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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IMPROCEDÊNCIA. TEMA 629 DO STJ. TRF4. 5000998-69.2021.4.04...

Data da publicação: 22/07/2024, 07:34:05

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IMPROCEDÊNCIA. TEMA 629 DO STJ. 1. A concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida (ou mista), não se exige o cumprimento simultâneo dos requisitos idade e carência, tampouco a qualidade de segurado na data do requerimento administrativo. 2. Conforme fixado pelo STJ no Tema nº 1.007 o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 3. No presente caso, as provas materiais não indicam trabalho rural da parte autora, aplicando-se a inteligência do Tema 629 do STJ. 4. Reformada a sentença para julgar improcedente o pedido de cocnessão de aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, ante o não cumprimento do requisito da carência. (TRF4, AC 5000998-69.2021.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 14/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000998-69.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LOURDES MOREIRA DA SILVA

RELATÓRIO

LOURDES MOREIRA DA SILVA ajuizou ação ordinária em 11/11/2019, objetivando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade híbrida, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, formulado em 28/10/2019, mediante o cômputo do período de 29/08/1971 a 13/07/1993, de tempo rural, em regime de economia familiar.

Sobreveio sentença proferida nos seguintes termos (evento 127, SENT1):

DISPOSITIVO

Isto posto, JULGO PROCEDENTE os pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por idade hibrida à autora desde 28 de outubro de 2019 (DER – mov. 60.5) bem como, para que proceda à averbação do período compreendido entre 29/08/1971 a 13/07/1993, observando-se, quanto ao salário-de-benefício, as balizas da legislação previdenciária, sendo que os valores atrasados deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E e sofrer incidência de juros no índice aplicável à remuneração das cadernetas de poupança, conforme o teor do artigo 1°-F, da Lei n° 9.494/97.

Com fundamento no artigo 85, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, condeno o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios que arbitro em dez por cento sobre o valor das parcelas vencidas.

O INSS, em suas razões recursais, defende que a parte autora não comprovou o exercício de labor urbano ou rural nos 15 anos que antecederam o implemento do requisito etário e da DER (2004 a 2019). Afirma que a documentação rural não abrange o tempo de carência e que o CNIS indica a última contribuição previdenciária em 04/1994. Argumenta que o marido da autora possui registro urbano em CTPS desde 1975, tendo exercido atividade urbana em períodos descontínuos, de 06/12/1982 a 23/07/2017, sendo benenficiário de aposentadoria por tempo de contribuição desde 2016 (evento 133, PET1).

Com contrarrazões (evento 138, PET1), subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Da aposentadoria por idade na forma híbrida

Com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).

Na interpretação do dispositivo, este Tribunal Regional Federal orienta:

PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. 1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem. 2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. 3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural. 4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana. (TRF4, EI Nº 0008828-26.2011.404.9999, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por maioria, vencido o Relator, D.E. 10/01/2013, publicação em 11/01/2013).

Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.

Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015). O referido § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003, assim dispõe:

Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.

§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.

Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício.

O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da Lei n.º 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.

Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:

[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)

(STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015).

Saliente-se ainda, que a questão da impossibilidade de computar período de labor rural remoto, ou seja, anterior em muitos anos à data do requerimento administrativo, sem o devido recolhimento de contribuições previdenciárias, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida foi submetida ao rito dos recursos repetitivos no STJ, objeto do Tema 1007: possibilidade de concessão aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, §3º, da Lei 8.213/1991, mediante o cômputo de período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.

O mérito da controvérsia foi julgado na sessão de 14/08/2019, quando a Primeira Seção do STJ, apreciando o REsp nº 167.422-1/SP e o REsp nº 178.840-4/PR, fixou a seguinte tese:

O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

Assim, em face do decidido pelo STJ no tema 1007, é possível computar o período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, para fins da carência para obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Desnecessário que no momento do requisito etário ou do requerimento administrativo a pessoa estivesse desenvolvendo atividade rural, sendo suficiente a totalização dos períodos rurais e urbanos, nos termos do referido precedente, e que tenha sido implementada a idade.

Na sessão de 22/03/2019, o STJ afetou os recursos paradigmas do Tema 1007, determinando a suspensão dos processos que versassem sobre o Tema. No entanto, em 25-09-2020, o STF, no julgamento do RE 1281909 (paradigma do Tema Repetitivo 1007 do STJ), o STF reconheceu, por maioria, a inexistência de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional. Assim, face ao que foi decidido pelo STF, permanece hígida a tese firmada pelo STJ no Tema 1007.

Da comprovação da atividade rural

O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).

Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.

As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.

Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:

"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."

De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.

Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.

É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:

A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.

Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.

Da prova da atividade em regime de economia familiar

O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

Períodos rurais controvertidos

A autora, LOURDES MOREIRA DA SILVA, nascida em 29/08/1959, filha de Aparicio Moreira da Silva e Maria Machado Moreira (evento 1, OUT2, fl.4), pleiteia o reconhecimento de tempo rural, no período de 29/08/1971, quando fez 12 anos, a 13/07/1993.

A sentença examinou o pedido nos seguintes termos:

As provas documentais acima elencadas demonstram o exercício de atividade rural pela autora e por seu marido durante certo período de suas vidas. Vale frisar que a exigência de início de prova material para o efeito de comprovação de tempo de serviço rural deve ser interpretada com temperamento, dada a informalidade com que é exercida a atividade rurícola. Porém, fato é que a concessão do benefício perseguido pela parte autora demanda a existência de um conjunto probatório mínimo e harmônico, de forma a atestar, com relativa segurança, o exercício da atividade laboral rural no período exigido pela legislação pertinente. Nesse sentido:

(...)

As provas documentais acima elencadas demonstram o exercício de atividade rural pelo marido e pela autora durante certo período de suas vidas. Sabe-se que o início de prova material em nome do cônjuge se estende a segurada desde que documentalmente comprovada. Nesse sentido:

(...)

No caso em comento, a prova testemunhal reforça o início de prova material, sendo apta a indicar que se a parte autora exerceu o trabalho rural durante o prazo exigível. Para isso, passo a transcrevê-los (autos n°. 0004265-82.2015.8.16.0039):

(...)

Dessa forma, os documentos contidos nos autos são corroborados com a prova testemunhal colhida em Juízo, posto que os depoentes confirmaram, com detalhes, o exercício de atividade rural exercido pela autora. Em análise ao teor das provas, conclui-se que a autora logrou êxito em provar o labor rural, uma vez que as testemunhas, além de afirmar conhecê-la desde tenra idade, foram precisas ao apontar que a mesmo exercia ofício típico de agricultura, como plantar, colher, carpir, na condição de trabalhadora rural. Declarações estas cuja veracidade é reforçada pelos documentos referidos nos itens supra, nos quais resta evidenciada a vida campesina da autora.

Primeiramente, destaco que a prova oral restou incontroversa, limitando a presente análise ao exame das provas materiais.

Para comprovação do trabalho rural nos períodos postulados foram juntados aos autos os seguintes documentos, já citados pela sentença:

- Certidão de casamento da autora, qualificando seu marido como “tratorista” em 1978 (evento 1, OUT2, fl.5);

- CTPS da autora constando cargo de trabalhadora rural em estabelecimento exclusivamente agrícola entre 14/07/1993 e 1/04/1994 (evento 1, OUT2, fl. 7);

- título eleitoral do marido da autora, qualificando-o como “lavrador” em 1976 (evento 1, OUT2, fl. 8).

- cópia do processo nº 5017803-39.2017.4.04.9999/PR, de relatoria do Des. Fed. FERNANDO QUADROS DA SILVA, no qual a parte autora pleiteia reconhecimento de tempo rural, sendo-lhe extinto o processo sem resolução do mérito por falta de provas. As provas lá elencadas são exatamente as provas aqui repisadas (evento 1, OUT8, fl. 6);

- CNIS do marido da autora constando como empregado de sociedade agrícola entre 1975 a 1982, com os demais vínculos sucessivos a partir de 22/02/1982 ininterruptamente, e, especificamente em Cooperativa Agrícola entre 1987 e 2002 (evento 60, OUT3, fl. 1).

Com efeito, merece guarida a apelação do INSS.

​A parte autora pretende o reconhecimento do tempo rural entre 1971 a 1993. Conforme a documentação acima arrolada, enquanto estava no núcleo familiar de origem, chefiado por seu pai, ou seja, de 1971 até 1978, não foi acostado nenhum documento, nem em nome próprio, como ficha escolar, nem em nome dos genitores, por exemplo certidões civis e notas fiscais.

Após o casamento, contraído em 1978, consta apenas o CNIS do marido indicando a manutenção de vínculos urbanos.

Não descuro que versando o presente feito sobre atividade rurícola, é indispensável que o julgador seja sensível à realidade na qual estava inserido o trabalhador rural, onde a informalidade na comprovação dos fatos é predominante.

Entretanto, diante do cenário dos autos, observando o arcabouço documental apresentado, é posto em dúvida se a atividade rural desempenhada pela parte autora se dava em regime de economia familiar. Não há comprovação nos autos sobre produção de alimentos que seriam fundamental ao sustento do núcleo familiar.

Portanto, dou provimento ao recurso do INSS para afastar o reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar.

Em razão da escassez de provas sobre o trabalho rural do autor no interregno sob análise, a considerar a decisão proferida nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça no seguinte sentido:

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de cômputo de tempo rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas, sim, de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso que, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.

Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material em relação ao referido lapso.

Assim, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, de ofício, extingo o feito, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 29/08/1971 a 13/07/1993, forte no artigo 485, inc. IV, do CPC.

Em decorrência, ante o não cumprimento do requisito adstrito à carência (149.2), reformo a sentença a quo, para julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade, na modalidade híbrida.

Honorários recursais

Em face da inversão da sucumbência, deverá a parte autora arcar com pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no §3° do artigo 85 do CPC 2015, tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.

No entanto, resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.

Anoto que, nos casos de inversão da sucumbência, inaplicável a majoração recursal prevista no §11 do art. 85 do CPC, pois tal acréscimo só é permitido sobre verba anteriormente fixada, consoante definiu o STJ (AgInt no AResp 829.107).

Prequestionamento

Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.

Conclusão

- Reformada a sentença para afastar o reconhecimento do tempo rural entre 29/08/1971 a 13/07/1993, extinguindo-se o feito sem resolução do mérito;

- julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade, na modalidade híbrida. Registro que o respectivo benefício não restou implantado na esfera administrativa (149.2).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004459683v19 e do código CRC 9cedf822.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA FERRO BLASI
Data e Hora: 29/6/2024, às 23:0:6


5000998-69.2021.4.04.9999
40004459683.V19


Conferência de autenticidade emitida em 22/07/2024 04:34:04.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000998-69.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LOURDES MOREIRA DA SILVA

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IMPROCeDência. TEMA 629 do STJ.

1. A concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida (ou mista), não se exige o cumprimento simultâneo dos requisitos idade e carência, tampouco a qualidade de segurado na data do requerimento administrativo.

2. Conforme fixado pelo STJ no Tema nº 1.007 o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

3. No presente caso, as provas materiais não indicam trabalho rural da parte autora, aplicando-se a inteligência do Tema 629 do STJ.

4. Reformada a sentença para julgar improcedente o pedido de cocnessão de aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, ante o não cumprimento do requisito da carência.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de julho de 2024.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004459684v6 e do código CRC 67882c48.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA FERRO BLASI
Data e Hora: 10/7/2024, às 17:52:51


5000998-69.2021.4.04.9999
40004459684 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 22/07/2024 04:34:04.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/07/2024 A 10/07/2024

Apelação Cível Nº 5000998-69.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LOURDES MOREIRA DA SILVA

ADVOGADO(A): MATHEUS DONA MAGRINELLI (OAB PR051870)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/07/2024, às 00:00, a 10/07/2024, às 16:00, na sequência 439, disponibilizada no DE de 24/06/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 22/07/2024 04:34:04.

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