Apelação Cível Nº 5009724-32.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO DA SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 29/04/2021, proferida nos seguintes termos (evento 71):
JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais.
DETERMINO a averbação no CNIS do labor especial realizado pelo autor de 02.01.1988 a 26.03.2002, 01.11.2002 a 13.09.2013, 08.09.2003 a 21.02.2005, 28.03.2005 a 14.03.2010 e 08.03.2010 a 23.04.2014.
DETERMINO que o réu implemente em favor do autor o benefício que lhe for mais vantajoso entre as aposentadorias especial e por tempo de contribuição previdenciária nº 165.059.041-2 , esta última, sem a incidência do fator previdenciário, se assim o auto optar (art. 29-C, I, da LBPS), desde a data de 27.09.2019 (DER).
CONDENO o réu a quitar as parcelas vencidas do benefício deferido nesta sentença, desde 23.04.2014, de uma só vez, corrigidas monetariamente pelo INPC (Tema 905 do STJ) desde a data de vencimento de cada prestação, sendo que, após a data da citação (19.06.2015 - evento 6), incidirão juros de mora, observando os juros remuneratórios aplicados à caderneta de poupança, tudo na forma do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97;
Fica AUTORIZADO o ABATIMENTO das parcelas pagas ao autor em razão da aposentadoria por tempo de contribuição concedida durante o curso desta ação (informação contida no evento 29).
ISENTO o réu do pagamento das custas processuais.
CONDENO o réu ao pagamento de 100% dos honorários periciais. REQUISITE-SE o seu pagamento. Pagos os honorários periciais, expeça-se alvará em favor do expert. Depois do trânsito em julgado, EXPEÇA-SE RPV para que o INSS pague ao TRF4 o valor correspondente aos honorários periciais.
CONDENO o réu ao pagamento dos honorários advocatícios do procurador do autor, os quais fixo no patamar de 10% sobre as prestações previdenciárias vencidas até a data da publicação desta sentença, conforme Súmula n. 111 do STJ.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o deferimento do benefício à parte autora, sob os seguintes argumentos: (a) descabido o enquadramento por categoria profissional da função de eletricista, por ausência de correspondência nos decretos regulamentares; (b) com a alteração da NR nº 10 pela Portaria nº 598 do MTE, de 07/12/2004, a partir da data de sua publicação, qual seja, 08/12/2004, somente a sujeição a tensões elétricas superiores a 1000 volts em corrente alternada ou a 1500 volts em corrente contínua configura periculosidade; (c) após o advento do Decreto nº 2.172/97 não é possível o enquadramento do labor como nocivo pela sujeição do trabalhador à eletricidade; (d) a atividade periculosa não configura risco à integridade física ou à saúde do obreiro, de forma que não enseja a concessão da aposentadoria especial; e (e) não restou provada a exposição habitual e permanente a agentes nocivos, na forma da Lei nº 8.213/91 e dos decretos regulamentares. Por fim, prequestiona afronta à matéria altercada (evento 79).
Com contrarrazões (evento 86), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC, por ausência de interesse recursal, não conheço do apelo do INSS no ponto em que se insurge contra o enquadramento pela categoria profissional de eletricista, pois o cômputo de tempo especial, na sentença, fundamentou-se, exclusivamente, na condição periculosa do trabalho, decorrente do risco de choque elétrico.
Erro material na sentença
Observo que laborou em equívoco o juiz a quo na parte dispositiva da sentença, especificamente quanto à data de entrada do requerimento administrativo, a partir de quando entendera devido o benefício, porquanto formulado o pedido em 23/04/2014, e não em 27/09/2019, como consignado. Trata-se, porém, de mero erro material, passível de correção, ex officio, neste Juízo ad quem, a teor do art. 494, inciso I, do CPC, sem que implique em supressão de grau de jurisdição.
Prescrição quinquenal
Em se tratando de benefício previdenciário de prestação continuada, a prescrição não atinge o fundo de direito, mas somente os créditos relativos às parcelas vencidas há mais de 5 (cinco) anos, contados da data do ajuizamento da ação, consoante a iterativa jurisprudência dos Tribunais. A prescrição quinquenal das prestações vencidas não reclamadas, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, historicamente sempre vigorou em ordenamento jurídico próprio, estando prevista atualmente no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91. Dito isso, tendo a parte autora ajuizado a presente demanda em 16/04/2015 inexistem parcelas prescritas, porque não transcorrido um lustro entre as datas de entrada do requerimento administrativo (23/04/2014) e de propositura da ação.
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se às condições da prestação de serviço da parte autora nos lapsos de 02.01.1988 a 26.03.2002, 01.11.2002 a 13.09.2013, 08.09.2003 a 21.02.2005, 28.03.2005 a 14.03.2010 e 08.03.2010 a 23.04.2014. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço do autor:
PERÍODOS | EMPRESAS | FUNÇÕES |
02.01.1988 a 26.03.2002 | Integração Consultoria e Serviços Telemáticos | auxiliar de instalador |
01.11.2002 a 13.09.2013 | Integração Consultoria e Serviços Telemáticos | instalador |
08.09.2003 a 21.02.2005 | Koerich Engenharia e Telecomunicações S/A | instalador |
28.03.2005 a 14.03.2010 | Koerich Engenharia e Telecomunicações S/A | instalador |
08.03.2010 a 23.04.2014 | ARM Telecomunicações e Serviços de Engenharia | instalador e instalador I |
Agente nocivo: eletricidade com tensões acima de 250 volts
Enquadramento legal: Código 1.1.8 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64, conjugado com a Súmula nº 198 do TFR, e NR nº 16 do MTE, anexo IV.
Provas: formulários PPP, com indicação dos responsáveis técnicos pelos registros ambientais (evento 01, doc. 11, pp. 10-11, e doc. 12, pp. 02-05), PPRA (evento 01, docs. 07-08) e laudo pericial judicial (evento 62)
Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovada a periculosidade da atividade prestada pela parte autora nos intervalos acima indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude do risco decorrente de sua exposição ao agente físico eletricidade.
O Recorrente insurge-se contra o deferimento do benefício à parte autora ao argumento de que, com o advento do Decreto nº 2.172/97, a periculosidade e a penosidade deixaram de figurar no rol de agentes nocivos a justificar a concessão de aposentadoria especial.
A atividade do eletricitário constava como perigosa no Código 1.1.8 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, envolvendo as operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida; trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de acidentes, pelos eletricistas, cabistas, montadores, dentre outros, cuja jornada normal ou especial fixada em lei para os serviços expostos a tensão superior a 250 volts, caracterizando, assim, a especialidade do trabalho.
De fato, os Decretos nºs 83.080/79 (Anexo II), 2.172/97 (Anexo IV) e 3.048/99 (Anexo IV) não contemplaram tal descrição. Ocorre que, além das hipóteses de enquadramento dos agentes nocivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
Acerca da celeuma, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, no julgamento do Tema nº 534, concluiu que É cabível o enquadramento como atividade especial do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, com tensão superior a 250v, exercido após a vigência do Decreto nº 2.172/1997, para fins de aposentadoria especial, desde que a atividade exercida esteja devidamente comprovada pela exposição aos fatores de risco de modo permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais. Na ocasião, restou firmada a tese jurídica no sentido de que As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
Logo, a exposição do trabalhador à tensão média superior a 250 volts, após 05/03/1997, autoriza a caracterização da atividade como especial.
Não merece acolhida a tese de que, com a alteração da NR nº 10 pela Portaria nº 598 do MTE, de 07/12/2004, a partir da data de sua publicação, qual seja, 08/12/2004, somente a sujeição a tensões elétricas superiores a 1000 volts em corrente alternada ou a 1500 volts em corrente contínua configura periculosidade.
Isso porque a NR nº 10 estabelece os requisitos e condições mínimas objetivando a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interajam em instalações elétricas e serviços com eletricidade (item 10.1.1) e se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades, observando-se as normas técnicas oficiais estabelecidas pelos órgãos competentes e, na ausência ou omissão destas, as normas internacionais cabíveis (item 10.1.2).
Porém, é o Anexo nº 04 da NR nº 16 do MTE que define as atividades e operações perigosas com energia elétrica, havendo previsão no item 1, letra "d", de que Têm direito ao adicional de periculosidade os trabalhadores (...) das empresas que operam em instalações ou equipamentos integrantes do sistema elétrico de potência - SEP, bem como suas contratadas, em conformidade com as atividades e respectivas áreas de risco descritas no quadro I deste anexo.
As atividades no sistema elétrico de potência (SEP) estão arroladas no item 4 e o item 4.1 preconiza que, Para os efeitos deste anexo entende-se como atividades de construção, operação e manutenção de redes de linhas aéreas ou subterrâneas de alta e baixa tensão integrantes do SEP:
a) Montagem, instalação, substituição, conservação, reparos, ensaios e testes de: verificação, inspeção, levantamento, supervisão e fiscalização; fusíveis, condutores, para-raios, postes, torres, chaves, muflas, isoladores, transformadores, capacitores, medidores, reguladores de tensão, religadores, seccionalizadores, carrier (onda portadora via linhas de transmissão), cruzetas, relé e braço de iluminação pública, aparelho de medição gráfica, bases de concreto ou alvenaria de torres, postes e estrutura de sustentação de redes e linhas aéreas e demais componentes das redes aéreas;
b) Corte e poda de árvores;
c) Ligações e cortes de consumidores;
d) Manobras aéreas e subterrâneas de redes e linhas;
e) Manobras em subestação;
f) Testes de curto em linhas de transmissão;
g) Manutenção de fontes de alimentação de sistemas de comunicação;
h) Leitura em consumidores de alta tensão;
i) Aferição em equipamentos de medição;
j) Medidas de resistências, lançamento e instalação de cabo contra-peso;
k) Medidas de campo eletromagnético, rádio, interferência e correntes induzidas;
l) Testes elétricos em instalações de terceiros em faixas de linhas de transmissão (oleodutos, gasodutos etc);
m) Pintura de estruturas e equipamentos;
n) Verificação, inspeção, inclusive aérea, fiscalização, levantamento de dados e supervisão de serviços técnicos;
o) Montagem, instalação, substituição, manutenção e reparos de: barramentos, transformadores, disjuntores, chaves e seccionadoras, condensadores, chaves a óleo, transformadores para instrumentos, cabos subterrâneos e subaquáticos, painéis, circuitos elétricos, contatos, muflas e isoladores e demais componentes de redes subterrâneas;
p) Construção civil, instalação, substituição e limpeza de: valas, bancos de dutos, dutos, condutos, canaletas, galerias, túneis, caixas ou poços de inspeção, câmaras;
q) Medição, verificação, ensaios, testes, inspeção, fiscalização, levantamento de dados e supervisões de serviços técnicos.
O quadro I do Anexo 4 da NR 16 assim conceitua as áreas de risco:
ATIVIDADES | ÁREAS DE RISCO |
I - Atividades, constantes no item 4.1, de construção, operação e manutenção de redes de linhas aéreas ou subterrâneas de alta e baixa tensão integrantes do SEP, energizados ou desenergizados, mas com possibilidade de energização acidental ou por falha operacional. | a) Estruturas, condutores e equipamentos de linhas aéreas de transmissão, subtransmissão e distribuição, incluindo plataformas e cestos aéreos usados para execução dos trabalhos; b) Pátio e salas de operação de subestações; c) Cabines de distribuição; d) Estruturas, condutores e equipamentos de redes de tração elétrica, incluindo escadas, plataformas e cestos aéreos usados para execução dos trabalhos; e) Valas, bancos de dutos, canaletas, condutores, recintos internos de caixas, poços de inspeção, câmaras, galerias, túneis, estruturas terminais e aéreas de superfície correspondentes; f) Áreas submersas em rios, lagos e mares. |
II - Atividades, constantes no item 4.2, de construção, operação e manutenção nas usinas, unidades geradoras, subestações e cabinas de distribuição em operações, integrantes do SEP, energizados ou desenergizados, mas com possibilidade de energização acidental ou por falha operacional. | a) Pontos de medição e cabinas de distribuição, inclusive de consumidores; b) Salas de controles, casa de máquinas, barragens de usinas e unidades geradoras; c) Pátios e salas de operações de subestações, inclusive consumidoras. |
III - Atividades de inspeção, testes, ensaios, calibração, medição e reparos em equipamentos e materiais elétricos, eletrônicos, eletromecânicos e de segurança individual e coletiva em sistemas elétricos de potência de alta e baixa tensão. | a) Áreas das oficinas e laboratórios de testes e manutenção elétrica, eletrônica e eletromecânica onde são executados testes, ensaios, calibração e reparos de equipamentos energizados ou passíveis de energização acidental; b) Sala de controle e casas de máquinas de usinas e unidades geradoras; c) Pátios e salas de operação de subestações, inclusive consumidoras; d) Salas de ensaios elétricos de alta tensão; e) Sala de controle dos centros de operações. |
IV - Atividades de treinamento em equipamentos ou instalações integrantes do SEP, energizadas ou desenergizadas, mas com possibilidade de energização acidental ou por falha operacional. | a) Todas as áreas descritas nos itens anteriores. |
Conclui-se, do cotejo das normas regulamentadoras, que o trabalho em sistemas elétricos de baixa tensão também configura periculosidade, quando executado em área de risco.
No caso, o perito prestou os seguintes esclarecimentos:
6.10 Agentes Periculosos
São atividades ou operações que por natureza ou método de trabalho exige contato com eletricidade, substâncias inflamáveis ou com explosivos em condição de risco acentuado, atividades perigosas em motocicletas, atividades e operações perigosas com exposição a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial e atividades e operações perigosas com radiações ionizantes ou substâncias radioativas;
SEP: Sistema Elétrico de Potência, é o conjunto constituído por centrais elétricas, subestações de transformação e de interligação, linhas e receptores, ligados eletricamente entre si. São grandes sistemas de energia que englobam geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Choque elétrico: Efeito patofisiológico resultante da passagem de uma corrente elétrica, a chamada corrente de choque, através do corpo de uma pessoa ou de um animal.
Relatou o autor que trabalhava em proximidade a rede de distribuição de energia elétrica para realizar a instalação/manutenção do ponto de internet para o cliente.
Através da perícia, constatou-se que há existência de atividade e/ou operações perigosas ou exposição aos efeitos da eletricidade, caracterizando-se o enquadramento legal da periculosidade pelo anexo nº 04 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78, pela Lei nº 7.369/85 e pelo Decreto nº 93.412/86.
Ainda temos como justificativa para o enquadramento a área de risco delimitada pela NR-10.
10.1- OBJETIVO E CAMPO DE APLICAÇÃO
10.1.2 Esta NR se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e, quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades observando-se as normas técnicas oficiais 8 estabelecidas pelos órgãos competentes e, na ausência ou omissão destas, as normas internacionais cabíveis. (grifo meu)
Então, para o caso em tela, a aplicação da NR-10 a qual a NR-16 faz referência está correta.
Determinação da área de risco
ZL = Zona livre
ZC = Zona controlada, restrita a trabalhadores autorizados.
ZR = Zona de risco, restrita a trabalhadores autorizados e com a adoção de técnicas,instrumentos e equipamentos apropriados ao trabalho.
PE = Ponto da instalação energizado.
A área de risco para as atividades do autor é denominada de zcP – Zona controlada, restrita a trabalhadores autorizados.
Vejamos a distância segundo a tabela do anexo 1 – NR-10:
Então, para uma tensão encontrada de 220/380Volts (< 1KV correspondente a < 1000V) o raio da área de risco é de 0,70 metros, ou seja, 70 centímetros.
Conforme entrevista pericial e outras averiguações periciais, ficou evidente que os cabos da reclamada são instalados sem respeitar a distância segura denominada de ZL- Zona Livre ( > 70 cm do ponto energizado).
É possível afirmar sem dúvidas que o autor ficou exposto ao risco, sendo sua atividade considerada PERICULOSA.
Necessário anotar que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. Assim, tratando-se de periculosidade por sujeição a altas tensões elétricas, o requisito da permanência não é imprescindível, já que o tempo de exposição não é fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto.
Com efeito, já decidiu esta Corte que A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das funções cometidas ao trabalhador, que está integrada à sua rotina de trabalho. Em se tratando de exposição a atas tensões, o risco de choque elétrico é inerente à atividade, cujos danos podem se concretizar em mera fração de segundo. (AC nº 5059172-48.2015.404.7100, Quinta Turma, Relatora Juíza Federa Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 12/06/2017).
Impende destacar a diferença essencial entre a exposição a certos agentes, como o frio e o calor, que atuam lentamente, e cujas condições negativas sobre o organismo humano geralmente exigem maior de tempo de contato, e a exposição à periculosidade. Neste último caso, deve-se sopesar o risco (maior ou menor) em relação ao tempo (mais curto ou longo) de contato com o referido agente, buscando-se uma solução de equilíbrio que não exija o contato permanente a um agente extremamente perigoso, ou tampouco um contato eventual em relação a um fator cujos riscos se mostrem mais amenos.
Nesses termos, a exposição do trabalhador às tensões elétricas, conforme enunciadas, revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato. Nestas condições, exigir do trabalhador um contato permanente com o agente eletricidade seria o mesmo que exigir condições não humanas de trabalho, que demandariam atenção redobrada durante todo o período da jornada de trabalho, e muito provavelmente implicariam o perecimento físico, ou pelo menos na degradação psicológica do segurado.
Ainda, deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de 02.01.1988 a 26.03.2002, 01.11.2002 a 13.09.2013, 08.09.2003 a 21.02.2005, 28.03.2005 a 14.03.2010 e 08.03.2010 a 23.04.2014.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
1. Aposentadoria especial
A soma do tempo especial reconhecido em juízo totaliza 25 anos, 08 meses e 18 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (23/04/2014), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.
2. Aposentadoria por tempo de contribuição
Em primeiro lugar, quanto ao fator de conversão, deve ser observada a relação existente entre os anos de trabalho exigidos para a aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição na data do implemento das condições e os anos exigidos para a obtenção da aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos de tempo de atividade, conforme o caso).
Em se tratando de benefício a ser deferido a segurado que implementou as condições já na vigência da Lei nº 8.213/91, como sabido, a concessão do benefício depende da comprovação de 35 anos de tempo de serviço ou de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Nesse contexto, a relação a ser feita para a obtenção do fator aplicável para a conversão do tempo de serviço especial para comum, quando se trata de enquadramento que justifica a aposentadoria aos 25 anos de atividade, é de 25 anos para 35, se homem, e 25 anos para 30, se mulher, resultando, assim, num multiplicador de 1,4 para aquele e 1,2 para esta.
Prestado o serviço sob a égide de legislação que o qualifica como especial, o segurado adquire o direito à consideração como tal até quando possível a conversão. A conversão, todavia, só pode ser disciplinada pela lei vigente à data em que implementados todos os requisitos para a concessão do benefício. Não se pode confundir critério para reconhecimento de especialidade com critério para concessão de benefício, aí incluídas a possibilidade e a sistemática de conversão de tempo especial pretérito.
O Decreto nº 3.048/99, em seu art. 70, determina a utilização do fator 1,40 quanto ao homem e 1,20 quanto à mulher para a conversão do tempo especial sob regime de 25 anos, independentemente da data em que desempenhada a atividade.
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento: | 23/11/1957 |
Sexo: | Masculino |
DER: | 23/04/2014 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS (evento 01, doc. 12, pp. 15-16):
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência |
Até 16/12/1998 (EC 20/98) | 16 anos, 7 meses e 25 dias | 380 |
Até 28/11/1999 (Lei 9876/99) | 0 anos, 0 meses e 0 dias | 0 |
Até a DER (23/04/2014) | 31 anos, 3 meses e 0 dias | 380 |
- Períodos acrescidos (descontadas as concomitâncias):
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | tempo especial reconhecido em juízo | 02/01/1988 | 26/03/2002 | 0.40 Especial | 5 anos, 8 meses e 10 dias | 171 |
2 | tempo especial reconhecido em juízo | 01/11/2002 | 13/09/2013 | 0.40 Especial | 4 anos, 4 meses e 5 dias | 131 |
3 | tempo especial reconhecido em juízo | 14/09/2013 | 23/04/2014 | 0.40 Especial | 0 anos, 2 meses e 28 dias | 7 |
* Não há períodos concomitantes.
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até 16/12/1998 (EC 20/98) | 21 anos, 0 meses e 13 dias | 512 | 41 anos, 0 meses e 23 dias | - |
Pedágio (EC 20/98) | 3 anos, 7 meses e 0 dias | |||
Até 28/11/1999 (Lei 9.876/99) | 4 anos, 9 meses e 5 dias | 143 | 42 anos, 0 meses e 5 dias | - |
Até 23/04/2014 (DER) | 41 anos, 6 meses e 13 dias | 689 | 56 anos, 5 meses e 0 dias | inaplicável |
Em 23/04/2014 (DER), a parte autora tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, dia do início da vigência da MP 676/2015, que incluiu o art. 29-C na Lei 8.213/91, merecendo reforma a sentença, no tópico.
Afastamento da atividade
O Supremo Tribunal Federal, recentemente, concluiu o julgamento do RE nº 791.961/PR (Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020), representativo de controvérsia (Tema 709), em decisão assim ementada (destaquei):
Direito Previdenciário e Constitucional. Constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91. Percepção do benefício de aposentadoria especial independentemente do afastamento do beneficiário das atividades laborais nocivas a sua saúde. Impossibilidade. Recurso extraordinário parcialmente provido.
1. O art. 57,§ 8º, da Lei nº 8.213/91 é constitucional, inexistindo qualquer tipo de conflito entre ele e os arts. 5º, inciso XIII; 7º, inciso XXXIII; e 201,§ 1º, da Lei Fundamental. A norma se presta, de forma razoável e proporcional, para homenagear o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à saúde, à vida, ao ambiente de trabalho equilibrado e à redução dos riscos inerentes ao trabalho.
2. É vedada a simultaneidade entre a percepção da aposentadoria especial e o exercício de atividade especial, seja essa última aquela que deu causa à aposentação precoce ou não. A concomitância entre a aposentadoria e o labor especial acarreta a suspensão do pagamento do benefício previdenciário.
3. O tema da data de início da aposentadoria especial é regulado pelo art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91, que, por sua vez, remete ao art. 49 do mesmo diploma normativo. O art. 57,§ 8º, da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social cuida de assunto distinto e, inexistindo incompatibilidade absoluta entre esse dispositivo e aqueles anteriormente citados, os quais também não são inconstitucionais, não há que se falar em fixação da DIB na data de afastamento da atividade, sob pena de violência à vontade e à prerrogativa do legislador, bem como de afronta à separação de Poderes.
4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.
5. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento.
Posteriormente, o STF decidiu acolher, em parte, os embargos de declaração opostos ao Tema 709 para (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário Virtual, sessão de 12/02/2021 a 23/02/2021):
a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas;
b) propor a alteração na redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida:
“4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral:
“(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não;
(ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão .”;
c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento;
d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento.
Dito isso, necessário estabelecer as seguintes diretrizes:
(a) Deve ser observada a imposição inserta no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, implicando a cessação do pagamento do benefício, e não a sua cassação ou cancelamento, a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
(b) Não obstante o STF tenha concluído pela constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, restou assentado que o termo inicial do benefício deve ser fixado de acordo com a previsão contida nos artigos 49 e 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91, ou seja, na DER, e não na data do afastamento da atividade.
Assim, conclui-se que o desligamento da atividade se torna exigível tão somente a partir da efetiva implantação do benefício, sem prejuízo às prestações vencidas no curso do processo que culminou na concessão da aposentadoria especial, seja ele judicial ou administrativo. Portanto, não há óbice ao recebimento de parcelas do benefício de aposentadoria especial no período em que o segurado permaneceu no exercício de atividades nocivas. É a ilação que se infere do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, conforme excerto abaixo reproduzido:
A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º - quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo.
Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federal ignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz, e determine a aplicação, em seu lugar, do art. 57, § 8º, do mesmo diploma legislativo, o qual se destina, aliás, a cuidar de situações distintas: as daquelas hipóteses em que o trabalhador permanece ou retorna à atividade especial. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a tal pleito, ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador, legitima e validamente expressa.
É evidente o escopo da decisão da Suprema Corte no afã de garantir que o segurado não seja prejudicado pela demora na análise do seu pedido de concessão de aposentadoria especial.
(c) O julgamento exarado pelo STF não se traduz em óbice à imediata implantação da aposentadoria especial, por força de antecipação de tutela deferida no acórdão, à luz do art. 497 do CPC. Isso porque o art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 prevê vedação à concomitância no exercício da atividade nociva e a percepção da aposentadoria especial. Não se pode, todavia, condicionar a concessão do benefício ao desligamento da atividade. O § 8º do art. 57 adverte que o segurado não poderá continuar. Continuar pressupõe a anterior concessão. O condicionamento é à continuidade. A lei previdenciária não criou um requisito para a aposentadoria especial que possa ser apreciado a latere dos demais.
Destarte, eventual suspensão do benefício não pode dispensar o devido processo legal, incumbindo ao INSS, na via administrativa, proceder à notificação do segurado para defesa, oportunizado-se prazo para que comprove o afastamento da atividade nociva ou, então, para que regularize a situação entre ele e o INSS.
O Decreto 3.048/99, no parágrafo único do art. 69 (redação mantida pelo Decreto nº 10.410, de 01/07/2020), estatui que O segurado será imediatamente notificado da cessação do pagamento de sua aposentadoria especial, no prazo de sessenta dias contado da data de emissão da notificação, salvo comprovação, nesse prazo, de que o exercício dessa atividade ou o operação foi encerrado.
(d) Não há falar em restituição de eventuais parcelas pagas ao segurado por força de antecipação de tutela. No julgamento do Embargos Declaratórios, o STF, ao modular os efeitos da tese de repercussão geral, foi categórico no sentido de que não se questiona a irrepetibilidade dos valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé, sobretudo quando vinham sendo depositados por força de ordem judicial. Os indivíduos que vinham auferindo o benefício previdenciário em razão de pedidos deferidos pelo Poder Judiciário - ou mesmo voluntariamente pela Administração - encontram-se isentos de qualquer obrigação de devolução dos valores recebidos até a proclamação do resultado deste julgamento. Descabido, pois, o sobrestamento do feito em razão da afetação ao Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça.
(e) Ainda que haja suspensão do pagamento do benefício, o INSS deverá proceder à averbação do tempo especial reconhecido nos autos, a fim de que se incorpore ao patrimônio jurídico do segurado, já que, Conforme o entendimento da Terceira Seção deste Tribunal, o trabalho prestado se incorpora imediatamente ao patrimônio jurídico do trabalhador. (TRF4, AC 5000156-60.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 12/06/2020). O direito à contagem de tempo de serviço/contribuição se incorpora ao patrimônio jurídico do segurado no momento da prestação da atividade. (TRF4, AC 5028504-25.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 18/03/2020).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício mais vantajoso, nos termos do art. 497 do CPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Com efeito, a teor da regra inserta no art. 122 da Lei nº 8.213/91, o segurado tem direito à implantação do benefício mais vantajoso, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do RE nº 630.501/RS (Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013). É que O segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido a benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a aposentadoria. (...) O Tribunal garantiu a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondessem à maior Renda Mensal Inicial - RMI, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ter sido exercido, caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional. Destacou que os efeitos financeiros contariam do desligamento do emprego ou da data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas. (Tema nº 334 do STF). Na esteira deste entendimento, restou assentado neste Regional que, Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição integral na data do requerimento administrativo, ou, ainda, aposentadoria especial, devendo a Autarquia realizar os cálculos e implantar o benefício que resultar mais vantajoso, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91. (TRF4, APELREEX 5003161-80.2012.404.7107, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 19/12/2014).
Idêntica orientação foi adotada administrativamente pelo INSS, sendo que, segundo o art. 688 da IN/INSS nº 77/2015, Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que é devida a majoração de verba honorária sucumbencial, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC/2015, quando presentes os seguintes requisitos de forma concomitante: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, data da vigência do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo especial nos lapsos de 02.01.1988 a 26.03.2002, 01.11.2002 a 13.09.2013, 08.09.2003 a 21.02.2005, 28.03.2005 a 14.03.2010 e 08.03.2010 a 23.04.2014; e (b) direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (23/04/2014), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então, devendo ser observada a restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91.
- Sentença reformada para, de ofício, (a) corrigir erro material no seu dispositivo, quanto à indicação da DER; (b) afastar o direito do autor à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência de fator previdenciário, na forma do art. 29-C da Lei nº 8.213/91; e (c) condenar o INSS a implantar em favor do autor a aposentadoria por tempo de contribuição integral, de acordo com a Lei nº 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, e a pagar as parcelas devidas desde a DER (23/04/2014), acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma da fundamentação, além da verba honorária.
- A parte autora tem direito à implantação do benefício na forma mais vantajosa: aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição. No caso, manifesta opção pela concessão da aposentadoria especial, inexistindo óbice, porém, a que, na fase de cumprimento do julgado, opte por benefício diverso.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por, de ofício, (a) corrigir erro material na sentença e (b) condenar o INSS a implantar a aposentadoria por tempo de contribuição integral, com incidência de fator previdenciário, e afastar o direito do autor à aposentadoria por tempo de contribuição por pontos, sem fator previdenciário; conhecer, em parte, do recurso do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento; bem como determinar a imediata implantação do benefício mais vantajoso ao segurado.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002597411v13 e do código CRC 05357f6f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 17/6/2021, às 13:31:9
Conferência de autenticidade emitida em 25/06/2021 04:01:31.
Apelação Cível Nº 5009724-32.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO DA SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE.
1. Direito adquirido do autor à concessão do melhor benefício (RE nº 630.501/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013).
2. Não obstante o Decreto nº 2.172/97 não tenha incluído em seu rol de agentes nocivos a eletricidade, é possível o enquadramento da atividade como especial no período posterior a 05/03/1997, se comprovado através de perícia que o trabalhador estava exposto a tensões superiores a 250 volts. Interpretação conjugada do Decreto nº 53.831/64 (Código 1.1.8 do Quadro Anexo) com a Súmula nº 198 do TFR. Orientação assentada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.306.113. A exposição do segurado ao agente periculoso eletricidade sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. Cabe ainda destacar que o tempo de exposição ao risco eletricidade não é necessariamente fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico. Assim, por mais que a exposição do segurado ao agente nocivo eletricidade acima de 250 volts (alta tensão) não perdure por todas as horas trabalhadas, trata-se de risco potencial, cuja sujeição não depende da exposição habitual e permanente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, (a) corrigir erro material na sentença e (b) condenar o INSS a implantar a aposentadoria por tempo de contribuição integral, com incidência de fator previdenciário, e afastar o direito do autor à aposentadoria por tempo de contribuição por pontos, sem fator previdenciário; conhecer, em parte, do recurso do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento; bem como determinar a imediata implantação do benefício mais vantajoso ao segurado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 15 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002597412v3 e do código CRC 17048ac0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 17/6/2021, às 13:31:9
Conferência de autenticidade emitida em 25/06/2021 04:01:31.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 08/06/2021 A 15/06/2021
Apelação Cível Nº 5009724-32.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ANTONIO DA SILVA
ADVOGADO: OTÁVIO AUGUSTO SALUM PEREIRA (OAB SC026491)
ADVOGADO: RODRIGO HENRIQUE DEHLANO (OAB SC027204)
ADVOGADO: OTÁVIO AUGUSTO SALUM PEREIRA
ADVOGADO: RODRIGO HENRIQUE DEHLANO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/06/2021, às 00:00, a 15/06/2021, às 16:00, na sequência 34, disponibilizada no DE de 27/05/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, (A) CORRIGIR ERRO MATERIAL NA SENTENÇA E (B) CONDENAR O INSS A IMPLANTAR A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INTEGRAL, COM INCIDÊNCIA DE FATOR PREVIDENCIÁRIO, E AFASTAR O DIREITO DO AUTOR À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO POR PONTOS, SEM FATOR PREVIDENCIÁRIO; CONHECER, EM PARTE, DO RECURSO DO INSS E, NESTA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO; BEM COMO DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO AO SEGURADO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Juíza Federal ÉRIKA GIOVANINI REUPKE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 25/06/2021 04:01:31.