APELAÇÃO CÍVEL Nº 5052389-73.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | LUZIA SELARIO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | PAULO HENRIQUE VIEIRA SANTE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL NÃO COMPROVADA NO PERÍODO EQUIVALENTE À CARÊNCIA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RECONHECIDOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante a produção de início de prova material, desde que complementada por prova testemunhal idônea. 2. Não tendo a parte autora logrado comprovar o efetivo exercício de atividades rurais, na condição de segurada especial, durante o período equivalente à carência necessária à concessão da aposentadoria por idade rural, é inviável que esta lhe seja outorgada, devendo ser averbados os períodos reconhecidos para fins de futura concessão de benefício previdenciário. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de averbar o tempo reconhecido em favor da parte autora, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8335297v4 e, se solicitado, do código CRC 6E8EE6D0. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 19/12/2016 10:13 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5052389-73.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | LUZIA SELARIO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | PAULO HENRIQUE VIEIRA SANTE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de Aposentadoria por Idade Rural, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
Tempestivamente a parte autora recorre, postulando a reforma da decisão recorrida. Sustenta, em síntese, que: (a) há nos autos início de prova material hábil a comprovar o exercício da atividade rural no período de carência exigido para a concessão do benefício, devidamente corroborada pela prova testemunhal; e (b) a autora faz jus à concessão da Aposentadoria por Idade Rural, desde a data do requerimento administrativo, uma vez que preenchidos todos os requisitos estabelecidos para tanto pela legislação de regência.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A questão controversa nos autos cinge-se ao direito da parte autora à concessão de Aposentadoria por Idade Rural, desde a data do requerimento administrativo (06/02/2014).
Da atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24-07-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, inciso II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (Lei n.º 8.213, art. 48, § 1º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (Lei n.º 8.213, art. 143). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, § 1º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994 (data da publicação da Medida Provisória n.º 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt nº 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03-09-2014), ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp n. 1450119-MT, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves c/c o art. 219, § 1º, do CPC), o que não afasta o direito às parcelas anteriores aos cinco anos desde o ajuizamento ação. Interpretação em conformidade com o precedente desta Turma (APELRE nº 0020438-83.2014.404.9999), onde consignado que: "A interrupção da prescrição deve ser contada de forma retroativa à data do ajuizamento da ação, não da citação, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, que não foi revogado tacitamente pelo art. 202, inc. I, do CC/02". (Relatoria Desembargador Federal Celso Kipper, DJe de 11/02/2015). Conforme disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015: "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação."
Da demonstração da atividade rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa. Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Assim, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Somente será descaracterizado o regime de economia familiar se restar comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
Acerca do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, cumpre referir o entendimento do STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.354.908/SP, vinculado ao Tema nº 642, representativo de controvérsia, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016. (Grifou-se.)
A respeito do "boia-fria", o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
Saliente-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Regional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo de 01-06-1981 a 24-10-1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Com efeito, sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Portanto, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se admitir como início de prova material documento extemporâneo ao período correspondente à carência do benefício, conforme sedimentado no Resp nº 1.321.493-PR.
Do caso concreto
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário (55 anos) em 30/06/2008, porquanto nascida em 30/06/1953, e requereu o benefício na via administrativa em 06/02/2014. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural no período de 162 meses anteriores ao implemento do requisito etário, ou nos 180 meses que antecedem o requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Para comprovar o trabalho agrícola no período de carência, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento, ocorrido em 13/06/1970, na qual seu cônjuge consta qualificado como lavrador (evento 1 - OUT9);
b) contrato de empreita referente a lavoura de café, em nome do cônjuge da autora, com prazo de 30/06/1970 a 30/06/1971 (evento 64 - CONTR3 págs. 1 e 2);
c) contratos de pareceria agrícola referentes a pés de café na propriedade Fazenda Dona Adélia, constando o cônjuge da autora como porcenteiro/empreiteiro, com prazos cobrindo o período de 01/07/1973 a 30/09/1982 (evento 1 - OUT11 a OUT18);
d) notas fiscais, em nome do cônjuge da autora, datatas de 1984, 1985, 1986, 1987, 1988 respectivamente (evento 1 - OUT19 a OUT23).
A prova testemunhal produzida em juízo em 19/03/2015 (eventos 38 e 57) foi precisa e convincente acerca do trabalho rural da parte autora em regime de economia familiar e na condição de boia-fria, no período de carência do benefício, conforme se verifica dos depoimentos:
Depoimento pessoal da parte autora:
Que trabalhou na roça até 2008; que se casou aos 17 anos de idade, e foi trabalhar com o marido na fazenda Santa Adélia, onde permaneceram até 1985; que então moraram por alguns meses na cidade de Arapongas/PR, depois em outro sítio até 1988, e então voltaram em definitivo para Arapongas; que o marido trabalhou por pouco tempo em uma firma, mas não se adaptou, e o casal passou a laborar na condição de bóias-frias; que trabalharam nessa condição até 2008; que a empresa onde o marido trabalhou chama-se Simbal; que o marido não trabalhou em nenhuma outra empresa; questionada sobre os outros vínculos urbanos anotados pelo cônjuge, afirma que ele entrava "um mês e saía no outro", e que isso "não é trabalhar"; questionada sobre o motivo de ter alegado, em entrevista ao INSS, que após 1989 ficou só cuidando de casa enquanto o marido passou a trabalhar de pedreiro, afirma que não lhe perguntaram direito o que passou a fazer desde então, e que se tivessem perguntado, teria afirmado seu trabalho na lavoura.
Jorge Francisco de Paula:
Que conhece a autora da fazenda Dona Adélia, onde ela foi morar logo após o casamento, em 1970; que a autora e o marido moraram nesse local, lidando com café, até 1988, e então foram para a cidade de Arapongas/PR; que desde então o depoente teve menos contato com a autora, mas sabe que tocaram café na localidade de Califórnia; que o marido da autora trabalhou em uma empresa por um tempo em Arapongas, e depois voltou a mexer com café; que a autora trabalhava na lavoura junto com o marido; que não sabe informar quanto tempo o casal trabalhou em Califórnia; que não presenciou o trabalho do casal em Califórnia.
Maria José da Silva de Paula:
Que conhece a autora desde 1970, da fazenda onde moravam na época; que em 1985 a autora saiu dessa fazenda e foi morar na cidade, onde permaneceu por pouco tempo; que a autora se casou na fazenda, e permaneceu lá até 1985; que o casal permaneceu por um tempo na cidade de Arapongas/PR, e depois voltou à roça, na localidade de Califórnia; que não sabe informar quando retornaram para a roça, pois teve menos contato com a autora após ela ter ido para Arapongas; que a fazenda onde moravam fica em Santa Fé/PR; que não presenciou o trabalho da autora após 1985, mas sabe por ouvir falar; que a depoente mora na fazenda até hoje, e a autora possui família nas proximidades, razão pela qual sabe da continuidade do trabalho dela na roça.
Maria Pradela Alves:
Que conhece a autora pois trabalharam juntas, como bóias-frias; que trabalharam juntas na chácara do pai da depoente, entre 2002 e 2008, em Arapongas/PR; que o marido da autora também trabalha com elas; que colhiam café e amendoim, quebravam milho; que eram conduzidas em um ônibus da fazenda Santa Catarina, onde também trabalharam; que encontrava a autora com mais freqüência na época de colheita de arroz e feijão, em março e abril, e de café em junho e julho, mas afirma que via ela se deslocando para carpir, em outras épocas; que a autora teve um problema de coluna em 2008, e por isso parou de ir à roça.
No presente caso, o conjunto probatório não apresenta a necessária segurança a respeito do trabalho da requerente na lavoura, no período posterior à sua mudança para o meio urbano, em 1988. Além da ausência de prova documental após o referido período, o depoimento da autora entra em contradição com as afirmações que prestara no processo administrativo. Quanto ao ponto, transcrevo trecho da sentença (evento 41 - SENT1), adotando-o como razões de decidir:
É certo que não existe a necessidade de que sejam apresentados documentos ano-a-ano do labor rural.
Todavia, neste caso, além de sua escassez, não é de se desprezar o fato de que após o ano de 1988, até a data do Requerimento Administrativo, não existe prova documental que remeta ao exercício da atividade rural pela autora.
Em audiência, o depoimento da autora revela incompatibilidade entre a resposta dada pela mesma ao Procedimento Administrativo do INSS. Em tal procedimento, a autora respondeu ao INSS que laborou em meio rural até 1989 e a partir de então residiu em meio urbano (seu marido possuía empregos na cidade e ela era dona de casa). Entretanto, em audiência, a autora declarou ter morado por pouquíssimo tempo na cidade e que seu marido trabalhou por pequenos intervalos de tempo na cidade (um mês ou menos) e que, em seguida, ambos continuaram a trabalhar no campo.
As testemunhas Jorge Francisco de Paula e Maria José da Silva de Paula afirmaram o labor rural da autora até o ano de 1988. Após esse período, relataram a autora mudou-se com seu marido para a zona urbana e não souberam informar, exatamente, quanto às atividades econômicas por eles exercidas.
A testemunha Maria Pradela Alves relata ter trabalhado junto com a autora e o marido desta como boias-frias, no período de, aproximadamente, 2003 a 2008. Contudo, ante a documentação acostada, esse único testemunho não se revela suficiente para a concessão do benefício requerido.
Ainda, conforme CNIS em nome do cônjuge da autora, constam vínculos empregatícios urbanos nos períodos de 27/09/1988 a 03/10/1988, de 01/11/1988 a 15/05/1989, de 05/07/1989 a 01/01/1990, de 25/02/1992 a 09/10/1992, de 03/02/1993 a 17/07/1993 (evento 15 - OUT7), não havendo prova documental posterior a esses períodos. A autora, em seu depoimento, inicialmente negou tais vínculos, não se explicando de maneira convincente quando questionada a respeito deles.
No que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade de extensão da prova material em nome de um membro do núcleo familiar a outro. Contudo, no julgamento do Resp. 1.304.479-SP, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, aquela colenda Corte adotou posicionamento no sentido da impossibilidade de se estender a prova de um membro do núcleo familiar a outro, quando o titular dos documentos passa a exercer trabalho urbano.
O Recurso Especial n. 1.304.479-SP, tido como representativo de controvérsia, foi assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (Grifo nosso).
Portanto, no que tange à comprovação da atividade laborativa do rurícola, conforme a decisão do Superior Tribunal de Justiça acima transcrita, não há possibilidade de estender a prova material em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.
Não há dúvidas de que a autora exerceu atividades rurais, em regime de economia familiar, em determinado período de sua vida. Porém, não havendo comprovação quanto ao período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, não há como conceder o benefício pleiteado. A parte autora não juntou aos autos nenhum documento hábil a comprovar o labor rural no período de carência (1995 a 2008), embora intimada a fazê-lo (Despacho, Evento 59), ou, pelo menos, de períodos próximos.
Não sendo devida a aposentadoria pleiteada, fica reconhecido, em razão da prova dos autos, o tempo rural de 1970 a 1988.
Tal período, pois, deve ser averbado, para fins de futura concessão de benefício previdenciário.
Sendo recíproca e proporcional a sucumbência, devem os honorários advocatícios, ora fixados em R$ 880,00, ser suportados de forma equivalente pelas partes.
As custas devem ser suportadas na mesma proporção, estando suspensa, contudo, a parte concernente à autora, por ser beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido (CPF 609.690.089-53), a ser efetivada em 45 dias.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5052389-73.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00043638320148160045
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | LUZIA SELARIO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | PAULO HENRIQUE VIEIRA SANTE |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/12/2016, na seqüência 224, disponibilizada no DE de 29/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À AVERBAÇÃO DO TEMPO RECONHECIDO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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