APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000182-53.2014.4.04.7115/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | ROSALINA SEGAT MORAES |
ADVOGADO | : | JOICEMAR PAULO VAN DER SAND |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ.
1. Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (art. 48, §1º da Lei n.º 8.213/91); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (art. 48, §2º da Lei 8213/91).
2. A permissão para a descontinuidade prevista no art. 48, §2º da Lei 8213/91 deve ser feita em consonância com o instituto da aposentadoria rural, de modo que o retorno deve proporcionar o regresso à vocação agrícola, com a subsistência assegurada através dessa atvidade (Embargos Infringentes nº 0017236-98.2014.4.04.9999/PR, 3ª Seção,julgado em 03-12-2015).
3. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública na revisão do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora, determinar a implantação do benefício e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de setembro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8515941v5 e, se solicitado, do código CRC 8AFB6593. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 22/09/2016 12:44 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000182-53.2014.4.04.7115/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | ROSALINA SEGAT MORAES |
ADVOGADO | : | JOICEMAR PAULO VAN DER SAND |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta por Rosalina Segat Moraes em face do INSS e que busca: a) o reconhecimento do exercício de período de atividade rural; b) o restabelecimento de benefício anteriormente concedido e que foi revogado; c) a declaração de inexistência do débito exigido pelo INSS em razão do benefício anteriormente concedido. Alegou que inicialmente autarquia previdenciária concedeu a aposentadoria por idade rural (NB 133.274.430-0), tendo considerado os períodos de 18/07/1964 a 25/07/1977 e de 11/04/2005 a 16/05/2005 como de atividade rural. Posteriormente, porém, o benefício foi cancelado por que, na compreensão da autarquia, não estavam presentes os requisitos para a concessão.
Na contestação, o INSS refutou a tese da inicial e aduziu como correta a sua postura. Em resumo, destacou que é duvidosa a atividade rural nos períodos alegados e que, de todo modo, houve descontinuidade de vários anos entre os períodos, fato que impediria a aposentadoria na forma pretendida.
Após a devida instrução, em que realizada a juntada de vários documentos e a oitiva de testemunhas, a sentença julgou parcialmente procednete o pedido nos seguintes termos: "Posto isso, julgo parcialmente procedente o pedido, extinguindo o feito, nos termos do art. 269, I, do CPC, a fim de: a) indeferir o pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural da autora (NB 133.274.430-0); b) declarar a inexigibilidade do débito atribuído à demandante - no valor de R$ 45.396,19 - quarenta e cinco mil, trezentos e noventa e seis reais e desenove centavos" (e. 24).
Apela a parte autora. Alega, em síntese que a sentença deve ser parcialmente reformada, pois, possui direito à aposentadoria em razão dos períodos anteriormente reconhecidos pelo próprio INSS e que, por essa razão, deve ser restabelecido o benefício.
Apela o INSS. Alega, em síntese, que a sentença deve ser parcialmente reformada, já que a cobrança dos valores pagos indevidamente não pode ser considerada inexigível.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o breve relatório.
VOTO
A controvérsia dos autos é a seguinte: a) se os períodos de 18/07/1964 a 25/07/1977 e de 11/04/2005 a 16/05/2005 podem ser reconhecidos como de atividade rural; b) se a parte autora preenche os requisitos para a aposentadoria por idade rural; c) se existe o dever de ressarcir o INSS em razão dos valores pagos em razão da aposentadoria que foi posteriormente cancelada.
1- Da atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 277 do CPC/2015.
Aos trabalhadores rurais, filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91, que implementarem os requisitos da aposentadoria por idade no prazo de até quinze anos após a sua vigência (ou seja, até 24-07-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, inciso II, mas a regra de transição prevista no art. 143, ambos da Lei de Benefícios.
Os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (Lei n.º 8.213, art. 48, § 1º); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício (Lei n.º 8.213, art. 143). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo que é necessário comprovar como de efetivo exercício do labor rural, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei de Benefícios, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural (direito adquirido ou DER); b) termo inicial e final do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício (DIB).
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, § 1º).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt nº 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03-09-2014), ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp n. 1450119-MT, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves c/c o art. 219, § 1º, do CPC), o que não afasta o direito às parcelas anteriores aos cinco anos desde o ajuizamento ação. Interpretação em conformidade com o precedente desta Turma (APELRE nº 0020438-83.2014.404.9999), onde consignado que: "A interrupção da prescrição deve ser contada de forma retroativa à data do ajuizamento da ação, não da citação, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, que não foi revogado tacitamente pelo art. 202, inc. I, do CC/02". (Relatoria Desembargador Federal Celso Kipper, DJe de 11/02/2015). Conforme disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015: "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação."
2- Da demonstração da atividade rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa. Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Assim, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.
Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Somente será descaracterizado o regime de economia familiar se restar comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
Cumpre salientar também que muitas vezes a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela autarquia, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, de forma a emprestar-lhe maior valor probante.
3- Caso concreto: comprovação da atividade rural
Diante das considerações acima apontadas quanto à análise da prova em matéria de atividade rural, passo ao exame do caso.
Quanto ao primeiro período (de 18/07/1964 a 25/07/1977), registra-se inúmeros documentos que corroboram a atividade rurícola: (1º) Certidão de casamento do ano de 1964, constando a profissão do cônjuge como agricultor (e. 07, procadm1, fl. 03); (2º) Declaração de exercício de atividade rural, expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto Lucena, homologando a atividade rural no período (e. 07, procadm1, fl. 07); (3º) cópia da Certidão de Nascimento do filho Valdecir, do ano de 1965, constando a atividade dos pais como agricultores(e. 07, procadm1, fl. 08); (4º) cópia da Certidão de Nascimento da filha Clarice Maria, do ano de 1967, constando a atividade dos pais como agricultores (e. 07, procadm1,fl. 09); (5º) cópia da Certidão de Nascimento da filha Carmen Miria, do ano de 1971, constando a atividade dos pais como agricultores (e. 07, procadm1, fl. 10); (6º) cópia da ficha de sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto Lucena, do ano de 1968 (e. 07, procadm1, fl. 11/12); (7º) Cópia da Ficha de Inscrição de Produtor rural em nome do cônjuge, datada de 31/07/1975 (e. 07, procadm1, fl. 13/14); (8º) Cópia da matrícula nº 789, do Registro de Imóveis de Santo Cristo, referente fração de terras do lote rural nº 16 da Linha Boa Vista (e. 07, procadm1, fl. 16/17); (9º) Cópia do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, do INCRA referente a fração dos lotes rurais nº 15 e 16, dos anos de 2000/2001/2002 (e. 07, procadm1, fl. 18). A prova testemunhal produzida em juízo, oportunidade em que foram ouvidos Temoteo Gall, Dulci Kuhn Abramson e Brondino Recalcati, confirmou que houve atividade rural no período (vide e. 22, arquivodevideo2,3,4).
Quanto ao segundo período, verifica-se claramente a fragilidade na prova, já que a segurada ficou longo lapso temporal distante da atividade rurícola e, em data próxima à idade necessária para eventual aposentadoria, retornou ao campo. De todo modo, há também prova documental confirmando os fatos: (1º) Declaração de exercício de atividade rural, expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto Lucena, homologando a atividade rural no período (e. 07, procadm1, fl. 07); (2º) Declaração prestada no processo administrativo e firmada por Alcides Fink, Renoaldo Garda e Egon Kuhn, confirmando a atividade rural no período (e. 07, procadm1, fl. 06); (3º) Contrato Particular de parceria agrícola no nome da segurada, datado de 11/04/2005 e com validade de um ano (e. 07, procadm1, fl. 15). Acrescente-se que o argumento apresentado pelo INSS, no sentido de que, em razão da idade avançada da autora, seria altamente improvável que retornasse à agricultura, não encontra respaldo em elemento de prova, sendo meramente especulativo. Pelo contrário, a prova testemunhal produzida em juízo confirmou que a autora retornou à atividade rural em razão do óbito do marido, justamente para se aproximar do irmão que ainda morava no campo e, evidentemente, já considerando a aposentadoria próxima (vide e. 22, especialmente o arquivodevideo3 - oitiva de Dulci Kuhn Abramson). Veja-se que não há aí qualquer má-fé ou ilegalidade, mas sim expectativa legítima de segurado que cogitava de, em razão de ter trabalhado por longo período, no passado, na área rural, poderia se aposentar dessa forma. Se houve qualquer intenção fraudulenta, ela não encontra amparo na prova produzida nos autos.
Nesse panorama, entendo que há elementos suficientes para considerar que houve efetivamente o exercício da atividade laborativa rurícola nos períodos controvertidos nos autos, a saber: (a) de 18/07/1964 a 25/07/1977 e (b) de 11/04/2005 a 16/05/2005.
Cumpre identificar, porém, se a parte autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural tal como havia requerido ou se foi devido o cancelamento realizado pela autarquia previdenciária.
5- Aposentadoria por idade rural (art. 48, §1º e §2º da Lei 8.213/91)
Conforme já adiantado, os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei n.º 8.213/91 são, pois, os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (art. 48, §1º da Lei n.º 8.213/91); e (b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (art. 48, §2º da Lei 8213/91).
Acerca do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, cumpre referir o entendimento do STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.354.908/SP, vinculado ao Tema nº 642, representativo de controvérsia, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016. (Grifou-se.)
Pois bem.
Se considerada a data em que autora atingiu a idade mínima de 55 anos, isto é, 31/07/1995, seria necessário demonstrar que houve exercício de atividade rural no período de 78 meses imediatamente anterior a esta data. Como se percebe, o segundo requisito não foi preenchido, posto que a autora não exerceu atividade rural no período "imediatamente anterior". Pelo contrário, nessa época, conforme demonstrado nos autos, sequer residia no campo. O mesmo requisito falta se considerada a data do requerimento administrativo. É que a aposentadoria foi formulada em 2005, de modo que seria necessário demonstrar o exercício de atividade rural no período de 144 meses anteriores a esta data. No período "imediatamente anterior" há apenas dois meses de atividade rural, de modo que o requisito está ausente.
Registro, porque relevante para o deslinde da causa, que a controvérsia poderia dizer respeito à incidência da primeira parte do art. 48, §2º da Lei 8213/91. É que o dispositivo em comento autoriza o preenchimento do segundo requisito quando houver atividade rural realizada "de forma descontínua", isto é, praticada de maneira intercalada com outras atividades ou, até mesmo, quando ausentes determinados períodos de atividade.
A permissão para a descontinuidade, porém, deve ser feita em consonância com o instituto da aposentadoria rural. Nesse sentido, registro que a 3ª Seção desta Corte, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 0017236-98.2014.4.04.9999/PR, em 03-12-2015, admitiu o cômputo de períodos de labor rural intercalados para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, desde que demonstrada a condição de segurado especial no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento do requisito etário. O voto condutor, naquela oportunidade, foi enfático no seguinte sentido:
Nesse cenário, entendo caber ao segurado demonstrar que o seu regresso visa à reaquisição de sua vocação agrícola, voltando a ter do meio rural sua principal fonte de subsistência. Assim sendo, descabe a aplicação da cláusula da descontinuidade em relação àquele que se afastou definitivamente do meio rural, mas que busca com seu regresso ao campo apenas obter a aposentadoria por idade prevista aos segurados especiais.
Dessa forma, havendo elementos concretos evidenciando que o retorno ao ambiente campesino se deu com o intuito de retomada da atividade rural como fonte de subsistência, e não apenas para se valer da condição de segurado especial às vésperas do protocolo do pedido de aposentadoria por idade, é que poderá ser admitida a descontinuidade nos termos acima propostos. É certo, porém, que não serão alguns meses, mas um período de tempo razoável entre o retorno e o requerimento capazes de resgatar sua origem/identidade campesina. Por óbvio, havendo no percurso temporal a perda da qualidade de segurado, deverá ser observada a exigência do parágrafo único, do artigo 24, da Lei 8.213/91.
No caso dos autos, tenho que não está efetivamente demonstrado que o retorno à atividade rural se deu com o propósito de assegurar a subsistência mediante realização de tal atividade. Com efeito, o segundo período de atividade foi mínimo (menos de dois meses), evidenciando o oposto.
É importante destacar que, dados os limites da controvérsia, não se está a discutir a presença dos requisitos para a concessão de outra modalidade de aposentadoria, como, p. ex, a aposentadoria híbrida prevista no art. 48, §3º e §4º da Lei 8213/91.
O que se conclui, daí, é que a sentença de primeiro grau não merece reparos quanto à solução do ponto: não é devido o restabelecimento da aposentadoria por idade rural da autora, já que ausentes os requisitos para a concessão.
6- Desnecessidade de devolução dos valores recebidos de boa-fé
Considerando que a concessão do benefício, que perdurou até o cancelamento pelo INSS, gerou efeitos financeiros para a autora, cumpre tratar do ponto relativo à necessidade, ou não, de devolução dos valores.
Neste aspecto, tenho por irreparável a sentença do juízo a quo, que adequadamente tratou do tema, verbis:
Consolidou-se na jurisprudência, contudo, entendimento no sentido de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé (nesse sentido: EREsp nº 612.101, Terceira Seção, rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.03.2007). Tal entendimento - observo - não constitui novidade no âmbito da Administração Pública Federal: o Tribunal de Contas da União (TCU) tem assentado que o servidor não fica obrigado a restituir vantagens indevidas, senão a partir da ciência da declaração de ilegalidade do ato de concessão pela corte de contas, porque antes disso o servidor está de boa-fé (cf. TCU, Súmulas 106 e 249).
A aposição da boa-fé como limite às pretensões restituitórias da Administração, outrossim, se legitima na concepção de legalidade administrativa como parâmetro de juridicidade, que exige o cotejo da legalidade com os demais princípios norteadores do Estado de Direito, notadamente a segurança jurídica. Vale dizer: a legalidade, que orienta o dever de restituição à luz da vedação ao enriquecimento sem causa, deve ser compatibilizada com a proteção substancial da confiança do administrado que não contribui para o vício do ato (por todos: MAFFINI, Rafael. Principio da proteção substancial da confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 185).
Nessa ótica, parece claro que a boa-fé é limite à pretensão do Estado obter a restituição de valores indevidamente pagos a beneficiários da Previdência Social, o que se fundamenta no caráter alimentar dos benefícios e na preservação dos efeitos pretéritos de atos nulos em favor de destinatários não causadores do vício.
(...)
Transpondo tais conclusões para o presente caso, não vejo provas de que o segurado, ora autor, recebeu as parcelas de aposentadoria por idade rural de má-fé (em seu sentido ético), em ignorância não desculpável do erro administrativo.
Afinal, ficou comprovado que o autor e sua família sempre mantiveram alguma atividade rural, no entanto tal atividade, conquanto não viabilize o restabelecimento do benefício (pelas razões elencadas supra), é hábil a relativizar o aspecto intencional, de má-fé, no seu agir.
De fato, quando se trata de pagamento ocorrido por erro da administração que sequer se valeu de seu próprio sistema informatizado para, com diligência, proceder à retificação ou revisão, não há que se falar na devolução dos valores sem que se demonstre a má-fé do segurado. A propósito confira-se decisão desta Turma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA REVISÃO DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ E HIPOSSUFICIÊNCIA DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE.
É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública na revisão do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos.(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002759-09.2014.404.0000/PR, Relator Des. Fed. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, sessão de 21 de janeiro 2015).
Neste ponto, portanto, voto por negar provimento ao recurso de apelação do INSS e manter a solução dada ao caso pela sentença do juízo a quo.
7- Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora exclusivamente para averbar o tempo de atividade rural de 18/07/1964 a 25/07/1977 e de 11/04/2005 a 16/05/2005 e negar provimento ao recurso da apelação do INSS nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/09/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000182-53.2014.4.04.7115/RS
ORIGEM: RS 50001825320144047115
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | ROSALINA SEGAT MORAES |
ADVOGADO | : | JOICEMAR PAULO VAN DER SAND |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/09/2016, na seqüência 448, disponibilizada no DE de 02/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA EXCLUSIVAMENTE PARA AVERBAR O TEMPO DE ATIVIDADE RURAL DE 18/07/1964 A 25/07/1977 E DE 11/04/2005 A 16/05/2005 E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA APELAÇÃO DO INSS NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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