APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038101-23.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | MARIA DO CARMO GONZALA DE LIMA |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE MISTA OU HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213/91, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. INCAPACIDADE PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL E DEPOIMENTO PESSOAL. VALORAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Comprovado o labor rural, mediante início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou o § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem.
3. Hipótese em que somados os períodos rural e urbano reconhecidos foi cumprida a carência mínima exigida, sendo devida a concessão de aposentadoria por idade híbrida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora, determinando-se a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de maio de 2017.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
Documento eletrônico assinado por Ana Carine Busato Daros, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8897871v4 e, se solicitado, do código CRC 53D570B8. | |
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Signatário (a): | Ana Carine Busato Daros |
Data e Hora: | 01/06/2017 18:35 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038101-23.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | MARIA DO CARMO GONZALA DE LIMA |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
A parte autora pretende obter a concessão de aposentadoria por idade híbrida ou mista, mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural exercido nos períodos de 10/05/1973 a 28/02/1994 e 26/04/2000 a 30/05/2007.
Após regular instrução, é prolatada sentença, rejeitando o pedido, nos seguintes termos:
"Diante do exposto, julgo improcedente esta ação de aposentadoria por idade promovida por MARIA DO CARMO GONZALA DE LIMA contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, tendo em vista não ficar suficientemente provado que as atividades rurais eram exercidas com a qualidade de economia familiar.
Condeno a autora a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios da rocuradoria do INSS, verba que fixo em R$ 1.000,00, mas que somente poderão ser exigidas se perder a condição de hipossuficiente."
Irresignada, a parte autora apela. Em suas razões, argumenta que a sentença merece reforma porque se baseou unicamente nos depoimentos das testemunhas e na condição de contribuinte individual de seu falecido marido. Defende que não houve contradição nos depoimentos das testemunhas. Aduz que preenche todos os requisitos para a concessão do benefício, pois implementou o requisito etário e exerceu atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 10/05/1973 a 28/02/1994 e 26/04/2000 a 30/05/2007, juntamente com o esposo, sem empregados e sem maquinários, na lavoura branca. Argumenta que as contribuições vertidas pelo falecido esposo como segurado facultativo não podem ser motivo para afastar a condição de segurada especial da autora, pois seu esposo nunca morou ou trabalhou na cidade, tendo laborado somente na lavoura até o seu óbito, em 14/12/1992.
Sem contrarrazões, os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Prescrição quinquenal
Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, não prescreve o fundo do direito, apenas as parcelas anteriores a cinco anos da data do ajuizamento da ação (Decreto 20.910/32).
Sendo assim, observar-se-á aqui o contido na Súmula n. 85 do STJ: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."
Desse modo, estão fulminadas pela prescrição as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação.
Da aposentadoria por idade híbrida ou mista
Rege-se o benefício pelo art. 48, caput, da Lei n.º 8.213/91:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
(...)
Como visto, dois são os requisitos para a obtenção da aposentadoria por idade urbana: a) idade mínima (65 anos para o homem e 60 anos para a mulher) e b) carência. Em se tratando de trabalhador rural, o requisito etário tem redução de cinco anos.
A carência (ou o tempo equivalente à carência para os segurados especiais) foi fixada pela Lei n.º 8.213/91 em 180 meses de contribuição (art. 25, II, da Lei 8.213/91). Na revogada CLPS/84, ela era de 60 contribuições (art. 32, caput, dessa Consolidação). No que tange à carência, todavia, a Lei n.º 8.213/91 estabeleceu norma de transição, haja vista o aumento que se verificou no número de contribuições exigido (de 60 para 180). Neste sentido estabeleceu o artigo 142 do referido diploma:
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício:
(Artigo e tabela com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.4.95)
Ano de implementação das condições | Meses de contribuição exigidos |
1991 | 60 meses |
1992 | 60 meses |
1993 | 66 meses |
1994 | 72 meses |
1995 | 78 meses |
1996 | 90 meses |
1997 | 96 meses |
1998 | 102 meses |
1999 | 108 meses |
2000 | 114 meses |
2001 | 120 meses |
2002 | 126 meses |
2003 | 132 meses |
2004 | 138 meses |
2005 | 144 meses |
2006 | 150 meses |
2007 | 156 meses |
2008 | 162 meses |
2009 | 168 meses |
2010 | 174 meses |
2011 | 180 meses |
Não se pode perder de vista, por outro lado, o que estabelece o § 1º do art. 102 da Lei n.º 8.213/91:
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (sublinhei)
Interpretando os dispositivos acima transcritos à luz dos princípios da ampla proteção e da razoabilidade, e tendo em vista que a condição essencial para a concessão da aposentadoria por idade urbana é o suporte contributivo correspondente, consubstanciado na carência implementada, a jurisprudência nacional caminhou no sentido de entender que é irrelevante a perda da condição de segurado para a concessão do referido benefício. Desta forma, os requisitos necessários à obtenção do benefício (idade e carência) podem ser preenchidos separadamente. Referido entendimento está expresso no seguinte precedente da 3ª Seção do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. ARTIGOS 25 E 48 DA LEI 8.213/91. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ARTIGO 102 DA LEI 8.213/91. IMPLEMENTAÇÃO SIMULTÂNEA. DESNECESSIDADE. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. IDADE MÍNIMA E RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS - CARÊNCIA. PRECEDENTES. ARTIGO 24, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8.213/91. NÃO APLICABILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
I - A aposentadoria por idade, consoante os termos do artigo 48 da Lei 8.213/91, é devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta lei, completar 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher.
II - O art. 25 da Lei 8.213/91, por sua vez, estipula a carência de 180 (cento e oitenta) meses de contribuição para obtenção da aposentadoria por idade para o trabalhador urbano.
III - A perda da qualidade de segurado, após o atendimento aos requisitos da idade mínima e do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, não impede a concessão da aposentadoria por idade. Precedentes.
IV - Ademais, os requisitos exigidos pela legislação previdenciária não precisam ser preenchidos, simultaneamente, no caso de aposentadoria por idade. Interpretação do artigo 102, § 1º da Lei 8.213/91. Precedentes.
V - Sobre o tema, cumpre relembrar que o caráter social da norma previdenciária requer interpretação finalística, ou seja, em conformidade com os seus objetivos.
VI - O parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91 aplica-se aos casos em que o segurado não consegue comprovar, de forma alguma, a totalidade da carência exigida, ao benefício que se pretende, tendo que complementar o período comprovado com mais 1/3 (um terço), pelo menos, de novas contribuições, mesmo que já possua o requisito idade, o que não é o caso dos autos.
VII - Embargos rejeitados, para prevalecer o entendimento no sentindo de não se exigir a implementação simultânea dos requisitos para a aposentadoria por idade, sendo irrelevante o fato de o trabalhador ter perdido a qualidade de segurado.
(EREsp 327803/SP, Embargos de Divergência no Recurso Especial 2002/0022781-3, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Rel. p/Acórdão Min. Gilson Dipp, DJ 11-04-2005, p. 177). Grifado.
Podem ser citados ainda os seguintes precedentes do STJ: a) 5ª Turma: RESP 641190/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 20/06/2005, p. 351, e b) 6ª Turma: RESP 496814/PE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 01/07/2005, p. 649.
Destarte, deve ser observada a orientação do STJ, segundo a qual o preenchimento de todos os requisitos não necessita ser concomitante.
Se é assim, fica evidente não importar a circunstância de a carência ter sido preenchida anteriormente à perda da qualidade de segurado e do implemento etário no caso da aposentadoria por idade urbana. O fator relevante é o somatório das contribuições, vertidas a qualquer tempo anteriormente à perda da qualidade de segurado, alcançar o mínimo exigido para a obtenção da carência, a qual se encontra atualmente delineada na tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91 e, no regime da CLPS/84, em seu art. 32. A questão é atuarial. O que se exige é que o benefício esteja lastreado em contribuições suficientes, de modo a ser minimamente suportado pelo Sistema Previdenciário. Implementado esse requisito, resta apenas atingir a idade mínima prevista em lei.
Isso, a propósito, restou consagrado no artigo 3º da Lei n.º 10.666, de 08/05/2003 (resultante da conversão da MP nº 83, de 12/12/2002):
"Art. 3º - A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
§ 2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2º, da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991."
Por fim, deve ser salientado que não se aplicam obviamente as regras de transição estabelecidas no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 aos segurados inscritos na Previdência após 24 de julho de 1991. Para estes há necessidade de se observar o prazo de carência previsto no artigo 25, inciso II, do mesmo Diploma (180 meses).
No caso em apreço, a parte autora pretende a concessão da denominada aposentadoria por idade mista ou híbrida. Completou a idade mínima para a obtenção da aposentadoria por idade urbana e alega que exerceu atividades rurícolas no passado, pretendendo agregar o(s) lapso(s) respectivo(s) para obter a aposentadoria por idade.
De fato, em 23/06/2008 passou a vigorar a Lei 11.718, que, dentre outras alterações, modificou o § 2º e instituiu o § 3º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, nos seguintes termos:
"Art. 48. (omissis)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
Como se vê, tal lei instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade ao segurado ou à segurada que desempenhou atividades rurais, com o implemento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado em outras categorias - como empregado urbano ou contribuinte individual, v.g. - desde que haja o implemento da idade mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
Embora já tenho decidido em sentido diverso, tenho que ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.
A conclusão que se pode extrair é de que a modificação legislativa, em rigor, permitiu o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo, no caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem).
A verdade é que, em uma situação como esta, o segurado não deixou de trabalhar, apenas mudou de regime. Não pode ser prejudicado pelo fato de ter passado a contribuir como trabalhador urbano. Tivesse continuado a trabalhar como agricultor em regime de economia familiar, sem efetuar qualquer recolhimento de contribuições, poderia ter obtido aposentadoria aos 55 (cinquenta e cinco) ou 60 (sessenta) anos de idade sem qualquer problema. Não há razão, assim, para que se negue o direito ao benefício, com requisito etário mais rigoroso, somente porque passou a recolher contribuições.
Assim, sob pena de se relegar ao desamparo quem jamais deixou de exercer atividade laborativa, há de se adotar entendimento no sentido de reconhecer o direito à aplicação da regra do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 a todos os trabalhadores que tenham desempenhado de forma intercalada atividades urbanas e rurais.
Calha registrar que sob o regime da Lei Complementar 11, de 25/05/1971 havia norma de sentido assemelhado, que inclusive amparava de forma mais efetiva os trabalhadores rurais que migravam para a área urbana. Com efeito, assim estabelecia o artigo 14 da Lei Complementar 11/71:
"Art. 14. O ingresso do trabalhador rural e dependentes, abrangidos por esta Lei complementar , no regime de qualquer entidade de previdência social não lhes acarretará a perda do direito às prestações do programa de assistência , enquanto não decorrer o período de carência a que se condicionar a concessão dos benefícios pelo novo regime."
O dispositivo acima, como se percebe, amparava o segurado rural que migrava para a área urbana. Não tendo havido a perda da qualidade de segurado, era possível reconhecer o direito à obtenção do benefício segundo as regras previstas para o regime rural, enquanto não preenchidos os requisitos (inclusive carência) exigidos para obtenção de proteção pelo regime urbano.
Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos) está desempenhando atividade urbana.
Há de se considerar, ainda, que a denominada aposentadoria mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Esta constatação (da similaridade da denominada aposentadoria mista ou híbrida com a aposentadoria por idade urbana) prejudica, registre-se, eventual discussão acerca da descontinuidade do tempo (rural e urbano), haja vista os fundamentos acima expostos. Como prejudica, igualmente, qualquer questionamento que se pretenda fazer quanto ao fato de não estar o segurado eventualmente desempenhando atividade rural ao implementar o requisito etário.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Quanto ao reconhecimento de trabalho rural aplicam-se as seguintes regras gerais:
1 - Exige-se início de prova material do exercício da atividade rural, nos termos do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/91, que pode ser entendido como a presença de quaisquer dos documentos relacionados no parágrafo único do art. 106 da Lei n. 8.213/91, cujo rol não é exaustivo, não se admitindo a prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação do exercício da atividade rurícola, conforme entendimento sedimentado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário").
2 - Admite-se a utilização de documentos em nome de terceiros membros do grupo familiar, conforme entendimento já consolidado através da Súmula n.° 73 do TRF da 4ª Região ("Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental").
3 - Admite-se, também, a descontinuidade da prova documental, bem como a ampliação da abrangência do início de prova material a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal. Com efeito, para caracterizar o início de prova material não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, seja porque a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. O início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática. Nesse sentido o STJ, recentemente, editou a Súmula 577, cujo teor é o seguinte: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentando, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório" (Recursos Especiais 1.321.493 e 1.348.633).
4 - O exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014).
5 - O tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013).
6 - A utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015).
7 - Segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença".
8 - O exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015).
9 - No que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal.
Estabelecidas essas premissas legais, passo à análise do caso concreto.
Do caso concreto
No caso em tela, a parte autora completou a idade mínima para a obtenção da aposentadoria por idade urbana (60 anos) em 25/02/2009, pois nasceu em 25/02/1949, devendo, de acordo com a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, comprovar o recolhimento, de, no mínimo, 168 contribuições anteriores ao preenchimento do requisito etário, e/ou 180 contribuições anteriores ao requerimento administrativo (em 16/05/2013).
A parte autora alega que exerceu atividades rurícolas nos períodos de 10/05/1973 a 28/02/1994 e 26/04/2000 a 30/05/2007, em regime de economia familiar, interregnos estes que pretende ver reconhecidos e somados ao período urbano reconhecido pelo INSS (9 anos, 4 meses e 25 dias) para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Na sentença, o pedido foi julgado improcedente por entender o Magistrado que ficou descaracterizado o regime de economia familiar na hipótese, em virtude do tipo de cultivo (soja - mecanização), porque o esposo da autora era comerciário e também em virtude de contradições na prova oral colhida.
A sentença merece parcial reforma.
Para fazer prova do exercício de atividades rurais em regime de economia familiar, foram trazidos aos autos, dentre outros, os seguintes documentos:
- certidão do Cartório de Registro de Imóveis dando conta que a autora é proprietária 1,25 alqueires de terra na Gleba do Ribeirão Aquidaban e 962,18 metros quadrados de terra na área urbana do Município;
- certidão de casamento, em que o esposo aparece qualificado como lavrador, ano de 1964;
- declaração da Escola Rural Isolada José de Anchieta informando que Valdir Pires de Lima, filho da autora, cursou 3º e 4º anos nos anos de 1976 e 1977;
- carteira da Associação dos Produtores Rurais de Marialva, em nome do esposo, ano de 1987;
- INCRAs em nome do esposo, anos de 1987 a 1993, e em nome do filho, anos 1992 a 1993;
- notas de produtor rural em nome próprio, anos 2000, 2001, 2003, 2006, 2007;
- informação de benefício de auxílio-doença recebido pela autora em 1995 na condição de industriária empregada;
- informação de benefício de pensão por morte recebido pela autora desde 14/12/1992, ramo de atividade comerciário, contribuinte individual.
Em audiência realizada em 25/07/2014, foram ouvidas a autora e duas testemunhas (mídia no evento 90).
A autora relatou que foi trabalhadora rural desde que se casou, com quinze anos, até um ano após o óbito do esposo. Depois trabalhou cinco anos em uma firma. Em seguida voltou a trabalhar com o filho na lavoura. A terra que trabalhavam era do sogro, depois compraram um pedaço de terra. Seu pai também foi agricultor. Quando começou a trabalhar com o marido trabalhava no sítio do pai dele, juntamente com o marido e dois cunhados. Tinha pasto, feijão e café, tudo era manual, sem auxílio de empregados. Seu trabalho era carpir. Teve dois filhos, mas um deles faleceu com 3h de vida. Só ficou em casa no período da dieta. Moraram dois anos num sítio no Itambé tocando café e depois sete anos em outro sítio como arrendatários, posteriormente compraram 2,5 alqueires do sogro e passaram a morar no local, em 1972 ou 1973. Quem trabalhava era a autora, o marido e o filho. Plantavam soja, feijão, arroz e milho. Não usavam máquina para colher, tinham apenas um cavalo. A renda era pouca. O marido faleceu em 1992. Depois que o marido faleceu trabalhou mais um ano no sítio, juntamente com o filho. Depois venderam um dos sítios (tinham dois sítios, um de 7 alqueires e outro de 5 alqueires), porque o filho tinha problema de saúde (na perna) e não conseguia trabalhar. Trabalhou na cidade de 1994 a 1999, depois voltou para a roça. O filho fez uma cirurgia e voltou a trabalhar na lavoura. No ano 2000 voltou a ajudar o filho no sítio. O filho mexia com o trator e a autora e a nora carpiam. Tinham um trator. Só a família trabalhava (autora, nora e filho). Seu trabalho era carpir onde o trator não entrava. Cultivavam soja. Parou de trabalhar há seis ou sete anos, porque não aguentou mais.
A testemunha Aparecido dos Reis Andrade disse que conhece a autora há cerca de quarenta anos, desde que ela morava com os pais. Sabe que a autora trabalhou no campo depois que ela casou. Moravam perto. Eles plantavam milho, feijão, arroz, café. Plantavam na terra do sogro da autora, de cerca de cinco alqueires. Viu ela trabalhando. Ela fazia de tudo, carpia, plantava e colhia, junto com o marido. Ela tem um filho. Ela levava a criança para a roça para trabalhar. Ela trabalhou com o marido até ele falecer, por volta de 1992 ou 1993. Eles também trabalharam como empregados porcenteiros. A condição financeira deles era modesta. Mais adiante compraram uma chácara, de dois alqueires. Não sabe se eles tinham duas propriedades. Depois que o marido faleceu a autora ficou mais um tempo no local e depois foi morar na cidade com o filho, o depoente também saiu do local e não teve mais contato. Sabe que depois disso ela trabalhou na cidade e posteriormente ajudando o filho na chácara.
A testemunha Sebastião dos Santos declarou que conhece a autora desde 1977, da comunidade, na zona rural. Conheceu o marido dela. Eles sempre foram agricultores. A autora ajudava o marido na roça. Antes de entrar o maquinário ela plantava braçal. Ela trabalhou até o marido falecer, depois ela parou de trabalhar na roça. Eles tinham uma propriedade de dois alqueires e pouco. Eles plantavam feijão, soja, milho. Não tem conhecimento de que tinham empregados, só via os dois trabalhando. A autora tem um filho, conheceu o filho dela grande já. Depois que o marido faleceu a autora foi morar na cidade. Depoente também se mudou do local. Posteriormente parece que a autora voltou a trabalhar mais um ano na roça ajudando o filho.
Assim, há início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea.
No que tange à prova material, impende salientar que não há necessidade de que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
No caso, restou demonstrado que a família da autora atuava na agricultura, bem como que o trabalho dos membros da família era essencial e exercido em regime de mútua dependência e cooperação e a agricultura consistia na única fonte de sustento do grupo.
Nesse passo, analisando-se a prova oral produzida, verifica-se que as testemunhas foram coerentes e harmônicas entre si nos pontos relevantes para o deslinde da questão, uma vez que confirmaram que a autora trabalhou na agricultura, na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, juntamente com o esposo e o filho.
Consigno, outrossim, que eventuais imprecisões, desde que não significativas, em relação às datas dos fatos, podem ser tidas como naturais e inerentes à falibilidade da memória no que concerne ao tempo de acontecimento dos fatos, aliada ao fato de serem pessoas simples, com idade avançada, muitas vezes sem instrução.
No conjunto, as provas coligidas conduzem à credibilidade de que a requerente trabalhou no meio rural, o que parece aceitável diante do contexto dos autos.
Assim, divergindo da repeitável impressão do Magistrado a quo exposta na sentença, entendo que é possível o reconhecimento da atividade rural da autora em regime de economia familiar até o óbito do esposo, em 14/12/1992.
O fato de a autora receber pensão por morte do esposo enquadrado como contribuinte individual comerciário não pode vir em seu prejuízo, porque o INSS não trouxe aos autos qualquer elemento a corroborar que ele exercia atividade diversa da rural, o que também foi afastado pela prova testemunhal, segundo a qual o esposo da autora sempre foi trabalhador rural. Ademais, em consulta ao CNIS, também não encontrei qualquer registro em nome do falecido marido da autora. Assim, pode ter havido concessão do benefício com enquadramento equivocado da categoria de segurado, porque não há qualquer documento que o embase. Além disso, não ficou comprovada a importância da renda advinda de possível atividade diversa da rural exercida pelo esposo da autora, de modo a tornar dispensável o trabalho rural da autora, ônus que incumbia à autarquia.
Entendo por bem fixar o marco final da atividade rurícola da autora na data do óbito do esposo porque a mesma informou que o filho logo em seguida ficou impossibilitado de trabalhar na lavoura em virtude de problema de saúde, sendo pouco crível que a autora tenha exercido individualmente, sem auxílio de empregados e de maquinários, a atividade nas duas propriedades que mantinham à época (de 5 e 7 alqueires, segundo depoimento pessoal da autora).
Sobre o período mais recente (26/04/2000 a 30/05/2007), além de a prova testemunhal não ser firme e convincente acerca do retorno da autora à atividade rural, porque ambas as testemunhas se mudaram da localidade onde residiam e passaram a morar na cidade, somente tendo ouvido falar que a autora teria retornado a trabalhar com o filho, verifico no CNIS do filho da autora que este constituiu firma individual no ano de 2003 (Valdir Pires de Lima - Transportes - ME) e verteu contribuições como contribuinte individual vinculado a esta empresa até o ano de 2006.
Assim, tenho que é possível reconhecer o exercício de atividade rural em regime de economia familiar pela autora no período de 10/05/1973 a 14/12/1992, razão pela qual a sentença merece parcial reforma.
Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade híbrida
No caso dos autos, pois, somando-se o tempo de serviço urbano (fl. 95) com o tempo de serviço rural ora reconhecido, o que é possível para fins de concessão de aposentadoria por idade mista ou híbrida, como acima demonstrado, temos o seguinte tempo de serviço até a DER:
Períodos Reconhecidos: | Anos | Meses | Dias |
Tempo urbano | 09 | 04 | 25 |
Tempo rural | 19 | 07 | 05 |
TOTAL | 29 | 02 | 10 |
Portanto, na data em que postulou o benefício (16/05/2013), a autora já havia completado a idade exigida (60 anos), bem como havia alcançado período de labor rural, na condição de segurada especial, e de contribuições decorrentes de trabalho urbano igual à carência mínima do art. 142 da LBPS, o que lhe garante a concessão da aposentadoria por idade mista ou híbrida.
Dessarte, a parte autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade híbrida, a partir da DER, em 16/05/2013.
Pré-questionamento
Ficam pré-questionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Dos consectários
Correção Monetária e Juros
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
Honorários Advocatícios
Diante da sucumbência mínima da autora, o INSS deverá suportar os honorários advocatícios integralmente, os quais devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação/Revisão do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação/revisão do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz,se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7,Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar/revisar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais).
Conclusão
Reforma-se a sentença, a fim de reconhecer o interregno de 10/05/1973 a 14/12/1992 como de atividade rural na condição de segurada especial, o que totaliza 19 anos, 7 meses e 5 dias, que, somado ao período de labor urbano já reconhecido pela autarquia (9 anos, 7 meses e 5 dias), assegura à autora o direito à concessão da aposentadoria por idade desde a data do requerimento administrativo (16/05/2013), descontados os valores percebidos a título de benefício previdenciário de natureza inacumulável e observada a prescrição quinquenal. Determina-se, por fim, a implantação imediata do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora, determinando-se a imediata implantação do benefício.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038101-23.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00030199120138160113
RELATOR | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | MARIA DO CARMO GONZALA DE LIMA |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/05/2017, na seqüência 1280, disponibilizada no DE de 12/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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