Apelação Cível Nº 5002783-95.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARNALDO POSSA
RELATÓRIO
ARNALDO POSSA propôs ação de procedimento comum em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, desde a data de entrada do requerimento - DER, mediante o reconhecimento da especialidade e a averbação de períodos laborados em condições especiais, com a sua respectiva conversão em tempo comum.
Sobreveio sentença ( ) que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos:
"(...)
Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ARNALDO POSSA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, a fim de:
a) RECONHECER e DETERMINAR A AVERBAÇÃO da especialidade da atividade desenvolvida pelo demandante no período de 06/03/1997 a 06/08/2008 junto à empresa BRF S.A.;
b) CONCEDER à parte autora o benefício de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (29/06/2016). As parcelas devidas no período deverão serão corrigidas monetariamente pelo INPC, desde a data do vencimento de cada uma, bem como acrescidas de juros de mora aplicados à caderneta de poupança, estes devidos desde a data da citação;
c) CONDENAR o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da demandante, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, com fulcro no artigo 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC.
Condeno o requerido ao pagamento das despesas processuais, ficando isento das custas.
Sem reexame necessário, notadamente porque a condenação não chegará a 1.000 (mil) salários-mínimos (art. 496, §3º, I CPC).
Publicação e Intimação automáticas. Sem necessidade de registro.
Interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões, seguindo-se remessa ao TRF4ª. Interposto recurso adesivo, intime-se o recorrido para contrarrazões, seguindo-se, após, à remessa supracitada.
Após o trânsito em julgado, nada sendo requerido, baixe-se.
Diligências Legais. "
O INSS apelou requerendo a reforma da sentença (
). Alegou, em síntese: i) impossibilidade de reconhecimento da especialidade em razão da exposição ao frio durante o período de 06/03/1997 a 06/08/2008 por falta de previsão legal; ii) ausência de habitualidade e de permanência; iii) uso de EPI eficaz; iv) aplicação da Súmula nº 111 do STJ;Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. INSS isento de custas, nos termos do art. 4º, I, da Lei 9.289/1996.
Atividade Especial
O reconhecimento da atividade laborativa como especial obedece à disciplina legal vigente à época em que esta foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Feitas estas observações, tendo em vista a sucessão legislativa tratando da matéria é necessário definir inicialmente a legislação incidente no caso concreto, ou seja, qual estava em vigor no momento da prestação da atividade pelo segurado.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei 3.807/60 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/91 (LBPS), em sua redação original (arts. 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais sempre foi necessário a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos. Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos 53.831/64, 72.771/73 e 83.080/79
b) a partir de 29 de abril de 1995, data da vigência da Lei 9.032/95, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, em razão das alterações introduzidas no art. 57 da LBPS, tornando-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, como referido anteriormente. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/64 , 72.771/73 e 83.080/79;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da LBPS pela Medida Provisória 1.523/96 (convertida na Lei 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos 2.172/97 (Anexo IV) e 3.048/99, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03.
d) a partir de 1º de janeiro de 2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) tornou-se indispensável para a comprovação do período cuja especialidade for postulada (art. 148 da IN 99 do INSS, publicada no DOU de 10/12/2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que corretamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Saliente-se que é sempre possível a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGREsp 228832/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Ressalte-se, ainda, que o STJ firmou a seguinte tese no Tema 534: As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).
Acerca da conversão do tempo especial em comum, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial repetitivo 1151363, em 23/3/2011, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28/5/1998, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO. 1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91. 2. Precedentes do STF e STJ.
Assim, possível a conversão de tempo de serviço especial em comum até 13 de novembro de 2019, uma vez que com o advento da EC 103/2019 restou vedada a conversão em relação ao labor posterior a esta data, nos termos do seu art. 25, §2º.
O fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data concessão do benefício. Com efeito, implementados os requisitos para aposentadoria na vigência da Lei nº 8.213/1991 o fator de conversão deverá ser 1,2 para as mulheres (25 anos de especial para 30 de comum) e 1,4 para os homens (25 anos de especial para 35 anos de comum).
Habitualidade e Permanência
Saliente-se que a exigência de comprovação da habitualidade e permanência da exposição aos agentes nocivos para configuração de atividade especial foi introduzida pela Lei 9.032/95, que alterou do §3º do art. 57 da Lei 8.213/91. Porém, a referida exigência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. A exposição, no entanto, deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual ou ocasional. Interpretação diversa levaria à ineficácia da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (TRF4, EINF 00039295420084047003, Terceira Seção, Rel. Rogério Favreto, DE 24/10/2011; TRF, EINF 200771000466887, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 07/11/2011).
Acresça-se, ainda, que o Decreto nº 3.048/99, na redação dada pelo Decreto nº 8.123/13, ao tratar da aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Equipamentos de Proteção Individual - EPI
A Medida Provisória 1.729/98 (convertida na Lei 9.732/98) alterou o §2º do art. 58 da Lei 8.213/1991, passando a determinar que o laudo técnico contenha i) informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância, e ii) recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Por essa razão, a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) nas atividades exercidas no período anterior a 03/12/1998 (data da publicação da Medida Provisória anteriormente citada), é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador. O próprio INSS já adotou esse entendimento na IN 45/2010 (art. 238, §6º).
Após 03/12/1998, foi reconhecida a repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao tema 555. No julgamento do ARE 664335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, DJe 12/02/2015), o Supremo fixou duas teses:
1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Assim, a exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites de tolerância sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI, ou de menção em laudo pericial à neutralização de seus efeitos nocivos, uma vez que os equipamentos de proteção eventualmente utilizados não são capazes de evitar a progressão das lesões auditivas decorrentes.
Em relação aos demais agentes nocivos, a utilização de EPIs obsta o reconhecimento da natureza especial da atividade, desde que esteja comprovado, no caso concreto, a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade e, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e fiscalizado pelo empregador.
A questão foi examinada por esta Corte no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR Tema 15). O acórdão foi assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Seção) 5054341-77.2016.404.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Jorge Antônio Maurique, 11.12.2017)
Como se vê, prevaleceu nesta Corte o entendimento sobre a necessidade de comprovação da neutralização dos agentes agressivos, sendo relacionados ainda outras hipóteses em que a utilização de EPI não descaracteriza o labor especial (além do ruído, já afastado pela decisão do STF), consoante o seguinte trecho do voto condutor.
Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:
'§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)'
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:
Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017)
Resumidamente, a tese fixada por esta Corte no IRDR 15:
- quando o LTCAT e o PPP informam a ineficácia do EPI, há a especialidade do período de atividade;
- quando a empresa informa no PPP a existência de EPI eficaz, há possibilidade de questionar judicialmente sua eficácia;
- a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor: i) em períodos anteriores a 3.12.1998; ii) quando há enquadramento legal pela categoria profissional; iii) em relação aos agentes nocivos: ruído, biológicos, cancerígenos (como asbestos, benzeno, hidrocarbonetos aromáticos, etc.) e periculosos (como eletricidade, etc.).
Nos demais casos, ainda que o PPP informe a eficácia do EPI, fica assegurada a possibilidade de discutir e produzir provas no sentido de demonstrar a ineficácia do EPI e, consequentemente, a especialidade do labor.
Deve ser consignado que os riscos à saúde ou a exposição ao perigo não podem ser gerados pelo próprio trabalhador, ou que se tenha na conduta do trabalhador o fator fundamental de agravamento de tais riscos. Tal entendimento, aplica-se, especialmente, aos profissionais autônomos que negligenciam com seus ambientes de trabalho, não curando com seus próprios interesses, e, posteriormente, imputam ao Estado os ônus de tal negligência.
Agente nocivo frio
O agente físico frio estava previsto como insalubre no código 1.1.2 dos quadros anexos aos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, nos seguintes termos:
Código | Campo de Aplicação | Serviços e Atividades Profissionais | Classificação | Tempo e Trabalho Mínimo | Observações |
1.1.2. | Frio Operações em locais com temperatura excessivamente baixa, capaz de ser nociva à saúde e proveniente de fontes artificiais. | Trabalhos na Indústria do frio - operadores de câmaras frigoríficas e outros. | Insalubre | 25 anos | Jornada normal em locais com temperatura inferior à 12º Centígrados. Arts. 165, 187 da CLT e Port. Ministerial 262 de 06.08.1962. |
CÓDIGO | CAMPO DE APLICAÇÃO | ATIVIDADE PROFISSIONAL (TRABALHADORES OCUPADOS EM CARÁTER PERMANENTE) | TEMPO MÍNIMO DE TRABALHO |
1.1.2 | FRIO | Câmaras frigoríficas e fabricação de gelo. | 25 anos |
Embora tal agente não tenha constado expressamente como nocivo nos Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999, a especialidade da atividade pode ser reconhecida após 28/04/1995 seja em razão do caráter exemplificativo dos fatores e situações de risco previstas nos anexos dos Decretos referidos, como reiteradamente afirmado pela jurisprudência, seja porque a exposição prejudicial à saúde ou integridade física em razão de atividades desenvolvidas em locais com temperatura baixa é possível mediante comprovação em PPP embasado em laudo técnico ou em perícia, nos termos da Súmula 198 do extinto TFR.
Confira-se, nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. FRIO. EPI. APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DER. AFASTAMENTO DA ATIVIDADE. TEMA 709 STF. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. IMPLANTAÇÃO. (...) 3. Quanto aos agentes nocivos frio e umidade, cumpre destacar o caráter meramente exemplificativo dos fatores e situações de risco previstas nos anexos dos Decretos nº 53.831/64, nº 83.080/79, nº 2.172/97 e nº 3.048/99, como reiteradamente vem afirmando a jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores. Assim, mesmo que tais agentes não estejam previstos nos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99, demonstrada a exposição prejudicial à saúde ou integridade física do segurado, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade, na forma da Súmula 198 do extinto TFR. (...) (TRF4, AC 5001464-71.2015.4.04.7219, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 14/09/2022)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS FRIO E CALOR. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. ART. 57, §8º, DA LEI N. 8.213/91. EFEITOS FINANCEIROS. TERMO INICIAL. TEMA STJ 1124. DIFERIMENTO. (...) 3. A exposição ao frio e calor em níveis superiores aos limites de tolerância vigentes à época da prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 4. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente. (...) (TRF4, AC 5001003-71.2011.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITES DE TOLERÂNCIA. METODOLOGIA. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. UMIDADE. (...) 3. Havendo a comprovação do efetivo prejuízo à saúde do trabalhador, é possível o reconhecimento da especialidade com base na exposição ao frio e à umidade, pois as normas regulamentares não encerram todos os agentes nocivos a que pode se sujeitar. (...) (TRF4, AC 5026622-24.2020.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 01/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO. POSSIBILIDADE. Embora o frio não esteja contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC. Com relação ao labor prestado em câmaras frigoríficas, admite-se o enquadramento da atividade com base unicamente na análise qualitativa. Para as demais atividades submetidas ao frio, a caracterização da insalubridade exige exame quantitativo, cujo limite de tolerância deve ser fixado em 12º C, na forma da previsão contida no Decreto nº 53.831/64. (TRF4, AC 5000407-57.2020.4.04.7214, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 15/02/2022)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE NOCIVO FRIO. CÂMARAS FRIGORÍFICAS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 2. A ausência de previsão de enquadramento do frio como agente agressivo nos Anexos do Decreto 2.172/1997 e do Decreto 3.048/1999 não é óbice à possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades desempenhadas sob sua exposição, uma vez que a jurisprudência, inclusive do STJ (REsp 1.306.113/SC, Tema STJ 534), é firme no sentido de que as "normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas", sendo aplicável para fins previdenciários a previsão para o enquadramento do frio estabelecida nas Normas Regulamentadoras da insalubridade para fins trabalhistas (NR-15).(...) (TRF4, AC 5000731-66.2019.4.04.7122, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 05/08/2021)
Caso concreto
A controvérsia cinge-se à especialidade - ou não - do período de 06/03/1997 a 06/08/2008, laborado na empresa BRF/SA.
A sentença examinou as provas e decidiu a questão nos seguintes termos (
):"(...)
Com a observância da legislação vigente em cada período, passo a analisar a especialidade da atividade desenvolvida pela parte autora, a qual juntou documentos bastantes à análise de seu pleito, em conformidade com a legislação de regência, bem como houve a produção de laudo técnico em juízo.
Sendo assim, consoante extraio da prova pericial, devidamente firmada pelo Eng. Luiz Henrique Zimermann (CREA 2075), houve a contastação de que a parte autora laborou na presença do agente físico insalubre, físico - frio, quando do exercício da sua atividade profissional, no interregno de 06/03/1997 a 06/08/2008, com uso ineficaz dos EPI's fornecidos, razão pela qual se reporta o período como insalubre. Desse modo, percebe-se que a prova técnica foi clara e precisa ao entender pela especialidade da atividade exercida pelo autor (Ev. 2, Petição 8, p. 35-51).
Mais a mais, especificamente em relação ao período de 06/03/1997 a 06/08/2008, a prova oral demonstrou que o trabalho do autor era exercido com exposição ao frio. Veja-se:
Maricleusa Seben declarou que trabalhou na mesma linha de produção que o autor, mas que realizava o serviço de preparação à função do requerente. Exprimiu que a função do autor era realizada junto à sala de cortes, sendo que a atividade exigia a entrada dentro da câmara fria, para pegar produtos que iriam ser processados e, após o processamento, retornava com os produtos prontos. Narrou que a câmara fria possuía temperatura inferior a 0°C, ao compasso que a temperatura da sala de cortes variava entre 10-12°C, mas que o labor do autor era realizado em ambiente com temperatura de 5°C. Relatou que o requerente transportava produtos nos túneis de congelamento, os quais possuem temperaturas variáveis entre 15-20°C negativos. Falou que trabalhou com o autor de 1991 a 2001. Disse que o autor foi operador, após técnico e posteriormente supervisor, havendo mudanças no local de trabalho apenas após 2011.
Jatir de Lima afirmou que trabalhou com o autor na BRF, entre 1997 a 2008. Disse que o requerente laborava na sala de cortes, utilizando por diversas vezes a câmara fria, em torno de 30 vezes ao dia. Reportou que o autor utilizava túneis de congelamento, com temperatura inferior a 18°C, de hora em hora. Referiu que a temperatura média do ambiente de trabalho que o autor trabalhava girava em torno de 5°C. Falou que o cargo do autor evoluiu, indo de ajudante, para técnico e após supervisor.
Diante do relato das testemunhas, verifica-se que nesse período, em que se busca o reconhecimento da especialidade, o autor esteve exposto ao agente frio. Assim, a prova oral corrobora para com o reconhecimento exarado pelo laudo pericial.
Nesse período, consigno que, conforme informação prestada pelo perito de confiança do juízo, os EPI's não foram eficazes, no caso concreto, em relação ao frio (Ev. 2, Petição Inicial 8, p. 42).
Nesse mesmo sentido, embora o frio não esteja contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial (TRF4, AC 5000273-07.2018.4.04.7212, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, juntado aos autos em 19/02/2021).
Nesse norte, verifica-se que a função desenvolvida pelo autor exigia o contato diário com o agente frio, sendo certo que o ingresso constante em câmaras frias é suficiente para o preenchimento do requisito permanência na exposição que deve ser analisado atendendo as peculiaridades de cada agente.
Deste modo, em decorrência da exposição ao frio, agente considerado nocivo pela legislação previdenciária, entendo que a atividade desenvolvida pelo autor deve ser considerada especial (código 2.0.1, do Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99 e na NR 15, Quadro nº 1, da Portaria nº 3.214/78 (frio).
Ainda, acompanho a jurisprudência do TRF e da TRU da 4ª Região que são firmes no sentido de que, no caso do agente frio, a constante entrada e saída do trabalhador das câmaras frias não descaracteriza a permanência exigida para fins previdenciários, conforme transcrevo:
PREVIDENCIÁRIO. RUIDO, HIDROCARBONETOS, RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES E FRIO. ASSOCIAÇÃO DE AGENTES NOCIVOS A SAÚDE. EPIs. CONVERSÃO DE ATIVIDADE COMUM EM ESPECIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECIFICA. (...). 5. Considera-se habitual e permanente a exposição ao agente nocivo frio nas atividades em que o segurado trabalha entrando e saindo de câmaras frias, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC, porquanto o que se deve analisar, no caso em concreto, é se as funções implicam a entrada e saída constante da câmara fria, durante a jornada de trabalho, restando dispensável a permanência do trabalhador na câmara frigorífica por todo o período laborado (TRF4, APELREEX 2000.72.05.002294-0, Turma Suplementar, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 29/08/2008). (...) (TRF4 5001758-58.2012.404.7016, SEXTA TURMA, Relator (AUXILIO SALISE) ÉZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 11/11/2016)
Portanto, o período em questão deve ser reconhecido como tempo de serviço especial.
Além do mais, diante de todo o conjunto probatório, foi respeitada a carência para deferimento do benefício, observada a tabela progressiva constante do art. 142, da Lei n. 8.213/91. Isso porque resta consubstanciada a carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria, tendo em vista que a parte autora possuía mais de 180 contribuições na DER (Ev. 2, Petição Inicial e Documentos 4, p. 38).
Nesse passo, considerando que as atividades desempenhadas são nocivas à saúde da parte autora, impõe-se o reconhecimento da atividade como especial. Anoto que as atividades previstas em normas infralegais são de cunho exemplificativo, consoante entendimento prevalente. Nessa diapasão:
Os hidrocarbonetos constituem agente químico nocivo mesmo a partir de 06/03/1997, pois possuem previsão no Anexo IV do Decreto nº 2.172 /1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048 /99 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19) e, ainda que não a tivessem, dada a natureza exemplificativa do rol de agentes nocivos constante nos atos regulamentares, a nocividade dos hidrocarbonetos à saúde humana enseja o reconhecimento da especialidade exercida sob sua exposição habitual e permanente. 3. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa. 4. É possível a implantação do benefício de aposentadoria especial sem a necessidade de afastamento das atividades exercidas sob condições especiais, tendo em vista a inconstitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213 /91, declarada por este Tribunal Regional Federal. (TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50411653720174047100 RS 5041165-37.2017.4.04.7100)
Resta, portanto, analisar se o segurado cumpre o requisito temporal exigido para concessão do benefício de aposentadoria especial.
No caso em apreço, considerando o período reconhecido judicialmente como especial (06/03/1997 a 06/08/2008), acrescido do período que a autarquia reconheceu à especialidade na seara administrativa, o demandante possui 25 anos e 04 dias de atividade especial.
Desse modo, considerando como especiais os períodos reconhecidos na seara administrativa, somados ao interregno reconhecido na esfera judicia, a parte autora laborou tempo de serviço especial superior a 25 anos, fazendo, portanto, jus à concessão da aposentadoria especial urbana.
Preenchidos, portanto, os requisitos necessários à concessão da aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, desde tal marco é devido o benefício, nos termos do artigo 57, §2°, c/c o artigo 49, inciso II, todos da Lei n° 8.213/91. Isso porque, quando do pleito ao INSS, o direito ao reconhecimento do tempo de serviço especial já existia, inobstante a parte autora só o tenha comprovado em juízo. (...) "
O INSS apelou requerendo a reforma da sentença (
). Alegou, em síntese: i) impossibilidade de reconhecimento da especialidade em razão da exposição ao frio durante o período de 06/03/1997 a 06/08/2008 por falta de previsão legal; ii) ausência de habitualidade e de permanência; iii) uso de EPI eficaz.Todavia, não assiste razão ao apelante.
Quanto ao argumento relativo à impossibilidade de reconhecimento da especialidade por exposição ao frio, mesmo após 05/03/1997, já foi refutado em item anterior da fundamentação deste voto.
In casu, o laudo técnico presente no
, pp. 42/44, ressaltou que as temperaturas a que estava submetido o trabalhador eram inferiores a 10ºC, apontando, ainda, a ineficácia dos EPIs utilizados, conforme bem destacado na sentença supratranscrita.Acerca da habitualidade e da permanência, reitero que não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, bastando ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, como no caso. Logo, repiso, não prosperam os argumentos recursais relativos à intermitência na exposição aos fatores de risco.
Assim, a sentença deve ser confirmada pelos seus próprios fundamentos, pois apreciou de forma aprofundada os períodos controversos e em consonância com o entendimento desta Corte, nos termos da fundamentação supra, uma vez que a parte autora estava exposta ao frio excessivo durante todo o período impugnado.
Requisitos para concessão de aposentadoria
Considerando a manutenção da sentença quanto aos períodos reconhecidos, resta prejudicada a análise dos requisitos para concessão do benefício, uma vez que já apreciados na sentença e não foram objeto de recurso.
Afastamento compulsório de atividades nocivas (tema 709 do STF)
De acordo com o disposto no art. 57, §8º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732/98, "aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei". A seu turno, o art. 46 refere que "o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".
A questão foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 791961 (tema 709), quando fixadas as seguintes teses:
I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.
No julgamento virtual dos embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos do julgado em acórdão assim ementado:
O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração para a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) propor a alteração na redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Marco Aurélio, que divergia apenas quanto à modulação dos efeitos da decisão. Plenário, Sessão Virtual de 12.2.2021 a 23.2.2021.
Assim, a partir da decisão do STF no julgamento os EDs, em 23/02/2021, o afastamento da atividade nociva é condição ao recebimento da aposentadoria especial. De se ressaltar que com a modulação dos efeitos do acórdão foram preservados os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data do julgamento (23/02/2021), sendo declarada a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a data do referido julgamento.
Portanto, in casu, deve ser observada a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no tema 709 da repercussão geral para fins de cumprimento do julgado.
Saliento, outrossim, que eventual suspensão do pagamento do benefício não pode dispensar o devido processo legal, incumbindo ao INSS, na via administrativa, proceder à notificação do segurado para defesa, de forma a oportunizar que regularize a situação entre ele e o INSS, nos termos do parágrafo único do artigo 69 do Decreto 3.048/1999, redação mantida pelo Decreto 10.410, de 1/7/2020 (TRF4, AC 5000551-17.2019.4.04.7133, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 8/7/2021).
Ressalte-se, ainda, que essa determinação decorre do julgamento, em 08/06/2020, do Tema nº 709 de Repercussão Geral do STF, porém não constou na sentença. Tratando-se de precedente de observância obrigatória por esse Tribunal (art. 927, III, CPC) e a fim de evitar futuro juízo de retratação (art. 1.030, II, CPC; art. 1.041, § 1º, CPC), entendo que a aplicação das teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 709 de Repercussão Geral são impositivas também no caso destes autos.
Considerando que o afastamento das atividades especiais decorreu apenas do presente julgamento, faculto ao demandante a opção pelo benefício que entender mais vantajoso, resta assegurado, nos termos do art. 122 da Lei 8.213/91, o direito da parte autora a optar pela concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, o que possibilita a continuidade do labor exercido sob condições especiais.
Correção monetária e juros de mora
A partir do julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal do tema 810 da repercussão geral (RE 870947), o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no julgamento do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146) no sentido de que as condenações judiciais de natureza previdenciária sujeitam-se à atualização monetária e aos juros de mora da seguinte forma:
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Com base em tal entendimento, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada da seguinte forma:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91) até o advento da EC 113/2021.
Os juros de mora, por sua vez, incidentes desde a citação (súmula 204 do STJ), de forma simples (não capitalizada), devem observar os seguintes índices e períodos:
- 1% ao mês até 29/06/2009;
- a partir de 30/06/2009, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009) até o advento da EC 113/2021.
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.
Ressalte-se, a fim de evitar recorrentes embargos declaratórios, que não há que se cogitar de violação aos Temas 810/STF e 905/STJ em razão da aplicação da SELIC, uma vez que o julgamento da questão pelo tribunais superiores não impede a alteração pelo poder constituinte derivado, cujo poder de reforma está limitado materialmente apenas às hipóteses previstas no art. 60, §4º, da Constituição Federal.
A sentença deve ser parcialmente alterada, de ofício, a fim de determinar a observância do artigo 3º da EC 113/2021, a partir de 09/12/21, quanto aos juros de mora e correção monetária.
Tema 1.105/STJ
No presente caso, o recurso versa sobre a aplicabilidade da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à fixação da base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência.
A questão não comporta mais discussão, uma vez que foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Tema nº 1.105, em 08/02/2023, fixando a seguinte tese:
Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ, mesmo após a vigência do CPC/2015 (art. 85), no que tange à fixação de honorários advocatícios.
Assim, o recurso comporta provimento, a fim de que a base de cálculo seja limitada até a data da sentença.
Honorários Recursais
Incabível a majoração de honorários, na forma do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, quando provido o recurso, ainda que parcialmente, visto que esta regra incide apenas nos casos de não conhecimento ou desprovimento do recurso.
Saliente-se que a questão foi objeto de apreciação pela Corte Especial do STJ no recente julgamento do Tema 1059, em 09/11/2023, que fixou a seguinte tese:
A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Tutela Específica
Considerando o reconhecimento neste julgado do direito à opção pelo melhor benefício, deixo de conceder a tutela específica, prevista no art. 497, caput, do CPC.
Conclusão
- apelação do INSS parcialmente provida para aplicar a Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à fixação da base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência.
- consectários legais ajustados, de ofício;
- determinada a implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS, adequar, de ofício, os consectários legais.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004371826v29 e do código CRC fdbb92f5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 24/4/2024, às 19:26:13
Conferência de autenticidade emitida em 02/05/2024 04:01:24.
Apelação Cível Nº 5002783-95.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARNALDO POSSA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA especial. Atividade especial. agentes nocivos. reconhecimento. conversão. FRIO.
1. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
2. Até 28/04/1995 admite-se o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995 necessário a comprovação da efetiva exposição aos agentes prejudiciais à saúde, de forma não ocasional nem intermitente, por qualquer meio de prova; a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão (PPP) embasado em laudo técnico (LTCAT) ou por perícia técnica.
3. É possível o enquadramento da atividade especial pela exposição do trabalhador ao frio (temperaturas inferiores a 12ºC), provenientes de fontes artificiais, mediante a comprovação da especialidade por intermédio de PPP embasado em laudo técnico, ou mediante prova pericial nos termos da Súmula nº 198 do extinto TFR.
4. É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o pagamento do benefício, nos termos da modulação de efeitos do Tema 709 do STF.
5. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). A partir de 09/12/2021, deve ser observada para fins de atualização monetária e juros de mora, de acordo com art. 3º da EC 113/2021, o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, adequar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004371827v5 e do código CRC 11516b3c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/04/2024 A 23/04/2024
Apelação Cível Nº 5002783-95.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARNALDO POSSA
ADVOGADO(A): VITOR UGO OLTRAMARI (OAB RS005599)
ADVOGADO(A): FERNANDA OLTRAMARI (OAB RS032824)
ADVOGADO(A): FELIPE FORMAGINI (OAB RS096883)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/04/2024, às 00:00, a 23/04/2024, às 16:00, na sequência 792, disponibilizada no DE de 05/04/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, ADEQUAR, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 02/05/2024 04:01:24.