Apelação Cível Nº 5007214-31.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SADI WARMLING (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 26/05/2019, proferida nos seguintes termos (evento 58):
Ante o exposto, afasto a ausência de interesse processual com relação ao pedido de reconhecimento dos períodos após a DER, extinguindo o processo, nesta parte, sem resolução de mérito (art. 485, VI, do CPC/2015); afasto a prescrição quinquenal; e, no mérito, JULGO PROCEDENTES os pedidos, nos termos do artigo do art. 487, I, do CPC/2015, para:
(a) RECONHECER o demandante exerceu atividade especial - 25 anos - no interregno de 17-01-1990 a DER (03-08-2016);
(b) CONDENAR à autarquia-ré a conceder ao autor APOSENTADORIA ESPECIAL, a contar da DER (03-08-2016, NB 175.185.857-7), com RMI em percentual de 100% do SB.
RMI e da RM- abril/2019, nos seguintes valores, respectivamente: R$4.184,35 e R$4.451,46.
Condeno o INSS, ainda, ao pagamento dos valores atrasados atualizados desde os vencimentos de cada parcela, cujo montante, perfaz, até 05/2019, R$157.894,68.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixando-os em 10% do valor da condenação, considerando as parcelas até a sentença (Súmula nº 111 do STJ: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”) - R$15.789,47.
Os cálculos da Contadoria Judicial - evento 57 - fazem parte do presente julgado, devendo ser questionados nesse momento processual.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra a concessão do benefício ao autor, sob os seguintes argumentos: (a) o laudo elaborado em reclamatória trabalhista não se presta como meio de prova do exercício de atividades insalubres, para fins previdenciários, pois o INSS não figurou como parte no processo; (b) ausente prova da exposição habitual e permanente a agentes agressivos; (c) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs eficazes; e (d) não houve o recolhimento das contribuições previdenciárias na forma do art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/91, não se podendo conceder o benefício sem a correspondente fonte de custeio. Requer, para fins de incidência de correção monetária e juros de mora, a adoção da sistemática prevista no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. Prequestiona afronta à matéria altercada (evento 63).
Com contrarrazões (evento 66), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC, por ausência de interesse recursal, não conheço da apelação no ponto em que se insurge contra os critérios fixados para atualização monetária do débito, pois, na sentença, já foi estabelecido que, Enquanto não decidida a questão pelo STF, aplico aos juros moratórios e correção monetária a integralidade dos critérios da redação da Lei n. 11.960/09.
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se às condições da prestação de serviço da parte autora no lapso de 17/01/1990 a 03/08/2016, bem como quanto ao seu direito à concessão do benefício. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
A questão pertinente à análise da nocividade das condições ambientais do trabalho prestado pela parte autora foi percucientemente examinada pela juíza a quo na sentença, razão pela qual, a fim de evitar tautologia, reproduzo os seus fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (evento 58):
Fixadas tais premissas, passo à análise dos períodos especiais questionados pela parte autora.
Períodos 17-01-1990 a 30-10-2007 e de 01-11-2007 a DER 03-08-2016
Empresa: Giassi e Cia Ltda. (loja 2)
Consta no PPP que nesse período o autor laborou como chefe de balcão açougue, no setor Balcão de Açougue. Suas atividades consistiam em realizar compras por meio do telefone e contados, supervisionar os funcionários do setor, fazer escala de trabalho, auxiliar no abastecimento da área de vendas e auxiliar na limpeza do setor. Havia exposição a frio (ocasional e intermitente) e umidade (ocasional e intermitente) - evento 22, PROCADM1, pp. 27/29. No segundo período, o autor atuou como supervisor de açougue, no açougue, estando exposto aos mesmos agentes.
O laudo ambiental da empresa (juntado ao evento 8) corrobora as informações do PPP, enfatizando a intermitência da exposição aos agentes indicados.
Contudo, o autor juntou laudo pericial realizado na empresa, em 2011, por Engenheiro de Segurança do Trabalho, em outra ação judicial - evento 3, LAUDO2. Nessa perícia técnica, consta que o funcionário era responsável por toda a área do açougue, desde a câmara fria, o corte até a manutenção dos produtos no balcão de carnes. Vale registrar que naquela ação na qual foi realizada a perícia, o segurado ocupava a mesma função e o mesmo local de trabalho do autor.
Da análise do laudo pericial, aqui acolhido como prova emprestada, conforme decisão ao evento 50, conclui-se que havia exposição do segurado de forma habitual, mas não permanente, ao frio: câmaras frias 5,7ºC; balcão de carnes 16,5ºC; câmara de congelamento -5,4ºC e balcão de atendimento 21,3ºC. O perito informa, ainda, que o EPI fornecido (vestimenta, botas e uniformes) atenua, mas não neutraliza a ação do agente insalubre.
Frise-se que, em relação ao frio, em que pese não estar mais relacionado na legislação vigente após 05/03/1997, trata-se de agente reconhecido como insalubre pela legislação trabalhista. Ademais, o laudo da empresa indica a sujeição do autor a baixas temperaturas decorrente do ingresso em câmeras frias.
Dessa forma, havendo no caso concreto prova no sentido de não haver fornecimento de EPI que neutralize o agente físico frio no ambiente de trabalho do autor, conclui-se que todo o período em análise deve ser computado como tempo especial - código 1.1.2 do Decreto nº 83.080/79 e código 1.1.2 do Decreto nº 53.831/64.
Registro, por fim, que tal decisão encontra-se em consonância as decisões do TRF da 4ª Região: APELREEX 0010167-44.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 14/11/2018; AC 5028476-57.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 28/02/2019.
Conclusão: reconheço como labor especial nos períodos pleiteados de 17-01-1990 a 30-10-2007 e de 01-11-2007 a DER 03-08-2016.
A Autarquia constesta a prova utilizada como amparo para a comprovação do exercício de atividades especiais, ao argumento de que se trata de processo no qual não figurou como parte. Todavia, em caso análogo, já decidiu esta Corte que o laudo pericial realizado em reclamatória trabalhista pode ser utilizado como prova emprestada para reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários (TRF4, APELREEX 5017895-37.2010.404.7000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Paim da Silva, juntado aos autos em 21/11/2013). Com efeito, Em que pese o PPP não refira o contato com qualquer agente nocivo, o autor trouxe aos autos início de prova material, consubstanciado no laudo pericial produzido no bojo de reclamatória trabalhista onde reconhecida a periculosidade das atividades desenvolvidas pelos "técnicos de informática" da empresa em comento. (TRF4, AG nº 5006892-60.2015.404.0000, Sexta Turma, Relatora Des. Federal Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 27/11/2015).
Como se isso não bastasse, a admissibilidade da utilização deste meio de prova encontra respaldo na IN/INSS nº 77/2015, que assim dispõe, in verbis:
Art. 261. Poderão ser aceitos, em substituição ao LTCAT, e ainda de forma complementar, desde que contenham os elementos informativos básicos constitutivos relacionados no art. 262, os seguintes documentos:
I - laudos técnico-periciais realizados na mesma empresa, emitidos por determinação da Justiça do Trabalho, em ações trabalhistas, individuais ou coletivas, acordos ou dissídios coletivos, ainda que o segurado não seja o reclamante, desde que relativas ao mesmo setor, atividades, condições e local de trabalho;
Omissis.
No que diz respeito à continuidade, ao contrário do que alega o INSS, a permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, conforme remansosa orientação assentada na jurisprudência pátria. Senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. HABITUALIDADE. EPI. RUÍDO. FRIO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA. (...) 3. Considera-se habitual e permanente a exposição ao agente nocivo frio nas atividades em que o segurado trabalha entrando e saindo de câmaras frias, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC. (TRF4 5001462-24.2016.4.04.7007, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 25/04/2019)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AÇOUGUEIRO EM SUPERMERCADO. AGENTE FÍSICO FRIO. RECONHECIMENTO APÓS 05/03/1997. POSSIBILIDADE MEDIANTE COMPROVAÇÃO DA EXPOSIÇÃO VIA LAUDO TÉCNICO. SERVIÇOS GERAIS. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE MEDIANTE COMPROVAÇÃO, POR PROVA DOCUMENTAL, DA PRESENÇA DE AGENTES NOCIVOS NO SETOR ONDE FORAM DESENVOLVIDAS AS ATIVIDADES. TEMPO ESPECIAL ANTERIOR A 29/04/95. REQUISITO DA PERMANÊNCIA. INEXIGÊNCIA, BASTANDO A DEMONSTRAÇÃO DA HABITUALIDADE E DA INTERMITÊNCIA. 1. Com a edição do Decreto nº 2.172/97, o frio deixou de estar previsto na qualidade de agente nocivo. Contudo, a jurisprudência tem admitido o reconhecimento do tempo especial mesmo após a edição do novo diploma, desde que demonstrada a exposição por meio de laudo pericial (IUJEF 0000078-13.2008.404.7195, TRU da 4ª Região, Relatora Joane Unfer Calderaro, D.E. 28/06/2012). 2. Mesmo que a exposição a baixas temperaturas não seja permanente, a constante entrada e saída do trabalhador de câmaras frias durante a sua jornada de trabalho é o bastante para caracterizar a especialidade (TRU da 4ª Região: IUJEF 5016669-80.2013.404.7100, Relator Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, juntado aos autos em 07/10/2013, e IUJEF 5003728-23.2012.404.7007, Relatora Luciane Merlin Clève Kravetz, juntado aos autos em 23/11/2016). 3. A prova dos autos dá conta de que o autor, no exercício de suas funções de açougueiro em supermercado durante os intervalos de 01/09/1999 a 21/03/2009 e de 04/01/2010 a 30/05/2016, entrava periodicamente (de 20 a 30 vezes por dia) em câmara fria, congeladores e refrigeradores, estando exposto a temperaturas inferiores a 10ºC, o que caracteriza o exercício de atividade especial, conforme Portaria n° 3.214/78 do Ministério do Trabalho, Anexo nº 9 da NR15 e Súmula 198 do extinto TFR. (...) (5001432-25.2017.4.04.7113, TERCEIRA TURMA RECURSAL DO RS, Relator ENRIQUE FELDENS RODRIGUES, julgado em 12/12/2017)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. FRIO. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE AS DECISÕES CONSTRASTADAS. PRECEDENTES DA TRU4. REEXAME DE MATÉRIA DE PROVA. NÃO CONHECIMENTO. 1. A ausência de similitude fática, evidenciada pelas distintas situações de fato que levaram a conclusões diferentes àquelas alcançadas no acórdão recorrido em comparação aos acórdãos invocados como paradigmas, inviabiliza o conhecimento do recurso de pedido de uniformização pela falta de divergência quanto à interpretação das normas de direito material aplicáveis ao caso em concreto. 2. Entendimento adotado pelo acórdão recorrido não contraria a orientação desta Turma Regional, no sentido de que "a constante entrada e saída do trabalhador de câmaras frias, durante a sua jornada de trabalho, não descaracteriza a permanência exigida para o enquadramento de atividade especial pelo frio, agente agressivo previsto no item 1.1.2 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79." (IUJEF nº 2007.70.95.014769-0, Relatora Juíza Federal Luciane Merlin Cleve Kravetz). 3. Não é possível em sede de incidente de uniformização o revolvimento de matéria de prova. Inteligência da súmula n. 42 da TNU, aplicável por analogia. 4. Incidente não conhecido. (5002282-36.2013.4.04.7108, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 23/11/2016)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO AO AGENTE FRIO. NÃO-PERMANÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. ENTRADA E SAÍDA DE CÂMARAS FRIAS. COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO. 1. Na análise do pedido de reconhecimento de labor em condições especiais com base na exposição do segurado ao agente frio, é suficiente a comprovação da habitualidade da exposição, ou seja, que havia a entrada e a saída das câmaras frias todos os dias. Mostra-se irrelevante o fato de o segurado não ficar exposto permanentemente ao referido agente, porque a alternância brusca de temperatura ambiente causa tanto ou ainda mais mal à saúde do que a própria permanência em locais muito frios. 2. Precedente da TRU: IUJEF 2007.70.95.014769-0/PR, julgado em 13-2-2009, relatado pela Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz. 3. Incidente de Uniformização provido. (, IUJEF 0002713-72.2008.4.04.7257, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, D.E. 16/04/2012)
A nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 279, § 6º, da IN nº 77/2015, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.
Na situação em apreço, não restou demonstrado que a nocividade tenha sido neutralizada pelo uso de EPI eficazes.
Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)
O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período de 17/01/1990 a 03/08/2016.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
A soma do tempo especial reconhecido em juízo totaliza 26 anos, 06 meses e 17 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (03/08/2016), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.
Afastamento da atividade
Este Regional, tendo em conta o julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, de fato, vinha decidindo pela desnecessidade de afastamento do segurado da atividade que o expunha a agentes nocivos, afirmando a inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 (Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira Do Valle Pereira, Corte Especial, julgado em 24/05/2012).
Ocorre que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE nº 791.961/PR, representativo de controvérsia (Tema nº 709), em decisão assim ementada (Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 19/08/2020):
Direito Previdenciário e Constitucional. Constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91. Percepção do benefício de aposentadoria especial independentemente do afastamento do beneficiário das atividades laborais nocivas a sua saúde. Impossibilidade. Recurso extraordinário parcialmente provido.
1. O art. 57,§ 8º, da Lei nº 8.213/91 é constitucional, inexistindo qualquer tipo de conflito entre ele e os arts. 5º, inciso XIII; 7º, inciso XXXIII; e 201,§ 1º, da Lei Fundamental. A norma se presta, de forma razoável e proporcional, para homenagear o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à saúde, à vida, ao ambiente de trabalho equilibrado e à redução dos riscos inerentes ao trabalho.
2. É vedada a simultaneidade entre a percepção da aposentadoria especial e o exercício de atividade especial, seja essa última aquela que deu causa à aposentação precoce ou não. A concomitância entre a aposentadoria e o labor especial acarreta a suspensão do pagamento do benefício previdenciário.
3. O tema da data de início da aposentadoria especial é regulado pelo art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91, que, por sua vez, remete ao art. 49 do mesmo diploma normativo. O art. 57,§ 8º, da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social cuida de assunto distinto e, inexistindo incompatibilidade absoluta entre esse dispositivo e aqueles anteriormente citados, os quais também não são inconstitucionais, não há que se falar em fixação da DIB na data de afastamento da atividade, sob pena de violência à vontade e à prerrogativa do legislador, bem como de afronta à separação de Poderes.
4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.
5. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento. (Destaquei).
Assim, deve ser observada a imposição inserta no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, implicando na suspensão do pagamento do benefício a permanência do segurado aposentado no exercício da atividade que o sujeite a agentes nocivos ou caso a ela retorne voluntariamente.
Vale ressaltar que o afastamento da atividade se torna exigível tão somente a partir da efetiva implantação do benefício, sem prejuízo às parcelas vencidas no curso do processo que culminou na concessão da aposentadoria especial, seja ele judicial ou administrativo.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016). Porém, diante da afetação do Tema nº 1.059 do STJ [(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.], resta diferida para a fase de cumprimento de sentença eventual majoração dos honorários advocatícios decorrente do presente julgamento.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Conclusão
- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo especial no lapso de 17/01/1990 a 03/08/2016; e (b) direito do autor à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (03/08/2016), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então.
- Sentença reformada para alterar, de ofício, o critério de atualização monetária do débito.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por, de ofício, fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905; diferir para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária por força do art. 85, § 11, do CPC; conhecer, em parte, da apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento, bem como determinar a imediata implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002195102v4 e do código CRC 77b7c592.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 18/12/2020, às 14:20:46
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Apelação Cível Nº 5007214-31.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SADI WARMLING (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. O laudo pericial elaborado em reclamatória trabalhista deve ser admitido como meio de prova do exercício de atividades nocivas, para fins previdenciários, ainda que o INSS não tenha figurado como parte no processo. Ilação que se extrai do inciso I do art. 261 da IN/INSS nº 77/2015.
2. Embora o frio não esteja contemplado no elenco dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 como agente nocivo a ensejar a concessão de aposentadoria especial, o enquadramento da atividade dar-se-á pela verificação da especialidade no caso concreto, através de perícia técnica confirmatória da condição insalutífera, por força da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC.
3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho.
4. Tendo em conta o recente julgamento do Tema nº 709 pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da regra inserta no § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, o beneficiário da aposentadoria especial não pode continuar no exercício da atividade nociva ou a ela retornar, seja esta atividade aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Implantado o benefício, seja na via administrativa, seja na judicial, o retorno voluntário ao trabalho nocivo ou a sua continuidade implicará na imediata suspensão de seu pagamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, fixar o critério de correção monetária conforme decisão do STF no Tema nº 810 e do STJ no Tema nº 905; diferir para a fase de cumprimento de sentença a eventual majoração da verba honorária por força do art. 85, § 11, do CPC; conhecer, em parte, da apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento, bem como determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002195103v3 e do código CRC 60db7ab4.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 18/12/2020, às 14:20:46
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020
Apelação Cível Nº 5007214-31.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: SADI WARMLING (AUTOR)
ADVOGADO: ANDREA REGIANE SANGALETTI BERNARDINO (OAB SC013759)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 38, disponibilizada no DE de 30/11/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, FIXAR O CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA CONFORME DECISÃO DO STF NO TEMA Nº 810 E DO STJ NO TEMA Nº 905; DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A EVENTUAL MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA POR FORÇA DO ART. 85, § 11, DO CPC; CONHECER, EM PARTE, DA APELAÇÃO DO INSS E, NESTA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO, BEM COMO DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:36.