Apelação Cível Nº 5000909-80.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADRIANO CALMONA PEREIRA
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de aposentadoria especial, a partir do requerimento administrativo, em 07/05/2018.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do CPC, para DECLARAR o direito da parte autora à aposentadoria especial e, consequentemente, CONDENAR o INSS a conceder o benefício de aposentadoria especial à parte autora, nos termos da fundamentação antes adotada para: (i) reconhecer e averbar os períodos 01/03/1988 a 29/04/1988; 04/07/1988 a 10/04/2000; 01/04/2002 a 22/07/2005; 01/04/2006 a 17/12/2009; 01/12/2010 a 18/02/2015; e 01/04/2016 a 07/05/2018, como sendo especial, para que seja incluído ao tempo de contribuição; e (ii) homologar todo o tempo de serviço já reconhecido administrativamente pelo INSS.
Ressalte-se que o termo inicial do benefício deve ser a data do requerimento administrativo (07/05/2018 - seq. 1.36).
Conforme fundamentação, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 04/2006 (Lei n. 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/91), conforme decisão do STF no RE n. 870.947, DJE de 20/11/2017 e do STJ no REsp n. 1.492.221/PR, DJe de 20/03/2018. Por sua vez, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, os juros moratórios serão computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei n. 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, consoante decisão do STF no RE n. 870.947, DJE de 20/11/2017, e do STJ no REsp n. 1.492.221/PR, DJE de 20/03/2018.
Diante da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor do procurador da parte adversa, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor total e atualizado da condenação, excluídas as verbas vincendas (Súmula 111 do STJ), na forma do artigo 85, §3º, I, e §4º, I, do Código Processual Civil, o que faço com fundamento nos critérios previstos no artigo 85, §2º, do CPC.
Consigno que o percentual previsto no artigo 85, §3º, inciso I, do CPC, é aplicável desde logo, uma vez que, embora se trate de sentença ilíquida, o valor da condenação evidentemente não ultrapassará 200 (duzentos) salários mínimos, consoante §4º, inciso I, do referido artigo.
O INSS apela, alegando que (a) o autor não comprova a especialidade nos períodos em que trabalhou balconista/atendente de farmácia, uma vez que não restou demonstrada a exposição, de forma habitual e permanente, a pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou a materiais contaminados; (b) a necessidade de afastamento compulsório da atividade considerada nociva, conforme julgamento do Tema 709 do STF. Pede a improcedência da ação.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se acerca do reconhecimento da especialidade nos períodos em que o autor laborou como atendente/balconista de farmácia, de 01/03/1988 a 29/04/1988; 04/07/1988 a 10/04/2000; 01/04/2002 a 22/07/2005; 01/04/2006 a 17/12/2009; 01/12/2010 a 18/02/2015 e 01/04/2016 a 07/05/2018.
A caracterização da especialidade por exposição a agentes biológicos não se dá unicamente pelo local de prestação do trabalho (hospital, por exemplo). Exige-se que as atribuições do segurado envolvam contato com pacientes ou materiais não previamente esterilizados. Nesse contexto, não basta a indicação de potencial exposição a agentes biológicos sem demonstrar que a exposição era inerente ao trabalho desempenhado.
O trabalho em ambiente hospitalar, por exemplo, enseja o enquadramento como especial no caso de trabalhadores que mantenham contato habitual com pacientes portadores de doenças contagiosas e agentes biológicos, como é o caso dos profissionais da saúde (médicos, enfermeiros). Esse, todavia, não é o caso daqueles que realizam apenas atividades administrativas em hospital, sem manter contato habitual com pacientes em tratamento.
Saliento que o Anexo 14 da NR-15 da Portaria MTb 3.214/78 (Agentes Biológicos), ao dispor sobre as atividades insalubres em grau máximo, refere os trabalhos ou as operações que se dão em contato permanente com: pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados; carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose); esgotos (galerias e tanques); e lixo urbano (coleta e industrialização).
No caso, as atividades desempenhadas pelo autor na condição de atendente/balconista em farmácia, ou seja, fora de ambiente hospitalar, não expõem o trabalhador a agentes biológicos nos moldes previstos nos decretos regulamentadores da matéria.
Ademais, a atividade fim é alcançar medicamentos aos clientes e, ainda que eventualmente também tivesse por atribuição aplicar injeções e fazer curativos, essa não é a sua função principal. Portanto, não há contato direto e habitual com pessoas portadores de doenças infecto-contagiosas ou material contaminado.
Em casos semelhantes, precedentes deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AVERBAÇÃO DE TEMPO ESPECIAL. BALCONISTA E VENDEDOR DE FARMÁCIA. AGENTES BIOLÓGICOS. EXPOSIÇÃO OCASIONAL E INTERMITENTE. ESPECIALIDADE AFASTADA 1. A sentença que contém fundamentos suficientes para esclarecer por quais motivos o julgador decidiu a causa, demonstrando a sua convicção, não é nula por ausência de fundamentação. 2. A atividade de oficial de farmácia provisionado, ou de farmacêutico prático licenciado, desempenhada para fins de comércio de produtos farmacêuticos a varejo não se confunde com o exercício da profissão de farmacêutico bioquímico ou toxicologista. Precedentes. (...) (apelação civil 2003.71.00.029399-9; Relator Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 23/102007). 3. A atividade de balconista de farmácia não pode ser considerada especial pela simples alegação de que havia contato com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas, pois a atividade-fim desse profissional é alcançar remédios aos clientes. Precedentes. (...) (TRF4 5001214-75.2013.4.04.7003, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 05/09/2017). 4. A atividade de responsável técnica farmacêutica desenvolvida pela autora em estabelecimento comercial de venda de medicamentos não permite o seu enquadramento por categoria profissional. Com efeito, a atividade de farmacêutico licenciado, desempenhada para fins de comércio de produtos farmacêuticos a varejo não se confunde com o exercício da profissão de farmacêutico bioquímico ou toxicologista, enquadrável como especial de acordo com o Código 2.1.3 do Quadro Anexo II do Decreto nº 83.080/79. (Apelação Civil 5010096-97.2016.4.04.7107,. Relator Des. João Batista Pinto Silveira; 04/09/2019). (TRF4, AC 5004102-14.2018.4.04.7012, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/08/2021)
PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO TEMPO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. Não é possível o enquadramento, como nocivo, do labor prestado pela parte autora se não configura exposição a agentes biológicos, na forma exigida pela legislação previdenciária. A atividade de atendente de farmácia, ainda que ocorra a aplicação de injetáveis, não se caracteriza como insalubre, salvo se comprovado que atuava como toxicologista ou bioquímico. (TRF4, AC 5015819-78.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 11/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. CPC/2015. NÃO CONHECIMENTO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. ATENDENTE DE FARMÁCIA. CONVERSÃO DO TEMPO COMUM EM ESPECIAL - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.032/95 - IMPOSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. Inobstante os termos da Súmula 490 do Superior Tribunal ressalvar as sentenças ilíquidas da dispensa de reexame necessário, a remessa oficial, na espécie, não deve ser conhecida, a teor do que dispõe o artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC de 2015. 2. Mesmo que a RMI do benefício seja fixada no teto e que sejam pagas as parcelas referentes aos últimos cinco anos com juros e correção monetária, o valor da condenação não excederá a quantia de mil salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário. 3. Nas atividades de atendente de farmácia a parte autora não tinha contato com pacientes nem com material infecto-contagioso, não estando exposta a agentes biológicos, 4. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento no regime do art. 543-C do CPC, estabeleceu que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (STJ, Primeira Seção no regime do art. 543-C do CPC, EDcl no REsp 1310034/PR, rel. Herman Benjamin, j. 26/11/2014, DJe de 02/02/2015). O preceito é aplicável aos que preencheram as condições para aposentadoria especial após a edição da Lei 9.032/1995, e portanto não se beneficiam da conversão do tempo de serviço comum em especial para fins de aposentadoria. 5. Em face dos períodos especiais reconhecidos na sentença, cabível a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. 6. Correção monetária a contar do vencimento de cada prestação, calculada pelo INPC, para os benefícios previdenciários, a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91. 7. Juros de mora simples a contar da citação (Súmula 204 do STJ), conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997. 8. Determinada a imediata revisão do benefício. (TRF4 5030481-18.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/06/2021)
Conclusão: o autor não esteve exposto a agentes nocivos aptos a reconhecer a especialidade do labor nos períodos de 01/03/1988 a 29/04/1988; 04/07/1988 a 10/04/2000; 01/04/2002 a 22/07/2005; 01/04/2006 a 17/12/2009; 01/12/2010 a 18/02/2015 e 01/04/2016 a 07/05/2018.
Provida a apelação do INSS, devendo ser reformada integralmente a sentença, para julgar improcedente a ação.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, restando suspensa a exigibilidade da verba em razão do deferimento da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo do INSS: provido para julgar improcedente a ação. Prejudicada a questão da necessidade de afastamento compulsório da atividade nociva (Tema 709 do STF).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5000909-80.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADRIANO CALMONA PEREIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria especial. tempo de serviço especial. atendente de farmácia. agentes biológicos. direito não configurado. pedido improcedente. apelação provida.
. A atividade de balconista de farmácia não pode ser considerada especial, porque não envolve contato direto e habitual com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas ou material contaminado, pois sua atividade fim é alcançar remédios aos clientes. Precedentes deste Tribunal.
. Apelação provida, para julgar improcedente a ação. Inversão da sucumbência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003019227v5 e do código CRC 83cc811c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 15/02/2022
Apelação Cível Nº 5000909-80.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADRIANO CALMONA PEREIRA
ADVOGADO: JOSÉ ANTÔNIO ANDRÉ (OAB PR014953)
ADVOGADO: LUIZ RODRIGUES DA ROCHA FILHO (OAB PR018020)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 15/02/2022, na sequência 22, disponibilizada no DE de 04/02/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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