Apelação Cível Nº 5022115-11.2020.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: FRANCISCO ALFLEN (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelações cíveis interpostas contra sentença, publicada em 09/11/2021, proferida nos seguintes termos (
):III - DISPOSITIVO.
Ante o exposto:
1) julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, no tocante ao pedido de reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/04/1992 a 31/12/1992, de 01/02/1995 a 25/02/2002 e de 16/11/2011 a 15/11/2012, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil; e
2) julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a:
a) AVERBAR, como tempo de serviço especial, os períodos de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019;
b) CONCEDER o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante reafirmação da DER, e com efeitos financeiros a contar da implementação do direito (DIB 09/07/2019); e
c) PAGAR à parte autora, mediante RPV (Requisição de Pequeno Valor) ou precatório, as parcelas vencidas até o cumprimento administrativo do julgado, respeitada a prescrição quinquenal e observados os critérios de cálculo estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, nos termos da fundamentação.
Com a finalidade de colaborar com o rápido cumprimento pelo INSS, seguem as seguintes informações sobre o benefício:
DADOS PARA CUMPRIMENTO: | (X) CONCESSÃO ( ) RESTABELECIMENTO ( ) REVISÃO |
Número do Benefício (NB) | 183.821.282-2 |
Espécie | Aposentadoria especial OU por tempo de contribuição |
DIB | 09/07/2019 |
DIP | -- |
DCB | -- |
RMI | A apurar |
Condeno o INSS ao pagamento de honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre 80% das diferenças devidas até a data da prolação desta sentença (Súmulas 76 do TRF da 4ª Região e 111 do STJ), atualizado pelo IPCA-E, a partir do ajuizamento (STJ, Súmula 14), na forma do art. 85, § 3º, I, do CPC.
Dada a sucumbência parcial e com base no artigo 86, caput, do CPC, condeno a parte autora em honorários advocatícios de 10% sobre 20% do valor atualizado da condenação, com fundamento no artigo 85, § 2º, do CPC, ficando a cobrança suspensa em razão do deferimento da gratuidade da justiça.
O INSS não se sujeita ao pagamento de custas (art. 4º, I, da Lei nº 9.289, de 1996).
Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, §3º, I, do CPC).
(...)
Em suas razões recursais, a parte autora defende o interesse de agir em relação ao período de 01/02/1995 a 25/02/2002 e requer o reconhecimento do labor como especial. Subsidiariamente, requer a conversão do julgamento em diligência para que seja analisado o mérito na origem. Pretende a concessão da aposentadoria especial desde a DER, com efeitos financeiros a partir da citação (
).Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o reconhecimento do tempo de serviço especial nos períodos de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019, sob os seguintes argumentos: (a) a impossibilidade de enquadramento pelos agentes químicos; (b) não há indicação da composição dos agentes químicos, sendo que somente os hidrocarbonetos aromáticos, por seu potencial cancerígeno, são considerados insalubres à saúde do trabalhador; (c) impossibilidade de aplicação retroativa da regra do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99; (d) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs eficazes. Prequestiona afronta à matéria altercada (
).Com contrarrazões do INSS (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento dos recursos.É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se ao interesse de agir em relação ao período de 01/02/1995 a 25/02/2002 e ao cômputo de tempo especial nos intervalos de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019. Pois bem.
Interesse de agir
Tendo sido formulado administrativamente requerimento de Aposentadoria Por Tempo de Contribuição/Aposentadoria Especial junto à Agência da Previdência Social, está demonstrada a pretensão resistida que autoriza o prosseguimento da ação em sua integralidade.
Com efeito, da análise dos documentos acostados ao processo originário, inclusive a integralidade do processo administrativo, ressai evidente o INSS indeferiu o pedido do autor, o que configura o interesse de agir.
A tal respeito, é de se dizer que mesmo que o segurado não formule na via administrativa pedido expresso de reconhecimento e conversão do tempo de serviço especial, caberia ao INSS, nos termos do art. 88 da Lei nº 8.213/91, esclarecer e orientar o beneficiário de seus direitos, apontando os elementos necessários à concessão do amparo da forma mais indicada.
Houve, portanto, descumprimento dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva por parte do Instituto Previdenciário (dever de informação e orientação do segurado), que não apenas deixou de informar adequadamente o segurado, mas também não se atentou para verificar que tipo de atividade profissional era desempenhada, a fim de verificar se suscetível de enquadramento como labor especial.
Nessa linha de intelecção, cabe rememorar as premissas da paradigmática decisão proferida pelo STF ao julgar o Tema 350 (RE 631240):
"29. As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.
31. Isto porque, como previsto no art. 88 da Lei nº 8.213/1991, o serviço social do INSS deve "esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade". Daí decorre a obrigação de a Previdência conceder a prestação mais vantajosa a que o beneficiário faça jus, como prevê o Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social ("A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido").
32. Assim, uma vez requerido o benefício, se for concedida uma prestação inferior à devida, está caracterizada a lesão a direito, sem que seja necessário um prévio requerimento administrativo de revisão. A redução ou supressão de benefício já concedido também caracteriza, por si só, lesão ou ameaça a direito sindicável perante o Poder Judiciário. Nestes casos, a possibilidade de postulação administrativa deve ser como mera faculdade à disposição do interessado." (Grifei).
Ressalte-se que o demandante pretende, na verdade, sua jubilação, da forma mais vantajosa, o que foi negado pela Autarquia.
A respeito do tema, ainda, refiro que não pode a Autarquia fazer exigências relativas à apresentação de documentos que não se encontram em poder do segurado, o que abre espaço para a outorga da tutela jurisdicional.
Nesse mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte, conforme julgados que cito - in verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL NA VIA ADMINISTRATIVA. CARÊNCIA DE AÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO PARCIAL DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECONHECIMENTO DE PEDIDO NO CURSO DA AÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. USO DE EPI. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA MAIS VANTAJOSA. TUTELA ESPECÍFICA.
1. Não cabe cogitar da falta de interesse de agir pela ausência de postulação de tempo especial na ocasião do requerimento do benefício na via administrativa, tendo em vista o dever da Autarquia de orientar o segurado de forma adequada no tocante ao cômputo correto dos períodos trabalhados, inclusive quanto à especialidade. ..." (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 0008719-70.2015.404.9999, 21/09/2016, Relator João Batista Pinto da Silveira).
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO.
1. Em julgamentos sob o regime da repercussão geral e dos recursos repetitivos, o STF e o STJ estabeleceram a necessidade do prévio requerimento administrativo de concessão de benefício, como condição para ter por caracterizado o interesse de agir, assentando, porém, que esta exigência não se confunde com a do esgotamento da via administrativa, que não é condição para o ajuizamento da ação previdenciária.
2. A falta de específica provocação administrativa quanto ao reconhecimento do tempo especial por ocasião da DER não inviabiliza o acesso à via judicial. Ao INSS, na presença dos documentos que atestam a realização de atividades que possam ser enquadradas como especiais, seja por categoria profissional, seja por exposição a agentes nocivos, cabe a orientação do segurado, inclusive quanto à busca dos elementos necessários à obtenção do melhor benefício que lhe possa ser assegurado nos termos da lei. Incidência do princípio da primazia da realidade. ..." (Apelação Cível nº 5034879-48.2014.4.04.7100, 30.08.2016, Relatora TAIS SCHILLING FERRAZ).
Portanto, é de ser reconhecido o interesse processual quanto aos tempo de 01/02/1995 a 25/02/2002, devendo prosseguir a ação, com a análise da atividade desenvolvida.
Exame do tempo especial no caso concreto
Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço do autor:
1) Período: de 01/02/1995 a 25/02/2002
Empresa: Marcelo Darcy Silvano- EPP
Função: funileiro - Descrição da atividade: Responsável por cortar, recuperar (moldar, puxar e bater), substituir, pontear, soldar peças de veículos (solda MIG)
Agente nocivo: ruído, sem indicação da medição; radiação não ionizante e fumos metálicos
Enquadramento legal:
*radiações não ionizantes: código 1.1.4 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64, código 1.1.3 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e Anexo nº 07 da NR nº 15 do MTE c/c Súmula nº 198 do TFR, que assim dispõe:
1. Para os efeitos desta norma, são radiações não-ionizantes as micro-ondas, ultravioletas e laser.
2. As operações ou atividades que exponham os trabalhadores às radiações não-ionizantes, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres, em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
3. As atividades ou operações que exponham os trabalhadores às radiações da luz negra (ultravioleta na faixa - 400- 320 nanômetros) não serão consideradas insalubres.
*fumos metálicos: código 1.1.4 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64, código 1.2.11 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, e códigos 17 dos Anexos II dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
Provas: formulário PPP, com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais (
)Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no intervalo antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, ao agente físico radiações não ionizantes e aos fumos metálicos.
Embora os Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 não tenham contemplado o agente agressivo radiações não ionizantes, além das hipóteses de enquadramento de agentes nocivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da especialidade do labor no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, em atenção à Súmula nº 198 do extinto TFR (Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento).
Já os fumos metálicos, provenientes de operações de soldagem, o enquadramento está no código 1.1.4 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64, código 1.2.11 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, e códigos 17 dos Anexos II dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
Acerca da celeuma, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, no julgamento do Tema 534, concluiu que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
No âmbito deste Regional, prevalece o posicionamento no sentido de que, Comprovada, mediante laudo técnico, a exposição do segurado a radiações não ionizantes, o tempo deve ser considerado como especial, uma vez que o rol de agentes constante dos decretos regulamentadores é meramente exemplificativo. (TRF4, AC 5001165-74.2017.4.04.7203, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 13/05/2020).
Idêntica orientação foi adotada pela Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 5001238-34.2012.4.04.7102/RS, ocasião em que deixou assentada a tese de que o trabalho prestado após a edição do Decreto nº 2.172/97, com exposição à radiação não ionizante, pode ser computado como tempo especial, desde que comprovadamente prejudicial à saúde ou à integridade física do obreiro, mediante prova técnica (Relator Juiz Federal Gerson Luiz Rocha, julgado em 14/09/2014).
No que se refere às radiações não ionizantes, este Regional já sinalizou que Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos e radiações não ionizantes, não requerem a análise quantitativa de concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa. (TRF4 5009750-54.2013.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 26/11/2018).
A sujeição a fumos metálicos enseja o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço, independentemente do nível de sujeição sofrida pelo obreiro, conforme a jurisprudência desta Corte, na medida em que os gases e vapores dos agentes químicos desprendidos no processo de soldagem são causadores em potencial de diversas doenças profissionais nos trabalhadores, podendo penetrar no organismo tanto pela via respiratória quanto pelo contato com a pele, ou ainda podem ser absorvidos pelo organismo por ingestão.
Nesse sentido, trago precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE URBANA. ATIVIDADE ESPECIAL. SOLDADOR. CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. RADIAÇÃO NÃO IONIZANTE. FUMOS METÁLICOS. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. Omissis. Com relação ao agente fumos metálicos, decorrente da utilização de solda de peças metálicas, este tem previsão no código 1.2.11 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (fumos metálicos decorrentes da utilização de solda elétrica), consubstanciando a especialidade da atividade, inclusive independentemente do nível de sujeição sofrida pelo demandante. Ausente a prova do preenchimento de todos os requisitos legais, não é possível a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição. (TRF4, AC 5021483-03.2020.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 30/08/2023)
PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. FUMOS METÁLICOS. EPI. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. AVERBAÇÃO. Omisis. Os fumos metálicos, também chamados de fumos de solda, integram a lista de agentes cancerígenos constantes no Anexo da Portaria Interministerial nº 09, dos Ministérios do Trabalho e Emprego, Ministério da Saúde e Ministério da Previdência Social, (LINACH), de 07/10/2014. Embora não constem no Grupo 1, da LINACH, os fumos de solda foram reclassificados pela IARC (International Agency for Research on Cancer, órgão da Organização Mundial da Saúde), em 2018, do grupo 2B (possivelmente carcinogênicos) para o 1 (agentes carcinogênicos confirmados para humanos). (TRF4, AC 5006530-77.2015.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 31/05/2023)
Dito isso, impõe-se o provimento do recurso do autor para reconhecer o tempo especial do período de 01/02/1995 a 25/02/2002.
2) Períodos: de 01/12/1985 a 09/01/1987 e de 01/05/1988 a 30/11/1988
Empresa: Auto Mecânica Unidos Ltda.
Função: auxiliar de mecânico
Agente nocivo: por categoria profissional
Provas: CTPS (
, p. 10)Conclusão: possível o enquadramento do labor como nocivo pela categoria profissional.
A despeito da ausência de prova acerca das funções executadas pelo autor e da indicação dos agentes agressivos a que estaria exposto no exercício de seu mister (formulários padrão e/ou laudo técnico) e, ainda que a atividade de mecânico não esteja prevista dentre aquelas caracterizadoras da nocividade por presunção legal decorrente do mero pertencimento do obreiro à determinada categoria profissional, esta Corte já decidiu que, Exercendo o labor de mecânico e correlatos, os ambientes de trabalho que exerceu as suas funções, impunham a exposição rotineira, habitual e permanente a ruídos e hidrocarbonetos aromáticos, radiações não-ionizantes e fumos metálicos e outros agentes químicos nos labores diários, sendo que a presença desses agentes nocivos eram inerentes a sua profissão. (TRF4 5014450-92.2012.404.7112, Sexta Turma, Relator Juiz Federal Ézio Teixeira, juntado aos autos em 25/04/2017). De fato, Exige-se prova testemunhal para comprovação das atividades profissionais do segurado quando a atividade por ele desempenhada é genérica, ou seja, quando não se pode concluir quais as funções exercidas por meio do nome dado ao cargo (v. g. servente e serviços gerais, dentro outros). Não é o caso, contudo, do trabalhador que exerce a função de mecânico ou ajustador/auxiliar de mecânico, uma vez que o nome da atividade já indica, sem dúvida, quais as funções por ele desenvolvidas. Dessa forma, no caso concreto, para a comprovação da atividade basta a Carteira de Trabalho do requerente, que atesta a função de mecânico ou ajustador/auxiliar mecânico nos períodos controversos. (TRF4 5001803-85.2014.4.04.7212, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Des. Federal Celso Kipper, juntado aos autos em 11/04/2019).
Em caso análogo, este Colegiado deixou assentado que A atividade de mecânico desempenhada antes de 28-4-1995 admite a aceitação de qualquer meio de prova, sendo possível, ainda, o enquadramento por categoria profissional por equiparação com os trabalhadores de indústrias metalúrgicas e mecânicas (anexo II, subitem 2.5.1, do Decreto nº 83.080/1979). (TRF4 5055719-25.2013.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, juntado aos autos em 06/02/2019). Com efeito, Muito embora o ideal fosse a descrição dos agentes nocivos no formulário apresentado, esta formalidade pode, muito excepcionalmente, ser dispensada naquelas profissões em que até mesmo pela experiência comum não resta a mínima dúvida acerca da efetiva exposição a agentes nocivos, como ocorre, por exemplo, nas profissões de mecânico e frentista. Não se trata de reconhecimento de especialidade por categoria profissional (hipótese não prevista legalmente no período), mas sim de necessária flexibilização no rigor da avaliação da prova autorizada pelos princípios informativos dos juizados especiais.(RCI nº 2007.72.54.009552-8, Primeira Turma Recursal de SC, Relator Juiz Federal Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, julgado em 10/03/2010).
3) Períodos: de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019
O magistrado a quo, ao analisar os lapsos acima, consignou:
De 26/02/2002 a 02/09/2009, de 04/09/2009 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019, trabalhou como latoeiro/funileiro, para a empresa Auto Giro Peças e Acessórios LTDA, passando, a partir de 01/09/2003, a exercer tal atividade para a empresa Marcelo Darçy Silvano ME (fls. 10 e 14 do
).Uma vez que o autor sempre exerceu a mesma atividade, tem-se que os PPPs anexados fls. 39-46 do PA, corroborados pelos laudos anexados com a inicial (emitidos a partir de 2010 - OUT10 a 19), comprovam que, no exercício das atividades de "Cortar, recuperar (moldar, puxar, bater), substituir, pontear, soldar peças de veículos (solda MIG)", havia exposição a radiação não ionizante e fumos metálicos, sem utilização de EPIs eficazes, o que viabiliza o reconhecimento da especialidade do labor.
Ainda, os documentos técnicos informam exposição a ruído, e permitem aferir, com segurança, com base nos níveis indicados, que superaram o limite de tolerância nos intervalos de 18/11/2003 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019.
Entre 26/02/2002 e 17/11/2003, período em que o limite de tolerância era de 90 dB(A), inexistindo laudo contemporâneo e, uma vez que, embora tendo exercido as mesmas atividades, os documentos técnicos posteriores informam, a partir de 2009, níveis de ruído que variaram entre 92, 90 e 85 dB(A), tenho que não é possível concluir, com segurança, que a exposição a ruído tenha efetivamente superado, nesse intervalo, de forma permanente, os 90 dB(A). No entanto, é devida a especialidade em razão da exposição aos agentes químicos, conforme supramencionado.
Em conclusão, reconheço a especialidade da atividade exercida nos períodos de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019, que em caso de conversão em tempo comum, devem ser computados com acréscimo de 40%.
O entre autárquico insurge-se contra o reconhecimento da atividade exclusivamente quanto aos agentes químicos, radiações não ionizantes e fumos metálicos.
Em relação às radiações não ionizantes e fumos metálicos, reporto-me aos fundamentos já lançados neste voto.
No que toca aos agentes químicos, o Decreto nº 53.831/64, no código 1.2.11 do seu quadro anexo, previa como agente insalubre ensejador do direito à aposentadoria com 25 anos de serviço as operações executadas com derivados tóxicos do carbono, arrolados, dentre as substâncias nocivas, os hidrocarbonetos (item I), componentes do óleo mineral. Idêntica previsão foi incluída no Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (código 1.2.10) e, sucessivamente, nos Anexos IV dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, que classificaram como agentes nocivos o "carvão mineral e seus derivados" (código 1.0.7), abrangida a utilização de óleos minerais (letra b), assim como "outras substâncias químicas" (código 1.0.19). Também o Anexo nº 13 da NR nº 15 do MTE descreve como insalubre a manipulação de óleos minerais.
A jurisprudência desta Corte consagrou orientação no sentido de que A manipulação de óleos e graxas, desde que devidamente comprovada, autoriza o enquadramento da atividade como insalubre. É possível, mesmo após o advento do Decreto n° 2.172/97, o reconhecimento da especialidade do labor exercido com exposição a hidrocarbonetos aromáticos. (TRF4, AC 5002348-52.2018.4.04.7201, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 21/03/2023).
Na mesma toada, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 2009.71.95.001828-0, representativo de controvérsia (Tema nº 53), ao analisar a questão pertinente a saber se a manipulação de óleos e graxas pode, em tese, configurar condição especial de trabalho para fins previdenciários, deixou assentada a tese de que a manipulação de óleos e graxas, desde que devidamente comprovada, configura atividade especial.
Não há exigência nos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 a que o contato com o agente químico se dê no seu processo de fabricação. De acordo com o Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, O que determina o direito ao benefício é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos. O rol de agentes nocivos descritos no Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999 é exaustivo, enquanto que as atividades listadas, nas quais pode haver a exposição, é exemplificativa. Portanto, não são apenas as atividades envolvidas no processo de fabricação de hidrocarbonetos e derivados de carbono que se caracterizam como especiais para fins de inativação.
Não se pode olvidar, outrossim, que óleos de origem mineral são substâncias consideradas insalubres, por conterem hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar, além de dermatites e dermatoses, câncer cutâneo. Com efeito, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria Interministerial nº 9, de 07 de outubro de 2014, publicando a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, sendo que arrolado no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, encontram-se listados "óleos minerais (não tratados ou pouco tratados)".
Necessário esclarecer que as disposições da Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09, de 07 de outubro de 2014, publicada em 08/10/2014, aplicam-se em época pretérita à sua edição, uma vez que o agente nocivo sempre foi cancerígeno, apenas reconhecido administrativamente atualmente.
É verdade que os óleos minerais não possuem registro na Chemical Abstracts Service (CAS). Ocorre que os hidrocarbonetos aromáticos são compostos orgânicos considerados tóxicos, que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos. O agente químico benzeno está arrolado no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, descrito no código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 e registrado na LINACH com CAS sob o código 000071-43-2, de modo que deve ser reconhecida a especialidade, independentemente da mensuração da concentração no ambiente de trabalho acima do limite de tolerância inserto na NR nº 15 do MTE, sendo suficiente a análise qualitativa, nos termos do art. 68, § 4º, do Decreto nº 3.048/99, na redação dada pelo Decreto nº 8.123/2013.
Conforme o art. 284, parágrafo único, da IN/INSS nº 77/2015, Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
É pacífico nesta Corte que A exposição aos óleos minerais enseja o reconhecimento do tempo como especial. Os hidrocarbonetos aromáticos são compostos de anéis benzênicos, ou seja, apresentam benzeno na sua composição, agente químico este que integra o Grupo 1 (agentes confirmados como cancerígenos para humanos) do Anexo da Portaria Interministerial MPS/MTE/MS n. 09-2014, e que se encontra devidamente registrado no Chemical Abstracts Service (CAS) sob o nº 000071-43-2. Demonstrado, pois, que o benzeno, presente nos hidrocarbonetos aromáticos, é agente nocivo cancerígeno para humanos, a simples exposição ao agente (qualitativa) dá ensejo ao reconhecimento da atividade especial, qualquer que seja o nível de concentração no ambiente de trabalho do segurado. Em se tratando de agente cancerígeno, a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais da atividade.(TRF4, AC 5010981-55.2018.4.04.7200, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 24/05/2022).
Referente à análise qualitativa, pacificou-se nesta Corte a orientação de que A exigência de explicitação da composição e concentração dos agentes químicos a que o segurado estava exposto não encontra respaldo na legislação previdenciária, a qual reconhece a especialidade do labor quando existe contato com agentes químicos nocivos à saúde, elencados na legislação de regência. Nesse sentido, os Embargos Infringentes de nº 5004090-13.2012.404.7108 (3ª Seção, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por unanimidade, Sessão de 05/12/2013). (TRF4, AC nº 5017535-67.2013.4.04.7107, Quinta Turma, Relatora Juíza Federal Gisele Lemke, juntado aos autos em 28/06/2019). Isso porque Os óleos minerais são agentes químicos nocivos à saúde, enquadrados na subespécie Hidrocarbonetos e Outros Compostos de Carbono, independente de especificação sobre qual o tipo de óleo (STJ, AgInt no AREsp 1204070/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª T., j. 08.05.2018). Ademais, os óleos não tratados ou pouco tratados estão previstos no Grupo 1 da LINACH. Na hipótese, houve exposição a óleos minerais provenientes da troca de mangueiras de óleo hidráulico de maquinário, os quais não podem, de forma razoável, serem comparados aos óleos destinados ao uso doméstico, esses sim altamente purificados.(TRF4, AC 5000010-81.2014.4.04.7028, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 27/07/2023).
Diante deste contexto, é possível o enquadramento do labor como nocivo, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período antes indicado.
A nocividade não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere do art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.
Na situação dos autos, não se pode afirmar, exime de dúvidas, que a nocividade foi neutralizada pelo uso de EPIs, quer porque não demonstrado o cumprimento das condições referidas no art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015, quer porque não há conclusão no(s) LTCAT(s) da(s) empresa(s) quanto à eficácia dos EPIs.
Vale anotar que a utilização de cremes de proteção, devidamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, não possui o condão de neutralizar a ação dos agentes nocivos a que estava exposto o autor. Com efeito, tais cremes são conhecidos como "luvas invisíveis" e são utilizados por não ocasionarem perda de tato ou movimentação dos trabalhadores. Exatamente em decorrência de tais características, torna-se impossível ao trabalhador a avaliação do nível de proteção a que está sujeito, considerando-se o desgaste natural da camada protetora proporcionada por tais cremes em virtude do manuseio de equipamentos, ferramentas, da fricção das mãos com objetos e roupas e mesmo do suor, aspectos ínsitos à prestação laboral em análise. Torna-se, destarte, praticamente impossível a manutenção de uma camada protetiva contínua e homogênea. Assim, inviável a afirmação de que a utilização apenas de cremes de proteção, ainda que de forma adequada, possui o condão de neutralizar a ação de agentes nocivos químicos.
É que o fornecimento, e até mesmo o uso eficaz, de creme protetor de segurança e luva para proteção contra óleos e graxa são equipamentos destinados tão somente à proteção das mãos e dos braços, promovendo exclusivamente a proteção cutânea. Idêntico raciocínio se aplica aos óculos de proteção e ao guarda-pó. A exposição do trabalhador a hidrocarbonetos aromáticos, como tido acima, causa danos ao organismo que extrapolam as patologias cutâneas.
Realmente, em caso análogo, este Regional já deixou assentado que o simples fornecimento pelo empregador de cremes de proteção para mãos não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes químicos nocivos à saúde. (REOAC nº 0005443-36.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, D.E. 05/10/2016). A respeito do tema, este Regional já decidiu que A exposição do trabalhador a hidrocarbonetos causa danos ao organismo que vão além de patologias cutâneas, de modo que a utilização de EPI promove, tão somente, a proteção cutânea. Assim, afastada a neutralização do agente nocivo pela utilização de EPI. (TRF4, AC nº 5009052-15.2012.4.04.7000, Sexta Turma, Relatora Juíza Federal Bianca Georgia Cruz Arenhart, juntado aos autos em 23/10/2016).
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de de 01/04/1992 a 31/12/1992, de 01/02/1995 a 25/02/2002, de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
Aposentadoria especial
QUADRO CONTRIBUTIVO
Data de Nascimento | 14/10/1968 |
Sexo | Masculino |
DER | 25/02/2019 |
Tempo especial
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | T, Especial sentença | 01/12/1985 | 09/01/1987 | Especial 25 anos | 1 anos, 1 meses e 9 dias | 14 |
2 | T, Especial sentença | 01/05/1988 | 30/11/1988 | Especial 25 anos | 0 anos, 7 meses e 0 dias | 7 |
3 | T, Especial acórdão | 01/04/1992 | 31/12/1992 | Especial 25 anos | 0 anos, 9 meses e 0 dias | 9 |
4 | T, Especial acórdão | 01/02/1995 | 25/02/2002 | Especial 25 anos | 7 anos, 0 meses e 25 dias | 85 |
5 | T, Especial sentença | 26/02/2002 | 15/11/2011 | Especial 25 anos | 9 anos, 8 meses e 20 dias | 117 |
6 | T, Especial INSS | 16/11/2011 | 15/11/2012 | Especial 25 anos | 1 anos, 0 meses e 0 dias | 12 |
7 | T, Especial sentença | 16/11/2012 | 09/07/2019 | Especial 25 anos | 6 anos, 7 meses e 24 dias Período parcialmente posterior à DER | 80 |
Marco Temporal | Tempo especial | Tempo total (especial + comum s/ conversão) para fins de pontos | Carência | Idade | Pontos (art. 21 da EC nº 103/19) |
Até a DER (25/02/2019) | 26 anos, 6 meses e 4 dias | Inaplicável | 319 | 50 anos, 4 meses e 11 dias | Inaplicável |
- Aposentadoria especial
Em 25/02/2019 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria especial (Lei 8.213/91, art. 57), porque cumpre o tempo mínimo de 25 anos sujeito a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99 (média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, sem incidência do fator previdenciário, e multiplicado pelo coeficiente de 100%).
Afastamento da atividade
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709, concluiu pela constitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 (RE nº 791.961/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020), implicando a cessação do pagamento do benefício, e não a sua cassação ou cancelamento, a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Taxa Selic
A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:
"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."
Honorários advocatícios recursais
Incide a regra do art. 85, § 11, do CPC, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto no art. 85, parágrafos 2º a 6º, e os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º desse dispositivo legal.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC. Conforme a tese fixada no julgamento do Tema 1.105/STJ, Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios (REsp 1.880.529, REsp. 1.883.722, Resp 1.883.715, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, acórdão publicado em 27/03/2023). Na eventualidade de o montante da condenação ultrapassar 200 salários mínimos, sobre o excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.
A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que é devida a majoração de verba honorária sucumbencial, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, quando presentes os seguintes requisitos de forma concomitante: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, data da vigência do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
Honorários periciais: Sucumbente o INSS, deverá arcar com o pagamento dos honorários periciais arbitrados.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo especial nos lapsos de de 01/12/1985 a 09/01/1987, de 01/05/1988 a 30/11/1988, de 26/02/2002 a 15/11/2011 e de 16/11/2012 a 09/07/2019.
- Sentença reformada para (a) reconhecer o interesse de agir em relação aos períodos de de 01/04/1992 a 31/12/1992 e de 01/02/1995 a 25/02/2002 e declarar a nocividade destes períodos; (b) condenar o INSS a implantar em favor da parte autora a aposentadoria especial e a pagar as parcelas devidas desde a DER (25/02/2019), acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma da fundamentação, além da verba honorária, devendo ser observada a restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004251907v29 e do código CRC d28c2650.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 22/2/2024, às 18:30:0
Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:59.
Apelação Cível Nº 5022115-11.2020.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: FRANCISCO ALFLEN (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. INTERESSE PROCESSUAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FUNILEIRO E AUXILIAR DE MECÂNICO. RADIAÇÕES NÃO IONIZANTES. FUMOS METÁLICOS. ÓLEOS MINERAIS. benefício concedido.
1. O Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral assentou que A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise (RE nº 631.240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, j. 03/09/2014). Isso não significa, porém, que o segurado deve suscitar, perante o INSS, todas as circunstâncias de fato que lhe possam ser favoráveis, acompanhadas da documentação correspondente. Interesse de agir reconhecido.
2. A exposição a radiações não ionizantes enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. Precedente.
3. A sujeição do obreiro a fumos metálicos, provenientes de operações de soldagem, autoriza o cômputo diferenciado do tempo de serviço, inclusive no período posterior a 05/03/1997. Inteligência da Súmula nº 198 do TFR.
4. Os óleos de origem mineral contêm hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, cuja principal via de absorção é a pele, podendo causar câncer cutâneo, pelo que estão arrolados no Grupo 1 - Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, da Portaria Interministerial 09/2014 do MTE. Embora não estejam registrados na Chemical Abstracts Service, os hidrocarbonetos aromáticos são compostos orgânicos tóxicos que possuem um ou mais anéis benzênicos ou núcleos aromáticos. O benzeno também está descrito no Grupo 1 e no código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com registro na LINACH e CAS sob o código 000071-43-2, o que já basta para a comprovação da efetiva exposição do empregado.
5. Conforme se extrai da leitura conjugada do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 e do art. 284, parágrafo único, da IN/INSS 77/2015, os riscos ocupacionais gerados pelos agentes cancerígenos constantes no Grupo I da LINHAC, estabelecida pela Portaria Interministerial n° 09/2014, não requerem a análise quantitativa de sua concentração ou intensidade máxima e mínima no ambiente de trabalho, dado que são caracterizados pela avaliação qualitativa, tampouco importando a adoção de EPI ou EPC, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
6. Benefício concedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004251908v7 e do código CRC b1454e9c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024
Apelação Cível Nº 5022115-11.2020.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
APELANTE: FRANCISCO ALFLEN (AUTOR)
ADVOGADO(A): MARCIO ROBERTO PAULO (OAB SC014112)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 70, disponibilizada no DE de 31/01/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/03/2024 08:01:59.