APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043565-63.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARCOS SILVA TORRES |
ADVOGADO | : | WALDIR FRANCESCHETO |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. LAUDO EXTEMPORÂNEO. EPI. TEMPO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE ESPECIAL. CONCESSÃO. TERMO INICIAL. EXIGÊNCIA DE AFASTAMENTO DA ATIVIDADE. ART. 57, §8º, DA LEI N. 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. Comprovada a exposição a agentes biológicos em razão da rotina de trabalho do segurado, deve-se reconhecer a especialidade do correspondente tempo de serviço.
4. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte.
5. Se a prova pericial, realizada na empresa constata a existência de agentes nocivos em data posterior ao labor, razão não há para se deduzir que as agressões ao trabalhador fossem menores ou inexistissem na época da prestação do serviço, até porque a evolução tecnológica e da segurança do trabalho tendem a causar a redução e não o aumento da nocividade com o passar dos anos.
6. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial.
7. A lei não faz distinção entre o segurado empregado e o contribuinte individual para fins de concessão de aposentadoria especial. O reconhecimento do direito não configura instituição de benefício novo, sem a correspondente fonte de custeio. Incidência, ademais, do princípio da solidariedade.
8. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente.
9. Implementados mais de 25 anos de tempo de atividade sob condições nocivas e cumprida a carência mínima, é devida a concessão do benefício de aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
10. É inconstitucional a restrição prevista no § 8º do art. 57 da Lei 8.213/91, à continuidade do desempenho da atividade pelo trabalhador que obtém aposentadoria especial, por cercear, sem que haja autorização constitucional para tanto, o desempenho de atividade profissional e vedar o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência (Incidente de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira).
11. Em consequência, não há óbices a que o termo inicial do benefício de aposentadoria seja fixado na data da DER. O segurado não pode ser onerado com os efeitos da demora na concessão do benefício a que fazia jus desde o implemento dos requisitos legais.
12. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária nas dívidas não-tributárias da Fazenda Pública.
13. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de maio de 2018.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9377813v5 e, se solicitado, do código CRC 148AB987. | |
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| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 30/05/2018 18:15 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043565-63.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARCOS SILVA TORRES |
ADVOGADO | : | WALDIR FRANCESCHETO |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por Marcos Silva Torres contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a concessão de aposentadoria especial, desde a DER (17-05-2013), mediante o reconhecimento da natureza especial do labor desenvolvido nos períodos de 21-12-1983 a 30-04-1984, 06-03-1997 a 11-04-1997 e 01-01-1985 a 17-05-2013, bem como mediante o cômputo do tempo de labor urbano comum, exercido na condição de contribuinte individual, no período de 01-06-1981 a 31-12-1983.
Sentenciando, o juízo a quo julgou procedente o pedido, reconhecendo a especialidade do tempo de serviço nos períodos postulados, bem como determinando o cômputo do tempo de labor comum relativo ao intervalo de 01-06-1981 a 31-12-1983, condenando o INSS a conceder à parte autora a aposentadoria especial, desde a DER (17-05-2013). Condenou o INSS ao pagamento das parcelas vencidas, atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora, esses desde a citação. Determinou a implantação do benefício no prazo de 15 dias. Condenou o INSS, ainda, ao pagamento dos honorários de advogado, fixados nos percentuais mínimos previstos no CPC, incidentes sobre os valores vencidos até a data da sentença. Sem custas processuais.
Pela o INSS sustentando a impossibilidade de reconhecimento da natureza especial do labor exercido pelo demandante, porquanto sua exposição a agentes nocivos não ocorreu de forma habitual e permanente. Defende, também, a imprestabilidade pra fins de demonstração da especialidade das atividades de laudo pericial realizado extemporaneamente ao labor e em empresa com layout distinto daquela em que laborou o segurado. Alega, ainda, que a utilização de EPIs eficazes afasta a natureza especial do labor, bem como ser vedado o cômputo de tempo especial relativo aos segurados contribuintes individuais. Caso mantida a sentença, requer a aplicação do art. 57, §8º, da Lei n.º 8.213/91 quanto à data de início do benefício, bem como da Lei n.º 11.960/09 em relação aos critérios de correção monetária e juros de mora.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
MÉRITO
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da natureza especial do labor ainda que a sujeição do segurado a agentes nocivos não tenha ocorrido de forma habitual e permanente;
- à consideração de laudo pericial extemporâneo ao exercício das atividades para fins de aferição das condições laborais;
- ao afastamento da especialidade das atividades por conta da utilização de EPIs eficazes;
- à possibilidade de cômputo como especial de períodos laborados na condição de contribuinte individual;
- à consequente concessão de aposentadoria especial, a contar da DER (17-05-2013);
- à incidência do art. 57, §8º, da Lei n.º 8.213/91;
- aos critérios de correção monetária e juros de mora.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova. Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGRESP 493.458/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJU 23/06/2003, e REsp 491.338/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 23/06/2003), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99.
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis (dB) por meio de parecer técnico trazido aos autos, ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95, no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
c) após 06/03/1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Intermitência na exposição aos agentes nocivos
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n. 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n. 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF n. 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; TRF4, EINF n. 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
No caso dos autos, o autor laborou sempre como médico, tanto em instituições hospitalares, quanto como autônomo, estando sujeito a agentes nocivos biológicos. Resulta evidente que o contato de profissionais da área da saúde com pacientes infectados é ínsito ao próprio desempenho de suas atividades, pelo que inviável o afastamento da natureza especial do labor sob argumento de que não havia exposição habitual e permanente aos agentes nocivos considerados.
Laudo extemporâneo
Cumpre referir que a extemporaneidade do laudo técnico em relação ao período cuja especialidade o segurado pretende ver reconhecida não impede o enquadramento da atividade como especial, conforme se depreende do seguinte aresto:
"PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. EC 20/98. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. LEI N. 9.711/98. DECRETO N. 3.048/99. LAUDO CONTEMPORÂNEO. DESNECESSIDADE. PERÍCIA POR SIMILARIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS PERICIAIS. OMISSÃO SUPRIDA. MARCO INICIAL DO BENEFÍCIO.
1 a 4. Omissis. 5. O fato de o laudo pericial não ser contemporâneo ao exercício das atividades laborativas não é óbice ao reconhecimento do tempo de serviço especial, visto que, se em data posterior ao labor despendido, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, reputa-se que, à época do labor, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas. 6 a 12. Omissis. (TRF4, AC n.º 2003.04.01057335-6, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E de 02.05.2007)."
Quanto ao layout distinto, registro que a disposição do ambiente laboral, no caso dos autos, é irrelevante, uma vez que o contato com pacientes enfermos constitui o próprio objeto das atividades laborais do autor. Não se trata, portanto, de aferir fontes de ruído, ou mesmo modernização de maquinários que impliquem supressão de agentes nocivos.
Assim, não há óbice ao reconhecimento da especialidade das atividades nos períodos postulados.
Equipamento de Proteção Individual - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é considerada irrelevante para o reconhecimento das atividades exercida em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, no período anterior a 02 de junho de 1998, conforme admitido pelo próprio INSS por meio da Ordem de Serviço INSS/DSS nº 564/97, em vigor até a mencionada data.
Em período posterior a junho de 1998, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência do uso de EPIs é admissível desde que haja laudo técnico afirmando, de forma inequívoca, que a sua utilização pelo trabalhador reduziu efetivamente os efeitos nocivos do agente agressivo a níveis toleráveis ou os neutralizou (STJ, REsp 720.082/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 10/04/2006, p. 279; TRF4, EINF 2001.72.06.002406-8, Terceira Seção, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 08/01/2010). Para tanto, não basta o mero preenchimento dos campos específicos no PPP, onde simplesmente são respondidas as perguntas "EPI eficaz?" e "EPC eficaz?", sem qualquer detalhamento acerca da total elisão ou neutralização do agente nocivo.
Em se tratando de determinados fatores de nocividade nem mesmo a comprovação de que foram fornecidos e usados EPIs , com redução do potencial de risco da atividade aos limites normativos de tolerância é capaz de neutralizar os efeitos à saúde do trabalhador a longo prazo.
A eficácia dos equipamentos de proteção individual, ademais, não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de toda e qualquer forma pela qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.
No caso dos autos, a parte autora laborou sempre exposta a agentes biológicos.
O INSS, mediante a Resolução INSS/PRES n.º 600 de 2017 aprovou o chamado "Manual de Aposentadoria Especial", o qual, no item 3.1.5 do "Capítulo II - Agentes Nocivos" expressamente reconhece a ineficácia de EPIs em relação a agentes biológicos.
Dessa maneira, não há como se considerar afastada a natureza especial do labor prestado pela autora em decorrência da utilização de eventuais EPIs, ainda que se reconheça recair sobre a autora a responsabilidade pelo fornecimento, utilização e manutenção desses equipamentos, porquanto contribuinte individual.
Tempo especial de contribuinte individual
Em seu recurso de apelação, o INSS defende que não é possível reconhecer a atividade especial de contribuinte individual, porquanto não colabora para o financiamento da aposentadoria especial.
A lei, entretanto, não nega ao contribuinte individual a possibilidade de obter aposentadoria especial, não se podendo fazer a distinção onde a lei não fez.
Ao prever o direito à aposentadoria especial, a Lei 8.213/91 é clara ao estabelecer que será devida, uma vez cumprida a carência, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Como é sabido, a categoria segurado contempla não apenas o empregado, mas também, entre outros, o contribuinte individual.
A circunstância de a lei 8.212/91 não trazer norma específica sobre o custeio da aposentadoria especial do contribuinte individual não afasta o direito ao benefício, que decorre, como visto, de expressa disposição da lei de benefícios.
Não se está a instituir benefício novo, sem a correspondente fonte de custeio. Trata-se de benefício já existente passível de ser auferido por segurado que implementa as condições previstas na lei de benefícios.
A Seguridade Social, ademais, como dispõe a Constituição, será financiada com recursos que não provêm especificamente de contribuições sobre as remunerações, mas também e em larga medida, de toda a sociedade e de contribuições das empresas sobre outras bases imponíveis. Trata-se da aplicação do princípio da solidariedade.
APOSENTADORIA ESPECIAL - REQUISITOS
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.
Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.
DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL NO CASO CONCRETO
No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, o demandante alcança, na DER (17-05-2013), 28 anos, 08 meses e 27 dias de tempo de serviço especial.
A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria no ano de 2013 (art. 142 da Lei n.º 8.213/91) restou cumprida, tendo em vista que a parte autora possuía mais de 180 contribuições na DER.
A circunstância de permanecer o autor em atividade após a data de entrada do requerimento administrativo de aposentadoria não obsta à implantação do benefício nem a fixação de seus efeitos financeiros desde a DER.
Primeiro, porque a data de início do benefício de aposentadoria especial, segundo o art. 57. § 2º, da Lei nº 8.213/91, deve ser fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme dispõe o art. 49 do mesmo diploma legal:
Art. 49. A aposentadoria por idade será devida:
I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:
a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou
b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a";
II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento.
Segundo, porque acolher o argumento do INSS significaria onerar o segurado com os custos da demora no processamento administrativo e da ação judicial. Não seria razoável exigir que se afastasse das atividades laborais desde o requerimento administrativo a fim de que, sem remuneração salarial, aguardasse em casa a resolução do litígio.
Terceiro, e nem por isso menos importante, porque foi afirmada pela Corte Especial deste Tribunal, em sede de Arguição de Inconstitucionalidade (Incidente nº 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira), em sessão realizada em 24-05-2012, a inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em acórdão assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.
1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, "d" c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo.
2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial.
3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.
3. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional.
4. A interpretação conforme a constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei.
5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
Dessa forma, cumprindo com os requisitos tempo de serviço e carência, a parte autora tem direito:
- à implementação do benefício de aposentadoria especial desde a data do requerimento;
- ao pagamento das parcelas vencidas.
Transcorridos menos de cinco anos entre a DER (17-05-2013) e o ajuizamento da demanda (22-08-2013), não incide, no caso, a prescrição quinquenal.
Consectários e Provimentos Finais
- Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91.
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
- Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
O juízo de origem fixou os honorários advocatícios nos percentuais mínimos previstos nos incisos do §3º do art. 85 do NCPC.
Entretanto, a sentença não carece de liquidez. Seu conteúdo econômico, embora não expresso na decisão de forma precisa, é aferível por mero cálculo aritmético, e os parâmetros para este cálculo foram fixados, encontrando-se nos autos os elementos necessários.
Em tais condições, impõe-se a fixação dos honorários de sucumbência, observando-se os critérios legais.
Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá de 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas e vão majorados para 15% pela incidência da norma do art. 85, §11, do CPC.
Conforme as Súmulas n.º 76 deste Tribunal Regional Federal e n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (sentença).
Tutela específica - implantação do benefício
Hígida a sentença, resulta mantida a determinação do julgador singular de implantação do benefício, inclusive já cumprida pelo INSS (evento 85).
Conclusão
Adequados os critérios de correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios conforme parâmetros acima fixados. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/05/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5043565-63.2013.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50435656320134047100
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr.Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARCOS SILVA TORRES |
ADVOGADO | : | WALDIR FRANCESCHETO |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/05/2018, na seqüência 167, disponibilizada no DE de 03/05/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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