
Apelação Cível Nº 5001468-31.2022.4.04.7133/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
RELATÓRIO
A parte autora propôs ação de procedimento comum em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, desde a data de entrada do requerimento - DER, em 29/07/2020.
Sobreveio sentença (
) que julgou improcedente o pedido da inicial.A parte autora apela requerendo a reforma da sentença alegando, em síntese (
): i) existência de início de prova material da atividade rural em regime de economia familiar, no período de 01/01/1972 a 31/03/1996; ii) que o apelante não exercia a atividade rural assemelhada à empresário, e além do mais o contrato de parceria teria durado entre 1986 a 1989, sendo que a prova dos autos o identifica como agricultor em regime de economia familiar, tendo trabalhado em uma área de aproximadamente 50 ha cedida pelo sogro; iii) fazer jus a concessão da aposentadoria por idade híbrida desde a DER.Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. Apelante isento de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.
Da aposentadoria por idade híbrida
Com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).
Na interpretação deste novel dispositivo, este Tribunal Regional Federal orienta:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. 1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem. 2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. 3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural. 4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana. (TRF4, EI Nº 0008828-26.2011.404.9999, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por maioria, vencido o Relator, D.E. 10/01/2013, publicação em 11/01/2013).
Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.
Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015). O referido § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício.
O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da Lei n.º 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.
Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991) (STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015).
Saliente-se ainda, que a questão da impossibilidade de computar período de labor rural remoto, ou seja, anterior em muitos anos à data do requerimento administrativo, sem o devido recolhimento de contribuições previdenciárias, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida foi submetida ao rito dos recursos repetitivos no STJ, objeto do Tema 1007: possibilidade de concessão aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, §3º, da Lei 8.213/1991, mediante o cômputo de período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
O mérito da controvérsia foi julgado na sessão de 14/08/2019, quando a Primeira Seção do STJ, apreciando o REsp nº 167.422-1/SP e o REsp nº 178.840-4/PR, fixou a seguinte tese:
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Assim, em face do decidido pelo STJ no tema 1007, é possível computar o período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, para fins da carência para obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Desnecessário que no momento do requisito etário ou do requerimento administrativo a pessoa estivesse desenvolvendo atividade rural, sendo suficiente a totalização dos períodos rurais e urbanos, nos termos do referido precedente, e que tenha sido implementada a idade.
Na sessão de 22/03/2019, o STJ afetou os recursos paradigmas do Tema 1007, determinando a suspensão dos processos que versassem sobre o Tema. No entanto, em 25-09-2020, o STF, no julgamento do RE 1281909 (paradigma do Tema Repetitivo 1007 do STJ), o STF reconheceu, por maioria, a inexistência de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional. Assim, face ao que foi decidido pelo STF, permanece hígida a tese firmada pelo STJ no Tema 1007.
Atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Caso Concreto
A parte autora, nascida em 28/06/1953, implementou o requisito etário de 65 anos em 28/06/2018 e requereu o benefício na via administrativa em 29/07/2020 (
). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo, ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.O autora postulou o reconhecimento do tempo trabalhado em regime de economia familiar no período de 01/01/1972 a 31/03/1996, que somado aos períodos urbanos já reconhecidos pelo INSS (47 contribuições) seria suficiente à concessão da aposentadoria por idade híbrida.
A sentença julgou improcedente a ação, nos seguintes termos (
):A parte autora defende o exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01/01/1972 a 31/03/1996, em 43 hectares de terras de propriedade do sogro, localizadas no interior de Santo Augusto/RS, conjuntamente com sua esposa e filhos.
O demandante anexou prova documental demonstrando sua vinculação ao meio rural, assim como depoimento de testemunhas que alegam ter presenciado o labor desempenhado pelo autor.
A legislação previdenciária considera como segurado especial o pequeno agricultor que vive necessariamente da exploração de sua propriedade rural e que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais, conforme determina o item 1 da alínea 'a' do inciso VII do artigo 11 da Lei de Benefícios, com redação dada pela Lei nº 11.718/2008, nos seguintes termos:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
Na hipótese dos autos, consoante análise dos autos, o desempenho da atividade rural não se deu em regime de economia familiar, isso porque há evidências que o labor rural assemelhava-se à atividade empresarial
Como bem observou a parte ré por ocasião do despacho que indeferiu o benefício, a documentação apresentada comprova que o autor era parceiro e sócio de empresa rural, de modo que se enquadra como contribuinte individual e não como segurado especial (
, p. 3).Com efeito, o contrato de parceria agrícola anexado ao processo administrativo revela que o autor e o sogro eram parceiros entre os anos de 1986 a 1989 da Empresa Rural Campos do Sul. A área explorada pela parceria media 1.245,7 ha, conforme informa o INSS em contestação.
A parte ré ainda traz prova documentais acerca da constituição de empresa pelo sogro, ano de 1988, sendo o autor um dos sócios, com o objetivo de gerenciamento das propriedades rurais da região.
Nesse contexto, não se pode ignorar que as informações constantes nos autos são indícios de que o tipo de atividade desenvolvida pela parte autora não se enquadra como cultivo agrícola que visa apenas retirar da produção o sustento da família, com comercialização do excedente. Além disso, consta dos autos que o autor, atualmente, possui diversos bens e propriedades.
Como se vê, a situação apresentada nos autos não se coaduna com a pequena agricultura de subsistência, assumindo proporções de atividade empresarial.
Nessa linha, o TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. PRODUÇÃO AGRÍCOLA ELEVADA. UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO. DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. . A aposentadoria rural por idade é devida a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91 e pressupõe a satisfação da idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e a demonstração do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. A produção agrícola elevada associada à utilização de maquinário evidencia a chamada agricultura empresarial, afastando a condição de segurado especial e descaracterizando o regime de economia familiar. (TRF4 5029495-06.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 30/03/2016) grifei
Dessa forma, deparando-se com situação insustentável para configuração do regime rural de economia familiar e, portanto, da condição de segurado especial, não merece reparos a decisão administrativa que não reconheceu o período rural pretendido.
Destarte, como a parte autora não computou tempo suficiente para fazer jus ao benefício de aposentadoria ainda na via administrativa, é de se julgar improcedente o pedido de inativação.
Como se vê, a sentença não reconheceu a qualidade de segurado especial em razão do contrato firmado com o sogro no período de 1986 a 1989, da Empresa Rural Campos do Sul, de uma área a ser explorada pela parceria media 1.245,7 ha, onde o autor consta como sócio, com o objetivo de gerenciamento das propriedades rurais da região.
Entretanto, em apelo o autor alega que as provas dos autos comprovam a atividade rural, no período de 01/01/1972 a 31/03/1996, em regime de economia exercido em uma área de aproximadamente 50 ha cedidas pelo sogro. Aduz que não exercia atividade empresarial, pois consta como parceiro em apenas 15% de participação no contrato com o sogro de 02/01/1986 a 21/09/1989.
Para comprovar a atividade rural foram juntados os seguintes documentos (
):- Certidão de casamento onde o autor consta como agricultor, em 15/12/1973;
- Autodeclaração rural no período de 01/01/1972 a 31/03/1996, em uma área de 43 ha;
- Certidão de nascimento da filha Raquel Grubert, constando profissão do autor como agricultor, 16/08/1974;
- Certificado de dispensa de incorporação constando profissão do autor como agricultor, datada 08/05/1975;
- Certidão de nascimento do filho André Grubert, constando profissão do autor como triticultor, em 26/05/1978;
- Certidão de nascimento do filho Daniel Grubert, constando profissão do autor como agricultor, em 26/12/1981;
- Declaração da COTRIJUI – Cooperativa Agropecuária & Industrial constando que o autor foi associado entre 25/08/1980 a 25/03/1996;
- Consulta pública ao CGCTE RS constando o autor como produtor de soja desde 14/05/1980;
- Contrato particular de parceria rural na Fazenda denominada Empresa Rural Campos Sul entre o autor, seu sogro (Edison Kruger) e cunhados, com participação de 15% do autor, datado em 02/01/1986;
- Título de eleitor em nome do autor constando profissão agricultor em 21/06/1972;
- Distrato de parceria rural da Empresa Rural Campos do Sul datado em 21/09/1989;
- Carteira sócio STR de Santo Augusto, admissão em 19/01/1990;
- Carteira beneficiária INAMPS com validade até 31/12/1990 carimbado pelo STR de Santo Augusto/RS.
Ressalte-se que não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, conforme jurisprudência remansosa do E. TRF4.
Logo, a documentação apresentada nos autos constituí início de prova material; entretanto, não houve a produção de prova testemunhal em audiência, como requerido pela parte autora na petição inicial e na réplica.
Ocorre que, o magistrado de plano dispensou a realização de audiência de instrução, substituindo-as por autodeclaração e declarações escritas das testemunhas (
), optou por proferir sentença improcedência por não haver comprovação suficiente da atividade rural exercida pelo demandante.Com isso, estabeleceu-se um hiato, pois, ainda que não se exija prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar e, esta não foi produzida, ou sequer oportunizada.
Nessa quadra, tenho que a parte autora não pode ser prejudicada em função dos elementos apontados, tornando-se imprescindível a realização de audiência de instrução e julgamento.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, inclusive esta Turma, em reiterados julgados, manifestou-se pela necessidade de realização de prova oral para confirmação do início de prova material do trabalho rural da parte autora:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, no que se refere a segurado especial, é exigível início de prova material complementado por prova testemunhal a fim de ser verificado o efetivo exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar. 2. Presente o início de prova documental do labor rurícola e ausente a prova oral, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas. 3. Prejudicada a análise das questões de mérito posta nas apelações. (TRF4, AC 5022563-94.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 02/03/2023)
Neste cenário, apenas a parcela do início de prova material é insuficiente para a composição da carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria requerido, uma vez que autodeclaração de atividade rural na esfera administrativa e as declarações escritas das testemunhas seriam insuficiente para o esgotamento do exame do direito afirmado.
A hipótese em exame adequa-se à orientação firmada por este Regional para o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) de nº 17, cujo teor é o seguinte:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Logo, impõe-se o retorno dos autos à instância de origem, para que se viabilize a oitiva de testemunhas.
Assim, de ofício, a sentença deve ser anulada.
Prejudicado o exame do recurso da parte autora.
Conclusão
A sentença deve ser anulada de ofício para o efeito de determinar o retorno dos autos à instância de origem para a realização de audiência judicial, para a oitiva de testemunhas, bem como os elementos eventualmente colhidos a partir da oitiva das testemunhas em juízo, seja proferida nova sentença.
Honorários
Em razão da anulação da sentença, resta afastada a condenação em honorários advocatícios.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal e a análise da legislação aplicável são suficientes para prequestionar, às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por julgar prejudicado o recurso da parte autora e, de ofício, anular a sentença e determinar o retorno dos autos à instância de origem para a realização de audiência judicial, para a oitiva de testemunhas.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004680467v90 e do código CRC 4348b597.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5001468-31.2022.4.04.7133/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE híbrida. TEMPO RURAL. IRDR Nº 17. ausência de PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL EM AUDIÊNCIA JUDICIAL. SENTENÇA ANULADA.
1. O parágrafo 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 possibilita ao trabalhador rural que não se enquadre na previsão do parágrafo 2º do mesmo dispositivo haver aposentadoria por idade com o aproveitamento das contribuições em outra categoria, mas com a elevação da idade mínima para 60 anos para mulher e 65 anos para homem.
2. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
3. Hipótese na qual não se revela razoável dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida através das declarações das testemunhas e autodeclaração de atividade rural realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário (IRDR 17 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
4. A sentença deve ser anulada, de ofício, para o efeito de determinar o retorno dos autos à instância de origem para a realização de audiência judicial, para a oitiva das testemunhas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar prejudicado o recurso da parte autora e, de ofício, anular a sentença e determinar o retorno dos autos à instância de origem para a realização de audiência judicial, para a oitiva de testemunhas, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004680468v9 e do código CRC 18de24bc.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/09/2024 A 25/09/2024
Apelação Cível Nº 5001468-31.2022.4.04.7133/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/09/2024, às 00:00, a 25/09/2024, às 16:00, na sequência 602, disponibilizada no DE de 06/09/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PREJUDICADO O RECURSO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA JUDICIAL, PARA A OITIVA DE TESTEMUNHAS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ÉZIO TEIXEIRA
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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