinte:
[...]
Período conforme CTPS e Inicial do autor- Realizava serviços de expedição do calçado, pintava calçado com pincel e esponja, passava panos de limpeza com solventes e acabamento do calçado.
4- EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPIs
Não recebeu EPIs
[...]
Para cada aplicação de creme de proteção, deve ser utilizado 2 gr do EPI. Deve ser realizada uma aplicação a cada início de turno de trabalho, assim como uma aplicação no intervalo de cada turno, pois o friccionamento das atividades de trabalho, assim como após lavar as mãos por ocasião de higiene pessoal, exigem a necessidade de nova aplicação. As aplicações diárias determinam um consumo de 8 gr de creme de proteção por dia de trabalho realizado - dia útil.
(...)
Porém, mesmo com toda análise técnica, devido a variabilidade de processo industrial e do trabalho, aceito um pote de creme de 200 g a cada 2 meses. Mas nenhuma das empresas onde a autora trabalhou, forneceu creme de proteção.
[...]
Agentes Químicos
A reclamante esteve exposta a solventes aromáticos e alifáticos, conforme agentes abaixo relatados:
1. Anilinas - Anexo 11 da NR - 15 exposição insalubre e Anexo IV do Decreto 3048/99 item 1.0.19 e também Absorção cutânea confonne anexo 11 da NR 15.
2. Diisocíanato de Tolueno (TDI) item 1.0.19 do Decreto 3048
ANEXO IV
3. N-hexano item 1.0.19 do Decreto 3048 Anexo IV.
[...]
Sabe-se da elevada toxidade dos produtos químicos utilizados na indústria calçadista, contendo a grande maioria dos adesivos, solventes com tolueno, n-hexano, Tdi, principalmente em primers e halogenados, amplamente usados na industria calçadista e nos setores de montagem e costura de calçados, onde a reclamante laborou em seu período contratual.
[...]
7- PARECER TÉCNICO
Pelo exposto neste Laudo, verificou-se exposição insalubre e/ou especial para a autora nos seguintes casos:
1. Anilinas - Anexo 11 da NR - 15 exposição insalubre e Anexo IV do Decreto 3048/99 item 1.0. 19 e também Absorção cutânea confonne anexo 11 da NR 15.
2. Diisocíanato de Tolueno (TDI) item 1.0.19 do Decreto 3048 ANEXOIV
3. N-hexano item 1.0.19 do Decreto 3048 Anexo IV O autor esteve exposto aos agentes acima listados ao longo de todo seus contratos de trabalho periciados em toda sua extensão.
Como se observa, o laudo pericial é conclusivo no sentido de que a parte autora exerceu atividades prejudiciais à saúde durante os períodos de 12/05/1975 a 22/08/1979, de 19/09/1979 a 24/02/1981 e de 03/11/1998 a 31/10/2008, sendo impositivo o reconhecimento destes como laborados em condições especiais.
Assim, há que se reconhecer os referidos períodos de trabalho como exercido em condições nocivas à saúde (art. 70 do Decreto n.° 3.048/99), de modo que devida a conversão deste tempo especial para tempo comum de serviço, resultando em um acréscimo de tempo de 3 anos, 1 mês e 21 dias, ao tempo de serviço computado pelo INSS quando da data da jubilação da autora.
Como se depreende do Laudo Pericial (evento 03 - LAUDOPERI31), realizado na empresa Calçados Nunes, na qual a autora realizava serviços de expedição do calçado, pintava calçado com pincel e esponja, passava panos de limpeza com solventes e acabamento do calçado, verifica-se que a autora não recebeu EPIs e esteve exposta a Anilinas, Diisocianato de Tolueno (TDI) e N-hexano, que causam os seguintes efeitos:
"Déficits neurológicos crônicos e alterações neuropsicológicas com aumento na irritabilidade, cefaléia, cansaço, dificuldade em se concentrar, alterações significativas da memória, intolerância a luz e náuseas tem sido diretamente correlacionadas com exposição a tolueno, acetona, metil etilcetona (MEK), metil isobutilcetona, xileno, n-hexano. Em realidade, muitos outros solventes são reconhecidos como agressores do SNC".
Ademais, como salientou o perito, a 'exposição insalubre se deu tanto pela via cutânea quanto pela via respiratória, em todos os contratos da autora, com ampla intensidade nos dois casos, havendo permanente contato com as substâncias insalubres impregnadas de anilinas após realização de misturas e ajustes de tintas'.
Assim, a conclusão a que chegou o magistrado sentenciante merece ser corroborada.
Da aposentadoria por tempo de contribuição:
Merece ser corroborado o exame dos requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição efetuado na sentença, verbis:
[...]
Tratando-se de aposentadoria por tempo de contribuição, dois requisitos são exigidos para sua concessão, a saber: a) tempo de contribuição de 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem (artigo 201, § 7°, inciso I, da Constituição Federal); b) período de carência de 180 contribuições mensais (15 anos), observada a regra de transição do artigo 142 da Lei de Benefícios, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24-07-1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural.
Assim, constata-se que, somando-se o tempo de serviço urbano considerado pelo INSS por ocasião do requerimento administrativo (17 anos, 11 meses e 03 dias - fl. 78) à conversão dos períodos de atividades especiais (3 anos, 1 mês e 21 dias) e ao período rural reconhecido (7 anos e 1 mês), a parte autora totaliza 28 anos, 1 mês e 24 dias anos de tempo de serviço e 221 meses para efeito de carência.
Nos termos do artigo 9° da EC n° 20/98, o segurado vinculado ao Regime Geral de Previdência Social tem assegurado o direito à aposentadoria por tempo de serviço, calculada com base no sistema legal precedente (anterior à EC 20/98), desde que tivesse, à data da sua promulgação, preenchidos todos os requisitos para tanto.
Caso contrário, hipótese que ora se vislumbra, o segurado sujeita-se ao sistema previdenciário inaugurado pela referida Emenda ou se submete as suas regras de transição, estabelecidas pelo seu art. 9°, que assim dispõe: (...)
Assim, a concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição, após a Emenda nº 20, de 15/12/98, caso o segurado se submeta à regra de transição ali esposada, com o preenchimento cumulativo de três requisitos: a idade mínima (53 anos para o homem e 48 anos para a mulher), tempo mínimo de contribuição (30 anos para homens e 25 anos para mulheres), e o implemento do período adicional de contribuição (40%), o denominado "pedágio".
Assim, conforme se observa dos autos, a autora não havia completado 25 anos de tempo de serviço antes da data da entrada em vigor da EC n.° 20/98, ou seja, em 16/12/98, contando com apenas 16 anos, 10 meses e 23 dias.
Nessa esteira, observada a regra de transição, multiplica-se o tempo que faltava para a autora alcançar 25 anos de serviço (marco inicial do direito à aposentadoria proporcional) na data da publicação da EC n.° 20/98, no caso, 8 anos, 1 mês e 7 dias, pelo pedágio de 40%, o que leva ao resultado de, aproximadamente, 3 anos e 3 meses, saldo este que indica o tempo restante para a aquisição do direito á aposentadoria proporcional.
Assim, verificado o pedágio aproximado de 3 anos e 3 meses, basta averiguar se a autora cumpriu tal requisito, bem como se possuía 48 (quarenta e oito) anos de idade na data do requerimento administrativo (04/03/2009).
O requisito idade resta suprido, tendo em vista que a autora nasceu em 05/03/1953 (fl. 21), portanto, possuía mais de 48 anos quando do ingresso com o requerimento administrativo.
No tocante ao pedágio, da mesma forma, o pedido da autora encontra guarida.
Na data do requerimento administrativo, contava a autora com 17 anos, 11 meses e 03 dias de tempo de contribuição, o que somado ao período especial e rural ora reconhecidos, totaliza 28 anos, 1 mês e 24 dias.
Logo, percebe-se que laborou o período de pedágio exigido após os 25 (vinte e cinco) anos que lhe dava o direito à aposentadoria proporcional.
Consequentemente, tendo sido demonstrado o preenchimento dos requisitos idade mínima e pedágio, tem a autora direito á aposentadoria proporcional com RMI fixada em 70% do salário de benefício, mais 5% para cada novo ano completo de contribuição até o máximo de 100% do salário de beneficio (inciso II da alínea 'b' do art. 9° da EC n° 20/98).
Deve o INSS, assim sendo, pagar o beneficio de aposentadoria proporcional desde o requerimento administrativo (04/03/2009), pois já havia a parte autora, na ocasião, implementado as condições para a aposentadoria.
[...]
Data inicial do benefício
Sustenta a autarquia que a parte autora continuou exercendo atividades especiais após a Data de Entrada do Requerimento administrativo (DER), situação essa comprovada pelo extrato do CNIS e que a data de início dos pagamentos na concessão do beneficio de aposentadoria especial será a Data do Afastamento do Trabalho (DAT), uma vez que o recebimento do beneficio é incompatível com a continuidade do exercício da atividade sujeita a condições especiais.
Na sentença o magistrado dispôs o seguinte: Deve o INSS, assim sendo, pagar o beneficio de aposentadoria proporcional desde o requerimento administrativo (04/03/2009), pois já havia a parte autora, na ocasião, implementado as condições para a aposentadoria.
Pois bem. O art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, prevê que os efeitos financeiros da condenação somente podem ter início a partir do afastamento da parte autora do labor especial.
Entretanto, tal dispositivo legal foi declarado inconstitucional pela Corte Especial deste Tribunal, a qual considerou que a restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
Segue o julgado:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. 1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, "d" c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo. 2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial. 3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência. 3. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional. 4. A interpretação conforme a constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei. 5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91. (TRF4, ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5001401-77.2012.404.0000, CORTE ESPECIAL, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 31/05/2012)
Como se vê, prevalece nesta Corte o entendimento de que a data de início do benefício da aposentadoria especial deve ser fixada na DER, com fulcro no art. 57, § 2º, c/c o art. 49, II, ambos da Lei nº 8.213/91.
Não se desconhece a existência do Tema nº 709 do STF, no qual foi reconhecida a repercussão geral do tópico. No entanto, o RE nº 791.961/RS (representativo da controvérsia) ainda não teve seu mérito julgado, não havendo qualquer decisão vinculante acerca da questão.
Desnecessário, portanto, o afastamento da parte autora das atividades tidas como especiais para a implantação do benefício.
CONSECTÁRIOS E PROVIMENTOS FINAIS
Juros de mora e correção monetária
A controvérsia relativa à sistemática de atualização do passivo do benefício restou superada a partir do julgamento do RE nº 870.947/SE, pelo excelso STF, submetido ao rito da repercussão geral e de cuja ata de julgamento, publicada no DJe de 25-9-2017, emerge a síntese da tese acolhida pelo plenário para o Tema nº 810 daquela Corte.
E nesse particular aspecto, vale anotar ser uníssono o entendimento das turmas do STF no sentido de que possam - devam - as demais instâncias aplicar a tese já firmada, não obstante a ausência de trânsito em julgado da decisão paradigmática. Nesse sentido: RE 1.006.958 AgR-ED-ED, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 18-09-2017 e ARE nº 909.527/RS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30-5-2016. Essa, ademais, a letra do artigo 1.030, inciso I, e do artigo 1.035, § 11, ambos do CPC.
Em face disso, assim como do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a sua eficácia incidir ao caso ora sob exame.
Nessa linha, a atualização do débito previdenciário, até o dia 29-6-2009, deverá observar a metodologia constante no Manual para Orientação e Procedimento para os Cálculos da Justiça Federal. E, após essa data, ou seja, a contar de 30-6-2009, coincidente com o início da vigência do artigo 5º da Lei nº 11.960/2009, pelo qual conferida nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, deverá ser utilizada a metodologia ali prevista para os juros de mora; e, a título de correção monetária, será aplicado o IPCA-E.
Convém registrar que a Corte Suprema abordou e solveu a questão da atualização monetária em perfeita sintonia com o que já havia sintetizado em seu Tema nº 96, o qual tratava da atualização da conta objeto de precatórios e requisições de pequeno valor, estabelecendo jurídica isonomia entre essas situações.
Logo, no caso concreto, observar-se-á a sistemática do aludido manual, até 29-6-2009. Após, tendo a sentença estabelecido o INPC como fator de correção monetária, ausente recurso da parte autora, deve esse ser mantido, porque sua variação percentual no período é, conquanto mínima, inferior a do IPCA-E e, quanto aos juros, devem incidir segundo a nova redação trazida pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/2009 ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Portanto, a sentença é mantida também nesse ponto.
Honorários advocatícios
Quanto aos honorários advocatícios, adoto o entendimento constante de precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 556.741) no sentido de que a norma a reger a sucumbência é aquela vigente na data da publicação da sentença. Assim, para as sentenças publicadas ainda sob a égide do novo CPC, aplicável, quanto à sucumbência, o novel regramento.
Assim, no que tange à verba sucumbencial, tendo em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, uma vez que foram apresentadas contrarrazões, devem ser majorados os honorários advocatícios a cargo da autarquia previdenciária, de acordo com os ditames legais previstos no artigo 85 do novo CPC, em especial seus § 2º e 11, de 10% para 15%, incidentes sobre o valor das parcelas vencidas até a data da publicação do presente acórdão.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
A sentença não se sujeita ao reexame necessário e, deve ser mantido o reconhecimento dos períodos de labor rural e dos períodos de trabalho com desempenho de atividade especial, bem como a concessão da aposentadoria, negando-se provimento ao apelo do INSS. Mantida ainda a disciplina da correção monetária e dos juros de mora estabelecida na sentença. Majorados os honorários, com base no novo CPC.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer do reexame necessário, negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, majorar os honorários advocatícios.
Desembargador Federal LUIZ CARLOS CANALLI
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/11/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5024462-64.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00174212820108210087
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MEROLINDA PAULO SCALCON |
ADVOGADO | : | ANA PATRÍCIA ORSI |
APENSO(S) | : | 0019949-12.2010.404.0000 |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/11/2017, na seqüência 253, disponibilizada no DE de 07/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DO REEXAME NECESSÁRIO, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E, DE OFÍCIO, MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI |
: | Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA | |
: | Juíza Federal GISELE LEMKE |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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