APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5071699-94.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ROSELI FATIMA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. LABOR URBANO DE INTEGRANTE DO NÚCLEO FAMILIAR. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto". Súmula 41 da TNU (DJ 03/03/2010). 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não reconhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS no tocante à correção monetária, e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de maio de 2018.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9345694v9 e, se solicitado, do código CRC D41AE5EE. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 03/05/2018 12:38 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5071699-94.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ROSELI FATIMA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta da sentença, prolatada em 06-09-2017, que assim dispôs:
ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido movido por ROSELI FATIMA DOS SANTOS em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para conceder à autora o benefício de aposentadoria rural por idade em valor equivalente a um salário-mínimo nacional, desde a data do requerimento administrativo (03/03/2015 - fl.108), devendo a correção monetária e juros serem aplicados conforme fundamentação acima exposta, resolvendo o feito na forma do art. 487, inciso I, do CPC.
Fixo honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 do TRF4: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou de acórdão que reforme a sentença de improcedência".
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Em sendo opostos embargos de declaração, dê-se vista deles à parte embargada, para que, querendo, exerça o contraditório, em cinco dias (artigo 1.023, § 2º, do NCPC). Após, voltem para julgamento.
Considerando que o §3º, do art. 1.010, do CPC/2015 retirou o juízo de admissibilidade deste 1º grau de jurisdição, uma vez interposto recurso de apelação, caberá ao Cartório abrir vista à parte contrária para contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias, consoante art. 1.010, §1º, do CPC/2015.
Idêntico procedimento deverá ser adotado na hipótese de recurso adesivo, conforme §2° do artigo supramencionado.
Após as formalidades, os autos deverão ser remetidos imediatamente ao TRF da 4ª Região.
Sentença sujeita a reexame necessário (artigo 496, I, do CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
No mais, após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.
O INSS recorre, postulando a reforma da sentença. Sustenta, em síntese: (a) que a agricultura não é a principal fonte de subsistência da família; (b) o exercício de atividade urbana pelo cônjuge da autora descaracteriza o labor rural em regime de economia familiar e, consequentemente, a qualidade de segurada especial da parte autora, uma vez que seus rendimentos apontam para a desnecessidade do labor rural; (c) que a mecanização da área rural, a ausência de diversidade de culturas e a grande escala de produção, desqualificam o regime de economia familiar da parte autora (faz referência expressa a nota fiscal com 5 mil quilos de soja). Pela eventualidade, em sendo mantida a condenação, requer a aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos autos cinge-se ao direito da parte autora à concessão de Aposentadoria por Idade Rural, desde a data do requerimento administrativo (03-03-2015).
Da remessa necessária
Inicialmente, cumpre referir que, conforme assentado pelo STJ, a lei vigente à época da prolação da sentença recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
As decisões proferidas sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório caso condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos. O CPC de 2015, contudo, visando à racionalização da proteção do interesse público que o instituto ora em comento representa, redefiniu os valores a partir dos quais terá cabimento o reexame obrigatório das sentenças, afastando aquelas demandas de menor expressão econômica, como a generalidade das ações previdenciárias. Assim, as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública na vigência do CPC de 2015 somente estarão sujeitas a reexame caso a condenação ou o proveito econômico deferido à outra parte seja igual ou superior a mil salários mínimos.
Considerando que o valor do salário de benefício concedido no RGPS não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício (art. 29, §2.º, da Lei n.º 8.213/91), o qual atualmente equivale a R$5.645,80 (art. 2.º da Portaria n.º 15/2018, do Ministério da Fazenda), e considerando, ainda, que nas lides previdenciárias o pagamento das parcelas em atraso restringe-se ao período não atingido pela prescrição, qual seja, os últimos 5 anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação (art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício deferido na sentença seja fixada no teto máximo, o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, não excederá o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Necessário ainda acrescentar que as sentenças previdenciárias não carecem de liquidez quando fornecem os parâmetros necessários para a obtenção desse valor mediante simples cálculo aritmético, o que caracteriza como líquida a decisão, para fins de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
No caso, considerando a DER e a data da sentença, verifica-se de plano, não se tratar de hipótese para o conhecimento da remessa obrigatória, portanto, não conheço da remessa necessária.
Ressalto que o INSS já reconheceu na via administrativa o tempo de atividade rural na condição de segurada especial, no período de 01-10-2001 a 30-11-2001, durante 02 meses. Portanto, a comprovação do tempo de serviço rural no referido interregno não é objeto de controvérsia nos autos.
Da aposentadoria por idade rural
Tratando-se de rurícola, deve o julgador valorar os fatos e as circunstâncias evidenciados, com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos acontecimentos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos, quando de outra forma atingirem a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24.07.2006), não se aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais afiliados à Previdência à época da edição da lei 8213/91 são os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (art. 143). A concessão do benefício independe de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da LB, com base no ano de implemento das condições necessárias para a obtenção da inativação - idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da referida lei, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
O ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário, na maior parte dos casos, será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Assim, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício do trabalho agrícola, a ser contado retroativamente, como regra, é a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal/88, art. 5.º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios/91, art. 102, § 1.º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária e não possuindo tempo correspondente à carência, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes à concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início do período de trabalho, sempre contado retroativamente, será a data da implementação do tempo equivalente à carência.
No caso em que a DER e os implementos da idade mínima tenham ocorrido antes de 31.08.1994 (data da publicação da Medida Provisória 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/91.
Não é possível dispensar a necessidade de implementação simultânea dos requisitos de idade e trabalho durante o interregno correspondente à carência, uma vez que esse benefício não tem caráter atuarial, sendo vedado criar regime híbrido que comporte a ausência de contribuições e a dispensa do preenchimento concomitante das exigências legais.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt 631240/MG, julgado em 03-09-2014), ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp 1450119-MT, julgado em 08.102014 c/c o art. 219, § 1.º, do CPC/1973 e 240, § 1.º do CPC/2015, APELRE 0020438-83.2014.404.9999, precedente deste Regional, DJe de 11.02.2015), o que não afasta o direito às parcelas anteriores aos cinco anos desde o ajuizamento ação.
Da demonstração da atividade rural
Para a análise do início de prova material, associo-me aos seguintes entendimentos:
Súmula n.º 73 deste Regional: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula n.º 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Súmula n.º 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários).
A contagem do tempo de serviço rural prestado por menor de 14 anos é devida. Conforme entende o STJ, a legislação, ao vedar o trabalho infantil do menor de 14 anos, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social (AR 3.629/RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 9.9.2008; EDcl no REsp 408.478/RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 5.2.2007; AgRg no REsp 539.088/RS, Ministro Felix Fischer, DJ 14/6/2004). No mesmo sentido é a Súmula 05 da TNU dos JEF.
A formação de início razoável de prova material sem a apresentação de notas fiscais de produtor rural em nome próprio é possível. Com efeito, a efetiva comprovação da contribuição é flexibilizada pelo fato de o art. 30, III, da Lei 8.212/91 atribuir a responsabilidade de recolher à empresa que participa da negociação dos produtos referidos nas notas fiscais de produtor, seja na condição de adquirente, consumidora, consignatária ou se trate de cooperativa. Nesse caso, a contribuição especificada não guarda relação direta com a prestação de serviço rural em família, motivo pelo qual se pode reconhecer o respectivo tempo ainda que ausentes notas fiscais de produtor rural como início de prova material.
A existência de início de prova material, todavia, não é garantia de obtenção do tempo de serviço postulado. A prova testemunhal é de curial importância para que se confirme a atividade e seu respectivo lapso temporal, complementando os demais elementos probatórios.
Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
Destaco, ainda, que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" em certidões de registro civil é muito comum. Não se pode, no entanto, concluir a partir disso que as mulheres dedicavam-se apenas às tarefas da casa; ao contrário, sabe-se que na maioria das vezes elas acumulavam tais responsabilidades com o trabalho no campo, o que foi comprovado no presente caso.
No que respeita a não exigência de contribuições para a averbação do tempo de serviço do segurado especial, a questão deve ser analisada sob o prisma constitucional, eis que em seu texto foi prevista a unificação da Previdência Social, outorgando a qualidade de segurado do RGPS aos trabalhadores rurais.
Também devem ser observados os precedentes vinculantes, conforme estipula o art. 927 do CPC/2015. Do STJ, temos as seguintes teses firmadas:
Tema 644 - Concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a trabalhador urbano mediante o cômputo de atividade rural
"Não ofende o § 2.º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL). (REsp 1352791/SP)
Tema 554 - Abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural do "boia-fria"
"O STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (REsp 1321493/PR)
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 638: Reconhecimento de período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material. SÚMULA 577).
Tema 533: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Tema 642: O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
Tema 629: Ausência de prova material em ação de aposentadoria por idade de trabalhador rural e a possibilidade de reproposição de ação.
Do caso concreto
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 14/02/2015, porquanto nascida em 14/02/1960, e requereu o benefício na via administrativa em 03/03/2015. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário, que antecedem o requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Para comprovar o trabalho agrícola no período equivalente à carência foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) Certidão de casamento, lavrado em 04-09-1998, em que o pai da requerente consta identificado como agricultor (Evento3 - ANEXOSPET4);
b) Notas fiscais de produtor rural, em nome do genitor da parte autora, datadas de 1995 a 1998 (Evento3 - ANEXOSPET4);
c) Notas fiscais de produtor rural, em nome da autora e seu marido, datadas de 2001 a 2015 (Evento3 - ANEXOSPET4);
d) Matrícula de imóvel rural, referente a uma propriedade de 7,16 hectares, localizada na Linha São Francisco, distrito de Vila Vitória/RS, em nome da requerente e seu esposo, datada de 27-08-1985 (Evento3 - ANEXOSPET4);
e) Recibo de entrega da declaração do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, em nome do pai da autora, referente ao ano de 2014 (Evento3 - ANEXOSPET4);
Consoante se vê, há nos autos início de prova material acerca do desempenho da atividade rural exercida pela parte autora, no período correspondente à carência.
Na audiência de instrução realizada em 25-01-2017 foram ouvidas as testemunhas ANITA GOMES DA SILVA e ALJACIR FRANCISCO GUIMARÃES - advertidas, compromissadas e não impugnadas pelo INSS -, as quais afirmaram conhecer a parte autora desde a infância; que eram vizinhos de terras na localidade de Vila Vitória, São Sebastião/RS, na época em que a requerente era solteira; que a autora trabalhava na agricultura com os pais desde os 12 anos; que plantava soja, milho, feijão e criava porcos e vacas de leite, para consumo próprio; que não possuía empregados; que após o casamento, a autora foi morar com o marido, que era empregado rural; que continuou trabalhando na lavoura, plantando para consumo próprio e vendendo o excedente; e que até os dias atuais a autora trabalha nas atividades rurais.
Assim, os documentos apresentados pela autora cobrem quase a totalidade do período e são válidos como início de prova material, considerando ainda que as testemunhas foram uníssonas em afirmar que a demandante laborou por período superior ao de carência exigida para a concessão do benefício.
A prova oral colhida é clara e convincente quanto ao labor rural desempenhado pela parte autora na condição de trabalhador rural em regime de economia familiar.
Nessa linha, é de ver-se que a produção do imóvel da parte autora é compatível com o regime de economia familiar. Cumpre observar que as notas fiscais carreadas aos autos demonstram que o montante de tal produção mostra-se inferior àquele que poderia ser admitido como em demasia, pois 5 mil quilos de soja correspondem a pouco mais de 100 sacas de soja, o que não implica grande escala. Assim sendo, não há qualquer elemento que indique ser a demandante grande produtora rural.
Ressalta-se que o fato de o cônjuge da autora exercer atividade outra que não a rural não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurada especial de quem postula o benefício, pois, ainda que considerada como trabalhadora rural individual, sua situação encontra guarida no art. 11, inciso VII, da Lei n.° 8.213/91, sendo certo também que incumbia à Autarquia Previdenciária a prova de que a subsistência da família é garantida pelo salário do companheiro, sendo dispensável a atividade rural desenvolvida pela requerente, o que não se verificou no presente caso.
Cabe mencionar o seguinte precedente da 3ª Seção:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. 2. Com o advento da Lei 11.718/08, que alterou diversos dispositivos da Lei 8.213/91, restou claro que a existência de fonte de renda diversa da agricultura não descaracteriza, por si só, a condição de segurado especial, haja vista o que estabelecem os arts. 11, §§ 9º e 10º, I, "a", da Lei n.º 8.213/91. Além disso, a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45, de 06/08/10, em seu art. 7º, § 5º, dispõe que não é segurado especial o membro de grupo familiar (somente ele) que possuir outra fonte de rendimento. (EINF n.º 0000833-59.2011.404.9999, Rel. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. em 19-08-2011). (Sublinhei.)
Ademais o salário recebido pelo esposo da requerente, sequer alcança o valor de 2 salários mínimos.
Com efeito, tenho que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostra-se razoável à demonstração de que a parte autora trabalhou durante toda a sua vida na lavoura, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício.
No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola em regime de economia familiar em todo o período correspondente à carência.
Assim, preenchidos os requisitos da idade exigida (completou 55 anos em 14-02-2015) e comprovado o exercício da atividade rural durante o período correspondente à carência, no caso, 180 meses, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício de Aposentadoria Rural por Idade em favor da parte autora a partir do requerimento administrativo, em 03-03-2015, a teor do disposto no art. 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Dos consectários
A correção monetária e os juros de mora devem ser adequados aos parâmetros a seguir fixados:
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91.
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Da Verba Honorária
Considerando o trabalho adicional em grau recursal realizado, a importância e a complexidade da causa, nos termos do art. 85, §2º e §11º do CPC/15, os honorários advocatícios devem ser majorados para que a faixa inicial seja fixada em 15% da condenação ou do proveito econômico obtido (art. 85, §3º, I, CPC/15). Caso a condenação ou o proveito econômico, por ocasião da liquidação, supere a primeira faixa, o acréscimo deverá incidir na mesma proporção nas faixas mínimas e máximas subseqüentes, na forma do art. 85, §5º, do CPC/15.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, de acordo com disposto no art. 5°, I, da Lei Estadual nº 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não o exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (§ único do art. 5º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no § único do art. 2° da referida Lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Tal isenção não se aplica quando o INSS é demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula n.º 20 deste regional), devendo ser salientado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, § único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado, no prazo de 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Com efeito, na hipótese vertente, é de ser dado provimento à apelação do INSS, apenas para adequar a correção monetária aos moldes explicitados.
Ante o exposto, voto por não reconhecer da remessa necessária, dar parcial provimento à apelação do INSS no tocante à correção monetária, e determinar a implantação do benefício.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/05/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5071699-94.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00023449820158210120
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ROSELI FATIMA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | LUCAS BENETTI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/05/2018, na seqüência 61, disponibilizada no DE de 17/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO RECONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS NO TOCANTE À CORREÇÃO MONETÁRIA, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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