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Apelação Cível Nº 5018124-51.2016.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: DELMAR ANTONIO TISATTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 05/09/2016 contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em que a parta autora postula a concessão de benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, previsto na Lei Complementar 142/2013.
O juízo de origem, em sentença publicada em 29/10/2018, julgou improcedente o pedido, assim deixando consignado:
DISPOSITIVO
Face ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Custas e Honorários Advocatícios: condeno a parte autora ao pagamento das custas do processo e de honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) do valor da condenação ou, se não houver, sobre o valor atualizado da causa, observando-se eventual isenção ou suspensão de exigibilidade em face de AJG deferida nos autos. Tratando-se de demanda previdenciária, aplicam-se as Súmulas nºs 76 do TRF/4ª e 111 do STJ.
Honorários Periciais: condeno a parte autora ao ressarcimento dos honorários periciais despendidos pela SJRS com a realização da(s) perícia(s), observando-se eventual isenção ou suspensão de exigibilidade em face de AJG deferida nos autos.
Recursos: eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas na forma do artigo 1.012 do CPC. Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões.
Remessa ao TRF4: decorrido o prazo para contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Irresignada, a parte autora apela sustentando ser deficiente visual, apresentando grau de deficiência leve (visão monocular). Afirma que prevalece no STF o argumento de que “os aspectos que promoveram a caracterização da visão monocular como deficiência física para concorrência em concurso público servem, igualmente, para a concessão de aposentadoria especial”. Afirma que a deficiência visual consubstanciada na visão monocular é suficientemente danosa a ponto de justificar a concessão do benefício da aposentadoria especial ao portador de deficiência.
Requer, portanto, a reforma da sentença para que seja concedido o benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, condenando-se o INSS ao pagamento das parcelas em atraso, a contar da DER, bem como das custas processuais e honorários advocatícios.
Regularmente processados subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Mérito
A questão controversa dos presentes autos na fase recursal cinge-se à possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência em favor da parte autora, a contar da data do requerimento na via administrativa.
Da aposentadoria da pessoa com deficiência
A aposentadoria devida aos segurados do Regime Geral da Previdência Social portadores de deficiência foi prevista pelo § 1º do artigo 201 da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei Complementar 142/2013, de onde se extrai os seguintes requisitos para sua concessão:
Art. 2° Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Art. 3° É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
Art. 4° A avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento.
Art. 5° O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
Da leitura dos dispositivos transcritos acima percebe-se que o requisito do tempo de contribuição para a concessão do benefício sofre variações em função do sexo do segurado e do grau de sua deficiência, a ser apurado em avaliação médica e funcional.
Essa avaliação é feita pelo INSS por meio de perícia própria, que, nos termos do art. 70-D do Regulamento da Previdência Social, o Decreto 3.048/1999, deve avaliar o segurado, fixando a data provável do início da deficiência e o seu grau, além de identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
O Decreto 3.048/1999 ainda estabeleceu, no § 4° do art. 70-D, que a definição dos impedimentos de longo prazo para fins de concessão do benefício de aposentadoria aos portadores de deficiência seria estabelecida por ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União.
Nesse ensejo foi editada, em 27/01/2014, a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1/2014, que aprova o instrumento destinado à avaliação dos segurados da Previdência Social e à identificação dos graus de deficiência, bem como define impedimento de longo prazo para os efeitos do Decreto n° 3.048/1999.
Conforme já referido, a aferição da deficiência deve ser feita por meio de uma perícia dual, composta por uma avaliação aplicada pela medicina pericial e outra aplicada pelo serviço social. A mencionada portaria estabelece que os profissionais de cada área respectiva deverão atribuir uma pontuação à cada uma das diversas atividades cotidianas descritas em formulário específico (tais como: observar, ouvir, deslocar-se dentro de casa, lavar-se, etc), conforme o grau de capacidade do segurado na execução autônoma da tarefa, variando entre os valores de 25, 50, 75 ou 100 pontos. A seguir a transcrição dos critérios para a atribuição da pontuação (grifado):
Escala de Pontuação para o IF-Br:
25: Não realiza a atividade ou é totalmente dependente de terceiros para realizá-la. Não participa de nenhuma etapa da atividade. Se é necessário o auxílio de duas ou mais pessoas o escore deve ser 25: totalmente dependente.
50: Realiza a atividade com o auxílio de terceiros. O indivíduo participa de alguma etapa da atividade. Inclui preparo e supervisão.
Nesta pontuação sempre há necessidade do auxílio de outra pessoa para a atividade ser realizada: quando alguém participa em alguma etapa da atividade, ou realiza algum preparo necessário para a realização da atividade ou supervisiona a atividade. Nessa pontuação o indivíduo que está sendo avaliado deve participar de alguma etapa da atividade.
Supervisão: quando há necessidade da presença de terceiros sem a necessidade de um contato físico. Por exemplo: a pessoa necessita de incentivo, de pistas para completar uma atividade, ou a presença de outra pessoa é necessária como medida de segurança. Preparo: quando há necessidade de um preparo prévio para a atividade ser realizada. Por exemplo, a colocação de uma adaptação para alimentação, colocar pasta na escova de dente.
75: Realiza a atividade de forma adaptada, sendo necessário algum tipo de modificação ou realiza a atividade de forma diferente da habitual ou mais lentamente.
Para realizar a atividade necessita de algum tipo de modificação do ambiente ou do mobiliário ou da forma de execução como por exemplo, passar a fazer uma atividade sentado que antes realizava em pé; ou de alguma adaptação que permita a execução da atividade por exemplo uma lupa para leitura ou um aparelho auditivo.
Com as adaptações e modificações não depende de terceiros para realizar a atividade: tem uma independência modificada. Nessa pontuação o indivíduo deve ser independente para colocar a adaptação necessária para a atividade, não dependendo de terceiros para tal.
100: Realiza a atividade de forma independente, sem nenhum tipo de adaptação ou modificação, na velocidade habitual e em segurança. Não tem nenhuma restrição ou limitação para realizar a atividade da maneira considerada normal para uma pessoa da mesma idade, cultura e educação. Realiza a atividade sem nenhuma modificação, realizando-a da forma e velocidade habitual.
Entre outras disposições, a referida portaria ainda estabelece os intervalos de quantidade de pontos que caracterizam a ocorrência ou não da deficiência e, uma vez caracterizada, classificam-na em três graus: grave, moderada e leve. Transcrevo os seguintes excertos (grifado):
4.d. Cálculo do Escore dos Domínios e Pontuação Total:
As atividades estão divididas em sete domínios. Cada domínio tem um número variável de atividades, que totalizam 41. A Pontuação Total é soma da pontuação dos domínios que, por sua vez, é a soma da pontuação das atividades. A pontuação final será a soma das pontuações de cada domínio aplicada pela medicina pericial e serviço social, observada a aplicação do modelo Fuzzy
Dessa forma conforme demonstra o quadro 2:
A Pontuação Total mínima é de 2.050: 25 (pontuação mínima) multiplicado por 41 (número total de atividades em todos os domínios) vezes 2 (número de aplicadores).
A Pontuação Total máxima é de 8.200: 100 (pontuação mínima) multiplicado por 41 (número total de atividades em todos os domínios) vezes 2 (número de aplicadores).
4.e. Classificação da Deficiência em Grave, Moderada e Leve Para a aferição dos graus de deficiência previstos pela Lei Complementar nº 142, de 08 de maio de 2.013, o critério é:
Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739.
Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354.
Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585.
Por fim, ainda é necessário esclarecer que, sendo a aposentadoria da pessoa com deficiência uma espécie de aposentadoria especial, ou seja, uma modalidade de benefício com redução do requisito temporal em razão de circunstância especial (no caso, a deficiência do segurado), é evidente que o tempo de contribuição exigido deve ser implementado pelo segurado na condição de pessoa com deficiência. Nesse sentido é a previsão expressa dos incisos do art. 70-B do Decreto nº 3.048/1999.
Art. 70-B. A aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo, observado o disposto no art. 199-A e os seguintes requisitos:
I - aos vinte e cinco anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos vinte e nove anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e quatro anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; e
III - aos trinta e três anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e oito anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve.
Desse modo, o aproveitamento de períodos de contribuição anteriores ao surgimento da deficiência, ou então de períodos laborados sob o porte de um grau diverso de deficiência, somente poderá ser feito através da utilização de fatores de conversão.
Esses critérios de proporcionalidade entre períodos de contribuição comuns e períodos com deficiência, bem como entre períodos com deficiência de graus diversos, foram estabelecidos pelo art. 70-E do Regulamento da Previdência Social:
Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A:
MULHER | ||||
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
Para 20 | Para 24 | Para 28 | Para 30 | |
De 20 anos | 1,00 | 1,20 | 1,40 | 1,50 |
De 24 anos | 0,83 | 1,00 | 1,17 | 1,25 |
De 28 anos | 0,71 | 0,86 | 1,00 | 1,07 |
De 30 anos | 0,67 | 0,80 | 0,93 | 1,00 |
HOMEM | ||||
TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
Para 25 | Para 29 | Para 33 | Para 35 | |
De 25 anos | 1,00 | 1,16 | 1,32 | 1,40 |
De 29 anos | 0,86 | 1,00 | 1,14 | 1,21 |
De 33 anos | 0,76 | 0,88 | 1,00 | 1,06 |
De 35 anos | 0,71 | 0,83 | 0,94 | 1,00 |
§ 1° O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão.
§ 2° Quando o segurado contribuiu alternadamente na condição de pessoa sem deficiência e com deficiência, os respectivos períodos poderão ser somados, após aplicação da conversão de que trata o caput.
Verifica-se, assim, que uma vez comprovada a deficiência, é necessário o estabelecimento de sua data de início, a fim de viabilizar o aproveitamento de eventuais períodos anteriores mediante a multiplicação pelo fator de conversão adequado.
Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto.
Do caso concreto
A deficiência enfrentada pelo autor é a visão monocular decorrente de traumatismo contuso no olho direito, ocorrido em 11/2003, que causou dano ao nervo óptico direito e a consequente cegueira deste olho a partir de então.
Para a análise do presente caso valho-me da fundamentação constante de voto proferido na Apelação Cível TRF4 nº 5059181-72.2017.4.04.9999/SC (Turma Regional Suplementar de SC, Relator Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique, em 02/02/2018), acerca do reconhecimento da condição de deficiente ao portador de visão monocular para o fim de concessão de aposentadoria prevista no § 1º do artigo 201 da Constituição Federal , cujo excerto passo a transcrever:
(...)
Em consulta ao texto da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - "CIF", supra sublinhada (disponível em http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf), colhem-se os seguintes dados que referem a visão monocular de proximidade e profundidade como componentes das funções da visão (Capítulo 2, pag. 61), verbis:
b210 Funções da visão
funções sensoriais relacionadas com a percepção da presença de luz e a forma, tamanho, formato e cor do estímulo visual
Inclui: funções da acuidade visual; funções do campo visual; qualidade da visão; funções relacionadas com a percepção da luz e cor, acuidade visual da visão ao longe e ao perto, visão monocular e binocular; qualidade da imagem visual; deficiências, tais como, miopia, hipermetropia, astigmatismo, hemianopsia, cegueira para as cores, visão em túnel, escotoma central e periférico, diplopia, cegueira nocturna e adaptabilidade à luz
(...)
b2100 Funções da acuidade visual
funções visuais que permitem sentir a forma e o contorno, tanto binocular como monocular, para a visão ao longe e ao perto
b21001 Acuidade monocular da visão ao longe
funções visuais que permitem sentir o tamanho, a forma e o contorno de objectos distantes do olho utilizando apenas o olho direito ou o esquerdo
b21003 Acuidade monocular da visão ao perto
funções visuais que permitem sentir o tamanho, a forma e o contorno de objectos próximos o olho, utilizando apenas o olho direito ou o esquerdo
A dinâmica da aposentadoria especial do deficiente prevista na referida lei complementar, especificamente no art. 2º, revela a adoção do modelo biopsicossocial para verificação da deficiência bem como de seus níveis. O decreto regulamentador, acima reproduzido, conferiu ao INSS a atribuição de aferir a deficiência, por meio da "perícia biopsicossocial", recurso utilizado para determinar a viabilidade do benefício.
Diante da dificuldade da concretização de direitos sociais, de natureza prestacional, e sobretudo em se tratando das complexidade e das críticas opostas ao instrumento de avaliação aplicado pelo INSS (perícia biopsicossocial), é de grande importância o papel do Poder Judiciário para efetivação do direito à aposentadoria especial dos deficientes, conforme se colhe da lição doutrinária (MAUSS, Adriano; COSTA, José Ricardo Caetano. Aposentadoria especial dos deficientes. Aspectos legais, processuais e administrativos. São Paulo: Ltr. 2015. p. 27-29 e 162):
Por se tratar de uma Constituição programática, principiológica, procedimental e comunitária, como bem frisou Gisele Cittadino, para a concretização e efetivação dos direitos sociais que dela promanam é necessária a intervenção, cooperação de todos os Poderes da República: (...) justamente por demonstrarem que a postura proativa e criadora do Poder Judiciário pode forjar a regulamentação dos direitos sociais lançados na Carta Maior vigente (...). A redução em cinco anos para homens e mulheres, similar aos benefícios por idade concedidos aos trabalhadores rurícolas, reconhece o esforço maior que fazem os deficientes na consecução de seus misteres. É uma espécie de compensação, via redução do tempo etário, pelo esforço e esmero dos deficientes para superar as barreiras e os obstáculos que lhes são impostos.
(...)
Por certo que somente a dinâmica da Previdência Social, enquanto política pública, bem como o Poder Judiciário Federal, especialmente através dos Juizados Especiais Federais, poderão apontar se os preceitos constantes na LC 142/13 serão ou não cumpridos.
Não se pode perder de vista que se está diante de direito, a toda evidência, de estatura constitucional (art. 201, § 1º, da Constituição), assim como o é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pacto internacional aprovado segundo o rito do art. 5º, § 3, da Constituição, equivalente, portanto, às emendas constitucionais. Deste último, extraio os seguintes dispositivos:
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Artigo 28
Padrão de vida e proteção social adequados
(...)
2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como:
(...)
e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria.
O Estado brasileiro deu fiel comprimento à obrigação assumida no âmbito internacional, assim como o legislador complementar, ao editar a LC 142, honrou a promessa do Poder Constituinte ao prever regras diferenciadas para a aposentadoria da pessoa com deficiência.
A pretensão do recorrente diz respeito à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência (incisos I, II e III do art. 3º da lei, enquanto inciso IV do mesmo dispositivo prevê a aposentadoria por idade).
Examinando o recente tratamento jurisprudencial desta Corte conferido ao portador de visão monocular, é possível constatar, uma distinção na abordagem dessa moléstia, de acordo com a natureza do direito (administrativo, previdenciário, tributário etc.), consoante se depreende das seguintes ementas:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO RETIDO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFIFICIÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. VISÃO MONOCULAR. A alegação de superveniente perda do objeto em razão da nomeação do agravante é absolutamente desprovida de fundamento. O candidato com visão monocular, embora não se enquadre nas hipóteses de deficiência visual previstas no Decreto nº 3.298/99 ou no Decreto nº 5.296/04, deve ser considerado como portador de deficiência física para fins de disputa de vagas reservadas em concurso público, nos termos do art. 5º, § 2º, da Lei nº 8.112/90. Súmula 377 do STJ. Em que pese a boa fé do co-réu, último nomeado na ordem de classificação, tenho que o requerido não detém direito adquirido à nomeação. O ato administrativo que tornou a nomeação do referido co-réu sem efeito foi orientado estritamente pela determinação judicial deste juízo, em sede de liminar, que teve por objetivo resguardar o direito à nomeação da parte autora. (TRF4, AC 5000710-30.2014.404.7134, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 20/10/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988. CEGUEIRA. VISÃO MONOCULAR. 1. A lei não distingue, para efeitos da isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão, não cabendo ao intérprete fazê-lo. Logo, portador de visão monocular tem direito à isenção do imposto de renda. 2. No caso em tela, há elementos suficientes nos autos no sentido do cumprimento dos requisitos para o gozo da isenção por parte do agravante. 3. Quanto ao perigo de dano, entendo que, considerada a situação no caso concreto, maior lesão e de mais difícil reparação seria negar ao contribuinte o gozo de benefício fiscal, com base meramente em critério de ordem formal. (TRF4, AG 5022010-42.2016.404.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 18/08/2016)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE. SEGURADO ESPECIAL. VISÃO MONOCULAR. INCAPACIDADE PARCIAL. REINSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO ECONÔMICO. VULNERABILIDADE SOCIAL NÃO COMPROVADA. Para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade é necessário o preenchimento dos requisitos de qualidade de segurado e incapacidade, enquanto para os benefícios assistenciais, além da incapacidade, também se faz necessária a presença da situação de risco social. Sendo o demandante portador de visão monocular, a qual não incapacita para as atividades rurículas, conforme entendimento da 3ª Sessão desta Corte, improcedem os pedidos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Havendo condições de reinserção no mercado de trabalho, dada a pouca idade do requerente, não é devido o benefício assistencial. Se o cenário probatório não comprova as alegações do interessado quanto à sua condição socioeconômica de vulnerabilidade e desamparo, não há como considerar configurado pressuposto essencial à concessão do benefício assistencial. (TRF4, AC 0002474-77.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 13/05/2016)
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. RENDA FAMILIAR. ART. 20, §3º, DA LEI 8.742/93. RELATIVIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO OBJETIVO. STJ E STF. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. VISÃO MONOCULAR. TRABALHADOR RURAL. FLEXIBILIZAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1.(...). 4. Importante destacar que a visão monocular afeta a visão de profundidade, tornando-se imprescindível analisar o caso concreto, ou seja, se as limitações decorrentes da patologia comprometem ou não o desempenho das atividades usuais do autor. No caso em apreço, o requerente trabalhava com instrumentos cortantes na atividade rural (corte de pinus), o que, consabidamente, envolve riscos à integridade física, exigindo boa visão para assegurar que o labor seja realizado com segurança, razão pela qual resta reconhecida a incapacidade. 5. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, os juros moratórios devem ser equivalentes aos índices de juros aplicáveis à caderneta de poupança (STJ, REsp 1.270.439/PR, 1ª Seção, Relator Ministro Castro Meira, 26/06/2013). No que tange à correção monetária, permanece a aplicação da TR, como estabelecido naquela lei e demais índices oficiais consagrados pela jurisprudência. 6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. (TRF4, AC 0019412-50.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, D.E. 07/04/2016)
Note-se que é pacífica a jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ (Súmula 377), no sentido de enquadrar o portador de visão monocular como pessoa com deficiência para efeito de reserva de vaga em concurso público.
Na seara tributária, o entendimento firmado foi o de abranger a cegueira monocular no benefício de isenção do IRPF, seguindo-se a máxima interpretativa, retratada no brocardo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo).
Quanto aos precedentes de matéria previdenciária citados, convém ressaltar que, embora a visão monocular não seja entendida, via de regra, como moléstia incapacitante, para fins de obtenção de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial, é possível afirmar que há incapacidade do segurado, conforme peculiaridades do caso concreto.
Na hipótese em tela, não se trata de benefício por incapacidade, destinado a atender o risco social doença, mas sim de aposentadoria mediante preenchimento de critérios diferenciados para a pessoa com deficiência.
Em vista disso, entende-se existente a condição de deficiência quando se examina a visão monocular, sob a perspectiva do benefício postulado no presente feito. No que tange ao tratamento jurisprudencial da matéria, a resistência se dá na concessão de benefícios por incapacidade ou assistencial, de caráter mais restritivo, porquanto a moléstia em questão não priva o segurado de continuar a exercer seu trabalho, via de regra. Distinta é a finalidade da aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, pois essa modalidade, comparada aos benefícios por incapacidade, não interrompe extraordinariamente atividade laboral do trabalhador sadio em razão de um sinistro; põe fim, isso sim, ao curso natural da vida laboral do segurado que contribuiu longamente com o sistema securitário.
Considerando que o legislador elaborou uma gradação de rigor nos critérios de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com a intensidade da deficiência (leve, moderada e grave, conforme incisos I, II e III do art. 3º da lei de regência), ao mesmo tempo em que estabeleceu uma modalidade de aposentação por idade, independentemente do grau de deficiência (inciso IV do mesmo dispositivo), penso que a condição do portador de visão monocular revela, ao menos, uma deficiência do tipo "leve". Não há dúvidas de que aquele que é cego de um olho possui algum grau de deficiência.
Assim, com a finalidade de manter a coerência argumentativa, à vista dos precedentes mencionados, penso ser razoável a concessão de aposentadoria, ao portador de visão monocular, de acordo com o critério diferenciado do art. 3º, III, da LC 142/13.
Por fim, deduzo que a solução atende ao método de interpretação constitucional que recomenda máxima efetividade aos direitos fundamentais, positivado no art. 5º, §§ 3º e 4º, c/c art. 6º, caput, ambos da Lei Maior, com vistas à realização de sua função social. Além de conferir maior eficácia social ao segurado, tal conclusão elimina o risco de criar-se seja uma distinção injusta entre outras modalidades de deficiência de grau leve a serem ulteriormente reconhecidas pelo próprio INSS, ou o de deixar os portadores de cegueira monocular relegados à vala comum dos aposentados por idade que gozam da plenitude da capacidade visual, sem qualquer critério diferenciador.
No caso concreto, foi realizada perícia médica para apurar o grau da alegada deficiência, tendo o respectivo laudo (evento 43) consignado que "o autor sofreu traumatismo contuso no olho direito em 11/2003. O trauma causou dano ao nervo óptico direito e consequente cegueira deste olho desde então. O autor não realizou tratamento. O autor apresenta laudos médicos de 03/2017, 09/2014, 06/2016, 11/2003 e 05/2015 que comprovam a doença ocular. No exame pericial, o olho direito apresenta dano ao nervo óptico e visão atual de 0%, irreversível. O olho esquerdo apresenta exame oftalmológico normal e visão atual de 100%. O autor tem cegueira no olho direito e visão monocular."
O perito afirma não existir incapacidade para o trabalho: "Não existe incapacidade laborativa para a atividade que exerce e para todas as atividades. Existe diminuição de sua capacidade laborativa, mas não a ponto de ter incapacidade. Não existe a necessidade de auxílio permanente de terceiros." A partir dessa informação a sentença concluiu não haver deficiência.
Contudo o próprio médico perito afirma a existência de deficiência leve, ao responder o item a.3:
a.3) qual o grau da deficiência (grave, moderada ou leve) do(a) autor(a), levando-se em conta os formulários previstos na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1, de 27/01/2014 (anexo), e mediante aplicação do Método Linguístico Fuzzy?
Visão monocular. Deficiência LEVE.
Há que se fazer a devida distinção entre deficiência e incapacidade. E para tanto, valho-me dos conceitos utilizados pela legislação.
Extrai-se do art. 2° da LC 142/201 que a deficiência tem a ver com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva do indivíduo na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Essa situação não se confunde com a incapacidade, cuja noção pode ser obtida do art. 42 da Lei 8.212/1991, como sendo a inaptidão do indivíduo, insusceptível de reabilitação, para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
Conclui-se, portanto, que para a caracterização da deficiência do segurado e, por conseguinte, de seu direito à percepção da aposentadoria da pessoa com deficiência, não lhe é exigida a impossibilidade do exercício de atividade que lhe proveja a subsistência, sendo necessário apenas que demonstre possuir circunstâncias pessoais que obstaculizem sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. É o caso da visão monocular.
Necessário ainda esclarecer que a pontuação obtida no laudo social, em princípio, descaracterizaria a possibilidade de enquadramento do caso em deficiência leve: a assistente social signatária do laudo informou uma pontuação total de 7.950, quando a pontuação máxima exigida para a caracterização da deficiência leve deve ser menor ou igual a 7.584, conforme visto acima. Esse valor informado, todavia, não corresponde à soma dos pontos da avaliação da área de serviço social com os pontos da avaliação da área de medicina pericial, tratando-se de mera duplicação dos pontos da avaliação social.
Assim, considero inadequada a avaliação feita com base exclusivamente pela pontuação atribuída pela área de serviço social, com ausência da avaliação em pontos da área de medicina pericial. Não tendo o perito médico cumprido integralmente o ônus de preencher o respectivo formulário com os valores que lhe parecessem adequados, procedeu-se à duplicação dos valores atribuídos pela perita assistente social, o que, a meu ver, não atende ao disposto na Portaria Interministerial n° 1/2014, que determina a "soma das pontuações de cada domínio aplicada pela medicina pericial e serviço social". Desse modo, reputo insuficiente a pontuação informada para que se possa afastar, somente com base nela, a caracterização da deficiência.
Em que pese a perícia médica tenha deixado de elaborar a avaliação nos moldes determinados pela Portaria Interministerial n° 1/2014, considero dispensável a complementação da diligência, posto que foram atingidas as finalidades pretendidas, tendo sido devidamente constatada a deficiência da parte autora, em grau leve.
Resgato novamente os fundamentos do voto do eminente Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique, acima transcrito, para concluir que a avaliação realizada pelo médico perito atende ao método de interpretação constitucional que recomenda a máxima efetividade aos direitos fundamentais, positivado no art. 5º, §§ 3º e 4º, c/c art. 6º, caput, ambos da Lei Maior, com vistas à realização de sua função social. Além de conferir maior eficácia social ao segurado, tal conclusão elimina o risco de criar-se uma distinção injusta entre outras modalidades de deficiência de grau leve a serem ulteriormente reconhecidas pelo próprio INSS, ou o de deixar os portadores de cegueira monocular relegados à vala comum dos aposentados por idade ou tempo de contribuição que gozam da plenitude da capacidade visual, sem qualquer critério diferenciador.
Do tempo de contribuição
O resumo do tempo de contribuição fornecido pelo INSS indica, que o autor possui, na DER, 34 anos, 3 meses e 15 dias (evento 1, item 6, página 6).
No caso, trata-se de segurado do sexo masculino portador de deficiência leve, conjunção de fatores para a qual o art. 3°, III, da LC 142/2013 e o art. 70-B, III, do Decreto 3.048/1999 exigem 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência.
Considerando que, conforme verificado na perícia médica, a deficiência do autor iniciou-se em 11/2003, ele dispõe de apenas 11 anos, 04 meses e 17 dias de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência (os períodos de 01/11/2003 a 19/10/2008 e 20/10/2008 a 17/03/2015).
Desse modo, impõe-se a conversão dos intervalos anteriores ao surgimento da deficiência (29/10/1980 a 09/03/1986, 10/03/1986 a 10/01/1987, 11/01/1987 a 30/05/1989, 01/06/1989 a 18/12/1997 e 23/01/1998 a 31/10/2003) pelo fator multiplicador 0,94 (conversor de períodos com referencial de 35 anos para referencial de 33 anos), com o que se obtém o tempo de contribuição total de 32 anos e 11 meses até a DER (17/03/2015), insuficiente à concessão do benefício pretendido nessa data.
Passo, portanto, à análise da possibilidade de reafirmação da DER.
Da reafirmação da DER
A implementação dos requisitos para recebimento do benefício após a entrada do requerimento administrativo pode ser considerada como fato superveniente, nos termos do artigo 493 do CPC/15:
Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
O mesmo procedimento está consolidado administrativamente na Instrução Normativa 45/2011:
Art. 623. Se por ocasião do despacho, for verificado que na DER o segurado não satisfazia as condições mínimas exigidas para a concessão do benefício pleiteado, mas que os completou em momento posterior ao pedido inicial, será dispensada nova habilitação, admitindo-se, apenas, a reafirmação da DER.
A regra foi mantida no art. 690, da Instrução Normativa 77/2015:
Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado.
Para solver dissenso jurisprudencial existente entre as Turmas previdenciárias desta Corte, a questão relativa à possibilidade cômputo, mediante reafirmação da DER, do tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação foi objeto do Incidente de Assunção de Competência IAC TRF4 n.° 4 (5007975-25.2013.4.04.7003/PR), tendo a Terceira Seção decidido, por unanimidade, ser cabível a reafirmação da DER com o cômputo do tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação até a data do julgamento da apelação ou remessa necessária no segundo grau de jurisdição, desde que observado o contraditório e fixado o termo inicial dos juros desde quando for devido o benefício (TRF4, Incidente de Assunção de Competência n.º 5007975-25.2013.4.04.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum, julgado em 10.04.2017).
A questão chegou ao STJ, onde foi afetada à sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva (REsp 1.727.063/SP, REsp 1.727.064/SP e REsp 1.727.069/SP, Tema STJ 995). Na sessão de julgamento de 22.10.2019 a Primeira Seção desta Corte julgou o tema, por unanimidade, fixando a seguinte tese jurídica:
"É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir."
Assim, é devida a reafirmação da DER na via judicial, com o cômputo dos períodos de contribuição posteriores ao ajuizamento da demanda, adotando-se, como termo final dessa contagem, a data da entrega da prestação jurisdicional em segunda instância.
Passo à análise do caso concreto.
Na DER faltava à parte autora apenas 30 dias de tempo de contribuição para a obtenção do direito à aposentadoria postulada, o que ocorreu em 17/04/2015, conforme consulta ao CNIS do segurado, no qual se verifica a continuidade do exercício de suas atividades laborais.
Da concessão do benefício
A DER deve ser reafirmada para o dia 17/04/2015, data do implemento do requisito temporal de 33 anos de contribuição, fazendo jus a parte autora à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, a ser calculada com renda mensal de 100% do salário de benefício e incidência do fator previdenciário apenas se resultar em renda mensal de valor mais elevado, nos termos dos arts. 8° e 9° da LC 142/2013.
Considerando-se que o implemento dos requisitos necessários à concessão do benefício deu-se em momento anterior à ciência, pelo segurado, da decisão de inferimento administrativo (datada de 04/08/2016, conforme evento 1, item 6, página 2), os efeitos financeiros da concessão são devidos desde a data para a qual a DER foi reafirmada.
Da prescrição quinquenal
O parágrafo único do art. 103 da Lei 8213/91 (redação dada pela Lei 9.528/97) dispõe sobre a prescrição quinquenal das parcelas de benefícios não reclamados nas épocas próprias, podendo, inclusive, ser reconhecida de ofício.
No caso, tendo o feito sido ajuizado em 05/09/2016 e o requerimento administrativo efetivado em 17/03/2015, inexistem parcelas atingidas pela prescrição.
Dos Consectários
Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11.08.2006, e art. 31 da Lei 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos. O precedente do STF é aplicável desde logo, uma vez que, nos termos da decisão do Relator, a pendência do julgamento dos embargos de declaração é que motivava a suspensão nacional dos processos.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
Ainda que o STJ não tenha levantado a suspensão dos efeitos da tese que firmou no julgamento do Tema 905, nada obsta à utilização dos respectivos argumentos, por esta Turma, como razões de decidir, uma vez que bem explicitam os critérios atualizatórios, a partir da natureza dos benefícios – assistencial ou previdenciária.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora são devidos a contar da citação.
Até 29.06.2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3.º do Decreto-Lei 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Salienta-se, ainda, que sendo o caso de reafirmação da DER, a correção monetária deverá ser calculada a contar desta data, conforme entendimento fixado por esta Corte, no julgamento do IAC TRF4 n.° 4 (5007975-25.2013.4.04.7003), bem como pelo STJ no julgamento do Tema STJ 995 (REsp 1.727.063/SP, REsp 1.727.064/SP e REsp 1.727.069/SP). O mesmo se dá em relação aos juros de mora, desde que essa DER seja posterior à citação.
Da sucumbência
Alterado o provimento da ação, sendo mínima a sucumbência da parte autora, impõe-se a condenação da autarquia ao pagamento da totalidade dos ônus processuais, nos termos do parágrafo único do art. 86 do CPC.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).
Da Verba Honorária
Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Considerando-se ser o o caso de reafirmação da DER, o termo inicial dos honorários advocatícios deve ser contado a partir de tal data, conforme entendimento fixado por esta Corte no julgamento do IAC 5007975-25.2013.4.04.7003. Quanto ao termo final, não tendo sido concedido na sentença o benefício pretendido, a base de cálculo da verba honorária estende-se às parcelas vencidas até prolação do presente acórdão.
Incabível a majoração da verba honorária prevista no parágrafo 11 do art. 85 do CPC/2015, uma vez que não se trata de hipótese de não conhecimento ou desprovimento de recurso interposto pela parte condenada ao pagamento de honorários pelo juízo de origem, conforme critérios estabelecidos pela Segunda Seção do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.725 – DF (DJe: 19.10.2017).
Conclusão
Provida a apelação para deferir à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, mediante reafirmação da DER, com efeitos financeiros contados a partir da DER reafirmada, 17/04/2015.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001771370v44 e do código CRC 8738b5b8.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5018124-51.2016.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: DELMAR ANTONIO TISATTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. REQUISITOS E CRITÉRIOS DIFERENCIADOS. ARTS. 6º E 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 2º E 3º DA LC 142/2003. GRAUS DE DEFICIÊNCIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR.
1. A Constituição Federal previu, a partir da Emenda Constitucional nº 47, a concessão de aposentadoria aos segurados do Regime Geral da Previdência Social que sejam portadores de deficiência, mediante adoção de requisitos e critérios diferenciados, consoante seu art. 201, § 1º, regulado, no plano infraconstitucional, pela Lei Complementar 142/2003.
2. A jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 377), enquadra o portador de visão monocular como pessoa com deficiência para efeito de reserva de vaga em concurso público.
3. No âmbito previdenciário, é razoável a concessão de aposentadoria, ao portador de visão monocular, de acordo com o critério diferenciado do art. 3º, III, da LC 142/2003.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001771371v5 e do código CRC e3aa861c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 18/6/2020, às 12:41:46
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 08/06/2020 A 17/06/2020
Apelação Cível Nº 5018124-51.2016.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: DELMAR ANTONIO TISATTO (AUTOR)
ADVOGADO: GERUSA DO ROSARIO LUCAS (OAB RS073693)
ADVOGADO: GELCI RENATE NYLAND PILLA (OAB RS059360)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/06/2020, às 00:00, a 17/06/2020, às 14:00, na sequência 234, disponibilizada no DE de 28/05/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:20.