Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. TEMPO RURAL. ANTERIOR A 12 ANOS. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BOIA-FRIA. INÍCIO DE PROV...

Data da publicação: 20/07/2024, 07:01:37

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. TEMPO RURAL. ANTERIOR A 12 ANOS. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BOIA-FRIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AUSÊNCIA. 1. Para o reconhecimento do trabalho rural o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material contemporâneo aos fatos. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. 2. Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial. Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração. 3. Ainda que a parte autora tenha exercido a atividade de boia-fria, cuja exigência de início de prova material é mitigada nos termos do Tema 554 do STJ, faz-se necessária a presença de algum registro escrito contemporâneo à época em que houve o suposto labor agrícola. 4. Hipótese em que inexiste início prova material para comprovar o labor rural na maior parte dos períodos postulados, devendo ser mantida a sentença, inclusive no que refere à aplicação do Tema 629 do STJ. (TRF4, AC 5012411-79.2021.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 12/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5012411-79.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: LEONI MARIA KLITZKE

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedentes em parte os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos (evento 119, SENT1):

Por todo o exposto,

a) com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para reconhecer a atividade rural no período de 17/02/1973 a 28/02/1977, para fins de averbação e;

b) com fundamento no art. 485, inciso IV do Código de Processo Civil JULGO EXTINTO o feito SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, por insuficiência de provas quanto ao exercício de atividade rural na condição de segurada especial, quanto aos demais períodos.

4.Ante a sucumbência recíproca e não proporcional, condeno ambas as partes no pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, na proporção de 60% para a autora e 40% para a autarquia ré, sem prejuízo dos benefícios da justiça gratuita que foram concedidos.

A recorrente sustenta, em síntese, que exerceu atividade rural em regime de economia familiar desde os 6 anos de idade até 30/05/2000, quando passou a exercer atividade urbana. Afirma que não há necessidade de documentos para todo o período alegado, em especial porque a prova testemunhal confirmou o labor rural. Requer o cômputo do tempo rural nos períodos de 14/03/1962 a 16/02/1973 e de 01/03/1973 a 30/05/2000, observando-se o reconhecido na sentença, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida desde 28/01/2019.

Alternativamente, pede a reafirmação da DER para a data em que cumpridos os requisitos legais. Na hipótese de não haver prova material suficiente, requer a conversão do julgamento em diligência para apresentação dos documentos necessários (evento 125, PET1).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Mérito

Aposentadoria por Idade Híbrida

O Regime Geral de Previdência Social Brasileiro, a partir da Lei 8.213/91 (cumprindo a nova ordem constitucional de 1988), prevê a possibilidade de concessão de duas espécies de aposentadoria por idade: a aposentadoria por idade urbana e a aposentadoria por idade rural.

Para concessão de aposentadoria por idade urbana (após a EC 103/2019 - nomeada aposentadoria voluntário por idade), a Lei 8.213/91 (artigo 48, caput) exige (a) idade [65 anos para homens e 60 anos para mulher, observada ainda a ampliação na idade conforme regra de transição da EC 103/2019, art. 18, § 1º] e (b) carência [contribuições vertidas ao sistema de previdência durante 180 meses] ou tempo mínimo de 15 anos/20 anos de contribuição como referido na EC 103/2019.

A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, Lei 8.213/2001) (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo, não se podendo valer dessa regra especial quem frustrou o objetivo da norma constitucional e abandonou as atividades agrícolas no auge do potencial produtivo e passou exercer atividades urbanas (que exigem contribuições diretas ao sistema).

Por fim, com a vigência da Lei 11.718/2008, foi normatizada a concessão de aposentadoria por idade híbrida, com o acréscimo do § 3º no art. 48 da Lei 8.213/1991:

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.

Vê-se que o legislador, ao ampliar a cobertura securitária através da Lei 11.718/2008, referiu-se ao trabalhador rural que tenha desempenhado atividade urbana por período inferior à carência para concessão de aposentadoria por idade urbana, permitindo o cômputo para fins de carência tanto das contribuições vertidas em atividade urbana quanto do período em que exerceu atividades rurais sem contribuições diretas ao sistema.

Tendo em vista tratar-se de previsão legal de subespécie de aposentadoria por idade rural, a interpretação das normas atinentes à espécie impõe que o período de carência seja observado sob os mesmos critérios da aposentadoria por idade rural, ou seja, no período imediatamente anterior ao requisito etário ou à DER.

Não há muitas dúvidas sobre os destinatários da regra estabelecida no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991. São os trabalhadores que durante parte considerável da vida produtiva dedicaram-se às atividades rurais [como segurados especiais, empregados rurais ou contribuintes individuais rurais] e em algum momento passaram a exercer atividades urbanas [recolhendo contribuições previdenciárias diretamente ao sistema previdenciário], e no final da vida produtiva retornam às atividades rurais. Em outras palavras, são aqueles segurados que nos anos finais antes de completarem a idade (60 anos ou 65 anos) estavam exercendo atividade produtiva e como tais vinculados ao RGPS.

Não é possível ao legislador, entretanto, dimensionar e regrar a integralidade dos casos que podem ser levados à apreciação administrativa e judicial. Coube à jurisprudência, então, interpretar a aplicação do § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 [a partir da redação da Lei 11.718/2008] nos casos concretos, de modo consonante com os princípios que regem a Previdência Social.

Muitos foram os debates até a prevalência da tese uniformizada no Tema 1007 pelo STJ, assim redigida:

O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.

Portanto, o ponto principal da decisão foi afirmar a irrelevância da natureza do último labor exercido, se rural ou urbano, bem como a possibilidade de cômputo de atividade rural remota para fins de carência e concessão de aposentadoria por idade híbrida.

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

De ressaltar que a ausência de notas fiscais de comercialização de gêneros agrícolas não impede o reconhecimento de atividade rural como segurado especial, não apenas porque a exigência de comercialização dos produtos não consta da legislação de regência, mas também porque, num sistema de produção voltado para a subsistência, é normal que a venda de eventuais excedentes aconteça de maneira informal (TRF4, 3ª Seção, EIAC 199804010247674, DJU 28/01/2004, p. 220).

Tempo Rural Anterior aos 12 Anos de Idade

É certo que a Sexta Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, no julgamento proferido na Ação Civil Pública 5017267-34.2013.404.7100/RS, decidiu pela possibilidade do cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade.

Extrai-se da ementa do acórdão:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.

[...]

4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018) - Sem grifos no original.

Depreende-se da leitura do julgado que o objetivo é proteger a criança que, não obstante a proibição constitucional e legal de trabalho infantil, efetivamente exerceu atividade laborativa para auxiliar no sustento familiar, em detrimento das atribuições próprias da idade, incluindo estudo e lazer.

No entanto, não é possível confundir o labor infantil com o mero auxílio prestado pelos filhos aos pais, sem prejuízo da alfabetização e das demais atividades inerentes à faixa etária.

Não se olvida que em algumas regiões do País, em casos específicos, são impostas às crianças rotinas de trabalhos equivalentes às de um adulto, situação que, então, pode ensejar a vinculação à Previdência Social e o reconhecimento do tempo de serviço.

Trata-se, porém, de situação excepcional, que não corresponde à realizada comumente vivenciada no meio rural, principalmente na região sul do País.

Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial.

Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.

É preciso também que essa criança tenha sido exigida a ponto de não conseguir frequentar regularmente a escola local ou dispor de momentos de lazer, para convivência com outras crianças da mesma localidade ou com a própria família.

Disso tudo, parece claro que a análise do tempo rural anterior aos 12 anos não se resume à apresentação de início de prova material em nome dos pais e testemunhos genéricos acerca da vinculação da família ao meio rural.

Do Caso Concreto

A parte requer o reconhecimento de tempo rural em regime de economia familiar nos períodos de 14/03/1962 (6 anos) a 16/02/1973 e de 29/02/1977 a 30/05/2000.

A sentença reconheceu o intervalo de 17/02/1973 a 28/02/1977, pelas seguintes razões (​evento 119, SENT1​):

O conjunto probatório existente nos autos não é suficiente para comprovar o exercício de atividade rural no período pretendido.

Os únicos dois documentos juntados como início de prova material estão em nome de seu cônjuge e ambos são datados de 1973, um de fevereiro e o outro de dezembro. A respeito do período imediatamente posterior ao casamento, as testemunhas foram firmes e coerentes em afirmar que a autora e seu esposo permaneceram por alguns anos morando e trabalhando como agregados em propriedade rural de terceiro. Uma das testemunhas, inclusive, pertencia à família proprietária das terras e afirmou que no período aproximadamente entre 1972 e 1975 a autora e seu cônjuge moraram nas terras de sua família e trabalhavam na roça no cultivo de hortelã.

Após saírem de tal propriedade a autora e seu cônjuge foram morar na cidade, constando uma anotação de trabalho urbano da autora a partir de 01/03/1977. Desta forma, entendo passível de reconhecimento como trabalho rural o período desde o casamento da autora (17/02/1973) até o início de seu labor urbano, em 28/02/1977.

Os períodos que precedem e sucedem estas datas, entretanto, não são passíveis de reconhecimento. Isto porque, não há absolutamente nenhum início de prova material contemporâneo que possa ligar a autora ao trabalho rural, nenhum documento em nome do tio com quem alega ter trabalhado na roça até o seu casamento, embora tenha declarado em seu depoimento pessoal que este possuía terras próprias e, portanto, certamente lhe seria possível trazer alguma prova documental a respeito.

Ademais, apesar de ter tido mais 3 filhos após a mudança para a cidade e no período em que alega ter permanecido no trabalho de boia-fria, não foram juntados aos autos nenhum documento a respeito, a exemplo de certidões de nascimento, casamento, etc, nos quais poderiam constar a qualificação da genitora. Tais documentos provavelmente não foram acostados pois as informações neles constantes não corroboram a pretensão da autora.

É entendimento jurisprudencial de que o início de prova material não precisa demonstrar a atividade ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, desde que não exista período urbano intercalado com rural. Desta forma, ainda que o trabalhado rural na condição de boia-fria permita um abrandamento da eficácia probatória dos documentos, a existência de labor urbano no ano de 1977 interrompe a presunção de continuidade do labor rural e, inexistindo qualquer início de prova material posterior, não há como se reconhecer a atividade rural. A prova testemunhal a respeito deste período também é baseada em relatos da autora, inexistindo relato de testemunha que tenha presenciado o efetivo labor rural no período.

Por fim, embora a autarquia ré não tenha cumprido a determinação judicial para juntada do processo administrativo de concessão de benefício à genitora da autora, consigno que, além de a parte autora não ter se insurgido frente a tal omissão, pelo o que foi declarado pela autora em Juízo, a sua genitora lhe entregou aos cuidados de seu padrinho ainda quando criança, com o qual viveu até os 10 anos de idade no Rio Grande do Sul e, após, veio morar com seu tio no Estado do Paraná. Portanto, eventual processo administrativo que tenha concedido benefício previdenciário à genitora da autora não teria qualquer relevância no caso, uma vez que sequer residiram juntas.

Assim, ressalvado o período entre o seu casamento e o início do labor urbano, as provas constantes nos autos são insuficientes para reconhecer o labor rural na qualidade de segurada especial da previdência.

​Para comprovar o exercício de atividade rural a autora apresentou os seguintes documentos:

a) Certidão de seu casamento realizado em 17/02/1973, em que o esposo, Geraldo Klitzke, foi qualificado como agricultor (evento 1, OUT8);

b) Certidão de óbito do filho, Marcos Geraldo Klitzke, em 19/12/1973, na qual o cônjuge está qualificado como agricultor (evento 10, OUT1).

Tais documentos são insuficientes para o reconhecimento de mais de 30 anos de tempo rural alegado, mormente no período anterior ao casamento. A autora não apresentou documentos escolares, certidões de registros civis, notas fiscais de venda da produção rural ou comprovantes de filiação ao sindicato rural em nome dos pais ou de familiares - documentos de fácil obtenção e comumente apresentados em demandas similares.

Quanto ao período anterior aos 12 anos de idade (14/03/1956 a 13/04/1968), destaco que, justamente por se tratar de exceção, o trabalho rural infantil demanda conjunto probatório mais consistente, que deixe claro a impossibilidade do desempenho de atividades próprias da infância, como estudo e lazer.

Aqui sequer há início de prova material da vinculação da autora e de sua família às lides rural antes do casamento, no ano de 1973. A mesma situação se verifica no que concerne ao período posterior ao tempo reconhecido na sentença.

Ainda que a autora tenha exercido a atividade de boia-fria, cuja exigência de início de prova material é mitigada nos termos do Tema 554 do STJ, faz-se necessária a presença de algum registro escrito contemporâneo à época em que houve o suposto labor agrícola - o que não corre nos autos.

​Conforme disposto na Súmula 149 do STJ, a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola. Desta forma, mesmo que os depoimentos prestados pelas testemunhas tenham apontado o exercício de labor rural pela parte autora (evento 106, VIDEO2, evento 106, VIDEO3 e evento 106, VIDEO4), não é possível o reconhecimento pretendido.

Por fim, descabe a pretensão de conversão do julgamento em diligência para apresentação de novos documentos, uma vez que compete à parte autora instruir a petição inicial com toda a documentação necessária para comprovar os fatos constitutivos do seu direito.

Requisitos para Aposentadoria

A parte autora, nascida em 14/03/1956, completou 60 anos de idade na data de 14/03/2016. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida precisa comprovar o exercício de atividade rural/urbana pelo período de 180 meses, anteriores ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.

O INSS reconheceu o total de 3 anos, 11 meses e 28 dias (47 meses) na DER, em 28/01/2019 (evento 11, OUT6, evento 1, OUT5).

Considerando o tempo rural reconhecido na sentença, no intervalo de 17/02/1973 a 28/02/1977 (4 anos e 11 dias - 49 meses de contribuição), a autora não perfaz os requisitos necessários à concessão do benefício.

Por fim, mesmo com o cômputo das contribuições vertidas após a DER (evento 157, CNIS3) a autora não implementa a carência necessária, sendo descabida a reafirmação.

Honorários Sucumbenciais

Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro em 20% a verba honorária fixada, mantida a suspensão por conta da justiça gratuita deferida.

Prequestionamento

No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da autora.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004527735v37 e do código CRC 6926fea0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 28/6/2024, às 19:30:49


5012411-79.2021.4.04.9999
40004527735.V37


Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:37.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5012411-79.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: LEONI MARIA KLITZKE

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por IDADE HÍBRIDA. TEMPO RURAL. anterior a 12 anos. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. boia-fria. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AUSÊNCIA.

1. Para o reconhecimento do trabalho rural o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material contemporâneo aos fatos. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados.

2. Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial. Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.

3. Ainda que a parte autora tenha exercido a atividade de boia-fria, cuja exigência de início de prova material é mitigada nos termos do Tema 554 do STJ, faz-se necessária a presença de algum registro escrito contemporâneo à época em que houve o suposto labor agrícola.

4. Hipótese em que inexiste início prova material para comprovar o labor rural na maior parte dos períodos postulados, devendo ser mantida a sentença, inclusive no que refere à aplicação do Tema 629 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de julho de 2024.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004527975v5 e do código CRC d9b12f65.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 12/7/2024, às 12:51:28


5012411-79.2021.4.04.9999
40004527975 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:37.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/07/2024 A 10/07/2024

Apelação Cível Nº 5012411-79.2021.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

APELANTE: LEONI MARIA KLITZKE

ADVOGADO(A): RICARDO FERREIRA FERNANDES (OAB PR086985)

ADVOGADO(A): ALCEMIR DA SILVA MORAES (OAB MS014095)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/07/2024, às 00:00, a 10/07/2024, às 16:00, na sequência 649, disponibilizada no DE de 24/06/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:37.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora