Apelação Cível Nº 5001945-75.2021.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RODIMAR JULIO CURTE (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 01/11/2023, após a anulação da primeira decisão, proferida nos seguintes termos (
):DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na presente ação, extinguindo o feito com resolução de mérito, com fundamento do art. 487, I, do CPC, para reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 01/09/1997 a 08/10/1998, 11/06/1999 a 10/04/2000 e de 01/12/2001 a 08/11/2017 e condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria especial n° 185.987.482-4, de acordo com as regras vigentes na DER, com DIB em 21/11/2017, RMI e RMA a serem calculadas pelo INSS após o trânsito em julgado, com DIP no primeiro dia do mês da implantação do benefício.
Condeno o INSS ao pagamento das custas processuais, as quais, porém, ficam dispensadas, dada a isenção legal prevista na Lei nº 9.289/96 (art. 4º, inciso I).
Diante da procedência do pedido, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais fixados a 10% sobre o valor da condenação e, no que exceder a 200 salários mínimos, em 8% (art.85, §§ 2 e 3° do CPC), tendo como base de cálculo apenas a soma das prestações vencidas até a data de publicação desta sentença (Súmula nº 76 do TRF da 4ª Região).
Trata-se de sentença ilíquida, o que, a teor da Súmula nº 490 do STJ, exigiria submetê-la à remessa necessária. Porém tal entendimento foi consolidado sob a vigência do CPC/73, quando estavam sujeitas ao duplo grau de jurisdição todas as condenações que excedessem 60 salários mínimos. O novo Código de Processo Civil elevou tal limite para 1.000 salários mínimos em relação à União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 496, §3º, I). Mesmo não se dispondo de elementos para determinar o exato montante da condenação é possível desde já afirmar que não excederá o montante fixado no referido dispositivo legal. Nesse contexto, e inclusive a fim de evitar eventual trabalho desnecessário e maior congestionamento do Tribunal, tenho como incabível no presente caso a remessa necessária.
Caso interposta apelação, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. No caso de apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1.010, §§ 1º a 3º).
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o cômputo diferenciado de tempo de contribuição nos períodos de 01/09/1997 a 08/10/1998 e de 01/12/2001 a 08/11/2017, sob os seguintes argumentos: (a) a atividade de frentista não justifica o enquadramento como especial, sendo que os hidrocarbonetos deixaram de ser considerados como agentes nocivos pela legislação previdenciária a partir de 05/03/1997; (b) não há indicação dos limites de concentração dos agentes químicos; (c) não cabe o reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade; (d) não há previsão legal para enquadramento pela agente "perigo"; (e) ausente prova da habitualidade e permanência a agentes nocivos. Prequestiona afronta à matéria altercada (
).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se (a) ao cômputo de tempo especial nos intervalos de 01/09/1997 a 08/10/1998 e de 01/12/2001 a 08/11/2017, restando mantido o enquadramento das atividades no lapso de 11/06/1999 a 10/04/2000. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço do autor:
Períodos: de 01/09/1997 a 08/10/1998 e de 01/12/2001 a 08/11/2017
Empresa: Auto Posto Xanxerê Ltda.
Função(ões)/setor(es): frentista e gerente de lubrificação
Agentes nocivos: hidrocarbonetos aromáticos (manipulação de graxa e solventes) e periculosidade (exposição a inflamáveis)
Enquadramento legal:
* hidrocarbonetos aromáticos: código 1.2.11 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64; código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79; códigos 1.0.19 dos Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 e Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE (emprego de produtos contendo hidrocarbonetos aromáticos como solventes ou em limpeza de peças).
* periculosidade- inflamáveis
Provas: formulário PPP (
, pp. 26/28)Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no intervalo antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes químicos, além da exposição a inflamáveis
Consoante se depreende dos autos, no período controverso, o autor desempenhou a atividade de frentista, encontrando-se exposto não só a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos e outros compostos de carbono), como também sujeito à periculosidade inerente ao trabalhador cuja atribuição precípua é manusear combustíveis e outras substâncias inflamáveis.
A Norma Regulamentadora nº 16 (NR 16) do MTE, que trata das atividades e operações perigosas, no seu Anexo 02, assim as elenca:
Atividades | Adicional de 30% |
a. na produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liquefeito. | na produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liquefeito. |
b. no transporte e armazenagem de inflamáveis líquidos e gasosos liquefeitos e de vasilhames vazios não-desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores da área de operação. |
c. nos postos de reabastecimento de aeronaves. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
d. nos locais de carregamento de navios-tanques, vagões-tanques e caminhões-tanques e enchimento de vasilhames, com inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
e. nos locais de descarga de navios-tanques, vagões tanques e caminhões-tanques com inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos ou de vasilhames vazios não-desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco |
f. nos serviços de operações e manutenção de navios-tanque, vagões-tanques, caminhões tanques, bombas e vasilhames, com inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, ou vazios não desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
g. nas operações de desgaseificação, decantação e reparos de vasilhames não-desgaseificados ou decantados. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
h. nas operações de testes de aparelhos de consumo do gás e seus equipamentos. | todos os trabalhadores nessas atividades ou que operam na área de risco. |
i. no transporte de inflamáveis líquidos e gasosos liquefeitos em caminhão-tanque. | motorista e ajudantes. |
j. no transporte de vasilhames (em caminhão de carga), contendo inflamável líquido, em quantidade total igual ou superior a 200 litros, quando não observado o disposto nos subitens 4.1 e 4.2 deste Anexo. (Alterado pela Portaria MTE n.º 545, de 10 de julho de 2000) | motorista e ajudantes |
l. no transporte de vasilhames (em carreta ou caminhão de carga), contendo inflamável gasosos e líquido, em quantidade total igual ou superior a 135 quilos. | motorista e ajudantes. |
m . nas operação em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos. | operador de bomba e trabalhadores que operam na área de risco. |
Como se vê, a NR nº 16 do MTE, em seu Anexo 2, estabelece que as atividades na produção, transporte, processamento e armazenamento de inflamáveis são caracterizadas como perigosas.
A exposição a inflamáveis é considerada atividade perigosa, de acordo com o art. 193, inciso I, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 12.740/12, em razão do ínsito risco potencial de acidente.
Embora o labor prestado em postos de combustíveis, com exposição a produtos inflamáveis, como é o caso do frentista e do chefe de pista, não integre as listas de categorias profissionais descritas nos Decretos nºs 53.381/64 e 83.080/79, tampouco haja previsão da periculosidade como agente nocivo, nos anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, além das hipóteses de enquadramento dos agentes agressivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da nocividade da atividade no caso concreto, por força da previsão contida na Súmula nº 198 do Tribunal Federal de Recursos (Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento).
A Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 5009522-37.2012.4.04.7003/PR, representativo de controvérsia (Tema 157), concluiu por firmar a tese no sentido de que Não há presunção legal de periculosidade da atividade do frentista, sendo devida a conversão de tempo especial em comum, para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde que comprovado o exercício da atividade e o contato com os agentes nocivos por formulário ou laudo, tendo em vista se tratar de atividade não enquadrada no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79. (Relatora Juíza Federal Kyu Soon Lee, publicado em 26/09/2014, trânsito em julgado em 13/10/2014).
Acerca da celeuma, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, no julgamento do Tema 534, concluiu que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
Com efeito, não se pode olvidar que a própria natureza das atividades desenvolvidas pelo autor representa potencial risco de ocorrência de acidentes, pela exposição diária, constante e permanente, com substâncias inflamáveis, o que autoriza o reconhecimento da especialidade do labor.
A legislação previdenciária não cuidou de definir os conceitos de periculosidade, insalubridade e penosidade. Conforme Rocha e Baltazar (ROCHA, Daniel Machado da e BALTAZAR, J. José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. Porto Alegre, Atlas, 2015, pp. 321-322):
"As definições de insalubridade, periculosidade e penosidade sempre estiveram ausentes da legislação previdenciária, que toma de empréstimo os conceitos da CLT, ampliados por outros diplomas esparsos. Com a modificação operada na redação do §1º do art. 58, pela Lei 9.732/98, a adequação do emprego destes conceitos fica ainda mais evidente. (...)
As atividades periculosas são estabelecidas com fulcro no art. 193 da CLT, já com a redação definida pela Lei nº 12.740/12:
'São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.'
Em caso análogo, este Regional deixou assentado que, Em se tratando de atividade de abastecimento de veículos em postos de combustíveis, em que há armazenamento de inflamáveis, é notável o risco de explosão e incêndio, evidenciando a periculosidade da atividade laboral. Precedentes desta Corte. 2. Tratando-se de exposição a agentes químicos inflamáveis, esta Corte já decidiu que a exposição do segurado ao agente periculoso sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. (AC 5010904-83.2021.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 29/09/2022).
Realmente, De acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível reconhecer como especial a atividade de frentista, ainda que não prevista expressamente nos decretos regulamentadores, seja pela nocividade da exposição a hidrocarbonetos aromáticos, seja pela periculosidade decorrente das substâncias inflamáveis, quando comprovada a exposição do trabalhador aos agentes nocivos durante a sua jornada de trabalho. (TRF4, AC 5002098-11.2021.4.04.7008, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 30/08/2023).
Cumpre anotar que a controvérsia não atinge patamar constitucional, de modo que, consequentemente, não há violação ao artigo 201, § 1º, da CF. O Supremo Tribunal Federal considerou o caráter infraconstitucional da matéria, reconhecendo que a caracterização da especialidade não possui repercussão geral:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO. CARACTERIZAÇÃO DA ESPECIALIDADE DO LABOR. ARTIGOS 57 E 58 DA LEI 8.213/91. 1. A avaliação judicial de critérios para a caracterização da especialidade do labor, para fins de reconhecimento de aposentadoria especial ou de conversão de tempo de serviço, conforme previsão dos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, é controvérsia que não apresenta repercussão geral, o que inviabiliza o processamento do recurso extraordinário, nos termos do art. 543-A, §5º, do Código de Processo Civil. 2. O juízo acerca da especialidade do labor depende necessariamente da análise fático-probatória, em concreto, de diversos fatores, tais como o reconhecimento de atividades e agentes nocivos à saúde ou à integridade física do segurado; a comprovação de efetiva exposição aos referidos agentes e atividades; apreciação jurisdicional de laudos periciais e demais elementos probatórios; e a permanência, não ocasional nem intermitente, do exercício de trabalho em condições especiais. Logo, eventual divergência ao entendimento adotado pelo Tribunal de origem, em relação à caracterização da especialidade do trabalho, demandaria o reexame de fatos e provas e o da legislação infraconstitucional aplicável à espécie. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL (ARE 906569 RG, Relator Min. EDSON FACHIN, julgado em 17/09/2015)
A sujeição ao agente nocivo, para configurar a especialidade da atividade, não necessita ocorrer durante todos os momentos da jornada de trabalho. Basta que seja diuturna e contínua, que o obreiro esteja exposto ao agente agressivo em período razoável da sua prestação laboral, que a desempenhe expondo sua saúde à nocividade das condições ambientais do serviço. Com efeito, a sujeição de forma intermitente a inflamáveis não descaracteriza o risco produzido pela periculosidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com os inflamáveis. Em se tratando de periculosidade, o requisito da permanência não é imprescindível, já que o tempo de exposição não é fator condicionante para que ocorra um acidente ou explosão, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto.
Nesta toada, já decidiu esta Corte que, em se tratando de Trabalho em locais com grandes quantidades de líquidos inflamáveis armazenados, é de se computar como especial, em face da sujeição aos riscos naturais da estocagem de combustível no local. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das funções cometidas ao trabalhador, que está integrada à sua rotina de trabalho. Em se tratando de exposição a periculosidade decorrente da estocagem de líquidos inflamáveis, o risco de explosões ou incêndios é inerente à atividade, cujos danos podem se concretizar em mera fração de segundo. (TRF4 5018438-65.2014.4.04.7108, Sexta Turma, Relatora Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 01/12/2017). De fato, A caracterização da periculosidade não exige a exposição contínua, mas apenas a possibilidade de ocorrer um sinistro que provoque a morte ou o dano à integridade física do trabalhador. (TRF4 5002387-85.2014.4.04.7105, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/05/2020).
Impende destacar a diferença essencial entre a exposição a certos agentes, como o frio e o calor, que atuam lentamente, e cujas condições negativas sobre o organismo humano geralmente exigem maior de tempo de contato, e a exposição à periculosidade. Neste último caso, deve-se sopesar o risco (maior ou menor) em relação ao tempo (mais curto ou longo) de contato com o referido agente, buscando-se uma solução de equilíbrio que não exija o contato permanente a um agente extremamente perigoso, ou tampouco um contato eventual em relação a um fator cujos riscos se mostrem mais amenos.
Nesses termos, a exposição do trabalhador a inflamáveis, conforme enunciadas, revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato. Nestas condições, exigir do trabalhador um contato permanente com o agente nocivo seria o mesmo que exigir condições não humanas de trabalho, que demandariam atenção redobrada durante todo o período da jornada de trabalho, e muito provavelmente implicariam o perecimento físico, ou pelo menos na degradação psicológica do segurado.
Ainda, deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Desse modo, correto o enquadramento dos períodos de de 01/09/1997 a 08/10/1998 e de 01/12/2001 a 08/11/2017 como especial, restando mantida a sentença.
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de de 01/09/1997 a 08/10/1998 e de 01/12/2001 a 08/11/2017, além do lapso de 11/06/1999 a 10/04/2000, reconhecido na sentença e não impugnado.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
QUADRO CONTRIBUTIVO
Data de Nascimento | 16/09/1963 |
---|---|
Sexo | Masculino |
DER | 21/11/2017 |
Tempo especial
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | T. Especial administr. | 01/02/1989 | 04/05/1992 | Especial 25 anos | 3 anos, 3 meses e 4 dias | 40 |
2 | T. Especial administr. | 01/10/1992 | 05/03/1997 | Especial 25 anos | 4 anos, 5 meses e 5 dias | 54 |
3 | T. Especial judicial | 01/09/1997 | 08/10/1998 | Especial 25 anos | 1 anos, 1 meses e 8 dias | 14 |
4 | T. Especial judicial | 11/06/1999 | 10/04/2000 | Especial 25 anos | 0 anos, 10 meses e 0 dias | 11 |
5 | T. Especial judicial | 01/12/2001 | 08/11/2017 | Especial 25 anos | 15 anos, 11 meses e 8 dias | 192 |
Marco Temporal | Tempo especial | Tempo total (especial + comum s/ conversão) para fins de pontos | Carência | Idade | Pontos (art. 21 da EC nº 103/19) |
Até a DER (21/11/2017) | 25 anos, 6 meses e 25 dias | Inaplicável | 311 | 54 anos, 2 meses e 5 dias | Inaplicável |
- Aposentadoria especial
Em 21/11/2017 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria especial (Lei 8.213/91, art. 57), porque cumpre o tempo mínimo de 25 anos sujeito a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99 (média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, sem incidência do fator previdenciário, e multiplicado pelo coeficiente de 100%).
Afastamento da atividade
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709, concluiu pela constitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020), implicando a cessação do pagamento do benefício, e não a sua cassação ou cancelamento, a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Taxa Selic
A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:
"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."
Honorários advocatícios
Confirmada a sentença no mérito, conforme o art. 85, § 11, do CPC e tendo em conta o previsto nos parágrafos 2º a 6º desse dispositivo legal, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC. De acordo com a tese fixada no julgamento do Tema 1.105/STJ, Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios (REsp 1.880.529, REsp. 1.883.722 e REsp 1.883.715, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, publicado em 27/03/2023). Na eventualidade de o montante da condenação ultrapassar 200 salários mínimos, sobre o excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, a teor do § 5º do mesmo artigo.
A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que é devida a majoração de verba honorária sucumbencial, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, quando presentes os seguintes requisitos de forma concomitante: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, data da vigência do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao cômputo de tempo especial nos lapsos de 01/09/1997 a 08/10/1998, 11/06/1999 a 10/04/2000 e de 01/12/2001 a 08/11/2017, e (b) direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (21/11/2017), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então, devendo ser observada a restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004329137v4 e do código CRC 24ffa826.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 13/3/2024, às 20:31:10
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Apelação Cível Nº 5001945-75.2021.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RODIMAR JULIO CURTE (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. FRENTISTA. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. PERICULOSIDADE. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial.
2. Ao se avaliar a especialidade das atividades exercidas em postos de combustíveis, não se pode deixar de considerar o aspecto peculiar da periculosidade que decorre do trabalho envolvendo produtos químicos altamente inflamáveis e explosivos como a gasolina, o álcool e óleo diesel, cujo manuseio deve observar estritamente normas e padrões específicos de segurança e proteção.
3. A manipulação de óleos e graxas, desde que devidamente comprovada, autoriza o enquadramento da atividade como insalubre. É possível, mesmo após o advento do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos. Precedentes.
4. O rol de atividades e de agentes nocivos descritos no Anexo IV do Decreto 3.048/99 é exemplificativo. Logo, não são apenas as atividades envolvidas no processo de fabricação de hidrocarbonetos e derivados de carbono que se caracterizam como especiais para fins de inativação.
5. Os óleos de origem mineral contêm hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar câncer cutâneo, pelo que estão arrolados no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, da Portaria Interministerial 09/2014 do MTE. Embora não estejam registrados na Chemical Abstracts Service, os hidrocarbonetos aromáticos são compostos orgânicos tóxicos que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos. O benzeno também está descrito no Grupo 1 e no código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com registro na LINACH e CAS sob o código 000071-43-2, o que já basta para a comprovação da efetiva exposição do empregado.
6. Conforme se extrai da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único, da IN/INSS 77/2015, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 09/2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de março de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004329138v4 e do código CRC 1449d600.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 13/3/2024, às 20:31:10
Conferência de autenticidade emitida em 21/03/2024 04:01:13.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/03/2024 A 12/03/2024
Apelação Cível Nº 5001945-75.2021.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RODIMAR JULIO CURTE (AUTOR)
ADVOGADO(A): LUIZA BRESCOVICI (OAB SC058395)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/03/2024, às 00:00, a 12/03/2024, às 16:00, na sequência 123, disponibilizada no DE de 23/02/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 21/03/2024 04:01:13.