APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043684-18.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VALTESER BIBERG DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | SANDRO ROGÉRIO LIBARDONI |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA OU HÍBRIDA. ATIVIDADE RURAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. incidência dos honorários. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS.
1. O parágrafo 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 possibilita ao trabalhador rural que não se enquadre na previsão do parágrafo 2º do mesmo dispositivo haver aposentadoria por idade com o aproveitamento das contribuições em outra categoria, mas com a elevação da idade mínima para sessenta anos para mulher e sessenta e cinco anos para homem.
2. Preenchido o requisito etário, e comprovada a carência exigida ainda que de forma não simultânea, é devido o benefício.
3. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
4. Os honorários fixados devem incidir sobre as prestações vencidas até a data do julgamento do recurso (acórdão), nos termos da Súmula 76 do TRF da 4ª Região e da Súmula 111 do STJ.
5. Majoração dos honorários, nos termos do art. 85, §11 do NCPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de março de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9307999v5 e, se solicitado, do código CRC 19AFD0BA. | |
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| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 09/04/2018 14:35 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043684-18.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VALTESER BIBERG DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | SANDRO ROGÉRIO LIBARDONI |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária intentada por VALTESER BIBERG DO NASCIMENTO, nascido em 20/07/1949, contra o INSS. Pretende a parte autora ver reconhecido o direito à aposentadoria por idade (híbrida).
A sentença, proferida em 19/04/2017 (Evento3 - SENT18), acolheu o pedido, reconhecendo os períodos de 01/03/1991 a 30/06/1998 e de 01/11/1999 a 22/07/2014 como de atividade rural para fins de carência, determinando a sua averbação, condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade (híbrida), desde a data do requerimento administrativo (22/07/2014), pagando as parcelas vencidas. Quanto aos juros, fixou-os na taxa de 1% ao mês até junho de 2009. Quanto ao período posterior, determinou a aplicação integral do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, alterado pela Lei 11/960/2009. Já em relação à correção monetária, definiu que sua apuração deve dar-se pelo INPC. O INSS foi condenado também ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas da condenação até a sentença de 1º grau, de acordo com a Súmula 111 do STJ e a Súmula 76 do TRF da 4ª Região. No que diz respeito às custas, isentou o INSS do pagamento de custas processuais em face de Lei 13.471/2010 do Estado do Rio Grande do Sul, salvo as despesas abrangidas pelo Ofício Circular 002/2014-CGJ. Finalmente, submeteu a sentença ao reexame necessário.
Apelou a parte autora (Evento 3 - APELAÇÃO23) requerendo (1) a correção da sentença para que nela conste explicitamente a condenação do INSS às parcelas vencidas e vincendas - e não apenas às vencidas - referentes ao benefício concedido; (2) que a incidência dos honorários se dê pelo montante da condenação ou proveito econômico - incluindo, assim, as parcelas vencidas e vincendas - nos termos do artigo 85, § 2º, do Novo Código de Processo Civil, não se limitando às parcelas vencidas até a prolação da sentença; e (3) que em relação à correção monetária seja aplicado o IPCA-E desde a DER.
Apelou também o INSS (Evento 3 - APELAÇÃO20). Em suas razões, afirmou que a parte autora não faz jus ao recebimento do benefício de aposentadoria por idade híbrida. Sustenta a sua tese no entendimento de que no período imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário e da DER não houve comprovação do exercício de labor rural no regime de economia familiar. Sucessivamente, na hipótese da manutenção do mérito da sentença, requereu, em relação à correção monetária, a aplicação integral do artigo 1º-F da Lei 9.494, com a redação da Lei 11.960/2009. Suscitou, ainda, o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais mencionados no recurso.
Com contrarrazões da parte autora (Evento 3 - CONTRAZ22) e sem contrarrazões do INSS, veio o processo a este Tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
O juizo de origem submeteu a sentença à remessa oficial.
Não se desconhece a orientação da Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça (A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas). No entanto, considerando que o valor do benefício, caso confirmada a sentença, não será superior a R$ 5.531,31 (Portaria n.º 08/2017, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda), mesmo que a RMI do benefício seja fixada no teto e que sejam pagas as parcelas referentes aos últimos cinco anos com juros e correção monetária, o valor da condenação não excederá a quantia de mil salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Vale destacar que a sentença não pode ser propriamente considerada ilíquida, pois contém ou refere todos os elementos necessários para se apurar, mediante cálculo aritmético de baixa complexidade, o valor final da condenação.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nos termos do artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC de 2015.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data (08/03/2017 ), o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA APOSENTADORIA MISTA OU HÍBRIDA
(§ 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991)
A aposentadoria por idade de que trata o art. 48 da Lei 8.213/1991 poderá ser outorgada ao segurado que compute tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que descontínuo, insuficiente para contagem equivalente ao período de carência. Nesses casos é possível haver o benefício de aposentadoria por idade com fundamento no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, a denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício deatividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
A intenção da alteração introduzida pela Lei 11.718/2008 na Lei de Benefícios foi possibilitar ao trabalhador rural que não se enquadre na previsão do § 2º haver aposentadoria por idade, aproveitando contribuições em outra categoria de segurado computadas em conjunto com o tempo de efetivo exercício de atividade rural. Em contrapartida foi elevada a idade mínima para sessenta anos (mulheres) e para sessenta e cinco anos (homens). Busca-se com isso contemplar o trabalhador que conta tempo rural insuficiente para aposentadoria rural, e conjuga em seu histórico previdenciário vínculos urbanos, o que poderia descaracterizar a condição de segurado especial e impedir a fruição de benefício.
A natureza jurídica da aposentadoria mista ou híbrida é de uma modalidade de aposentadoria urbana. Aproveita-se o tempo de exercício efetivo de atividade rural para efeitos de carência, computando cada mês como de salário-de-contribuição pelo valor mínimo. Reforça a conclusão o disposto no § 4º do art. 48 da Lei 8.213/1991, impondo para os casos do § 3º do mesmo artigo de lei que a renda mensal será apurada em conformidade com o inc. II do art. 29 da Lei de Benefícios. Essa remissão, e não ao art. 39 da Lei 8.213/1991, confirma que se trata de modalidade de aposentadoria urbana, ou, no mínimo, a ela equiparada. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA OU HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE.
1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem.
2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.
3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural.
4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana.
5. A denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, em rigor é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime deve ser equiparada à aposentadoria por idade urbana. Com efeito, a ConstituiçãoFederal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
6. Esta constatação (da similaridade da denominada aposentadoria mista ou híbrida com a aposentadoria por idade urbana) prejudica eventual discussão acerca da descontinuidade do tempo (rural e urbano). Como prejudica, igualmente, qualquer questionamento que se pretenda fazer quanto ao fato de não estar o segurado eventualmente desempenhando atividade rural ao implementar o requisito etário.
(TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0005399-12.2015.404.9999, rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 25/06/2015)
Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015). O referido § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício (TRF4, Terceira Seção, EI 0008828-26.2011.404.9999, rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10/01/2013).
O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da L 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.
Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)
(STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015)
DO CASO CONCRETO
A parte autora pretende aposentadoria por idade híbrida mediante o cômputo de tempo de trabalho urbano e rural. No que diz respeito ao requisito etário, a parte autora nasceu em 20/07/1949 (Evento 1 - ANEXOS PET4, p.7), tendo completado sessenta anos de idade em 20/07/2009. Considerada a DER, em 22/07/2014 (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 2), deve-se comprovar a carência de 180 meses.
A sentença reconheceu os seguintes períodos de atividade rural, computando-os para a carência: de 01/03/1991 a 30/06/1998 e de 01/11/1999 até 22/07/2014 (DER). Quanto ao período urbano, reconheceu o INSS administrativamente 16 meses de contribuição (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 90 e 91). Tendo em vista que a soma dos períodos rural e urbano perfazem mais de 15 anos (180 meses), considerou o juízo de origem cumprido também o requisito da carência e concedeu a aposentadoria pleiteada.
Houve apelo tanto do INSS quanto da parte autora.
a) Apelação do INSS
O INSS se opõe à pretensão da autora alegando que não houve comprovação do exercício de atividade rural durante o período pleiteado, tendo em vista que a parte autora possui indícios de atividade como motorista. Sustenta também que há divergências entre as informações prestadas pelas testemunhas ouvidas na justificação administrativa no que diz respeito aos períodos em que a parte autora exerceu atividade rural em terras arrendadas e em terras pertencente à sua sogra.
Em relação à atividade rural da parte autora, constam nos autos os seguintes documentos:
1. Contratos de parceria agrícola firmados com Ilucir Vivian nos anos de 1991 a 1995, ambos com vigência de três anos (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 23 e 24);
2. Escritura pública de adjudicação referente à imóvel rural no ano de 2004 proveniente de cessão e transferência de direitos e ações hereditárias em favor do autor e de sua esposa (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 25 a 28);
3, Declaração de Imposto Territorial Rural (ITR) em nome da parte autora, referente ao ano de 2013 (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 29 e 30);
4. Notas de produtor rural em nome da parte autora, relativas aos anos de 1991 a 1997 e 200 a 2014 (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 31 a 74).
5. Cadastro de Inscrição na Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (SEFAZ/RS) da parte autora, como microprodutor rural desde 1999 e atualizado até 14/08/2014 (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 75);
Em relação à atividade urbana, há nos autos cópia da CTPS da parte autora na qual consta o vínculo empregatício de motorista no período de 01/07/1998 a 21/10/1999 (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 8 e 9) e documento do CNIS elencando as relações previdenciárias da parte autora (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 15).
Em relação às provas orais, colheu-se, durante a justificação administrativa, o depoimento pessoal das testemunhas arroladas pela parte autora (Evento 3 - PET7, p. 4 a 10).
Ataídes Werner Lizi declarou que o autor é agricultor, tendo cultivado uma área de terrras arrendadas de Ilucir Vivian, no interior do Município de Esperança do Sul, até 1991. Após, o autor continuou a trabalhar como agricultor em terrras pertencentes à sua sogra tendo, posteriormente, adquirido a referida propriedade rural. Informou que o autor e sua família plantam soja, milho, mandioca e outros produtos de subsistência de forma manual. Referiu que o autor foi motorista em um ano, mas que não trabalhou como empregado na função em outros períodos além do referido.
Nicolau Severo Sobrinho declarou que conhece o autor há cerca de 20 anos, tendo este sempre trabalhado como agricultor, inicialmente com os pais e que depois de casar, na década de 90, adquiriu uma chácara pequena no interior de Esperança do Sul, na qual seguiu com as lides agrícolas. Referiu que durante este período, além de trabalhar em terras próprias, o autor também trabalhou um tempo em terras arrendadas de Ilucir Vivian, deixando de trabalhar nas terras deste quando iniciou suas lides rurais nas terras pertencentes à sogra, as quais adquiriu após o seu falecimento. Informou que o autor e sua família plantam culturas de subsistência, além de soja e milho, sem o auxílio de maquinário agrícola e sem contratar empregados. Mencionou que, pelo que saiba, o autor sempre sobreviveu da terra, com exceção de um ano, no qual, além das lides agrícolas, exerceu a função de motorista para Ilucir Vivian. Afirmou que o autor não trabalhou como motorista em outros períodos
Selso Eloi de Castro asseverou conhecer o autor há mais de 30 anos, tendo conhecimento de que sempre exerceu as atividades rurais. Afirmou que o autor exerceu atividades em área arrendada, de cerca de quatro hectares, no período de 1991 a 2000. Depois, continuou trabalhando em área pertencente à sua sogra, localizada no interior de Esperança do Sul. Aduziu que o autor plantava soja, milho, além de culturas de subsistência, sem ajuda de empregados. Reforçou que o autor sempre trabalhou na agricultura, exceto "um ano, perto do ano de 2000, em que trabalhou como motorista", dirigindo o caminhão de Ilucir Vivian, não tendo exercido esta atividade em outros períodos além do referido.
O INSS baseia o seu pedido de não consideração do período de atividade rural do autor na alegação de que há "indícios de atividade como motorista", motivo pelo qual não poderia este ser considerado segurado especial tanto na época em que cumpriu o requisito etário quanto na data do requerimento administrativo. Nesse sentido, aponta que no registro da transferência do imóvel que era da sua sogra, datado de 2004, o autor está qualificado como motorista e que há vínculos como motorista na sua CTPS referentes aos anos de 1998 e 1999.
Ressalte-se que o fato de o autor estar qualificado no documento do registro de imóveis como motorista já havia sido destacado pelo INSS no andamento do pedido administrativo. Na ocasião, o INSS inclusive enviou uma carta de exigência ao autor solicitando esclarecimentos em relação ao exercício da atividade de motorista (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 81). A parte autora respondeu (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 82 e 83) afirmando - no que diz respeito à informação do cartório do registro de imóveis - que
"ao lavrar a escritura pública, o servidor do Tabelionato puxou o 'registro antigo' do segurado existente no Tabelionato, feito quando o mesmo trabalhava como motorista para o empregador Ilucir Vivian (entre 07-1998 a 10-1999) [sic], fato constatado pelo mesmo somente após feita a escritura e o registro, não tendo mais como retificá-los."
Com o intuito de comprovar a afirmação, juntou ao esclarecimento a cópia da petição judicial protocolada - em data próxima da lavratura da referida escritura pública - na Ação de Homologação da Escritura Pública de Partilha Amigável do Espólio da sua sogra (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 84 a 87), na qual tanto o autor quanto sua esposa estão qualificados como agricultores.
Em que pese a fundamentação, entendo que não assiste razão ao INSS. Isso porque:
1) há farta documentação nos autos comprovando o exercício da atividade rural por parte do autor havendo, inclusive, notas de produtor rural em seu nome cobrindo praticamente todo o período de carência, como pode ser visto acima na descrição dos documentos acostados aos autos;
2) As testemunhas são unânimes na confirmação do exercício da atividade rural durante o período;
3) As testemunhas também são unânimes ao afirmar que o autor apenas exerceu um ano de atividade como motorista, informação que é confirmada pela CTPS do autor acostada aos autos, onde consta o registro do vínculo empregatício apenas no período de 01/07/1998 a 21/10/1999;
4) No documento em que o autor e sua esposa requisitaram judicialmente a homologação da partilha amigável do espólio da sogra deste - em data próxima da lavratura da escritura - ambos estão qualificados como agricultores, o que dá um caráter de verossimilhança ao esclarecimento prestado em relação à sua qualificação como motorista no registro do imóvel rural;
5) Foge ao bom senso valorar uma informação (no caso, a ocupação do autor na escritura junto ao registro de imóveis) que, apesar de advinda de um documento oficial, geralmente depende, para ser preenchida, da declaração do interessado ou de consulta à cadastro que pode estar desatualizado, em detrimento de várias outras provas que vão no sentido contrário, algumas inclusive com peso probatório superior, como é o caso das notas de produtor em nome do autor, que é um indício bastante concreto do exercício da atividade durante o período alvo da controvérsia;
6) Deveria o INSS comprovar a afirmação de que o autor não poderia ser considerado segurado especial em função da suposta atividade como motorista no período imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário e do requerimento administrativo. As provas, tanto documentais como orais, apontam no sentido de que o autor trabalhou como motorista apenas no período indicado na sua CTPS;
7) Ainda que, por hipótese, restasse demonstrado que o autor exerce ou exercia a atividade de motorista em outros períodos além do registrado na sua CTPS, tal fato não seria impeditivo - em princípio - para a concessão do benefício pleiteado. Como visto no tópico anterior, para a concessão da aposentadoria na modalidade mista ou híbrida não é necessário - ao contrário do que costuma afirmar o INSS - que o demandante esteja exercendo a atividade rural no momento da DER ou do cumprimento do requisito etário, bastando que a soma das atividades rurais e urbanas atinjam a carência necessária, independente da época do exercício de uma ou outra atividade.
Alega ainda o INSS que as testemunhas são divergentes em relação ao período em que o autor exerceu atividade rural nas terras arrendadas e nas terras pertencentes à sogra da parte autora.
Analisando o conteúdo dos depoimentos, realmente se percebe que há divergência em relação ao ano em que o autor deixou de trabalhar nas terras arrendadas para trabalhar nas terras da sogra (uma testemunha aponta que o fato teria ocorrida ainda nos anos 90 e outra informou que somente no ano 2000 o autor deixou de trabalhar nas terrras arrendadas). Porém esta constatação não elide o fato de que todas as testemunhas são unânimes em afirmar que o autor trabalhou nas terras arrendadas até começar a trabalhar nas terras que eram de sua sogra (e que depois foram transferidas para ele e sua esposa na partilha amigável do espólio da sogra). Entendo que foge da razoabilidade exigir que todas testemunhas saibam precisar de forma exata a data em que ocorreram os eventos por elas descritos. Sabe-se que muitas vezes as pessoas não conseguem precisar de forma exata a data em que ocorreram os eventos passados. No que diz respeito às afirmações que dependem apenas da memória, não apoiadas em documentação escrita, o que interessa, na verdade - tendo em conta a limitação da memória humana -, é a sucessão dos fatos, bastando que o depoente indique ao menos o tempo aproximado em que ocorreram os fatos.
Dessa forma, entendo que a imprecisão da data exata em que o autor deixou de trabalhar nas terras arrendadas e passou a exercer suas atividades rurais nas terras pertencentes à sua sogra não tem o dom de colocar em dúvida o exercício da atividade rural por parte do autor, apenas deixam em aberto a data exata da transição de uma terra para outra, o que não é relevante no caso concreto, em que o que interessa é demonstrar o exercício da atividade.
Somando-se o tempo de atividade rural reconhecido pela sentença - e confirmado por este órgão recursal - com o período de atividade urbana reconhecido pelo INSS, percebe-se que a parte autora cumpre integralmente o período de 180 meses de carência necessário para a concessão do benefício pleiteado. Dessa forma, deve ser mantida a sentença em relação ao seu mérito, negando provimento ao recurso do INSS neste ponto.
Em seu apelo, o INSS também se insurgiu contra a forma de correção do valor de sua condenação, ponto que será tratado por ocasião da definição dos consectários.
b) Apelação da parte autora
A parte autora centrou o seu recurso em três eixos:
1) na necessidade de explicitar que a condenação dá-se em relação às parcelas vincendas e não só às vencidas;
2) na forma da incidência dos honorários advocatícios;
3) na aplicação do IPCA-E em relação à correção monetária.
Os dois últimos pontos referem-se aos consectários. Dessa forma, serão enfrentados no tópico específico.
No que diz respeito ao primeiro ponto, afirma a parte autora que a sentença, ao condenar o INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria, não determinou o pagamento das parcelas vincendas. Alega que, embora seja possível entender que façam parte da condenação também as parcelas vincendas, não está expresso no dispositivo que a autarquia tenha de efetuar o seu pagamento. Requer, a fim de evitar qualquer discussão futura, a correção da sentença para que nela conste explicitamente a condenação do INSS ao pagamento tanto das parcelas vencidas quanto vincendas referentes ao benefício concedido.
Analisando a sentença, percebe-se que no parágrafo final da sua fundamentação, referente ao mérito, conclui pela procedência da ação e define o termo inicial da concessão do benefício:
(...)
Dessarte, preenchidos os requisitos legais, impõe-se a procedência do pleito, a fim de conceder o benefício de aposentadoria por idade híbrida ou mista ao autor, desde a data do requerimento administrativo (22/07/2014 - f. 58)
(...)
Dessa forma, na sua fundamentação o magistrado já definiu que o benefício de aposentadoria concedida deve ser pago a partir da data referida na sentença (no caso a data do requerimento administrativo). O dispositivo da decisão foi assim redigido, confirmando a fundamentação:
(...)
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por WALTESER BIBERG DO NASCIMENTO (...) para o fim de:
1. reconhecer o labor rural exercido pelo autor, no período de 01/03/1991 a 30/06/1991 e 01/11/1999 a 22/07/2014, para fins de carência, e determinar a sua averbação pelo INSS;
2. condenar o INSS a conceder à autora [sic] o benefício de aposentadoria por idade na modalidade híbrida ou mista, forte no art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, a partir da data do requerimento administrativo (22/07/2014 - fl. 58).
3. condenar o réu ao pagamento do valor mensal referente a tal benefício, retroativo até a data de 22/07/2014. No que tange às parcelas vencidas, correção monetária e juros nos termos da fundamentação. (grifos no original)
(...)
Cabe destacar, inicialmente, que no topo do dispositivo o julgador de 1º grau já definiu que os pedidos do autor foram procedentes, isto é, que não houve provimento parcial do que foi requerido na petição inicial. Pressupõe-se portanto, que a concessão deu-se nos termos da petição inicial. Analisando a petição inicial, percebe-se que, na sua parte final, na qual faz um resumo dos pedidos ao juízo, no seu item "c", está explícito que o autor requer a condenação do INSS a "Pagar as prestações vencidas e vincendas, a contar de 22/07/2014 (DER)" (sublinhado e negritos no original). Dessa forma, tendo em conta que a petição inicial requereu explicitamente o pagamento tanto das parcelas vencidas quanto das vincendas e que a sentença considerou procedente o pedido, a interpretação mais plausível do dispositivo, em princípio, é a de que nele foi definido que devem ser pagas as parcelas pretéritas e futuras.
A parte autora no entanto, afirma que, embora possa assim ser entendido, a não explicitação - no item 3 do dispositivo da sentença - de que devem ser pagas tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas pode dar margem à discussão futura. Em que pese a fundamentação da parte autora, que demonstra uma preocupação legítima e salutar no sentido de evitar manobras processuais que possam estender desnecessamente a duração do processo e, assim, retardar a prestação jurisdicional, entendo que não há a necessidade de corrigir a redação da sentença.
Na interpretação de um texto - de forma semelhante à interpretação da legislação - é necessário que se faça uma análise da sua totalidade e não apenas de um trecho ou frase isolada. Durante a leitura, deve-se levar em conta a inter-relação dos parágrafos - um determinado parágrafo pode alterar ou complementar a informação dada num parágrafo anterior - a fim de formar um juízo interpretativo não só das frases isoladas, como também do texto como um todo (da mesma forma que é necessária uma análise sistêmica da legislação, buscando no arcabouço legislativo - e não só na leitura do dispositivo legal que está sendo analisado - a interpretação mais adequada de um determinado artigo de uma Lei específica).
Como pode ser visto na reprodução acima do dispositivo da sentença, o magistrado o dividiu em três ítens: no primeiro, definiu o período de labor rural que deve ser reconhecido para fins de carência; no segundo, condenou o INSS a implantar o benefício a partir da DER; e no terceiro, condenou o INSS a pagar o valor mensal referente à aposentadoria concedida, especificando que o pagamento deve ser retroativo à data do requerimento administrativo e que em relação às parcelas vencidas - que são aquelas sobre as quais é necessária a atualização dos valores - incidirá a correção monetária e os juros definidos na fundamentação.
Vê-se, portanto, que o segundo item a sentença já determinou que o benefício deve ser implantado e definiu uma data pretérita para os efeitos da implantação. Ou seja, o INSS deve pagar a partir de tal data, o que implica, logicamente, tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas. Caso não fosse assim, seria necessário constar a previsão de um termo final para o pagamento, o que não é o caso do dispositivo em questão.
Analisando melhor o terceiro item do dispositivo (que é o que a parte autora entende como passível de correção), percebe-se que ele está dividido em duas frases:
1) na primeira declara que o INSS deve realizar o pagamento do valor mensal da aposentadoria concedida (condenar o réu ao pagamento do valor mensal referente a tal benefício,) e especifica que tal pagamento deve ser retroativo à data da DER (retroativo até a data de 22/07/2014);
2) na segunda define como se dará a atualização monetária em relação ao pagamento retroativo, isto é, às parcelas vencidas (No que tange às parcelas vencidas, correção monetária e juros nos termos da fundamentação).
Ora, na primeira frase, ao condenar o INSS ao pagamento do valor mensal da aposentadoria, fica claro que esse pagamento deve ser realizado todo o mês, isto é, ele deve ser continuado, tendo, portanto, uma incidência futura. Essa primeira frase ainda pode ser pode ser dividida em duas partes: uma na qual declara que o INSS deve pagar todo o mês, a partir da data da sentença, a aposentadoria concedida (referente às parcelas vincendas) e outra na qual define que deve ser pago de forma retroativa (referente às parcelas vencidas). A segunda frase, por sua vez, refere-se apenas às parcelas vencidas, não diz respeito às parcelas vincendas. Não haveria porque referir em uma frase que está tratando das parcelas vencidas informação a respeito das parcelas vincendas. Frise-se, ademais, que a forma como foi redigido a frase, explicitando que se refere às parcelas vencidas, reconhece implicitamente a existência de parcelas vincendas: "no que tange às parcelas vencidas, (...)", isto é, ao especificar que a frase se refere às parcelas vencidas, logicamente se concluiu a existência das outras parcelas, no caso as vincendas. Se não fosse assim, não haveria porque apontar que a frase se refere às parcelas vencidas. Poderia o dispositivo dar ensejo à interpretação diversa se, hipoteticamente, apenas definisse que devem ser pagas as parcelas vencidas sem reconhecer, ainda que implicitamente, a existênca de parcelas vincendas. O que não é o caso, absolutamente, do dispositivo em questão. Não bastasse isso, a existência de parcelas vincendas também foi reconhecida pela sentença por ocasião da fixação dos honorários advocatícios, uma vez que as afastou explicitamente a sua inclusão no seu cômputo:
(...)
Sucumbente, condeno o réu ao pagamento integral dos honorários advocatícios do patrono da parte autora, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, consoante a Súmula nº 76 do TRF da 4ª Região, excluídas as parcelas vincendas, na forma da Súmula 111 do STJ (...) (grifo meu)
Mais uma vez: se não houvessem as parcelas vincendas, não haveria porque o julgador de primeiro grau excluí-las ao fixar os honorários. Concluí-se que análise da sentença como um todo aponta para a condenação do INSS ao pagamento das parcelas pretéritas e futuras referentes ao benefício nela concedido.
Dessa forma, entendo que o dispositivo da sentença está bastante claro no sentido de que condenou o INSS ao pagamento tanto das parcelas vencidas quanto vincendas, não havendo motivo para a alteração de sua redação.
Cabe ressaltar, ainda, que o motivo mais contundente para considerar que a decisão abrange o pagamento das parcelas futuras - e não só das pretéritas - na verdade não diz respeito à análise linguística do seu conteúdo, mas sim à própria natureza do benefício em questão: toda e qualquer aposentadoria é concedida de forma vitalícia ou seja, desde a data da sua implantação até o falecimento do seu titular (ou pensionista, se for o caso). Não faria qualquer sentido, portanto, o julgador conceder um benefício de aposentadoria definindo desde já o seu termo. A única hipótese, aliás, que se poderia considerar a possibilidade de o dispositivo condenar apenas ao pagamento das parcelas vencidas, seria no caso de uma ação que visasse a mudança do termo inicial da implantação de um benefício já concedido e que já está sendo pago regularmente. O que, em absoluto, não é o caso dos presentes autos.
Assim, deve ser negado provimento a esse ponto da apelação da parte autora, mantendo intocada a redação da sentença, uma vez que da sua fundamentação e do seu dispositivo pode-se perceber que a condenação abrange tanto o pagamento das parcelas vencidas quanto das vincendas.
DOS CONSECTÁRIOS
Correção monetária
Em relação à correção monetária, a sentença determinou a incidência do INPC. O INSS em seu recurso defendeu a aplicação integral do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pelo artigo 5º da Lei 11.960/2009. A parte autora também insurgiu-se contra este ponto da sentença. Alega esta que o índice correto a ser aplicado em relação à correção monetária é o IPCA-E, em conformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 870/497, julgado em sede de repercussão geral.
No que diz respeito a questão, como afirmou a parte autora em seu recurso, o STF, em decisão recente com repercussão geral (RE 870.947, julgado em 20/09/2017), determinou que a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam: IPCA-E a partir de 30/06/2009.
Dessa forma, em conformidade com o julgado da Corte Superior, deve, neste ponto, ser negado provimento ao apelo do INSS e dado provimento ao apelo da parte autora, afastando a aplicação do INPC e definindo o IPCA-E como índice de correção.
Juros de mora
Aplicam-se juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Este foi o entendimento da sentença. Resta mantida, portanto, a aplicação do referido artigo 5º da Lei supracitada no que diz respeito aos juros.
Custas.
O entendimento consolidado deste Tribunal é o de que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Tendo em vista que a sentença está de acordo com o entendimento acima, deve, em relação a este ponto, ser mantida.
Honorários advocatícios
A sentença condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença. A parte autora, em seu apelo, insurgiu-se contra a forma da sua fixação. Entende esta que a incidência de honorários advocatícios não está limitada às parcelas vencidas até a prolação da sentença, mas sobre o montante da condenação e/ou proveito econômico, ressaltando que nos casos em que o montante da condenação ou proveito econômico for inferior a 200 salários mínimos, deve-se nela incluir tanto as parcelas vencidas quanto às vincendas nos termos dos parágrafos 2º e 3º do artigo 85 do NCPC.
No que diz respeito à questão, o entendimento deste Tribunal é de que os honorários advocatícios são em regra fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença". Dessa forma, tendo em vista que este Tribunal mantém a aplicação das citadas Súmulas, deve-se negar provimento ao apelo da parte autora em relação ao ponto;
No caso concreto, houve desprovimento do recurso interposto pelo INSS. Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC) e que foram apresentadas contrarrazões, aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas.
DA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região definiu a questão da implantação imediata de benefício previdenciário, tanto em casos de concessão quanto de revisão de benefício:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, Terceira Seção, AC 2002.71.00.050349-7 Questão de ordem, rel. Celso Kipper, j. 09/08/2007)
Neste caso, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a sua implantação imediata.
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os casos em que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação do art. 128, ou do inc. I do art. 475-O, tudo do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), e art. 37 da Constituição, aborda-se desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa ao art. 128, ou ao inc. I do art. 475-O, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), porque a hipótese, nos termos do precedente da Terceira Seção desta Corte, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como está expresso na ementa acima transcrita.
A invocação do art. 37 da Constituição, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente se verifica ofensa ao princípio da moralidade pela concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.
Desta forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os arts. 461 e 475-I do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 497 e 513 do Código de Processo Civil de 2015), bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, deve o INSS implantar - caso ainda não o tenha feito - o benefício em até quarenta e cinco dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
DO PREQUESTIONAMENTO
Em suas razões de apelação, o INSS suscitou o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais levantados. Assim, com a finalidade específica de possibilitar o acesso às instâncias superiores, explicito que o presente acórdão, ao equacionar a lide como o fez, não violou nem negou vigência dos dispositivos constitucionais e/ou legais mencionados no recurso, os quais dou por prequestionados.
CONCLUSÃO
Em conformidade com a fundamentação acima, deve-se:
1. Não conhecer o reexame necessário;
2. Manter o dispositivo da sentença no que diz respeito ao mérito, convalidando a concessão de aposentadoria por idade (híbrida) e negando provimento ao apelo do INSS;
2. Reformar a sentença no que diz respeito à correção monetária, tendo em vista o entendimento firmado em relação ao tema pelo STF, dando provimento ao apelo da parte autora e negando provimento ao apelo do INSS em relação ao ponto;
3. Manter a redação do dispositivo da sentença, negando provimento ao apelo da parte autora em relação a este ponto;
4. Determinar que os honorários fixados devem incidir sobre as prestações vencidas até a data do julgamento do recurso (acórdão), negando provimento ao apelo da parte autora em relação a este ponto;
5. Majorar a verba honorária fixada, nos termos do art. 85, §11 do NCPC;
6. Determinar a imediata implantação do benefício.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/03/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5043684-18.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00035439620158210075
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | VALTESER BIBERG DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | SANDRO ROGÉRIO LIBARDONI |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/03/2018, na seqüência 475, disponibilizada no DE de 01/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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