| D.E. Publicado em 07/11/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003015-08.2017.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | WALTRUDES MAURICIO |
ADVOGADO | : | Fernando Luzardo Amaral e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE COM AVERBAÇÃO DE TEMPO RURAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO URBANO. AUTÔNOMO. NÃO COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. NÃO RECONHECIMENTO DOS PERÍODOS REQUERIDOS. honorários. majoração.
1. Não havendo a comprovação do recolhimento das contribuições no período em que trabalhou como autônomo, ainda que comprovado o exercício da atividade, não há como reconhecer o período para fins de concessão de aposentadoria.
2. Para a averbação de período rural anterior à vigência da Lei 8.213/1991 sem a necessidade de comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias é necessário que o demandande demonstre que o exercício da atividade deu-se no regime de economia familiar demonstrando, assim, a sua condição de segurado especial.
3. Sendo a sentença proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9463716v11 e, se solicitado, do código CRC 811D395B. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 30/10/2018 15:25 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003015-08.2017.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | WALTRUDES MAURICIO |
ADVOGADO | : | Fernando Luzardo Amaral e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária intentada por WALTRUDES MAURÍCIO (nascido em 11/12/1943) contra o INSS em 24/01/2013, pretendendo haver benefício de aposentadoria por idade/tempo de contribuição com averbação de período rural.
Em seu relatório, a sentença assim delimitou os contornos da lide:
O autor referiu ter requerido, em 05/01/2009, aposentadoria por idade, sendo que o pedido foi negado sob a alegação de que foram reconhecidas somente 132 contribuições, enquanto seriam necessárias 168. Afirma que não foram reconhecidos os seguintes períodos pela autarquia previdenciária: 1) de 1969 a 1974, como agricultor; 2) de janeiro de 1974 a fevereiro de 1985, como vendedor autônomo. Requereu o reconhecimento dos períodos em questão, com a consequente averbação pela autarquia previdenciária como tempo de serviço, e concessão da aposentadoria por idade e pagamento das parcelas que deveriam ter sido alcançadas a partir de 05/01/2009 até o momento em que o demandante aposentou-se, no ano de 2012. Pleiteou a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Juntou procuração e documentos (fls. 04/211).
Deferida a AJG (fl. 212).
O INSS sustentou, em sede de contestação (fls. 213/218): 1) a falta de interesse de agir, tendo em conta que não foi requerido, no âmbito administrativo, o cômputo dos períodos em questão; 2) a inépcia da inicial, tendo em conta que o autor não especifica os períodos que pretende sejam reconhecidos; 3) que o período de 01/1974 a 02/1985 só podem ser considerados se forem juntados comprovantes de recolhimento das respectivas contribuições, sendo que o documento da fl. 21 não se presta a tal finalidade; 4) que todas as contribuições vertidas foram devidamente consideradas. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 219/273).
Sobreveio réplica (fls. 275/278).
Foi afastada a preliminar que sustentava a falta de interesse de agir (fl. 279).
O Ministério Público declinou de sua intervenção no feito (fl. 281/281v.).
Despacho saneador lançado à fl. 282/282v.
Em audiência de instrução (termo da fl. 294) foram ouvidas três testemunhas do autor.
Encerrada a instrução, as partes formularam razões remissivas.
O réu prestou esclarecimentos sobre as contribuições individuais vertidas pelo autor (fls. 309/317).
A sentença (f. 320 e 321), proferida em 12/09/2016, julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de custas processsuais e de honorários, estes arbitrados em R$ 1.000,00, com valor a ser corrigido pelo IGP-M desde a data da prolação da sentença. A exigibilidade do pagamento das verbas condenatórias foi suspensa em função da gratuidade judiciária concedida. No que diz respeito ao mérito da ação, entendeu o magistrado de primeiro grau que (1) não foi demonstrado o recolhimento das contribuições necessárias ao reconhecimento do período em que a parte autora alega haver trabalhado como autônomo (de janeiro de 1974 a fevereiro de 1985); que (2) o período de labor rural em regime de economia familiar também não poderia ser reconhecido uma vez que não houve confirmação da atividade por parte das testemunhas. Não havendo condenação do INSS, a sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Apelou a parte autora (f. 323 a 327). Nas suas razões, afirmou, no que se refere ao período de 1974 a 1985, que era autônomo e que tal condição foi confirmada pela prova testemunhal e pelas microfichas extraídas do CNIS, que comprovariam o recolhimento das contribuições previdenciárias no período. Quanto ao período rural - exercido entre 1968 e 1974 -, alega que estaria devidamente comprovado pelas notas fiscais de produtor anexadas aos autos e que o INSS haveria reconhecido tal tempo como de serviço, apenas não o cumputando porque entendeu que não poderia ser utilizado para fins de carência. Concluiu assegurando que a soma de todos os períodos chegariam muito além das 168 contribuições exigidas e que com a agregação do tempo rural resultaria em 32 anos de trabalho, fatores estes que indicariam que faz jus à aposentadoria pleiteada. Dessa forma, requereu a reforma da sentença no sentido de julgar procedente a ação tal como foi proposta na petição inicial.
Com contrarrazões (f. 328 a 332), veio o processo a este Tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
O juizo de origem não submeteu a sentença à remessa oficial.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO URBANO
O tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo por motivo de força maior ou caso fortuito, a teor do previsto no artigo 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91.
As anotações constantes na CTPS gozam de presunção juris tantum de veracidade (Súmula 12 do TST, Decreto 3.048/99, art. 19), dos vínculos empregatícios ali registrados, presumindo-se a existência de relação jurídica válida e perfeita entre empregado e empregador, salvo eventual fraude, do que não se cuida na espécie. Não obsta o reconhecimento do tempo de serviço assim comprovado a falta de recolhimento das contribuições previdenciárias, porquanto o encargo incumbe ao empregador, nos termos do art. 30, inc. I, alíneas a e b, da Lei nº 8.212/91; não se pode prejudicar o trabalhador pela desídia de seu dirigente laboral em honrar seus compromissos junto à Previdência Social, competindo à autarquia previdenciária o dever de fiscalizar e exigir o cumprimento dessa obrigação legal.
A propósito:
PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO RURAL. REGISTRO EM CTPS. ANOTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. PROVA PLENA DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REGRAS PERMANENTES. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados, ressaltando-se que a anotação posterior, não constitui, por si só, qualquer indício de fraude.
2. Assim deve ser reconhecido o período de labor como empregado rural e anotado na CTPS do autor.
[...]
(TRF4, Sexta Turma, AC 0001982-22.2013.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, 19ago.2014)
Ainda que não se verifique no CNIS o recolhimento de contribuições previdenciárias relativas a vínculos constantes da CTPS, o art. 32 do Decreto 3.048/99 autoriza que estes sejam considerados como período contributivo, definindo como tal o "conjunto de meses em que houve ou deveria ter havido contribuição em razão do exercício de atividade remunerada sujeita a filiação obrigatória ao regime de que trata este Regulamento" ( § 22, I).
DA COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Cumpre referir, relativamente à idade mínima para exercício de atividade laborativa, que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que "as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo." Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
DA APOSENTADORIA MISTA OU HÍBRIDA
(§ 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991)
A aposentadoria por idade de que trata o art. 48 da Lei 8.213/1991 poderá ser outorgada ao segurado que compute tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que descontínuo, insuficiente para contagem equivalente ao período de carência. Nesses casos é possível haver o benefício de aposentadoria por idade com fundamento no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, a denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida. Referido dispositivo legal assim declara:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
A intenção da alteração introduzida pela Lei 11.718/2008 na Lei de Benefícios foi possibilitar ao trabalhador rural que não se enquadre na previsão do § 2º haver aposentadoria por idade, aproveitando contribuições em outra categoria de segurado computadas em conjunto com o tempo de efetivo exercício de atividade rural. Em contrapartida foi elevada a idade mínima para sessenta anos (mulheres) e para sessenta e cinco anos (homens). Busca-se com isso contemplar o trabalhador que conta tempo rural insuficiente para aposentadoria rural, e conjuga em seu histórico previdenciário vínculos urbanos, o que poderia descaracterizar a condição de segurado especial e impedir a fruição de benefício.
A natureza jurídica da aposentadoria mista ou híbrida é de uma modalidade de aposentadoria urbana. Aproveita-se o tempo de exercício efetivo de atividade rural para efeitos de carência, computando cada mês como de salário-de-contribuição pelo valor mínimo. Reforça a conclusão o disposto no § 4º do art. 48 da Lei 8.213/1991, impondo para os casos do § 3º do mesmo artigo de lei que a renda mensal será apurada em conformidade com o inc. II do art. 29 da Lei de Benefícios. Essa remissão, e não ao art. 39 da Lei 8.213/1991, confirma que se trata de modalidade de aposentadoria urbana, ou, no mínimo, a ela equiparada. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA OU HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE.
1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem.
2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.
3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural.
4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana.
5. A denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, em rigor é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime deve ser equiparada à aposentadoria por idade urbana. Com efeito, a ConstituiçãoFederal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
6. Esta constatação (da similaridade da denominada aposentadoria mista ou híbrida com a aposentadoria por idade urbana) prejudica eventual discussão acerca da descontinuidade do tempo (rural e urbano). Como prejudica, igualmente, qualquer questionamento que se pretenda fazer quanto ao fato de não estar o segurado eventualmente desempenhando atividade rural ao implementar o requisito etário.
(TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0005399-12.2015.404.9999, rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 25/06/2015)
Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015). O referido § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício (TRF4, Terceira Seção, EI 0008828-26.2011.404.9999, rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10/01/2013).
O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da L 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.
Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)
(STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015)
DO CASO CONCRETO
A parte autora nasceu em 11/12/1943, tendo completado sessenta e cinco anos de idade em 11/12/2008. O requerimento administrativo foi protocolado em 05/01/2009. Assim, segundo a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, o período de carência a ser cumprido é de 168 meses. A parte autora aposentou-se em 20/08/2012 e requer que o marco inicial de seu benefício seja a data do requerimento administrativo de 2009, com o pagamento atualizado das parcelas referentes ao período anterior à concessão do benefício atual e posterior ao requerimento administrativo indeferido pelo INSS.
Como prova documental dos tempos de serviço urbano e rural, constam nos autos os seguintes documentos:
1. Carteira de associado do Sindicato Rural de São Lourenço do Sul em nome da parte autora, na qual consta como profissão orizicultor (f. 10);
2. Certidão de casamento da parte autora, ocorrido em 27/01/1965, na qual consta que a sua profissão era agricultor (f. 11);
3. Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral de Pessoa Jurídica, emitido pela Receita Federal em 26/02/2009, que demonstra que em 13/01/1987 a parte autora registrou-se como empresário individual, possuindo comércio atacadista de equipamentos elétricos de uso pessoal e doméstico (f. 13 a 17);
4. Dados cadastrais do CNIS, nos quais estão demonstradas as contribuições previdenciárias que foram recolhidas pelo autor no período de julho de 1977 a fevereiro de 2004 (f. 18 a 26);
5. Comprovante de Constituição de Firma Individual perante a Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul, datado de 28/12/1986, sendo a atividade econômica principal cadastrada comércio de vidros, material elétrico e tintas, comércio de ferragens em geral (f. 28);
6. Resumo dos documentos para cálculo de tempo de contribuição elaborado pelo INSS, que reconhece 132 contribuições para fins de carência (f. 29 a 32);
7. Notas fiscais de produtor rural em nome do autor abrangendo os anos de 1969 a 1977 (f. 45 a 211);
8. Pesquisa do CNIS, produzida pela DATAPREV, em nome da parte autora, abrangendo o período de contribuição de maio de 1987 a julho de 2012 e no qual consta a concessão de aposentadoria a partir de 20/08/2012 (f. 257 a 273);
9. microfichas em nome do autor relativas ao período de 1974 a 1985, com esclarecimentos do INSS sobre o seu conteúdo (f. 309 a 317).
No que diz respeito à prova oral, a parte autora arrolou três testemunhas, que foram ouvidas em audiência realizada em 01/09/2015 (CD com os vídeos encartado em f. 295):
Wilmar Oliveira disse que conhece o autor deste 1972, quando (a testemunha) passou a morar em Cristal. Afirmou que desde este ano via o autor trabalhar como eletricista, realizando consertos e instalações nas casas dos moradores da cidade, inclusive na sua. Perguntado se o autor tinha outra ocupação além da de eletricista, respondeu que, pelo que sabe, apenas trabalhava nessa atividade.
Juan José Fernández disse que conhece o autor desde 1977, quando veio morar em Cristal vindo do Uruguai. Afirmou que desde esse ano via o autor instalando vidros e fazendo trabalhos de eletricista.
Rubin Westphal disse que conhece o autor deste 1972, quando (a testemunha) passou a morar em Cristal. Informa a testemunha que além de agricultor, também é pedreiro e carpinteiro. Afirma que o autor, mais ou menos entre 1974 e 1985, trabalhou para a testemunha colocando os vidros e fazendo a instalação elétrica das casas que construía em sua atividade de pedreiro e carpinteiro.
A sentença, como visto no relatório, não reconheceu os períodos urbanos e rurais pleiteados na inicial considerando não haver prova suficiente do recolhimento das contribuições previdenciárias - no caso do período urbano - e do exercício da atividade rural no regime de economia familiar no período requerido. Assim justificou o seu entendimento o juízo de origem:
Consoante se depreende da prova produzida nos autos, não merecem ser acolhidos os pedidos formulados na exordial.
No ano de 2009, ao requerer a aposentadoria por idade, foram reconhecidas pela autarquia previdenciária 91 [sic] contribuições (fl. 30), sendo necessárias 168 contribuições para a concessão do benefício.
Em relação ao período em que o autor trabalhou como autônomo, foram realizadas apenas 14 contribuições, todas já reconhecidas pelo ente previdenciário, conforme restou esclarecido no documento da fl. 310.
O contrário não foi devidamente comprovado pelo demandante, ônus que a ele pertencia.
Necessário esclarecer que o autor estava obrigado, como trabalhador autônomo, a recolher as correspondentes contribuições previdenciárias, nos termos dos arts. 5º, III e 79, IV da Lei nº 3.807/60, aplicável à época.
De outra banda, sequer o período de labor rural em regime de economia familiar (de janeiro de 1969 a dezembro de 1973) foi demonstrado nos autos.
Gize-se que as testemunhas ouvidas na solenidade instrutória afirmaram conhecer o autor desde 1972, quando este já era eletricista. Nada puderam informar sobre o período anterior. E vale ressaltar a necessidade de complementação da prova documental com a testemunhal para comprovação do labor especial, o que efetivamente não se observa no caso dos autos.
Nesse passo, outra solução não resta senão a improcedência da ação.
Ao contestar a sentença, afirma a parte autora que o INSS não reconheceu o período rural apenas para fins de carência, mas que não haveria posto óbice em relação ao seu reconhecimento como tempo de serviço. Assegura ainda que o pedido de reconhecimento do período rural alegado não é de carência para aposentadoria por tempo de contribuição, mas sim de contagem de tempo de serviço para aposentadoria por tempo de serviço, haja vista o entendimento de que possuiria tempo de contribuição superior ao período de carência. Nesse sentido, afirma que a carência seria cumprida pelo tempo de contribuição entre 1974 e 1985. Assim, concluiu que o juízo se equivocou ao rejeitar o tempo rural por considerá-lo não provado, uma vez que há o início de prova e a sua aceitação pelo INSS, que só o haveria rejeitado para efeito de carência.
A análise do apelo da parte autora demonstra, portanto, que o pedido de reforma da sentença divide-se em dois eixos:
1. o requerimento da averbação do período de 1974 a 1985, no qual a parte autora teria trabalhado como autônomo;
2. o requerimento da averbação do tempo rural alegado (de 1968 a 1974) como tempo de serviço.
Definida a controvérsia, passo para o seu enfrentamento.
a) da averbação do período de atividade como autônomo. Necessidade da comprovação do recolhimento.
No que se refere ao período de 1974 a 1985, afirmou o autor em seu recurso que era vendedor autônomo e em tal condição trabalhava. Reforça que na época não havia a obrigatoriedade de registro de firma individual, o que só foi feito em 1986, conforme documentação anexada aos autos. Afirma, assim, que a ausência do registro foi suprida pela prova testemunhal. Ressalta ainda que a prova oral nem seria necessária uma vez que há prova documental da contribuição no período (no caso, as microfichas acostadas aos autos). Dessa forma, considera equivocada a conclusão do juízo de origem ao desconsiderar as contribuições constantes das microfichas, as quais assevera estarem efetivadas e constantes no sistema previdenciário e que somadas importariam em mais do que 168 contribuições - até mais de 180 - perfazendo, na verdade, 300 contribuições.
Com base nas alegações acima, requereu o provimento do recurso.
Entendo que não assiste razão à parte autora.
A análise da sentença demonstra que o juízo de origem não reconheceu a totalidade do período no qual a parte autora atuou como autônomo por não haver comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias, necessárias nos termos dos arts. 5º, III e 79, IV, da Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807/1960). O artigo 5º da referida Lei elenca os segurados obrigatórios, incluídos nestes os trabalhadores autônomos:
Art. 5º São obrigatoriamente segurados, ressalvado o disposto no art.3º: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)
I - como empregados: (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)
a) os que trabalhem nessa condição no Território Nacional, inclusive os domésticos; (Incluída pela Lei nº 6.887, de 1980)
b) os brasileiros e estrangeiros domiciliados e contratados no Brasil para trabalharem como empregados nas sucursais ou agências de empresas nacionais no exterior; (Incluída pela Lei nº 6.887, de 1980)
c) os que prestam serviço a missão diplomática ou repartição consular de carreira estrangeiras e a órgãos a elas subordinados, no Brasil, ou a membros dessas missões e repartições, excluídos os não brasileiros sem residência permanente no Brasil e os brasileiros, que estejam amparados pela legislação previdenciária do País da respectiva missão diplomática ou repartição consular; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.253, de1985) (Vigência)
d) os brasileiros civis que trabalham para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros, ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliados e contratados, salvo se segurados obrigatórios na forma da legislação vigente do País do domicílio; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.253, de 1985)
II - os titulares de firma individual; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)
III - os diretores, membros de conselho de administração de sociedade anônima, sócios-gerentes, sócios-solidários, sócios-cotistas que recebam pro labore e sócios de indústria de empresas de qualquer natureza, urbana ou rural; (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)
IV - os trabalhadores autônomos, os avulsos e os temporários. (Redação dada pela Lei nº 6.887, de 1980)
§ 1º São equiparados aos trabalhadores autônomos: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.253, de 1985)
a) os ministros de confissão religiosa e os membros dos institutos de vida consagrada e de congregação ou de ordem religiosa, estes quando por ela mantidos, salvo se filiados obrigatoriamente à previdência social em razão de outra atividade, ou filiados obrigatoriamente a outro regime de previdência social, militar ou civil, ainda que na condição de inativo; (Redaçãodada pelo Decreto-lei nº 2.253, de 1985)
b) os empregados de organismos oficiais internacionais ou estrangeiros, que funcionam no Brasil, salvo se obrigatoriamente amparados por regime próprio de previdência social; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.253, de 1985)
c) os brasileiros civis que trabalhem, no exterior, para organismos oficiais internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliados e contratados, salvo se segurados obrigatórios na forma da legislação do País do domicílio. (Incluída pelo Decreto-lei nº2.253, de 1985)
§ 2º As pessoas referidas no artigo 3º, que exerçam outro emprego ou atividade compreendida no regime desta Lei, são obrigatoriamente segurados, no que concerne ao referido emprego ou atividade, ressalvado o disposto na alínea " b", do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº6.887, de 1980)
§3º - Os pescadores que, sem vínculo empregatício, na condição de pequenos produtores, trabalhem individualmente ou em regime de economia familiar, fazendo da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida e estejam matriculados na repartição competente, poderão optar pela filiação ao regime desta Lei, na qualidade de trabalhadores autônomos. (Redação dada pela Lei nº 7.356,de 1985)
§ 4ºAquele que ingressar no regime da Previdência Social Urbana após completar 60 (sessenta) anos de idade terá direito somente ao pecúlio de que trata o parágrafo anterior, ao salário-família, à renda mensal vitalícia e aos serviços, sendo devido, também, o auxílio-funeral. (Incluído pela Lei nº 6.887, de 1980) (grifos meus)
A leitura da sentença demonstra que esta, ao invés de se referir ao inciso IV do referido artigo (que inclui os autônomos entre os segurados obigatórios), mencionou o inciso III, que diz respeito aos administradores e sócios de empresas jurídicas. Com base nesta referência, a parte autora argumenta que na época trabalhava como autônomo e ainda não havia registrado firma individual e que nem havia na época obrigação para tanto, afirmando que o exercício da atividade estaria demonstrado pela prova material e oral.
Percebe-se que nesse ponto houve um erro material na sentença - provavelmente um equívoco ao citar o inciso. Dessa forma, não há dúvida que a parte autora, na época em tela, se enquadrava entre os segurados obrigatórios. Porém o simples fato de o trabalhador autônomo se enquadrar entre aqueles citados na legislação como segurados obrigatórios não implica, por si só, a aquisição do status de segurado. Para tanto, é necessário que este faça o recolhimento das contribuições previstas no art. 79, IV, da referida Lei (também citado pela sentença):
Art. 79. A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de quaisquer importâncias devidas ao Instituto Nacional de Previdência Social serão realizadas com observância das seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)
(...)
IV - ao trabalhador autônomo, ao segurado facultativo e ao segurado desempregado, por iniciativa própria, caberá recolher diretamente ao Instituto Nacional de Previdência Social, no prazo previsto no item II, o que for devido como contribuição, ao valor correspondente ao salário-base sobre o qual estiverem contribuindo; (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973)
(...)
Concluí-se que, embora a lei previdenciária atribua a condição de segurado obrigatório ao autônomo, não se pode perder de vista que o recolhimento da contribuição, no caso desses segurados, é de sua responsabilidade e não de um terceiro, como seria o caso do segurado empregado, por exemplo. Por isto é que em relação a este - como pode ser visto no tópico que trata da comprovação da atividade urbana - basta a prova do exercício da atividade. Isto porque há um terceiro encarregado (no caso, o empregador) do recolhimento das contribuições. No entanto, ao segurado autônomo, ainda que seja considerado segurado obrigatório, incumbe provar não apenas o exercício da atividade, mas também - e de forma obrigatória - o recolhimento das contribuições pertinentes. Caso não haja tal recolhimento, entende-se que renuncia à sua condição de segurado e, consequentemente, aos benefícios dela decorrentes. A distinção fundamental é que - ao contrário do trabalhador empregado - a condição de segurado do autônomo deve ser mantida por opção deste, que se materializa pelo pagamento das contribuições.
Da mesma forma, não se pode confundir, o que parece por vezes ocorrer nas razões do apelo, a comprovação do exercício da atividade rural - principalmente a anterior ao advento da Lei 8.213/1991 - com a da atividade urbana. Naquela basta ao trabalhador comprovar o efetivo exercício do labor rural, não havendo a necessidade de comprovar os recolhimentos previdenciários. Nesta não basta apenas comprovar o exercício da atividade: é necessário comprovar que o labor esteja acompanhado da devida contribuição à Previdência Social.
Dessa forma, não basta o exercício efetivo da atividade como autônomo para obter a condição de segurado obrigatório. É necessário para tanto verter as contribuições para o INSS. No que diz respeito às contribuições urbanas da parte autora, uma análise detalhada das provas constantes nos autos demonstra que, na verdade, durante o período alegado - de 1974 a 1985 - esta apenas realizou 14 contribuições ao INSS. Tais contribuições podem ser conferidas na folha 26 dos autos, na qual há uma tabela na qual estão assinalados os meses, entre 1977 e 2004, nos quais a parte autora contribuiu como autônomo. Nela vê-se que durante o período supracitado a parte autora apenas verteu contribuições nos seguintes meses:
a) de julho a dezembro de 1977;
b) de janeiro a março de 1978;
c) em agosto de 1979;
d) em junho de 1980;
e) de maio a julho de 1981
Da mesma forma, não há como afirmar, como fez a parte autora, que o INSS não teria comprovado o não recolhimento. Nesse sentido, a análise dos autos demonstra que o julgador, na audiência de instrução, ao constatar que não havia a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias referentes ao período requerido, determinou à parte autora que demonstrasse documentalmente o recolhimento ou apontasse nos autos onde ele estaria comprovado (f. 296). Respondeu a parte autora (f. 297 a 300) que tal comprovação deveria ser feita pelo INSS, uma vez que este tem em seu poder todas as anotações referentes ao sistema contributivo. Dessa forma requereu a intimação do INSS para que juntasse as microfichas, via microfilmagem, relativas aos período de 1974 a 1985. Intimado (f. 301), juntou a autarquia os documentos solicitados (f. 302 a 306). Não satisfeita, a parte autora entrou com nova petição (f. 308), na qual alegava que o INSS não juntou as microfichas, e sim apenas os seus relatórios, e que, além disso, não esclarece o que são os números apontados nos documentos que fez juntada. Requereu, assim, que o INSS juntasse as microfichas referidas ou explicasse o teor dos relatórios anexados. Novamente intimado (f. 308 verso), o INSS (f. 309 a 317) junta novamente a documentação já anexada, desta vez acompanhada do relatório CNIS referente às relações previdenciárias da parte autora. Junto à documentação, prestou os seguintes esclarecimentos:
a) que os relatórios apresentados são os únicos disponíveis no CNIS a título de informações microfilmadas;
b) que os documentos referidos no item anterior sempre serviram para a comprovação dos recolhimentos dos segurados. A única diferença é que antigamente era fornecido o espelho da folha inteira, o qual continha informações de outros segurados, o que foi posteriormente proibido pela Direção de Benefícios, motivo pelo qual havia o recorte no extrato a fim de excluir os segurados não envolvidos na lide;
c) no que diz respeito aos relatórios em si, informou que eles são emitidos em uma certa competência e se referem a contribuições efetuadas dentro de um determinado período que, por sua vez, poderia ser parcialmente o mesmo já constante em relatório da competência de emissão anterior, motivo pelo qual poderia ocorrer de se passar a impressão de que haveria um número maior de contribuições do que o efetivamente recolhido;
d) com o intuito de demonstrar a afirmação do item anterior, listou as competências de todos os relatórios anexados podendo-se constatar que realmente havia coincidências parciais entre os períodos abrangidos (ex. a competência 06/84 refere-se às conribuições entre 05/1981 e 12/84, enquanto a competência 06/85 - imediatamente posterior - compreendia o período de 05/1981 a 02/1985);
e) conclui que somando a quantidade de contribuições, desprezadas as concomitâncias, chega-se a um total de 14 contribuições.
A leitura atenta dos documentos apresentados demonstra que realmente as informações do INSS estão coerentes com as provas apresentadas e que também correspondem à documentação anteriormente anexada aos autos (f. 12 a 26, 229 a 238 e 259 a 262).
Vê-se, portanto, que não cabe a argumentação tendente a responsabilizar o serviço de fiscalização do órgão previdenciário pela inércia do segurado. A parte autora em nenhum momento demonstrou o efetivo recolhimento das contribuições e o INSS demonstrou documentalmente que a contribuição foi apenas parcial e já computada no cálculo do seu período de carência. Dessa forma, deve ser negado provimento ao apelo da parte autora no que se refere ao cômputo do período em que exerceu a atividade urbana como autônomo.
Afastado o período de atividade urbana, passo para a análise do labor rural.
b) Do reconhecimento do período de atividade rural. Condição de segurado especial. Necessidade da prova oral como complemento da prova material.
A parte autora, como já visto, requereu a averbação, como tempo de serviço, de atividade rural que teria sido exercida entre janeiro de 1969 e dezembro de 1973. A fim de comprovar a atividade, juntou aos autos documentação que o qualificava como agricultor e várias notas fiscais indicando a comercialização de produtos agrícolas, especificamente arroz, milho e soja, além de cabeças de gado.
A sentença não reconheceu o período pelo fato de a prova material não haver sido acompahada da respectiva prova oral: nenhuma das testemunhas arroladas confirmou o exercício da atividade rural por parte do autor, apenas referindo que sempre o viu trabalhando como eletricista.
Em suas razões, alega a parte autora que já haveria o reconhecimento da atividade rural pelo INSS, que apenas teria negado o seu cômputo para fins de carência. Afirma ainda que, além de reconhecido administrativamente pelo INSS, o período em tela já estaria provado pelas notas fiscais de produtor rural em seu nome anexadas aos autos e que constituiriam prova tarifada.
Mais uma vez, entendo que não assiste razão à parte autora.
No que diz respeito ao suposto reconhecimento do período pelo INSS, percebe-se, na Comunicação de Decisão (f. 36 e 37), na qual a autarquia negou a concessão do benefício ao autor, que nela não há o reconhecimento de que há indícios de lavor rural, o que geralmente ocorre quando, apesar de haver comprovação ou indícios da atividade rural, a autarquia entende que há algum fator impeditivo à concessão do benefício (por exemplo: a atividade agrícola não é em regime de economia familiar, a renda obtida pela lide rural é apenas complementar à renda urbana de membro do grupo familiar do requerente, etc.). No presente caso, o INSS, ao justificar a não concessão do benefício, apenas refere que a parte autora não cumpriu a carência necessária (teria 132 contribuições quando seria necessário um mínimo de 168 contribuições). A menção à atividade rural está apenas presente no final da comunicação, em um texto padrão que geralmente acompanha tais documentos, listando as exigências cumulativas para o recebimento do tipo de benefício requerido. A citada menção está no item 1.2 das exigências (f. 37): o tempo de serviço como trabalhador rural, anterior à 11/91, não é computado para efeito de carência (Par. 20., Art. 55, Lei nº 8.213/91). Dessa forma, verifica-se que a autarquia não analisou a atividade rural da parte autora, não havendo como afirmar que houve o reconhecimento do labor rural. Tanto é assim que em sua contestação (f. 213 a 219), ainda na fase de conhecimento, o INSS requereu, preliminarmente, o reconhecimento da falta de interesse de agir da parte autora em relação ao período rural, uma vez que entendeu que não havia sido requerido o seu reconhecimento:
(...) De início, cabe ressaltar que em nenhum momento no processo administrativo a parte autora solicitou o cômputo de período exercido em atividade rural em regime de economia familiar tal qual afirma na exordial (1969 a 1974), conforme se depreende da cópia do requerimento administrativo ora juntada aos autos que limitou-se ao pedido de APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. Evidente, portanto, a ausência do interesse de agir, posto que a questão não foi submetida à análise administrativa. (...) (grifos no original)
Como pode ser visto no trecho acima, o INSS afirma de forma explícita que não analisou administrativamente o período rural alegado pelo autor. Dessa forma, deve ser afastada a alegação de que o INSS já teria reconhecido o período rural como tempo de serviço. Faz-se necessária, portanto, a análise do mérito da questão por este órgão julgador.
No que diz respeito à prova documental acostada aos autos, ela é farta e indica o exercício de atividade rural pela parte autora: há, como visto, alguns documentos indicando que a sua profissão era agricultor e, principalmente, uma grande quantidade de notas fiscais de produtor rural em nome do autor comprovando o comércio de produtos agrícolas.
Ocorre que, no entanto, as testemunhas ouvidas em juízo não confirmaram o exercício da atividade rural, corroborando somente a sua atividade como eletricista e vidraceiro. No caso, a parte autora requereu o reconhecimento de atividade rural desde 1969 até o final de 1973. Porém as testemunhas afirmaram que em 1972 a parte autora já estava exercendo a atividade de eletricista e não indicaram que esta também exercia, de forma concomitante ao serviço urbano, as atividades rurais. Tal fato fragiliza a prova documental, antes tão robusta. Não se está aqui afirmando que o fato de exercer atividade urbana afasta, por si só, o exercício do labor rural. Apenas se está constatando que as testemunhas não ratificaram o exercício da atividade rural concomitante.
Faz-se necessário, aqui, também, que se faça a seguinte distinção: possuir 'condição de agricultor' não é sinônimo de ser segurado especial (ou seja, exercer atividade rurícola em regime de economia familiar). Para que se considere o tempo de atividade rural, seja para a aposentadoria por tempo de contribuição/de serviço, seja para a chamada aposentadoria mista ou híbrida, faz-se necessária a caracterização da condição de segurado especial (trabalhador rural que exerce sua atividade no regime de economia familiar). Dessa forma, não basta comprovar a situação de agricultor, deve-se demonstrar que a atividade rural é exercida no regime de economia familiar.
Nesse sentido, a prova dos autos acaba não sendo favorável à parte autora. A análise das notas fiscais de produtor acostadas demonstra a comercialização de uma grande quantidade de grãos o que, em princípio, depõe contra o exercício da atividade agrícola em regime de economia familiar. Vejamos alguns indicativos desta conclusão:
1. a primeira nota juntada (f. 46), datada de 15/08/1969, indica a comercialização de 639 sacos de arroz, o que dá, segundo o documento, um total de 29.691 quilos, sendo que em meses próximos - junho e julho - há várias outras notas geralmente indicando, cada uma, a venda de mais de 100 sacos de arroz (as notas com quantidades semelhantes de arroz se estendem pelos anos de 1970, 1971 e 1972);
2. a partir de 1972 soma-se à comercialização de arroz a venda de grandes quantidades de milho e em 1974 inicia-se também a comercialização de grandes quantidades de soja;
3. em meio às notas de comercialização de grãos, há algumas indicando a venda de cabeças de gado (geralmente novilhos), quase todas em torno de 10 cabeças.
O fato de estar demonstrada a comercialização de uma grande quantidade de grãos nas notas fiscais de produtor em nome do autor - além de uma quantidade razoável de cabeças de gado - indica que dificilmente as atividades de produção agrícola seriam apenas exercidas pelos familiares da parte autora sem a ajuda de empregados e sem uma intensa utilização de maquinário agrícola. A forma como se dava a produção agrícola, no entanto, poderia ter sido esclarecida pela prova testemunhal, mas não o foi. Nesse sentido, registre-se que o próprio INSS se manifestou nos autos (f. 287), por ocasião do seu saneamento, indicando que tinha interesse no depoimento pessoal do autor e das testemunhas para apurar as condições do alegado cumprimento do labor rural em regime de economia familiar.
O que há nos autos, portanto, indica que a produção agrícola era realizada em larga escala, o que impede a caracterização do autor como pequeno produtor. Dessa forma, uma vez não caracterizado o regime de economia familiar, seria necessário, para o reconhecimento do período de atividade rural, que a parte autora comprovasse o devido recolhimento à previdência social. Isso porque a desnecessidade da comprovação de contribuição - seja para a aposentadoria por idade/tempo de contribuição, seja para a aposentadoria mista ou híbrida - vale apenas para o trabalhador rural enquadrado como segurado especial, o que não é o caso dos autos. Não comprovado o recolhimento, não há como averbar o período, seja para fins de cômputo de tempo de serviço, seja para fins de cumprimento de carência.
Assim, em que pese a parte autora haver demonstrado a sua produção rural e, consequentemente, haver indícios de sua condição de agricultor, não demonstrou a sua qualidade de segurado especial no período, motivo pelo qual deve ser desprovido o recurso também em relação a este ponto.
Concluí-se que deve ser mantida sentença no que diz respeito ao mérito da ação.
DOS CONSECTÁRIOS
Como visto no relatório, a parte autora foi condenada ao pagamento de custas e de honorários fixados em R$ 1.000,00. Tendo em vista o desprovimento do recurso, resta mantida a sucumbência integral da parte autora e a condenação ao pagamento das verbas referidas.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para R$ 1.500,00. Porém, tendo em vista a concessão da gratuidade judiciária (f. 212), resta suspensa a exigibilidade do pagamento das verbas condenatórias.
CONCLUSÃO
De acordo com a fundamentação, deve-se:
1. Negar provimento ao apelo, mantendo a sentença no que diz respeito ao mérito da ação;
2. Majorar a verba honorária, na forma dos consectários.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/10/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003015-08.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00013136220138210007
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Osni Cardoso Filho |
PROCURADOR | : | Dra. Andrea Falcão de Moraes |
APELANTE | : | WALTRUDES MAURICIO |
ADVOGADO | : | Fernando Luzardo Amaral e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/10/2018, na seqüência 35, disponibilizada no DE de 16/10/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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