Apelação Cível Nº 5025106-62.2017.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LOIR CARDOSO DE LIMA (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 03/06/2019, proferida nos seguintes termos (evento 63):
ANTE O EXPOSTO.
1. Julgo o pedido PROCEDENTE EM PARTE e resolvo o mérito - art. 487, I, do CPC. Por conseguinte, condeno o réu a: (a) averbar como tempo especial os seguintes períodos: 25/03/87 a 08/08/87, 12/08/87 a 17/11/87, 23/11/87 a 24/03/88, 01/05/88 a 19/09/88, 01/09/89 a 14/04/92, 01/07/92 a 08/01/94, 10/07/94 a 28/04/95, 01/11/95 a 10/02/99, 01/08/99 a 21/06/06 e 22/06/06 a 26/04/16; (b) conceder aposentadoria especial ao autor, com DIB na DER (26/04/16); (c) pagar as prestações vencidas, desde a DER até a implantação da revisão determinada no item anterior, ficando a soma para ser apurada na fase de cumprimento de sentença. A correção monetária e os juros de mora deverão ser aplicados na forma do tópico específico declinado na fundamentação*.
*Portanto, considerando o decidido no tema 810 do STF, estabeleço, no caso em questão, como consectários legais: a) juros moratórios de forma equivalente ao índice de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, nos termos do estabelecido no manual de cálculo, item 4.3.2; b) correção monetária com base no IPCA-E.
Ocorre que em 24/09/2018, o Min.Luiz Fux, por decisão monocrática, concedeu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos no RE 870.947 (Tema 810), determinando a imediata suspensão da aplicação do que decidido no referido tema, ou seja, a aplicação do IPCA-E, a titulo de atualização monetária, nas condenações impostas à Fazenda Pública, até que o STF julgue o pedido de modulação dos efeitos da decisão que julgou o referido tema.
Desta forma, nos termos do decidido pelo STF e, visando evitar eventual pagamento a maior pela UNIÃO, determino que seja aplicado, a titulo de correção monetária, a TR (índice utilizado pelo art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 declarado inconstitucional no Tema 810), porém, resalvo a possibilidade do autor atualizar os cálculos pelo IPCA-E, após o julgamento da referida modulação, em lhe sendo favorável, destacando, assim, que tal possibilidade pode ser feita em sede de liquidação de sentença.
2. Entendo que a sentença que determina a implantação, restabelecimento ou revisão de beneficio previdenciário possui natureza mista, sendo condenatória no tocante ao pagamento dos atrasados, cuja obrigação de pagar demanda o transito em julgado do titulo judicial, porém mandamental em relação à obrigação de fazer consistente na imediata implantação/restabelecimento do beneficio ou da revisão concedida, que pode ser feita imediatamente, independentemente do trânsito em julgado.
Desta forma, ainda que não haja pedido de tutela antecipada nos autos, o cumprimento da ordem exarada na sentença pode ser realizada por meio do art. 497 do CPC/2015 que permite ao juiz atuar de ofício a fim de conceder a tutela específica.
Assim, nos termos do art. 497 do CPC/2015, determino que o INSS cumpra a ordem mandamental exarada nesta sentença, a fim de implantar o benefício da parte autora, nos termos do item "b" acima, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Intime-se, alem da referida autarquia previdenciária, também a APS-AADJ (Agência de Atendimento de Demandas Judiciais) a fim de cumprir a presente tutela específica no prazo ora estabelecido, bem como comprovar nos autos o seu devido cumprimento.
3. Destaco que caso não cumprida a liminar deferida no tópico anterior no prazo assinalado, a parte autora poderá ingressar com cumprimento provisório de sentença, apenas no tocante à obrigação de fazer, referente à manutenção/restabelecimento do beneficio, nos termos do § 5o do art. 520, c/c art. 522 do CPC, mas que deve ser requerida em autos apartados a fim de que não se retarde a remessa dos autos à instância superior, em razão de apelação da parte ré, destacando que a obrigação de pagar os valores atrasados demanda o transito em julgado.
4. Condeno o INSS, sucumbente quase totalmente, ao pagamento de honorários de sucumbência, fixados no percentual mínimo de cada faixa estipulada pelo artigo 85, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, dependendo da apuração do montante em eventual cumprimento de sentença, sempre observando o § 5° do artigo 85 do CPC. A base de cálculo será o valor da condenação, limitado ao valor das parcelas vencidas até a sentença (Súmula 111, STJ; Súmula 76, TRF4).
5. Custas isentas para o INSS.
6. Destaco, ao final, que a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu pela inconstitucionalidade do §8º do art. 57 da Lei de Benefícios, (a) por afronta ao princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988; (b) porque a proibição de trabalho perigoso ou insalubre existente no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988, só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação ao segurado aposentado; e (c) porque o art. 201, §1º, da Carta Magna de 1988, não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24.05.2012). Nesse contexto, resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas mesmo após a implantação do benefício.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o deferimento da aposentadoria à parte autora, sob os seguintes argumentos: (a) após o advento do Decreto nº 2.172/97 não é possível o enquadramento do labor como nociva pela sujeição do trabalhador à eletricidade; (b) a atividade periculosa não configura risco à integridade física ou à saúde do obreiro, de forma que não enseja a concessão da aposentadoria especial; e (c) a concessão do benefício deve estar condicionada ao afastamento da atividade nociva, conforme dispõe o artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91. Prequestiona afronta à matéria (evento 84).
Noticiada a implantação do benefício (evento 86).
Com contrarrazões (evento 88), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se às condições da prestação de serviço da parte autora nos lapsos de 25/03/1987 a 08/08/1987, 12/08/1987 a 17/11/1987, 23/11/1987 a 24/03/1988, 01/05/1988 a 19/09/1988, 01/09/1989 a 14/04/1992, 01/07/1992 a 08/01/1994, 10/07/1994 a 28/04/1995, 01/11/1995 a 10/02/1999, 01/08/1999 a 21/06/2006 e 22/06/2006 a 26/04/2016. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
A questão pertinente à análise da nocividade das condições ambientais do trabalho prestado pela parte autora foi percucientemente examinada pelo juiz a quo na sentença, razão pela qual, a fim de evitar tautologia, reproduzo os seus fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (evento 63):
Exame do tempo especial no caso concreto
O autor pede o reconhecimento do tempo especial no período de 12/06/86 a 26/04/16.
Passo a analisá-lo, conforme os diferentes vínculos de emprego que o segurado teve no período.
(a) 12/06/86 a 20/03/87 (CET Construções Topográficas Ltda)
Não foi juntado aos autos nenhum documento referente a esse vínculo, motivo pelo qual não é possível o enquadramento.
(b) 25/03/87 a 08/08/87; 12/08/87 a 17/11/87, 23/11/87 a 24/03/88 e 01/05/88 a 19/09/88 (Tenenge Ltda.)
Em relação a esses períodos, o autor juntou aos autos laudo pericial elaborado nos autos do processo nº 5035464-91.2014.4.04.7200, movido por Luís dos Santos contra o INSS (evento 1, LAUDO10).
Na descrição das atividades desempenhadas pelo autor daquela ação, resta claro que não havia diferenciação de atribuições entre o eletricista e o montador, no que concerne a existência de exposição habitual e permanente à eletricidade, havendo a perita concluído que (folha 7):
O autor, no desenvolvimento de suas atividades laborais, estava submetido de modo HABITUAL E PERMANENTE ao RISCO MECÂNICO/ACIDENTE – ELETRICIDADE -, nas tensões de 13.800 a 34.000 volts, executando atividades em instalações energizadas.
Com alta tensão de até 25.000 [VOLTS] existe a exposição ao risco de arco elétrico. ARCO ELÉTRICO: É uma descarga que pode surgir sempre que houver o rompimento (falha) do dielétrico (isolação) de um ponto em relação ao terra (ou massa) ou entre dois pontos de potenciais diferentes. Interrupções de corrente também provoca arcos elétricos. Nas instalações de baixa tensão com 220 [VOLTS], existe a exposição ao risco de choque elétrico. CHOQUE ELÉTRICO: Sensação sentida por uma pessoa quando tem o seu corpo sujeito à passagem de uma corrente elétrica, proveniente ao contato acidental às partes vivas.
As redes de distribuição de energia elétrica, usinas geradoras de energia elétrica, pátio e sala de controle de subestações elevadoras e rebaixadoras de tensão, conforme quadro anexo ao Decreto nº 93.412, de 14/10/1986, que regulamentava a Lei 7.369, de 20 de setembro de 1985, a qual instituía o adicional de periculosidade para os empregados do setor de energia elétrica, estão elencadas como áreas de risco, gerando o pagamento do adicional específico ao empregado que permanecer aguardando ordens ou executando atividades de operação, manutenção, conservação, ensaios, testes, medições, limpeza e sinalização destas instalações.
Segundo a Portaria do MTE n.º 1.078, de 16 de julho de 2014, que regulamentou as atividades e operações perigosas com energia elétrica, na NR 16, Anexo n.º 4, o autor está enquadrado no item I do referido anexo, gerando o pagamento do adicional de periculosidade aos trabalhadores que operam em sistema elétrico de potenciam - SEP em atividades de construção, operação e manutenção de redes de linhas aéreas e subterrâneas de alta e baixa tensão integrantes do SEP, energizados ou desenergizados mas com possibilidade de energização acidental ou por falha operacional.
Logo, é possível o enquadramento nos períodos de 25/03/87 a 08/08/87; 12/08/87 a 17/11/87, 23/11/87 a 24/03/88 e 01/05/88 a 19/09/88.
(c) 01/09/89 a 14/04/92 (CAENGEL Ltda.)
Em relação a esse período, o autor juntou PPP (evento 58, PROCADM1, folha 11), que afirma estar exposto a eletricidade e a ruído de 84,99 decibéis.
A menção a EPI e EPC eficazes, utilizada pelo INSS como fundamento para indeferir o reconhecimento do tempo especial (evento 58, PROCADM1, folha 36), não tem relevância antes de 02/06/98, conforme declinado em tópico específico desta sentença.
Logo, é possível o enquadramento no período de 01/09/89 a 14/04/92.
(d) 01/07/92 a 08/01/94 (ENERSUL ME)
Em relação a esse período, o autor juntou PPP (evento 58, PROCADM1, folha 13), no qual consta que, na função de eletricista montador, o autor trabalhava exposto à eletricidade de 380 a 24.000 Volts, com menção a EPI eficaz.
É possível, portanto, o enquadramento, uma vez que, à época, havia o enquadramento profissional para o eletricista.
Logo, também conta como tempo especial o período de 01/07/92 a 08/01/94.
(e) 10/07/94 a 30/09/95 (COBASE)
Conforme a CTPS (evento 1, CTPS4), nesse período o autor trabalhou na função de "Oficial Eletricista I" na Companhia Brasileira de Engenharia e Eletricidade.
Até 28/04/95, é possível o enquadramento por categoria profissional. Após, não é possível o enquadramento, uma vez que não foi juntado nenhum documento que pudesse comprovar a exposição a agente nocivo.
Em conclusão, é possível o enquadramento de 10/07/94 a 28/04/95.
(f) 01/11/95 a 10/02/99 e 01/08/99 a 21/06/06 (CAENGEL Ltda.)
Em relação a esses períodos, o autor apresentou PPP (evento 58, PROCADM1, folhas 18 e 22), no qual consta a exposição a eletricidade e a ruído de 84,99 decibéis, com menção a EPI e EPC eficazes.
Muito embora o enquadramento pelo ruído só seja possível até 05/03/97, em razão da sua intensidade (e da não consideração do EPI, pelos motivos tratados em tópico supra), o autor tem direito ao enquadramento em razão da exposição a eletricidade, pois: (a) o PPP não contém os números dos CA's que o empregador alega ter fornecido para a parte autora; e (b) em relação a esse agente nocivo, é notório que os EPI's não protegem completamente o autor contra o risco de choque. Nesse sentido, leia-se também o excerto do laudo pericial utilizado como prova emprestada no item "a".
Logo, é possível o enquadramento nos períodos de 01/11/95 a 10/02/99 e de 01/08/99 a 21/06/06.
(g) 22/06/06 a 26/04/16 (ECE)
Em relação a esse período, foi juntado PPP (evento 58, PROCADM1, folha 25), em que consta a exposição à eletricidade igual ou superior a 34.500 Volts, com menção a EPI e EPC eficazes.
O o autor tem direito ao enquadramento em razão da exposição a eletricidade, pois: (a) o PPP não contém os números dos CA's que o empregador alega ter fornecido para a parte autora; e (b) em relação a esse agente nocivo, é notório que os EPI's não protegem completamente o autor contra o risco de choque. Nesse sentido, leia-se também o excerto do laudo pericial utilizado como prova emprestada no item "a".
Logo, é possível o enquadramento no período de 22/06/06 a 26/04/16.
O Recorrente insurge-se contra o deferimento do benefício à parte autora ao argumento de que, com o advento do Decreto nº 2.172/97, a periculosidade e a penosidade deixaram de figurar no rol de agentes nocivos a justificar a concessão de aposentadoria especial.
A atividade do eletricitário constava como perigosa no Código 1.1.8 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, envolvendo as operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida; trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de acidentes, pelos eletricistas, cabistas, montadores, dentre outros, cuja jornada normal ou especial fixada em lei para os serviços expostos a tensão superior a 250 volts, caracterizando, assim, a especialidade do trabalho.
De fato, os Decretos nºs 83.080/79 (Anexo II), 2.172/97 (Anexo IV) e 3.048/99 (Anexo IV) não contemplaram tal descrição. Ocorre que, além das hipóteses de enquadramento dos agentes nocivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento).
Acerca da celeuma, o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, reconheceu a possibilidade de reconhecimento, como especial, do tempo de serviço em que o segurado esteve exposto à tensão elétrica superior a 250 volts, por entender que, À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991) (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
Logo, a exposição do trabalhador à tensão média superior a 250 volts, após 05/03/1997, autoriza a caracterização da atividade como especial.
Necessário anotar que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. Assim, tratando-se de periculosidade por sujeição a altas tensões elétricas, o requisito da permanência não é imprescindível, já que o tempo de exposição não é fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto.
Com efeito, já decidiu esta Corte que A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das funções cometidas ao trabalhador, que está integrada à sua rotina de trabalho. Em se tratando de exposição a atas tensões, o risco de choque elétrico é inerente à atividade, cujos danos podem se concretizar em mera fração de segundo. (AC nº 5059172-48.2015.404.7100, Quinta Turma, Relatora Juíza Federa Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 12/06/2017).
Ademais, deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de 25/03/1987 a 08/08/1987, 12/08/1987 a 17/11/1987, 23/11/1987 a 24/03/1988, 01/05/1988 a 19/09/1988, 01/09/1989 a 14/04/1992, 01/07/1992 a 08/01/1994, 10/07/1994 a 28/04/1995, 01/11/1995 a 10/02/1999, 01/08/1999 a 21/06/2006 e 22/06/2006 a 26/04/2016.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
A soma do tempo especial reconhecido em juízo totaliza 26 anos, 03 meses e 28 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (26/04/2016), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.
Afastamento da atividade
Este Regional, tendo em conta o julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, de fato, vinha decidindo pela desnecessidade de afastamento do segurado da atividade que o expunha a agentes nocivos como condição para a implantação da aposentadoria especial, afirmando a inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91 (Relator Des. Federal Ricardo Teixeira Do Valle Pereira, Corte Especial, julgado em 24/05/2012).
Todavia, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE nº 791.961/PR (Tema nº 709) para fixar a seguinte tese jurídica: É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão (Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/06/2020).
Assim, deve ser observada a imposição inserta no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, implicando na cessação do benefício a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Dito isso, inicialmente, em atenção ao art. 1.013, § 3º, inciso III, do CPC, forçoso reconhecer a nulidade da sentença citra petita, que diferiu para a execução a definição do percentual a ser estipulado a título de verba honorária.
Sucumbente, o INSS deverá arcar com os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência, porquanto as inovações trazidas pela Lei nº 13.256/2016 não afastam a aplicação da Súmula nº 111 do STJ.
Contudo, diante do acolhimento parcial da pretensão recursal da Autarquia, descabe a majoração da verba honorária, por força do art. 85, § 11, do CPC, sob pena de agravar a condenação do INSS fixada na sentença.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo de serviço especial nos lapsos de 25/03/1987 a 08/08/1987, 12/08/1987 a 17/11/1987, 23/11/1987 a 24/03/1988, 01/05/1988 a 19/09/1988, 01/09/1989 a 14/04/1992, 01/07/1992 a 08/01/1994, 10/07/1994 a 28/04/1995, 01/11/1995 a 10/02/1999, 01/08/1999 a 21/06/2006 e 22/06/2006 a 26/04/2016; e (b) direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (26/04/2016), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então.
- Sentença reformada para (a) determinar a observância da restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91; e (b) alterar, de ofício, o critério de atualização monetária do débito.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por, de ofício, (a) fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905 e (b) declarar a nulidade parcial da sentença citra petita, quanto à verba honorária; e dar parcial provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001817149v4 e do código CRC dffd008b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 2/7/2020, às 18:29:19
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 21:12:11.
Apelação Cível Nº 5025106-62.2017.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LOIR CARDOSO DE LIMA (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. Não obstante o Decreto nº 2.172/97 não tenha incluído em seu rol de agentes nocivos a eletricidade, é possível o enquadramento da atividade como especial no período posterior a 05/03/1997, se comprovado através de perícia que o trabalhador estava exposto a tensões superiores a 250 volts. Interpretação conjugada do Decreto nº 53.831/64 (Código 1.1.8 do Quadro Anexo) com a Súmula nº 198 do TFR. Orientação assentada no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.306.113. Cabe ainda destacar que o tempo de exposição ao risco eletricidade não é necessariamente fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico. Assim, por mais que a exposição do segurado ao agente nocivo eletricidade acima de 250 volts (alta tensão) não perdure por todas as horas trabalhadas, trata-se de risco potencial, cuja sujeição não depende da exposição habitual e permanente. A exposição do segurado ao agente periculoso eletricidade sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos.
2. Tendo em conta o recente julgamento do Tema nº 709 pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da regra inserta no § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, o beneficiário da aposentadoria especial não pode continuar no exercício da atividade nociva ou a ela retornar, seja esta atividade aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Implantado o benefício, seja na via administrativa, seja na judicial, o retorno voluntário ao trabalho nocivo ou a sua continuidade implicará na sua imediata cessação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, (a) fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905 e (b) declarar a nulidade parcial da sentença citra petita, quanto à verba honorária; e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 30 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001817150v3 e do código CRC dc74d77a.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 2/7/2020, às 18:29:19
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 22/06/2020 A 30/06/2020
Apelação Cível Nº 5025106-62.2017.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LOIR CARDOSO DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: ALOÍZIO PAULO CIPRIANI (OAB SC012618)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/06/2020, às 00:00, a 30/06/2020, às 16:00, na sequência 59, disponibilizada no DE de 10/06/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, (A) FIXAR O CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA CONFORME DECISÃO DO STF NO TEMA Nº 810 E DO STJ NO TEMA Nº 905 E (B) DECLARAR A NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA CITRA PETITA, QUANTO À VERBA HONORÁRIA; E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 21:12:11.