APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011588-06.2015.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | NELSINHA WACHTEL DE LIMA |
ADVOGADO | : | Martim Canever |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE PORTO UNIAO/SC |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA OU HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. ART. 48, § 3º, DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.718/2008. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. REAFIMAÇÃO DA DER.
É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou o § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem.
Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.
O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural.
Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos) está desempenhando atividade urbana.
A denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, em rigor, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria por idade urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Esta constatação (da similaridade da denominada aposentadoria mista ou híbrida com a aposentadoria por idade urbana) prejudica eventual discussão acerca da descontinuidade do tempo (rural e urbano). Como prejudica, igualmente, qualquer questionamento que se pretenda fazer quanto ao fato de não estar o segurado eventualmente desempenhando atividade rural ao implementar o requisito etário.
A 3ª Seção desta Corte tem admitido a reafirmação da DER em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e dar provimento à apelação da parte autora, com a reafirmação da DER para o período em que a parte autora preencheu todos os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria híbrida, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 05 de abril de 2018.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9335515v7 e, se solicitado, do código CRC F9CC711A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 09/04/2018 17:10 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011588-06.2015.4.04.9999/SC
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RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e apelação interposta pela parte autora em face da sentença, prolatada em 23/02/2015, que julgou:
(a) extinto o processo sem julgamento do mérito, quanto ao pedido declaratório de reconhecimento de atividade rural no período de 01.01.2007 a 13.09.2011;
(b) parcialmente procedente, com resolução de mérito, os pedidos formulados pela autora contra o INSS para:
- reconhecer a atividade rural de 01-09-1970 a 04-05-1997, 01-07-2005 a 31-12-2006 e 14-09-2011 a 16-03-2012;
- rejeitar o pedido de averbação de atividade rural de 01-01-1991 a 04-05-1997, 01-07-2005 a 31-12-2006 e 14-09-2011 a 16-03-2012, exceto para fins de carência de benefício rural;
- rejeitar os pedido de aposentadoria por idade rural e aposentadoria por tempo de contribuição.
Sustenta a autora, em síntese, que faz jus à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, conforme requerido, salientando, ainda, da fungibilidade dos pedidos previdenciários.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Fungibilidade dos pedidos de natureza previdenciária
Considerando julgados desta Corte, cumpre destacar que em matéria previdenciária devem ser mitigadas algumas formalidades processuais, haja vista o caráter de direito social da previdência e assistência social (Constituição Federal, art. 6º), intimamente vinculado à concretização da cidadania e ao respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, II e III), bem como à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à erradicação da pobreza e da marginalização e à redução das desigualdades sociais, objetivos fundamentais do Estado (CF, art. 3º, I e III), tudo a demandar uma proteção social eficaz aos segurados, seus dependentes e demais beneficiários, inclusive quando litigam em juízo.
Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra "Técnica Processual e Tutela dos Direitos" (RT, 2004), ao tratar da "mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença" (p. 134 e seguintes), refere o seguinte:
"A necessidade de dar maior poder ao Juiz para a efetiva tutela dos direitos, espelhada, em primeiro lugar, na quebra do princípio da tipicidade das normas executivas e na concentração da execução no processo de conhecimento, trouxe, ainda, a superação da idéia de absoluta congruência entre o pedido e a sentença. Note-se que a superação dessa idéia é uma conseqüência lógica da quebra do princípio da tipicidade dos meios executivos e da concentração da execução no processo de conhecimento, uma vez que todas elas se destinam a dar maior mobilidade ao juiz - e assim maior poder de execução. A ligação entre tudo isso, ademais, deriva do fato de que a regra de congruência, assim como o princípio da tipicidade e a separação entre conhecimento e execução, foi estabelecida a partir da premissa de que era preciso conter o poder do juiz para evitar o risco de violação da liberdade do litigante. Tanto é verdade que, quando se pensa em congruência, afirma-se que sua finalidade é evitar que a jurisdição atue de ofício, o que poderia comprometer sua imparcialidade. O CPC, em dois artigos, alude à idéia de o juiz ater-se ao alegado pelo autor. O art. 128 diz que "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte". E o art. 460 afirma que "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou objeto diverso do que lhe foi demandado". O art. 460, ao traduzir a idéia de segurança jurídica, afirma que a sentença deve limitar-se ao pedido nos sentido imediato e mediato. Ao falar na proibição de sentença de "natureza diversa da pedida" alude ao pedido imediato, e ao apontar para vedação de condenação em "quantia superior ou em objeto diverso", trata do pedido mediato. Tal distinção é fácil de ser apreendida, pois o objeto mediato reflete o "bem da vida" - a quantia, o objeto - que se procura obter com o acolhimento do pedido imediato, isto é, com a sentença solicitada. Essa proibição tinha que ser minimizada para que o juiz pudesse responder à sua função de dar efetiva tutela dos direitos. Melhor explicando, essa regra não poderia mais prevalecer, de modo absoluto, diante das novas situações de direito substancial e da constatação de que o juiz não pode ser visto como um "inimigo", mas como representante de um Estado que tem consciência que a efetiva proteção dos direitos é fundamental para a justa organização social. Pois bem: os arts. 461 do CPC e 84 do CDC - relativos às "obrigações de fazer e de não fazer" - dão ao juiz a possibilidade de impor a multa ou qualquer outra medida executiva necessária, ainda que não tenham sido pedidas. O art. 461 do CPC, por exemplo, afirma expressamente, no seu §4º, que o juiz poderá impor multa diária ao réu, "independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação", e no seu §5º que "poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como...". No mesmo sentido, o novo art. 461 -A - que entrou em vigor em agosto de 2002 -, pois afirma, no seu §3º, que são a ele aplicáveis as regras que estão nos parágrafos do art. 461. Desse modo, caso tenha sido solicitada a busca e apreensão, poderá ser imposta a multa, ou vice-versa. Nessa linha, é importante perceber que pode ser solicitada sentença executiva, ou seja, capaz de conduzir à tutela do direito mediante coerção direta ou sub-rogação, e o juiz conceder sentença mandamental (ou coerção indireta). Ou o inverso, pois pode ser concedida sentença executiva no lugar de sentença mandamental. Ademais, está expressa, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, a possibilidade de o juiz dar conteúdo diverso ao fazer ou ao não-fazer pedido, ou melhor, impor outro fazer ou não-fazer, desde que capaz de conferir resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da "obrigação originária". Assim, por exemplo, se é requerida a cassação da poluição, e o juiz verifica que basta a instalação de certa tecnologia para que ela seja estancada (um filtro, por exemplo), outro fazer deve ser imposto."
Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do Direito Previdenciário e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de uma aposentadoria diversa da pedida, uma vez preenchidos os requisitos legais. Isso porque o que a parte pretende é a aposentadoria, e este é o seu pedido, mas o fundamento, sim, variável (por incapacidade, por idade, tempo de serviço etc.). Ou seja, o pedido em sede previdenciária é a concessão de benefício, seja qual for a natureza ou fundamento. Confiram-se os seguintes precedentes da 5ª Turma deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DIVERSO DO POSTULADO DE APOSENTADORIA POR IDADE DISPOSTA NO ART. 48, CAPUT, DA LEI 8213/91. POSSIBILIDADE. MARCO INICIAL DE CONCESSÃO. ANTECIPAÇÃO. TUTELA. 1. Diante do exercício de atividade eminentemente urbana desenvolvida pelo autor em extenso intervalo abrangido pelo período correspondente à carência, bem como de contribuições como autônomo ao longo de anos, não há como ser concedida a aposentadoria por idade rural. 2. Pretendendo o requerente a concessão de aposentadoria por idade, não há qualquer óbice a que seja concedida a aposentadoria por idade disposta no caput do art. 48 da Lei 8213/91, porquanto não se tratando de trabalhador rural (§1º e §2º do art. 48 da Lei de Benefícios), a inativação por idade norteia-se pelo princípio contributivo, exigindo do segurado o implemento do requisito etário (60 anos para mulher e 65 para homem) e o número de contribuições equivalentes à carência exigida naquela Lei, de forma que, comprovado pelo segurado, o recolhimento das contribuições previdenciárias ao sistema, torna-se despiciendo que o exercício da atividade tenha sido desempenhado em área rural ou urbana. 3. Possível o preenchimento não simultâneo dos requisitos etário e de carência para a concessão de aposentadoria por idade. Precedentes do Eg. STJ e deste Colendo TRF/4ª Região. 4. Tendo o demandante sido filiado ao sistema em época anterior à edição da Lei n. 8213/91, a ele aplica-se a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios, de forma que, preenchida a carência ali estipulada porque vertidas mais de 190 contribuições ao sistema, e completada a idade mínima de 65 anos, é devida aposentadoria por idade a contar da data do requerimento administrativo. 5. Não há que se falar em decisão extra petita. Se o autor postulou, na petição inicial, a concessão de aposentadoria por idade, alegando a condição de rurícola, por certo que o nome dado à aposentadoria por idade é irrelevante, uma vez que consagrada, em matéria de concessão de benefício, a aplicação do brocardo latino da mihi factum dabo tibi ius, que autoriza o julgador a conceder benefício distinto do postulado, até mesmo em homenagem ao princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas. 6. Tendo havido prévia interposição de agravo de instrumento da decisão que antecipou os efeitos da tutela pretendida, resta preclusa a matéria, não merecendo conhecimento o pedido de revisão da decisão formulado em sede de apelação. (AC 2001.70.04.000857-0/PR, 5ª Turma, Des. Federal Celso Kipper, DJU 14-09-2005, p. 891).
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. INEXISTÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. CABIMENTO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. BENEFÍCIO DIVERSO DO PLEITEADO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO LIMITE DO PEDIDO. 1. Compete ao Estado - administrado e juiz - examinar se do conjunto fático possui o segurado direito a benefício previdenciário, ainda que diverso daquele especificamente indicado pela parte. 2. Aplicação dos princípios jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, o que se torna especialmente exigível em benefícios previdenciários, pela relevância social que circunda a matéria, não se dando violação aos limites da lide. 3. Não há que se falar em auxílio-doença, quando inexistente a incapacidade laboral. 4. Comprovada a redução da capacidade laboral, é devida a concessão de auxílio-acidente (sem origem no ambiente de trabalho), nos termos do art. 86 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente na data do acidente. 5. Pacificou-se nesta Corte a aplicação da Súmula 111 do STJ, sendo devidos honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas vencidas até decisão judicial concessória do benefício pleiteado nesta ação previdenciária, excluídas as parcelas vincendas. (AC 2003.04.01.041807-7/RS, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, DJU 18-02-2004, p. 602).
A 3ª Seção deste Tribunal, na sessão de 09/06/2005, ao julgar os Embargos Infringentes em AC n.º 2000.04.01.107.110-2, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, entendeu cabível a concessão de aposentadoria por idade ao invés da aposentadoria por tempo de serviço, aquela decorrente de pedido sucessivo postulado na inicial, mas não renovado em sede de apelação, em razão da natureza pro misero do Direito previdenciário. Decidiu-se que em sede previdenciária o pedido é a concessão de uma prestação previdenciária, e o fundamento, a incapacidade, a velhice, o tempo de serviço, etc.
Também há outro precedente da 3ª Seção deste Tribunal que, apreciando situação semelhante e citando os fundamentos do paradigma acima referido, decidiu no mesmo sentido (EI em AC 2002.04.01.014901-3/SC, Rel. Des. Federal Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, DJU 26/10/2005).
Em verdade, seja em face da mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença citado por doutrina abalizada, ou em face da natureza pro misero que subjaz ao Direito Previdenciário, ou ainda, pela invocação dos princípios jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, especialmente importantes em matéria previdenciária, evidencia-se a não violação dos limites da lide quando deferido benefício diverso do formalmente postulado na inicial.
Considerando tal entendimento, é de ser analisada a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade híbrida à autora, pois pretende computar labor urbano e rural para efeito de carência.
Considerações sobre a aposentadoria por idade "híbrida" ou "mista"
Rege-se o benefício pelo art. 48, caput, da Lei n.º 8.213/91:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
(...)
Como visto, dois são os requisitos para a obtenção da aposentadoria por idade urbana: a) idade mínima (65 anos para o homem e 60 anos para a mulher) e b) carência. Em se tratando de trabalhador rural, o requisito etário tem redução de cinco anos.
A carência (ou o tempo equivalente à carência para os segurados especiais) foi fixada pela Lei n.º 8.213/91 em 180 meses de contribuição (art. 25, II, da Lei 8.213/91). Na revogada CLPS/84, ela era de 60 contribuições (art. 32, caput, dessa Consolidação). No que tange à carência, todavia, a Lei n.º 8.213/91 estabeleceu norma de transição, haja vista o aumento que se verificou no número de contribuições exigido (de 60 para 180). Neste sentido estabeleceu o artigo 142 do referido diploma:
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício:
(Artigo e tabela com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.4.95)
Ano de implementação das condições | Meses de contribuição exigidos |
Não se pode perder de vista, por outro lado, o que estabelece o § 1º do art. 102 da Lei n.º 8.213/91:
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (sublinhei)
Interpretando os dispositivos acima transcritos à luz dos princípios da ampla proteção e da razoabilidade, e tendo em vista que a condição essencial para a concessão da aposentadoria por idade urbana é o suporte contributivo correspondente, consubstanciado na carência implementada, a jurisprudência nacional caminhou no sentido de entender que é irrelevante a perda da condição de segurado para a concessão do referido benefício. Desta forma, os requisitos necessários à obtenção do benefício (idade e carência) podem ser preenchidos separadamente. Referido entendimento está expresso no seguinte precedente da 3ª Seção do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. ARTIGOS 25 E 48 DA LEI 8.213/91. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ARTIGO 102 DA LEI 8.213/91. IMPLEMENTAÇÃO SIMULTÂNEA. DESNECESSIDADE. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. IDADE MÍNIMA E RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS - CARÊNCIA. PRECEDENTES. ARTIGO 24, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8.213/91. NÃO APLICABILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
I - A aposentadoria por idade, consoante os termos do artigo 48 da Lei 8.213/91, é devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta lei, completar 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher.
II - O art. 25 da Lei 8.213/91, por sua vez, estipula a carência de 180 (cento e oitenta) meses de contribuição para obtenção da aposentadoria por idade para o trabalhador urbano.
III - A perda da qualidade de segurado, após o atendimento aos requisitos da idade mínima e do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, não impede a concessão da aposentadoria por idade. Precedentes.
IV - Ademais, os requisitos exigidos pela legislação previdenciária não precisam ser preenchidos, simultaneamente, no caso de aposentadoria por idade. Interpretação do artigo 102, § 1º da Lei 8.213/91. Precedentes.
V - Sobre o tema, cumpre relembrar que o caráter social da norma previdenciária requer interpretação finalística, ou seja, em conformidade com os seus objetivos.
VI - O parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91 aplica-se aos casos em que o segurado não consegue comprovar, de forma alguma, a totalidade da carência exigida, ao benefício que se pretende, tendo que complementar o período comprovado com mais 1/3 (um terço), pelo menos, de novas contribuições, mesmo que já possua o requisito idade, o que não é o caso dos autos.
VII - Embargos rejeitados, para prevalecer o entendimento no sentindo de não se exigir a implementação simultânea dos requisitos para a aposentadoria por idade, sendo irrelevante o fato de o trabalhador ter perdido a qualidade de segurado.
(EREsp 327803/SP, Embargos de Divergência no Recurso Especial 2002/0022781-3, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Rel. p/Acórdão Min. Gilson Dipp, DJ 11-04-2005, p. 177). Grifado.
Podem ser citados ainda os seguintes precedentes do STJ: a) 5ª Turma: RESP 641190/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 20/06/2005, p. 351, e b) 6ª Turma: RESP 496814/PE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 01/07/2005, p. 649.
Destarte, deve ser observada a orientação do STJ, segundo a qual o preenchimento de todos os requisitos não necessita ser concomitante.
Se é assim, fica evidente não importar a circunstância de a carência ter sido preenchida anteriormente à perda da qualidade de segurado e do implemento etário no caso da aposentadoria por idade urbana. O fator relevante é o somatório das contribuições, vertidas a qualquer tempo anteriormente à perda da qualidade de segurado, alcançar o mínimo exigido para a obtenção da carência, a qual se encontra atualmente delineada na tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91 e, no regime da CLPS/84, em seu art. 32. A questão é atuarial. O que se exige é que o benefício esteja lastreado em contribuições suficientes, de modo a ser minimamente suportado pelo Sistema Previdenciário. Implementado esse requisito, resta apenas atingir a idade mínima prevista em lei.
Isso, a propósito, restou consagrado no artigo 3º da Lei n.º 10.666, de 08/05/2003 (resultante da conversão da MP nº 83, de 12/12/2002):
"Art. 3º - A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
§ 2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2º, da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991."
Por fim, deve ser salientado que não se aplicam obviamente as regras de transição estabelecidas no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 aos segurados inscritos na Previdência após 24 de julho de 1991. Para estes há necessidade de se observar o prazo de carência previsto no artigo 25, inciso II, do mesmo Diploma (180 meses).
No caso em apreço, a parte autora pretende a concessão da denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida. Completou a idade mínima para a obtenção da aposentadoria por idade urbana, desempenhou atividade urbana anteriormente à implementação do requisito etário, mas alega que exerceu atividades rurícolas no passado, pretendendo agregar o(s) lapso(s) respectivo(s) para obter a aposentadoria por idade.
De fato, em 23/06/2008 passou a vigorar a Lei 11.718, que, dentre outras alterações, modificou o § 2º e instituiu o § 3º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, nos seguintes termos:
"Art. 48. (omissis)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
Como se vê, tal lei instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade ao segurado ou à segurada que desempenhou atividades rurais, com o implemento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado em outras categorias - como empregado urbano ou contribuinte individual, v.g. - desde que haja o implemento da idade mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
Tenho que ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.
A conclusão que se pode extrair é de que a modificação legislativa, em rigor, permitiu o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo, no caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem).
A verdade é que, em uma situação como esta, o segurado não deixou de trabalhar, apenas mudou de regime. Não pode ser prejudicado pelo fato de ter passado a contribuir como trabalhador urbano. Tivesse continuado a trabalhar como agricultor em regime de economia familiar, sem efetuar qualquer recolhimento de contribuições, poderia ter obtido aposentadoria aos 55 (cinquenta e cinco) ou 60 (sessenta) anos de idade sem qualquer problema. Não há razão, assim, para que se negue o direito ao benefício, com requisito etário mais rigoroso, somente porque passou a recolher contribuições.
Assim, sob pena de se relegar ao desamparo quem jamais deixou de exercer atividade laborativa, há de se adotar entendimento no sentido de reconhecer o direito à aplicação da regra do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 a todos os trabalhadores que tenham desempenhado de forma intercalada atividades urbanas e rurais.
Calha registrar que sob o regime da Lei Complementar 11, de 25/05/1971 havia norma de sentido assemelhado, que inclusive amparava de forma mais efetiva os trabalhadores rurais que migravam para a área urbana. Com efeito, assim estabelecia o artigo 14 da Lei Complementar 11/71:
"Art. 14. O ingresso do trabalhador rural e dependentes, abrangidos por esta Lei complementar , no regime de qualquer entidade de previdência social não lhes acarretará a perda do direito às prestações do programa de assistência , enquanto não decorrer o período de carência a que se condicionar a concessão dos benefícios pelo novo regime."
O dispositivo acima, como se percebe, amparava o segurado rural que migrava para a área urbana. Não tendo havido a perda da qualidade de segurado, era possível reconhecer o direito à obtenção do benefício segundo as regras previstas para o regime rural, enquanto não preenchidos os requisitos (inclusive carência) exigidos para obtenção de proteção pelo regime urbano.
Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos) está desempenhando atividade urbana.
Há de se considerar, ainda, que a denominada aposentadoria mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Esta constatação (da similaridade da denominada aposentadoria mista ou híbrida com a aposentadoria por idade urbana) prejudica, registre-se, eventual discussão acerca da descontinuidade do tempo (rural e urbano), haja vista os fundamentos acima expostos. Como prejudica, igualmente, qualquer questionamento que se pretenda fazer quanto ao fato de não estar o segurado eventualmente desempenhando atividade rural ao implementar o requisito etário.
Do caso concreto
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 27/08/2016 (nascimento em 27/08/1956 - fl. 16) e formulou o requerimento de aposentadoria em 14/09/2011 (fl. 17). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural e ou rural e urbana, para fins de aposentadoria por idade híbrida, pelo período de 180 meses, anteriormente, no caso, ao requisito etário.
Conforme se verifica o INSS não reconheceu o direito da autora à concessão do benefício, em virtude do não cumprimento da carência exigida. Dessa forma, a parte autora deve comprovar tempo de serviço (urbano e rural) suficiente à implementação da carência, equivalente a 180 contribuições.
Verifico que, no caso presente, já foi reconhecido administrativamente o exercício de atividade rural de 01.01.2007 a 13.09.2011, o que totaliza 57 meses. Remanescem para reexame os demais períodos de atividade rural reconhecidos em sentença. Quanto a tais interregnos, permito-me transcrever a decisão que, com propriedade, analisou a prova trazida aos autos, assim dispondo - in verbis:
"... Assim, a sentença ficará limitada ao período de 1.9.1970 a 31.12.2006 e 14.9.2011 a 16.3.2012.
a) contrato rural de arrendamento, firmado no dia 17.9.2007, no qual consta como arrendatária (fls. 20-20A);
b) receita agronômica de 14.9.1996, na qual consta como cliente/produtor (fl. 21);
c) cadastro de trabalhador na condição de segurado especial em nome de Orlei Pedrolli, filho da autora, emitido em 9.3.1994 (fl. 22);
d) ficha de criador de bovino em nome de Francisco Watchel, pai da autora, com datas de vacinação entre os anos de 1982 a 1984, 1989, 1990 e 1991;
e) notas fiscais de produtor emitidas no nome da autora e/ou terceiro, nas quais discriminam operações de compra e venda de produtos rurais como milho, bovino, chuchu, batata doce, abóbora e fumo, emitidas nos anos de 1996, 2001, 2003, 2005, 2007, 2009, 2010 e 2011 (fls. 25-42 e 73);
f) certificado de cadastro de imóvel rural em nome de Frederico Guilherme Watchel, pai da autora, referentes aos exercícios de 1983, 1986, 1987, 1988, 1989 e 1991 (fls. 43-45);
g) ficha de inscrição junto à Associação dos Fumicultores do Brasil, referente à safra do ano de 1995/1996 (fl. 46);
h) certidão de nascimento da filha, no qual a autora consta qualificada como agricultora, emitida em 24.2.1996 (fl. 47);
i) declaração de informação do ITR, referente ao exercício de 1994 em nome de Frederico Guilherme Watchel, pai da autora (fl. 48);
j) recibos de pagamento de contribuição devida à Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Santa Catarina, com vencimentos nos dias 30.6.1999, 30.6.2000, 30.6.2001 e 30.6.2004 (fls. 49-50 e 68);
k) cartão mestre emitido pela Souza Cruz, no qual discrimina a autora como produtora, na safra de 1997 (fl. 51);
l) contrato de compra e venda de fumo firmado no dia 18.4.1995, no qual a autora consta como vendedora (fl. 52);
m) certidão do Registro de Imóveis desta comarca, na qual consta consta que Frederico Guilherme Watchel, pai da autora, é proprietário de imóvel rural, desde 27.7.1965, além de ser qualificado como agricultor (fl. 53);
n) certidão de casamento, na qual consta a qualificação do cônjuge Antônio como 'lavrador' e da autora como do 'lar' (fl. 54);
o) notas fiscais de saída emitidas pela Souza Cruz, com a discriminação de que a autora adquiriu, nos dias 11.7.1996 e 8.11.1996, 'barbante rami engomado' e 'ureia base' (fls. 55-56);
p) declaração firmada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Planalto Norte, de 17.9.2007, que a autora é agricultora;
r) extrato do Sistema Dataprev, no qual o réu concedeu auxílio-doença previdenciário à autora, na qualidade de segurada especial, no período de 18.9.2008 a 30.10.2008.
No período de 5.5.1997 a 30.6.2005, a autora teve vários vínculos trabalhistas no Estado de São Paulo, conforme cópia da carteira de trabalho (fls. 127-129). A autora foi segurada obrigatória, na qualidade de empregada, nos seguintes períodos: 5.5.1997 a 7.3.1998 (10 meses de 3 dias), 2.5.1998 a 1.3.1999 (10 meses), 22.3.1999 a 8.6.1999 (2 meses e 17 dias), 25.6.1999 a 13.8.1999 (1 mês e 19 dias), 1.9.1999 a 7.5.2000 (8 meses e 7 dias), 20.8.2001 a 20.1.2002 (5 meses e 1 dia), 6.3.2002 a 4.3.2004 (1 ano, 11 meses e 29 dias já homologado pelo réu fl. 117), 1.9.2004 a 30.12.2004 (4 meses) e 1.2.2005 a 30.6.2005 (5 meses), o que totaliza 5 anos, 10 meses e 16 dias.
Obviamente que esse período não pode ser computado como atividade rural, pois incompatível com o regime de economia familiar. Ademais, autora residiu no Estado de São Paulo, por volta de 8 anos, conforme afirmou a testemunha Ary Visentim (CD de fl. 199), o que justifica as anotações de trabalho entre os anos de 1997 a 2005, a indicar que a autora, nesse período, não retornou para o meio rural.
Dessa forma, o período de 5.5.1997 a 30.6.2005 não pode ser reconhecido como atividade rural.
De outro lado, há início de prova material de atividade rural exercida pela autora quando residia com os pais até o casamento, uma vez que há documento que demonstra que o pai da autora era agricultor (fl. 53), após o casamento com Antonio Ribeiro de Lima (qualificado como agricultor), no ano de 1982 (fl. 54), nos anos de 1995 a 1997 (fls. 21, 41, 42, 46, 47, 51, 52, 55, 56) e no ano de 2005 (fls. 25 e 26).
As provas documentais indicam que: a) o pai da autora exercia a profissão de agricultor, tanto que era proprietário de imóvel rural; b) o cônjuge da autora exercia a profissão de agricultor, quando do casamento; c) a autora vendeu produtos rurais nos anos de 1995 a 1997 (até quando se mudou para o Estado de São Paulo) e a partir do ano de 2005 (quando retornou para este Estado). Trata-se de início de prova material acerca de atividade rural.
A prova testemunhal ampliou a eficácia da prova material.
A testemunha Neuza Zacarias da Luz disse que: a) os pais da autora eram agricultores; b) a autora começou a trabalhar no meio rural a partir dos 8 anos de idade; c) a família trabalhava e morava em própria terra; d) a família plantava para a própria subsistência e o excedente era vendido; e) a autora morou e trabalhou com os pais até o casamento; f) a autora foi trabalhar no Estado de São Paulo como empregada doméstica; g) a autora voltou de São Paulo e foi trabalhar na roça, juntamente com o segundo marido, cujos produtos são vendidos na feira; h) a autora já plantou fumo, mas atualmente não (CD de fl. 199).
A testemunha Ary Visentim narrou que: a) conhece a autora, há 40 anos; b) os pais da autora eram agricultores; b) os pais trabalhavam e moravam em terra própria, na localidade de Rio dos Pardos; c) a autora desde pequena ajudava os pais; c) a família plantava para própria subsistência e o excedente era vendido; d) a autora trabalhou com os pais até o casamento; e) depois do casamento a autora foi morar no Estado de São Paulo; f) morou no Estado de São Paulo por volta de 8 anos; g) ao retornar para a localidade de Rio dos Pardos, interior do Município de Porto União, voltou a trabalhar na roça e vende produtos na feira; h) a autora trabalha na roça juntamente com o marido, que é conhecido como "Andrade"; i) acredita que a autora se separou do primeiro marido (CD de fl. 199).
Nesse contexto, denota-se que existe início de prova material, complementada por prova testemunhal, coerente e harmônica, no sentido de que a autora efetivamente exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, desde criança até o casamento (realizado no dia 3.5.1982 fl. 54), do casamento até quando foi morar no Estado de São Paulo e quando retornou para o Município de Porto União até a data da audiência de instrução e julgamento.
Assim, o pedido declaratório de reconhecimento de atividade rural entre 1.9.1970 (quando a autora já tinha mais 14 anos de idade fl. 36) a 4.5.1997, 1.7.2005 a 31.12.2006 e 14.9.2011 a 16.3.2012 (data do ajuizamento da ação) merece acolhimento." (fls. 205-208, grifei).
Dessarte, em relação a tais períodos, reconhecidos em sentença, não há qualquer reparo a ser feito, porquanto, de fato, a prova documental e testemunhal é farta e demonstra de maneira eficaz o exercício da atividade rural.
Considerando tais interregnos (01/09/1970 a 04/05/1997, 01/07/2005 a 31/12/2006 e 14/09/2011 a 16/03/2012), acrescidos do período reconhecido administrativamente (01/01/2007 a 13/09/2011), a autora soma 33 anos, 04 meses e 21 dias de atividade rural, até 16/03/2012. O INSS reconhece, administrativamente, 61 meses de atividade urbana, conforme resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição (fls. 117-119), o qual, para os fins de concessão de aposentadoria mista ou híbrida, deve ser somado ao tempo de atividade rural.
Reafirmação da DER
Observe-se que na DER (14/09/2011) não é possível a concessão da aposentadoria por idade com fundamento no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, pois a autora não havia completado a idade necessária. Tendo a autora implementado o requisito etário 60 (sessenta e cinco) anos, em 27/08/2016, necessário verificar a possibilidade de concessão da aposentadoria por idade híbrida, reafirmando-se, assim, a DER para esta data.
A Terceira Seção desta Corte, no julgamento realizado nos autos do processo nº 5007975-25.2013.4.04.7003, realizado na forma do artigo 947, § 3º, do NCPC - Incidente de Assunção de Competência -, concluiu pela possibilidade de reafirmação da DER, prevista pela IN nº 77/2015 do INSS (redação mantida pela subsequente IN nº 85, de 18/02/2016), também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo, inclusive quanto ao labor prestado pela parte autora após o ajuizamento da ação, para fins de concessão de benefício previdenciário, desde que observado o contraditório, e tendo como limite a data do julgamento da apelação ou remessa necessária no segundo grau de jurisdição:
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE.
A 3ª Seção desta Corte tem admitido a reafirmação da DER, prevista pela Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS e ratificada pela IN nº 85, de 18/02/2016, também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo, admitindo-se cômputo do tempo de contribuição inclusive quanto ao período posterior ao ajuizamento da ação, desde que observado o contraditório, e até a data do julgamento da apelação ou remessa necessária. Incumbe à parte autora demonstrar a existência do fato superveniente (art. 493 do NCPC) em momento anterior à inclusão do processo em pauta de julgamento, através de formulário PPP, laudo da empresa, PPRA, LTCAT etc., oportunizando-se ao INSS manifestar-se sobre a prova juntada, bem como sobre a inconsistência dos registros do extrato do CNIS.
Honorários advocatícios incidirão sobre as parcelas vencidas a contar da data da reafirmação da DER até a sentença ou o acórdão que reconhecer e conceder o direito à aposentadoria ao segurado.
Juros de mora e correção monetária deverão ser calculados a contar da data em que reafirmada a DER. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5007975-25.2013.404.7003, 3ª SEÇÃO, de minha relatoria, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/04/2017, grifei)
Verifica-se, portanto, que a parte autora contava 60 anos de idade em 27/08/2016 e comprovou o desempenho de atividades urbanas e rurais, como exaustivamente demonstrado acima em período anterior a tal data, ressaltando-se, como já foi dito, que os requisitos para a concessão do benefício não necessitam ser implementados concomitantemente.
Assim, somando-se os recolhimentos de contribuições urbanas (61 contribuições) ao período de labor rural ora mantido e ao já reconhecido administrativamente, tem-se que a parte autora implementava, em 27/08/2016, carência muito superior a 180 contribuições, fazendo jus, portanto, à concessão da aposentadoria por idade com fundamento no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91.
Assim, restando comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais, deve ser reformada a sentença quanto ao pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade mista ou híbrida desde 27/08/2016.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC).
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 (RE nº 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Porém, no presente caso, há que se fazer a ressalva de que em hipóteses como tais, constituindo-se o direito da parte autora à concessão do benefício em momento posterior ao ajuizamento da ação, o marco inicial da incidência dos juros de mora não poderá ser a citação, mas sim a data em que reafirmada a DER (27/08/2016), a partir de quando serão devidos.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a partir da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e dar provimento à apelação da parte autora, com a reafirmação da DER para o período em que a parte autora preencheu todos os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria híbrida, determinando a imediata implantação do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9335514v5 e, se solicitado, do código CRC 13B19710. | |
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| D.E. Publicado em 16/04/2018 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/04/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011588-06.2015.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00009655620128240052
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Waldir Alves |
APELANTE | : | NELSINHA WACHTEL DE LIMA |
ADVOGADO | : | Martim Canever |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE PORTO UNIAO/SC |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/04/2018, na seqüência 24, disponibilizada no DE de 13/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, COM A REAFIRMAÇÃO DA DER PARA O PERÍODO EM QUE A PARTE AUTORA PREENCHEU TODOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA HÍBRIDA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal CELSO KIPPER | |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
| Documento eletrônico assinado por Ana Carolina Gamba Bernardes, Secretária, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9370177v1 e, se solicitado, do código CRC C98DC18B. | |
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