APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002241-58.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | MARIA DE OLIVEIRA BRECAILO |
ADVOGADO | : | JOÃO MORAIS DO BONFIM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA/HÍBRIDA. ART. 48, § 3º, DA LEI Nº 8.213/1991. BENEFÍCIO EQUIPARADO À APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. CARÊNCIA E IDADE. CONCOMITÂNCIA. IRRELEVÂNCIA. PERDA DA CONDIÇÃO DE SEGURADO. CIRCUNSTÂNCIA DESCONSIDERADA À LUZ DO DISPOSTO NO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI 10.666/03. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS. APURAÇÃO DIFERIDA PARA A FASE DE EXECUÇÃO.
1. Da leitura do artigo 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, depreende-se que sua intenção foi a de possibilitar ao trabalhador rural que não se enquadra na previsão do § 2º do aludido artigo à aposentadoria por idade com o aproveitamento das contribuições sob outra(s) categoria(s), porém com a elevação da idade mínima para 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
2. Em função das inovações trazidas pela Lei 11.718/08, já não tão recentes, nem mais cabe indagar sobre a natureza jurídica da denominada aposentadoria mista ou híbrida, pois se pode afirmar que se trata de uma modalidade de aposentadoria urbana.
3. A reforçar sua natureza de benefício urbano, o § 4º, para efeitos do § 3º, do aludido artigo, dispõe que o cálculo da renda mensal do benefício será apurado em conformidade com o disposto no inciso II do artigo 29 da mesma Lei.
4. Conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03).
5. Não possuindo a parte autora tempo de contribuição equivalente à carência exigida na data do requerimento administrativo, não faz jus à aposentadoria mista/híbrida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8610621v5 e, se solicitado, do código CRC 7D5572AE. | |
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| Signatário (a): | Rogerio Favreto |
| Data e Hora: | 30/11/2016 19:13 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002241-58.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | MARIA DE OLIVEIRA BRECAILO |
ADVOGADO | : | JOÃO MORAIS DO BONFIM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria por idade, com fundamento no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, mediante o cômputo de tempo de serviço rural e urbano (aposentadoria por idade mista ou híbrida).
Sentenciando, o MM. Juiz assim decidiu:
Julgo IMPROCEDENTE o pedido do autor, e, por consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do art. 269, I, do CPC. Ante à sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em R$ 500,00, levando em conta os critérios definidos no artigo 20, parágrafo 4°, do CPC. Observe-se que é beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Irresignada, a parte autora apela sustentando que juntou início de prova material do labor rural, que restou corroborado pela prova testemunhal. Alega que, juntamente com sua família, trabalhou na agricultura, em regime de economia familiar, nos anos de 1970 a 1988 e de 1990 a 2003 e que possui 62 contribuições como trabalhadora urbana, fazendo jus à aposentadoria por idade mista ou híbrida. Esclarece que o fato da sua qualificação constar como empregadora rural na hora de efetuar o pagamento de imposto foi um erro e que tentou por várias vezes arrumar tal qualificação, conforme declarado no seu depoimento pessoal.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos
O presente feito está sendo levado a julgamento em consonância com a norma do art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que assim dispõe: os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Nessa ordem de julgamento, também são contempladas as situações em que estejam litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei nº 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei nº 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Ademais, cumpre registrar que foi lançado ato ordinatório na informação processual deste feito programando o mês de julgamento, com observância cronológica e preferências legais. Esse procedimento vem sendo adotado desde antes (2013) da vigência do novo CPC.
Novo CPC (Lei 13.105/2015):
Direito intertemporal e disposições transitórias
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei nº 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesses termos, para fins de remessa necessária e demais atos recursais, bem como quanto aos ônus sucumbenciais, aplica-se a lei vigente na data em que proferida a decisão recorrida.
Considerações gerais sobre a aposentadoria rural por idade:
A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/1991. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher) e do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, sendo dispensável o recolhimento de contribuições. Neste sentido, o julgamento da APELREEX nº 0008606-53.2014.404.9999, Quinta Turma, de minha relatoria, D.E. 15/08/2014.
Não se pode olvidar, outrossim, que o artigo 143 da Lei nº 8.213/1991, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei nº 8.213/1991 estabeleceu que, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/1991, como regra, deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que, até então, já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/1991. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt. nº. 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03/09/2014).
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório."
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, como o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais da entidade respectiva serão formalizados não individualmente, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, somente será descaracterizado o regime de economia familiar acaso reste comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
Cumpre salientar que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com todas as cautelas legais, garantindo-se o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela Seguradora, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, a fim de que seja examinada no conjunto do acervo probatório constante dos autos.
Da aposentadoria prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91:
Não implementando, o trabalhador, tempo de serviço exclusivamente rural, mesmo que de forma descontínua, é possível, ainda, verificar-se o direito à aposentadoria por idade com fundamento no § 3º, do art. 48 da nº Lei 8.213/91, a denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida. Referido dispositivo legal possui a seguinte redação:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) (grifei)
A intenção da Lei de Benefícios foi possibilitar, ao trabalhador rural que não se enquadra na previsão do § 2º do aludido artigo, a aposentadoria por idade com o aproveitamento das contribuições sob outra(s) categoria(s), porém com a elevação da idade mínima para 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
Busca-se, com isso, reparar eventuais injustiças em especial àquele trabalhador que conta com tempo campesino, porém insuficiente para a obtenção da aposentadoria rural, na medida em que possuí, no seu histórico laboral, vínculos urbanos, o que, de certa forma, poderia justificar eventual descaracterização de sua condição de segurado especial. Em contrapartida, exige-se desse segurado a idade mínima superior àquela prevista para a aposentadoria rural por idade, pois majorada em cinco anos.
Em função das inovações trazidas pela Lei nº 11.718/08, já não tão recentes, nem mais cabe indagar sobre a natureza jurídica da denominada aposentadoria mista ou híbrida, pois se pode afirmar que se trata de uma modalidade de aposentadoria urbana. Digo isso, pois nessa modalidade o que ocorre, na verdade, é o aproveitamento do tempo de labor rural para efeitos de carência, mediante a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo. A reforçar isso, o § 4º, para efeitos do § 3º, do aludido artigo, dispõe que o cálculo da renda mensal do benefício será apurado em conformidade com o disposto no inciso II do artigo 29 da mesma Lei. Ora, ao fazer remissão a este artigo, e não ao artigo 39 da Lei de Benefícios, somente vem a confirmar que se trata de modalidade de aposentadoria urbana, ou, no mínimo, equiparada.
Com efeito, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer: a implementação da carência exigida, antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento; da mesma forma, a perda da condição de segurado. Isso se torna irrelevante!
A respeito dessa questão, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício, nos termos do já decidido pela 3ª Seção desta Corte, nos Embargos Infringentes nº 0008828-26.2011.404.9999 (Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10/01/2013).
Em suma, o que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. E esse tempo, tratando-se de aposentadoria híbrida ou mista, poderá ser preenchido com períodos de labor rural e urbano.
Do caso concreto:
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário, 60 (sessenta) anos, em 07/10/2007, porquanto nascida em 07/10/1947 (evento1, OUT4). O requerimento administrativo foi efetuado em 16/07/2013 (evento1, OUT23, fl. 04).
Sustenta que desenvolveu trabalho rural nos períodos de 1970 a 1988 e de 1990 a 2003. Requer o reconhecimento da atividade rural, bem como seja o respectivo tempo de serviço somado ao tempo urbano já computado pelo INSS (evento1, OUT23, fls. 08/09) entre 1988 e 1990 e entre 2004 a 2008 (5 anos, 1 mês, 6 dias - 62 contribuições), a fim de obter a aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91.
Dessa forma, a parte autora deve comprovar tempo de serviço (urbano e rural) suficiente à implementação da carência, equivalente a 156 contribuições no ano de 2007 ou 180 contribuições no ano de 2013, o que lhe for mais favorável.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, a parte autora instruiu sua peça inicial com os seguintes documentos:
- CTPS, emitida em 23/12/1987, com anotação de vínculo de trabalho como servente na empresa Dimasa Distribuidora de Máquinas Agrícolas S/A de 01/08/1988 a 06/01/1990 (evento1, OUT6);
- carteira de dependentes do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural com datas de validade de 1978, 1979, 1981 (evento1, OUT7);
- carnês de contribuições do empregador rural, ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, em nome de Nestor Brecailo, referente aos exercícios de 1975 a 1977 (evento1, OUT8);
- guias de ITR enquadramento empregador II-B, de 1970, 1971 e 1972, categoria latifúndio para exploração, em nome de Nestor Brecailo (evento1, OUT9, fl. 01);
- guias de ITR enquadramento trabalhador rural, situação jurídica proprietário, minifúndio, 1973, 1974, 1975, 1976 e 1978 em nome de Nestor Brecailo (evento1, OUT9, fls. 02/03 e OUT18);
- guia de ITR enquadramento empregador II-B, de 1979 a 1985 e 1987 a 1991, categoria latifúndio para exploração, 1, 34 módulo fiscal, número máximo de assalariados 2, em nome de Nestor Brecailo e de 1992 a 1996 sem menção a assalariados (evento1, OUT19 e OUT20);
- inscrição da autora como dependente de empregador exercício 1975 (evento1, OUT9, fl. 04);
- avisos de débito de ITR, em nome de Nestor Brecailo, relativos aos exercícios de 1976 e 1977 (evento1, OUT9, fls. 05/06);
- comprovante de entrega de declaração para cadastro de imóvel rural em nome da autora de 28/09/1992 (evento1, OUT9, fl. 06)
- guias de recolhimento de empregador rural exercícios 1978 a 1989 em nome de Nestor Brecailo (evento1, OUT10);
- matrícula de imóvel rural, adquirido pela autora, por meio de escritura pública de doação, em 1967, de 16/03/1978, Quinhão 14 da Fazenda Laranjeiras, em Laranjeiras do Sul, de 242.000 metros quadrados, constando a qualificação de seu cônjuge como agricultor em 1978 e a qualificação da autora e do cônjuge como agricultores em 1998, data da transmissão a terceiros (evento1, OUT11);
- carteira do Sindicato Rural de Laranjeiras do Sul de 1972 e recibos de anuidades de 1986 e 1988 a 1994 em nome de Nestor Brecailo (evento1, OUT12);
- carteira do Sindicato Rural de Laranjeiras do Sul de 1985 e recibos de anuidades de 1995 e 1996 em nome próprio (evento1, OUT13);
- comprovante de inscrição de CNPJ em nome de Brecailo & Brecailo Ltda. de 31/03/1999 (evento1, OUT14);
- contrato social de Brecailo & Brecailo Ltda. em que a autora e seu cônjuge estão qualificados como "do comércio", cujo objetivo é manutenção e reparação de veículos automotores, recuperação de motores para veículos, com início das atividades em 15/03/1999 (evento1, OUT14);
- guias da previdência social da empresa Brecailo & Brecailo Ltda. dos anos 2003 a 2010 (evento1, OUT15 a 18).
Por ocasião da audiência de instrução, em 02/12/2015 (eventos80 e 94), foram inquiridas as testemunhas Tereza da Rocha Brusnicki, Marilda Luzia Kailer Amaral e Pedro Ferreira Josefi.
A testemunha Tereza da Rocha Brusnicki, disse:
Conheço a dona Maria faz bastante tempo; conheço faz uns dez a doze anos da chácara no Campo do Bugre; a chácara tinha uns dez alqueires aproximadamente; a gente se conhecia porque eu ia comprar verdura dela; depois ela trabalhava numa empresa e ela trazia em casa; a chácara ficava a uns oito quilômetros, ia para pegar verdura de ônibus, de carroça ou a pé; de vez em quando ela trazia; eu via a dona Maria trabalhando; a gente passava sempre lá, a chácara era do lado direito do asfalto; eu dava aula no Rio Bonito, passava e a via trabalhando; ela trabalhou na Dimasa uns dois anos; nos conhecemos por volta de 2005; ela trazia verdura pra mim; ficava aqui na cidade; eu moro na Natel de Camargo; a gente pegava férias e ia para lá e pegava verduras, às vezes ela trazia; sei que ela sempre trabalhou na roça; eu via quando passava; não sei bem certo a data; eu a conheci na roça; ela teve a chacrinha; a chácara tem uns dez alqueires, sei disso porque conversava com ela; aproximadamente dez alqueires; plantava frutas, verduras, milho, feijão, abóbora, batata; quem ajudava eram os filhos; não tinha maquinário e nem empregados; tirando esse trabalho na Dimasa, não sei se ela teve outra atividade; o marido dela sempre trabalhou na roça; sempre que conversei com ela eles estavam sozinhos, só a família; eu não era vizinha e não morava na mesma comunidade.
A testemunha Marilda Luzia Kailer Amaral, por sua vez, afirmou:
Conheço a dona Maria faz uns trinta anos; nesses trinta anos ela trabalhou sempre na lavoura; não era vizinha; eu a via porque comprava as coisas dela; ela trabalhava no Campo do Bugre; não sei o tamanho da propriedade dela, é pequena; trabalhei na lavoura quando era criança; não sei dizer o tamanho da propriedade, a gente chegava e pegava as coisas e já voltava; ela plantava verduras, feijão, arroz, milho, mandioca; durante o tempo que ela trabalhava na firma, ela trazia as verduras para mim; ela trabalhou na firma uns dois ou três anos; a firma era ao lado da minha casa, não lembro o nome; tirando esses dois anos que ela trazia, eu ia buscar, uma vez por semana, uma vez por mês ou a cada quinze dias; dá uns doze quilômetros de distância da minha casa; ia comprar lá porque era mais natural do interior, mesmo tendo que gastar para ir até lá; tirando esses dois anos que ela trabalhou na firma não sei de outra atividade só na lavoura; que o marido dela sempre trabalhou na lavoura; eu não vi maquinário na propriedade dela; agora acho que ela ainda trabalha na lavoura, não pego mais verdura lá agora; eu nunca vi empregados lá, mesmo indo uma vez por mês ou a cada quinze dias, só via a família lá; a gente chegava lá, às vezes ela não estava e os filhos iam chamá-la porque estava no meio da horta carpindo.
Por fim, a testemunha Pedro Ferreira Josefi esclareceu:
Conheço a dona Maria faz mais de quarenta anos; ela trabalhou na propriedade rural, primeiro com o pai dela, depois herdou parte da propriedade e continuou; a terra é no Campo do Bugre; a terra tem perto de dez alqueires; eu fui professor e ao mesmo tempo fui agricultor; a minha propriedade era mais para frente da propriedade dela; uns doze quilômetros de distância; eles plantavam agricultura de subsistência, feijão, arroz, milho, mandioca, vaca de leite; quem ajudava era a família; não tinham empregados e nem maquinário; fiquei sabendo que ela trabalhou um pouco de tempo numa empresa de máquinas aqui em Laranjeiras; não sei exato o tempo, mais foi mais ou menos um ano e pouco, dois anos; o marido dela trabalhava na lavoura; não vi nenhum empregado lá; eu tenho uma chácara perto, mas moro aqui em Laranjeiras; a dona Maria não trabalha mais na lavoura, hoje ela mora na cidade em Podo Barreiro; eu fui ao sítio dela; inclusive comprei madeira para palanques e para fazer chiqueiro do marido dela e várias vezes eu cheguei para comprar galinha caipira, mandioca e outras coisas, quando a gente chegava lá eles estavam trabalhando na lavoura; fora o período da Dimasa ela sempre trabalhou na lavoura; o pai dela também era agricultor, ela desde pequena sempre trabalhou na lavoura; não sei ao certo quando ela parou de trabalhar, mas foi lá por dois mil e pouco.
Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou:
Estou com sessenta e oito anos completos; eu morava numa chácara e trabalhei no sítio, na lavoura; ajudava meu marido; em 1970 eu já era casada; o sítio ficava no Campo do Bugre, na beira do asfalto; o sítio era pequeno, tinha menos de dez alqueires; eu plantava de tudo, milho, feijão, mandioca, frutas, verduras; nós lidávamos com coisas pequenas; não plantávamos soja; quem ajudava era meu marido e depois os filhos foram crescendo e ajudando; a gente nunca pegou pessoas de fora, era só nós mesmos; não tinha maquinário; era tração animal; não tinha empregados; fiquei na lavoura até 2003, 2004, quando me mudei para Porto Barreiro na cidade; de 88 a 90, sempre lidando com meu marido, com doença, ele foi operado e a gente se obrigou a vender o sítio; o meu marido não empregava ninguém; meu marido é Nestor Brecalio; ele pagava os impostos da lavoura como empregador, mas ele não teve empregado; naquela época fizerem este sistema e a gente não entendia e ficou assim; foi tentado retificar os documentos, mas diz que não tinha como mudar; a dona Maria que fazia esses papéis; ele contribuía como empregador rural, mas não tinha empregados; antes de 2004 não me afastei da lavoura; eu trabalhei na Dimasa, na limpeza, mas voltava para o sítio trabalhar; não lembro bem a data, trabalhei uns dois anos lá; não lembro o ano, foi antes de me mudar; enquanto eu estava na lavoura só estava na lavoura; não dava para abandonar a lavoura, porque era eu, o marido e os filhos que trabalhavam.
Intimado, o INSS juntou aos autos cópia integral do processo administrativo de concessão do benefício de aposentadoria por idade de Nestor Brecailo, cônjuge da autora (NB 151.578.112-4, DIB 22/09/2010).
Dos documentos juntados, verifica-se que o cônjuge da autora sempre foi empregador rural, tendo inclusive computado no seu processo de aposentadoria o período de 01/10/1975 a 28/03/1990 como empregador rural (174 contribuições em carnê).
Ademais, pode-se constatar que a autora e seu marido constituíram uma empresa de manutenção e reparação de veículos automotores, em 15/03/1999, conforme comprovante de inscrição de CNPJ em nome de Brecailo & Brecailo Ltda. de 31/03/1999 (evento1, OUT14) e contrato social em que a autora e seu cônjuge estão qualificados como "do comércio" (evento1, OUT14).
Quanto à prova testemunhal, a testemunha Tereza da Rocha Brusnicki afirmou que conhece a autora desde 2003 ou 2005, portanto, fora do período de carência. Embora as demais testemunhas tenham referido o trabalho rural, restou descaracterizado o regime de economia familiar.
Portanto, no caso, os documentos juntados aos autos não constituem início razoável de prova material do labor rural em regime de economia familiar.
Assim, não restando comprovada a implementação de todos os requisitos legais, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
Dos consectários:
Honorários advocatícios
Mantida a sentença que condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência fixados em R$ 500,00, suspensa a exigibilidade por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Conclusão
Resta mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002241-58.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00005498020148160104
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | MARIA DE OLIVEIRA BRECAILO |
ADVOGADO | : | JOÃO MORAIS DO BONFIM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 498, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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