APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033959-39.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NEUZA CERINO PARRON |
ADVOGADO | : | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
: | CARINA MARINI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. A extensão da propriedade não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento da condição de segurado especial, devendo ser analisada juntamente com o restante do conjunto probatório que, na hipótese, confirmou o exercício somente da atividade rural pelo grupo familiar. 3. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, determinar a implantação do benefício e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados, no ponto, o recurso e a remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de março de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8796373v13 e, se solicitado, do código CRC BC688828. | |
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| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 24/03/2017 12:21 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033959-39.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NEUZA CERINO PARRON |
ADVOGADO | : | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
: | CARINA MARINI |
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta da sentença que julgou procedente o pedido para conceder Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar da data do requerimento administrativo (08/02/2013), em razão do exercício do labor rural em regime de economia familiar, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas.
O INSS recorre, postulando a reforma da sentença. Sustenta, em síntese: (a) que o artigo 143 da Lei nº 8.213/91 que concedia aposentadoria aos trabalhadores volantes (boias-frias) perdeu sua vigência em 31/12/2010, a partir de quando passou a ter vigência o artigo 3º da Lei nº 11.718/2008 e, por conseguinte, torna-se necessário o esclarecimento de qual categoria o requerente se enquadra (contribuinte individual ou empregado), com a respectiva contribuição; (b) conforme exigência prevista no art. 3º da Lei n.º 11.718/2008, em vigor a partir de 01-01-2011, o boia-fria ou diarista precisa indicar na inicial se a atividade foi desempenhada na condição de empregado ou contribuinte individual, uma vez que se comprovar atividade como autônomo deverá recolher as respectivas contribuições para computá-las para fins de aposentadoria por idade rural, ou, pretendendo comprovar atividade rural como empregado é imprescindível que seja individualizado o período e o empregador, sob pena de inviabilizar a matemática do disposto no inciso II do art. 3º da Lei 11.718/2008, que prevê que cada mês comprovado como empregado será multiplicado por 3, até o número de 12 meses, dentro do respectivo ano civil; (c) não sendo o boia-fria segurado especial, mas sim trabalhador autônomo, sem vínculo empregatício, deveria a parte autora ter recolhido as respectivas contribuições para enquadrar-se como contribuinte individual, ou, caso pretendesse comprovar atividade rural na categoria de empregado, seria imprescindível a individualização do período e do empregador, a fim de possibilitar ao INSS a cobrança da contribuição previdenciária; (d) que a requerente não comprovou o exercício de atividade rural em regime de economia familiar pelo período correspondente à carência do benefício; (e) a ausência, nos autos, de início de prova material hábil a comprovar o efetivo exercício da atividade rurícola em regime de economia familiar, durante o período de carência; (f) que "a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário." (Súmula n.º 149 do STJ); (g) não havendo contribuições no período de tempo de serviço rural, este não pode ser considerado para fins de concessão de aposentadoria por idade; (h) que a parte autora não faz jus à aposentadoria por idade rural, uma vez que restou comprovado nos autos que ela exerceu atividades urbanas entre 1973 e 1984, durante o período de carência; (i) que, para que se compute o tempo de serviço urbano, a autora deveria pleitear a aposentadoria por idade no regime híbrido quando completar 60 anos de idade; (j) que não restou comprovada a qualidade de segurado especial da autora, sob o fundamento de que a propriedade em que eram exercidas as atividades rurais possui área superior a 04 módulos fiscais; (k) que resta descaracterizada a condição de segurada especial da parte autora, em razão da elevada renda auferida pelo grupo familiar decorrente da comercialização da produção agropecuária; (l) que a requerente não faz jus à concessão do benefício de Aposentadoria Rural por Idade, uma vez que não preenche o requisito da carência estabelecida pela legislação de regência. Pela eventualidade, em sendo mantida a condenação, requer a aplicação dos critérios de atualização dos débitos da Fazenda Pública previstos na Lei 11.960-09, que alterou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Postula, ao fim, o prequestionamento dos arts. 100, § 12 e 102, I, "l" e § 2º, da CF; do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97; do art. 5º da Lei nº 11.960/2009; do art. 27 da Lei nº 12.919/2013; e art. 27 da Lei nº 13.080/2015.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos autos cinge-se ao direito da parte autora à concessão de Aposentadoria por Idade Rural, desde a data do requerimento administrativo (08/02/2013).
Da remessa necessária
É caso de remessa necessária dado que, embora em vigor as novas regras quanto às hipóteses de seu conhecimento de que tratam os arts. 496, I, 496, §3.º, I e no art. 496, §4.º e seus incisos do NCPC/2015, cuidando-se de sentença publicada/disponibilizada em data anterior a 18.03.2016, devem ser observados os parâmetros até então vigentes, sem que isso implique em não incidência imediata de regra processual, considerando-se que o ato foi praticado em observância aos balizadores da época.
Da atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24-07-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, inciso II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (Lei n.º 8.213, art. 48, § 1º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (Lei n.º 8.213, art. 143). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, § 1º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994 (data da publicação da Medida Provisória n.º 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt nº 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03-09-2014), ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp n. 1450119-MT, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves c/c o art. 219, § 1º, do CPC), o que não afasta o direito às parcelas anteriores aos cinco anos desde o ajuizamento ação. Interpretação em conformidade com o precedente desta Turma (APELRE nº 0020438-83.2014.404.9999), onde consignado que: "A interrupção da prescrição deve ser contada de forma retroativa à data do ajuizamento da ação, não da citação, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, que não foi revogado tacitamente pelo art. 202, inc. I, do CC/02". (Relatoria Desembargador Federal Celso Kipper, DJe de 11/02/2015). Conforme disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015: "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação."
Da demonstração da atividade rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório."
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa. Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Assim, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
Acerca do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, cumpre referir o entendimento do STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.354.908/SP, vinculado ao Tema nº 642, representativo de controvérsia, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016. (Grifou-se.)
A respeito do "boia-fria", o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
Saliente-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Regional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo de 01-06-1981 a 24-10-1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Com efeito, sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Portanto, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se admitir como início de prova material documento extemporâneo ao período correspondente à carência do benefício, conforme sedimentado no Resp nº 1.321.493-PR.
Registro, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça e esta Corte já pacificaram o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário. Nesse Sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. BOIA-FRIA. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A questão do recurso especial gira em torno do reconhecimento do direito à aposentadoria por idade, na condição de segurado especial boia-fria.
2. O Tribunal a quo ao afirmar ao afirmar que não há início razoável de prova material devidamente corroborada pela prova testemunhal, aplicou a jurisprudência do STJ consolidada no sentido de que: 1) a prova testemunhal deve ser conjugada com início de prova material; 2) não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo art. 143 da Lei 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória.
3. A revisão do entendimento firmado pelo Tribunal a quo, que afirmou a inexistência de conjunto probatório harmônico acerca do efetivo exercício de atividade rural, encontra óbice na Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 390.932. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. DJE: 22-10-2013, grifo nosso)
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. PRESCRIÇÃO. SEGURADA BOIA-FRIA. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES.
1. Não deve ser acolhida a prejudicial de prescrição se entre o nascimento e o ajuizamento da ação, uma vez que não havendo prévio requerimento administrativo, não se passaram cinco anos.
2. Demonstrada a maternidade e a qualidade de segurada especial, mediante início razoável de prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade.
3. Esta Corte já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural boia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário. (TRF4, Apelação Cível nº 0017780-28.2010.404.9999. Relatora: Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida. DJE: 21-05-2014, grifo nosso)
Do caso concreto
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 02/02/2013, porquanto nascida em 02/02/1958, e requereu o benefício na via administrativa em 08/02/2013. Dessa forma, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural no período de 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Para comprovar o trabalho agrícola no período de carência, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:
a) contrato de arrendamento de imóvel rural firmado pelo marido da autora, vigente entre 07/1989 e 07/1992;
b) contrato de arrendamento de imóvel rural firmado pelo marido da autora, vigente entre 02/2001 e 02/2008;
c) contrato de arrendamento de imóvel rural firmado pelo marido da autora e outros, vigente entre 01/2002 e 08/2005;
d) contrato de arrendamento de imóvel rural firmado pelo marido da autora, vigente entre 10/2008 e 10/2011;
e) contrato de arrendamento de imóvel rural firmado pelo marido da autora e outro, vigente entre 09/2012 e 09/2015;
f) certidão de casamento, ocorrido em 28/07/1984, na qual seu cônjuge consta qualificado como lavrador;
g) certidão de nascimento de sua filha, ocorrido em 24/05/1993, na qual seu cônjuge consta qualificado como agricultor;
h) nota fiscal de compra de trator agrícola em nome do marido da autora e outro, datada de 02/07/1990;
i) nota fiscal de compra de pulverizador agrícola em nome do marido da autora, datada de 12/09/1994;
j) nota fiscal de compra de plantadora adubadora em nome do marido da autora, datada de 07/10/1994; e
k) notas fiscais de venda de produtos agrícolas emitidas pelo marido da autora, datadas de 1998, 2000, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2013.
Tais documentos demonstram que a parte autora pode ser qualificada como sendo agricultora de profissão, o que também vem sendo aceito pela jurisprudência como início de prova material.
Inquiridas, em audiência realizada em 10/02/2016, as testemunhas Jair Monteiro e Armando Vágula (Evento 34), advertidas, compromissadas e não impugnadas pelo Instituto Previdenciário, e colhido o depoimento pessoal da parte autora, restou confirmado que a requerente trabalhou na agricultura, em regime de economia familiar, no período de carência.
A testemunha Jair Monteiro conheceu a autora em 1984, época em que esta casou e foi morar com o sogro no sítio. A requerente trabalhava com o sogro e os cunhados, em lavoura de algodão, milho e amendoim. Trabalha lá até hoje, porém houve uma época em que morou na cidade e trabalhou no sítio do sogro. Atualmente, mora no sítio e parou de trabalhar na roça faz um ano e meio, pois cuida dos sogros, os quais estão enfermos. A família inteira retira sustento da propriedade, e não contratam empregados, apenas trocam dias com vizinhos ou contratam bóia-fria em épocas de colheita. Ao fim, afirma que viu um trator na propriedade.
Armando Vágula, ouvido na condição de testemunha, conhece a autora desde 1984, quando se casou e foi morar no sítio do sogro, onde passou a trabalhar na lavoura de algodão, milho e feijão. Mais tarde, mudou-se para a cidade de Itaguajé, porém continuou trabalhando somente no sítio do sogro. Retornou para a propriedade da família e continuou trabalhando na lavoura. O sogro administra o patrimônio familiar, e quem trabalha ali, hoje em dia, são dois netos seus e o marido da autora. Afirma que a autora cuida dos sogros, porém continua cuidando da terra. Crê que a autora nunca exerceu outra atividade que não a rural, e nunca trabalhou com registro em CTPS; o serviço feito para terceiros era por meio de troca de dias ou mediante o pagamento de diárias, sem emissão de recibo. Na propriedade, trabalha apenas a família, à exceção de épocas de colheitas, quando há a contratação de diaristas.
A prova oral colhida é clara e convincente quanto ao labor rural desempenhado pela parte autora na condição de trabalhador rural em regime de economia familiar.
Assim sendo, não merece acolhida a alegação formulada pelo INSS quanto à ausência de prova material, pois em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a
alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp nº 1.348.633 - SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves de Lima, julgado em 28/08/2013).
Rejeito a tese trazida pela autarquia no sentido de não ser admissível a concessão do benefício pleiteado com base em prova exclusivamente testemunhal, em face dos argumentos acima expendidos.
A consideração da extensão da propriedade rural só passou a ser requisito à configuração da condição de segurado especial a partir da vigência da Lei n. 11.718, de 20-06-2008, que deu nova redação ao inc. VII do art. 11 da Lei de Benefícios da Previdência Social. Anteriormente, não havia previsão legal que condicionasse a qualidade de segurado especial à dimensão do imóvel rural.
Assim, no que diz respeito à área da propriedade rural em que é desenvolvida a atividade agropecuária, dispõe o art. 11, inciso VII, alínea "a", número 1, da Lei n. 8.213/91, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Grifei)
Observa-se que a maior parte do período vindicado como de exercício de atividades agrícolas é anterior à novel legislação, entendo que esta é inaplicável ao caso concreto, pois a extensão da propriedade é apenas mais um aspecto a ser analisado juntamente com o restante do conjunto probatório, não constituindo, por si só, óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, salvo nas hipóteses em que a área do imóvel seja de tal monta que inviabilize a sua exploração apenas pelo grupo familiar.
As circunstâncias do caso concreto - localização do imóvel, cultura explorada, quantidade de produção comercializada, utilização de mão-de-obra e maquinário, etc. -, é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inciso VII do art. 11 da Lei n.º 8.213/91, como bem vem decidindo a jurisprudência, a exemplo da decisão tomada pela Terceira Seção desta Corte nos Embargos Infringentes em Apelação Cível n.º 2000.04.01.043853-1/RS, da Relatoria do Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, unânime, publicada no DJU, Seção 2, de 11-02-2004. Além dessa decisão, menciono os precedentes objeto das AC"s n.º 0002370-90.2011.404.9999/RS e 0006081-06.2011.404.9999/PR 6ª Turma, em que fui o relator para o acórdão com acórdãos, DE em 15-08-2012; AC n.º 0004617-44.2011.404.9999/SC, 6ª Turma, da minha relatoria, DE em 27-07-2012; AC n.º 0000919-93.2012.404.9999/RS, 6ª Turma, em que fui o relator, DE em 14-06-2012; APELREEX n.º 2008.70.05.002795-6/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, DE em 11-06-2010; APELREEX n.º 0007112-95.2010.404.9999/SC, 6ª Turma, Rel. para o acórdão Juiz Federal Loraci Flores de Lima, j. em 14-07-2010, DE em 12-08-2010; AC n.º 2009.71.99.001581-2/RS, 6ª Turma, da minha relatoria, DE em 21-05-2010; AC n.º 2009.71.99.004841-6/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DE em 11-01-2010, e AC n.º 2006.70.16.002301-8/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DE em 15-10-2009, dentre tantos outros.
Na matéria, transcrevo o recente julgado da Terceira Seção, da Relatoria do Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, in verbis:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. DIMENSÃO DAS TERRAS. MONTANTE DA PRODUÇÃO. MENÇÃO A TRABALHADORES ASSALARIADOS.
1. Para a concessão de aposentadoria rural por idade, necessário o preenchimento do requisito de idade mínima (55 anos para a mulher) e a prova do exercício da atividade rural no período de carência, de acordo com a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
2. Demonstrada a atividade rural através de início razoável de prova material, complementada por testemunhos idôneos colhidos em juízo, a parte autora faz jus ao benefício pleiteado.
3. A dimensão das terras não é suficiente para descaracterizar o regime de economia familiar, pois inexiste na legislação previdenciária qualquer menção à extensão da propriedade ou sua localização em zona rural como elementos necessários ao reconhecimento da prestação de labor rural em regime de economia familiar. Precedentes desta Corte.
4. O alegado volume da comercialização constante das notas fiscais em nome do autor, igualmente, não chega a descaracterizar o regime de economia familiar, em razão de expressar quantidade de produção anual compatível com a capacidade de produção das terras rurais.
5. A utilização de maquinário não desnatura a atividade agrícola, mesmo porque a Lei 8.213/91 não veda sua utilização para o desempenho do labor rural.
6. A existência de assalariados eventuais não tem o condão de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar. (EINF n.º 0006267-63.2010.404.9999/PR, Terceira Seção, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE em 01-02-2011). (Grifou-se).
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007 p. 340, conforme ementa acima transcrita.
Em consulta ao site do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (www.incra.gov.br), verifico que o módulo fiscal do município de Itaguajé/PR é de 16 hectares.
Levando em conta o depoimento da testemunha Armando Vágula, nas terras, trabalham a autora, o marido, seu filho, e um sobrinho. Além disso, também os sogros exerciam atividades rurais, até atingirem idade avançada. Observo, também, que os rendimentos do serviço rural são a principal fonte de sustento para, no mínimo, dois núcleos familiares, quais sejam, o da autora e o de seus sogros.
Dessa forma, observa-se que o imóvel da família compreende 98,8ha (evento 1 - OUT10), o que, se dividido em dois núcleos familiares, soma 49,4ha. Assim, a porção de terras destinada ao sustento do núcleo familiar da requerente compreende cerca de 3,1 módulos fiscais, número inferior, portanto, ao limite legal de 4 módulos fiscais. Entendo que, na espécie, resta caracterizado o regime de economia familiar e, por conseguinte, o enquadramento da autora como segurada especial.
O conjunto probatório, portanto, comprova o exercício da atividade rural pela parte autora desde longa data, até a ocasião em que implementou o requisito etário.
A alegação de descaracterização da condição de segurado especial em razão da grande produção revelada pelos valores constantes das notas fiscais não pode ser tomada em consideração sem as devidas cautelas.
Não podemos perder de vista que do valor comercializado devemos retirar os custos de produção, como despesas com sementes, insumos, armazenamento da produção e transporte dentre outros.
Por outro lado, afirmar produção de larga escala com apoio em um número de notas fiscais que podem representar fruto de vários meses de trabalho e não apenas de um mês, pode consistir em construção distorcida da realidade.
Também não podemos perder de vista que, como regra, as famílias rurícolas são compostas de uma infinidade de membros, devendo se ter em conta a capacidade produtiva de cada um deles.
Tampouco é possível presumir a utilização de mão-de-obra assalariada, exclusivamente, em função dos valores constantes das notas fiscais, mesmo porque, a utilização de maquinário, que nem sempre é de propriedade da família, pode influenciar na produção, além de uma infinidade de variáveis que não podem ser desprezadas, como a qualidade da terra, dependendo da região em que está instalada a família, etc.
No concernente à alegação do INSS de que a parte autora teria exercido atividade urbana de 01/03/1973 a 27/03/1976, de 01/012/1978 a 31/03/1980, e de 09/04/1980 a 15/06/1984, tal fato, por si só, não constitui óbice ao deferimento do benefício, visto que anteriores ao início do período de carência, o qual se deu em 1998, razão pela qual a autora não necessita pleitear a aposentadoria no regime híbrido.
Com efeito, tenho que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostra-se razoável à demonstração de que a parte autora trabalhou durante toda a sua vida na lavoura, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício.
No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola em regime de economia familiar em todo o período correspondente à carência.
Assim, preenchidos os requisitos da idade exigida (completou 55 anos 02/02/2013) e comprovado o exercício da atividade rural em período correspondente ao da carência, no caso, 180 meses (quinze anos), deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício de Aposentadoria Rural por Idade em favor da parte autora a partir do requerimento administrativo, em 08/02/2013, a teor do disposto no art. 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados o recurso e a remessa necessária no ponto.
Da Verba Honorária
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pelas partes, nos termos dos fundamentos do voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou havidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do que está declarado.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, determinar a implantação do benefício e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados, no ponto, o recurso e a remessa necessária.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033959-39.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00023205820158160072
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NEUZA CERINO PARRON |
ADVOGADO | : | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
: | CARINA MARINI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/03/2017, na seqüência 265, disponibilizada no DE de 08/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA, DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO E DIFERIR, DE OFÍCIO, PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, ADOTANDO-SE INICIALMENTE O ÍNDICE DA LEI 11.960/2009, RESTANDO PREJUDICADOS, NO PONTO, O RECURSO E A REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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