Apelação Cível Nº 5008270-17.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO THOMAS DE AQUINO
RELATÓRIO
Luiz Antônio Thomas de Aquino propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 25/10/2019, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (22/12/2018), mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural, como boia-fria, entre os anos de 2010 e 2018.
Em 08/01/2021, sobreveio sentença (
), que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos:Ante ao exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE a pretensão inicial para o fim de DETERMINAR a autarquia ré a implantar o benefício de aposentadoria por idade em favor do Autor desde o requerimento administrativo (22/12/2018), bem como a PAGAR DE UMA SÓ VEZ AS PARCELAS EM ATRASO até o efetivo pagamento, com incidência de juros de mora a partir da citação e correção monetária desde o vencimento de cada prestação.
Admitido os embargos de declaração opostos pelo autor, foi-lhe dado provimento para determinar a implantação do benefício.
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação(
).Em suas razões sustenta ser indevido o reconhecimento do tempo de serviço rural, uma vez que (a) o art. 143 da Lei 8.213/91, com base no qual eram concedidas as aposentadorias por idade aos trabalhadores rurais volantes, também conhecidos como boias frias, perdeu sua vigência em 31 de dezembro de 2010, a partir de quando passou a ter aplicação o art. 3º da Lei 11.718/2008; (b) por conta dessa alteração legislativa, a partir de 01/01/2011, o diarista ou boia fria precisa indicar, na inicial, se a atividade foi desempenhada na condição de empregado ou contribuinte individual, decorrendo efeitos diversos para uma ou outra categoria; (c) Se comprovar atividade como autônomo, sem vínculo empregatício, assim como qualquer outro diarista em atividades urbanas, deverá recolher as respectivas contribuições para computá-las para fins de aposentadoria por idade rural.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Na aplicação da aludida tabela do art. 142, a quantidade de meses de exercício de atividade rural exigida é a correspondente ao ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 05 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Boia-fria
A respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em relação ao labor rural exercido como boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente tem registradas suas relações de emprego.
Períodos rurais controvertidos
O autor, nascido em 17/10/1958, filho de Antônio Thomaz de Aquino e de Sergina Isabel de Aquino, pleiteia o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período de 2010 a 22/12/2018, que restou reconhecido na sentença, nos seguintes termos (
):No caso subjudice, o requerente possui o requisito “idade”, eis que completou 60 anos em 2018.
No caso em exame, o autor alega ter trabalhado como segurado especial, na qualidade de trabalhador rural como diarista boia-fria, de 1965 até a data da DER.
Insta salientar que os períodos de 18/10/1970 a 30/04/1990; 30/11/1993 a 01/02/2002, já foram reconhecidos administrativamente pelo INSS, na função de diarista, perfazendo o total de 27 (vinte e sete) anos, 08 (oito) meses e 12 (doze) dias.
Frisa-se que segundo o INSS, na petição de mov. 93.1, os períodos reconhecidos não abrangem aqueles já dispostos no CNIS do autor, isto é, nos quais teve o registro em CTPS.
Vale destacar que as anotações em CTPS são exclusivamente rurais.
Quanto ao início de prova material, para o reconhecimento do tempo rural na forma requerida, a parte autora colacionou os seguintes documentos:
- Declaração de José Marcos Gomes Furlan declarando que o Autor sempre foi trabalhador rural (1970 – 2018)
- Declaração de exercício de atividade rural (1970 – 1990) - Declaração da Secretaria da Educação (1972)
- Declaração do Exército Brasileiro declarando que o Autor residia em zona rural (1976)
- Certidão de casamento (1978)
- Cadastro no sindicado dos trabalhadores rurais de Alto Piquiri (1979 – 1983)
- Certidão de nascimento do filho Marcelo Silva de Aquino (1981)
- Certidão de nascimento da filha Marcia da Silva de Aquino (1982)
- Certidão de nascimento Mário de Aquino (1992)
- Certidão de Nascimento Mônica Silva de Aquino (1995)
- Cadastro do Autor em supermercado constando a profissão como: rural. (2003).
Desse modo, verifica-se que há suficiente início de prova material, vez que os documentos elencados, dão conta de que a parte autora se dedicou exclusivamente ao labor rural.
Outrossim, em seu depoimento pessoal, o autor LUIZ ANTONIO THOMAZ DE AQUINO – passou a aduzir “que sua ocupação atual é trabalhador rural. Exerce essa atividade desde 1970/1975 já trabalhava com seus pais. A última vez que trabalhou foi há uns 07 meses atrás, tirando rama de mandioca, para Sr. Geraldo, na fazenda Mosquito, indo para Brasilândia do Sul. Por conta da pandemia, não mais conseguiu laborar nessas condições. Laborou em várias propriedades, como diarista, termina um serviço, daí outro chama para carpir, plantar. Vários serviços, silagem. Já trabalhou com carteira assinada, com Gado e na Usina, nesta fazia aplicação de herbicida, venenos no carreador, onde o trator não pega. Mesmo na usina atividade era rural. De 2010 para cá está trabalhando como boia-fria, catando milho e a praga que dá na soja, chamada de “voadeira”, levam eles para corta-la. Que essa praga, não tem veneno para matá-la, então tem que ser na enxada. E o amargoso também, o veneno não mata. Depois da usina, vem trabalhando exclusivamente como diarista. Não teve trabalhos na cidade, porque não tem estudo. Que da lavoura ele entende. Que sempre tem um encarregado que fica responsável por busca-los na cidade cedo e traze-los de tarde. O Sr. Geraldo é o encarregado da Fazenda “Carminha”, o Toninho Volpato, Leôncio Volpato, também os levava, mas agora parou. Nessas propriedades plantavam anapiê, passavam adubo. Os Volpatos tiram leite. Plantam cana, corvo, napiê, tem que ter as pessoas para cultivar. Pegava o transporte perto da sua casa, o ponto fica no comércio do Ailton. O pagamento é feito aos finais de semana. A última vez que laborou foi para Leandro Volpato. Na oportunidade, cataram milho para fazer silagem para o gado, foi pago o valor de 70 reais”.
A testemunha LUIZ ANTONIO PIRES – passou a relatar “que conhece o autor daqui de Alto Piquiri mesmo, de 25 a 30 anos, através da catação de algodão. O último serviço que fez foi carpir soja e catação de amendoim. Atualmente está parado. Que praticamente é boia-fria. Sobre o autor, afirma que a atividade é a mesma, boia-fria, trabalha onde aparece uma diária. Já trabalhou junto com o autor. A última vez que trabalharam juntos foi no ano passado (2019), carpindo soja, na Fazenda Mosquito. No momento, está meio fracassado o labor rural, por causa da pandemia, mas em setembro vai iniciar algum serviço. Antes da pandemia, o último serviço que fez, foi catação de amendoim. Parece que o último serviço do autor, também foi isso. As pessoas que contratam trabalhadores rurais, são Hélio Bortolato, Chicão Preto e outros que não se recorda. Quem faz o transporte é geralmente por camioneta ou carro baixo que transporta dois, três, quatro pessoas. Geralmente é o dono da propriedade que carrega. Tem um cara que sempre carrega eles para carpir soja, o apelido dele é Zé Doido, o sobrenome não sabe. Da última vez recebeu R$75 a 70 reais. O pagamento é feito ao final de semana. Desconhece outra atividade exercida pelo autor, sempre viu ele trabalhando rural. Os momentos que trabalharam juntos foram de diarista. Nos últimos 10 anos, sempre trabalharam junto, algumas vezes cada um para uma “banda”. Muitas vezes o transportador os pegava na residência de cada qual”.
A testemunha SEBASTIÃO SOARES – relatou “que conhece o autor da região de Alto Piquiri, Perobal e Saltinho. A atividade dele é só de boia-fria. Tem ciência disso, porque trabalhou junto 15 anos com o autor. Trabalhou com o autor a última vez foi no ano passado, catando milho e arrancando amargoso. As pessoas que contratam os trabalhadores são os próprios donos da terra. Pega-os de camioneta e de tarde os traz de novo. Quem transporta é Edson, japonês. Sempre tem alguém que transporta, para carpir soja, plantar amargoso. Sempre é o proprietário que leva. Alguns nomes são o Japonês, o Zé Barbinha, que era o “gato”. Que o trabalhador diarista faz mais é carpir, essas coisinhas para fazer, pois outro tipo de serviço não tem. Afirma que labora assim até hoje. Sendo que a diária está na base de 70 a 80 reais. O pagamento é feito aos finais de semana, pagam em casa. Acha que o autor não laborou em outra atividade”.
A testemunha VALDEMIR CARDOSO MOURA – afirmou “que conhece o autor há 35-38 anos, da cidade, de Saltinho do Oeste. Em 1982, o depoente era chefe de departamento de obras da prefeitura e sempre passava pelas estradas rurais. Atualmente o autor trabalha de boia-fria. O autor laborou uma época na Usina, mas depois ele sempre trabalhou de boia-fria. Que há pontos onde o pessoal fica para aguardar os gatos, que passa de manhã cedo e vê ele esperando nestes locais. Sabe disso porque anda muito na cidade e vê sempre trabalhando para um, para outro. Geralmente tem um intermediário, que são os gatos. Que trabalham para o pessoal mais antigo, os Volpatto, Bortolato, fazenda Ouro Verde, nessas áreas sempre via ele trabalhando. O Sr. Geraldo, Zé Barbinha, Valdecir Gato, são uns dos encarregados. Atualmente o autor trabalha, de vez em quando trabalha até para o autor em sua chácara. Para o depoente o autor trabalhou faz uns 06 meses, umas diárias na chácara, limando cerca, catando sapê, amargoso. Sabe que o autor trabalhou na usina, mas não sabe quanto tempo. Lá ele trabalhava na área agrícola. Desconhece atividade do autor no meio urbano”.
Portanto, verifica-se, do conjunto probatório, que os documentos juntados constituem início razoável de prova material e a prova testemunhal, por sua vez, é convincente acerca do labor rural exercido pela parte autora no período de carência legalmente exigido.
Salienta-se que a ausência de anotações na CTPS a partir de 2011 até a data de entrada do requerimento administrativo, corroboram com a condição de boia-fria exercida pelo autor.
Veja que os depoimentos das testemunhas são uníssonos no sentido de que desde que o autor encerrou o labor na Usina Sabaralcool, vem desenvolvendo atividades como boia-fria em diversas propriedades rurais. Tudo isso é afirmado pelas testemunhas em juízo, veja-se que a testemunha Luiz Antônio Pires e Sebastião Soares, inclusive, trabalharam nas lides rurais com o autor nos últimos anos, fazendo alusão até em relação aos últimos serviços prestados, que variam entre 06 a 07 meses anteriores a audiência de instrução.
Ademais, a testemunha Valdemir Cardoso, em seu depoimento soube dizer que sempre viu o autor laborando no campo, além de inclusive tê-lo contratado algumas vezes para laborar em sua propriedade rural, inclusive recentemente.
Sendo assim, a prova documental aliada aos depoimentos prestados em juízo é suficiente para demonstrar que o autor preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade rural. Assim, o período de carência legal resta preenchido, sendo a procedência da ação, medida que se impõe.
Está pacificado pela jurisprudência o entendimento de que (...) é assegurada a condição de segurado especial ao tralhador rural denominado "boia-fria" (REsp 1674064/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017), como alhures já referido. Além disso, dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012) fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Por fim, em relação à exigência do recolhimento de contribuições por parte do boia-fria, entendo que não se sustenta a tese de que o art. 143 da Lei 8.213/91, a partir de 31 de dezembro de 2010, perdeu sua vigência, quando passaram a vigorar os arts. 2º e 3º da Lei 11.718/2008, que estabelecem:
Art. 2o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego.
Art. 3o Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência:
I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991;
II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e
III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo e respectivo inciso I ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que comprovar a prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego.
Interpretando tais dispositivos, afirma-se que o trabalhador rural boia-fria deveria, por ocasião do requerimento do benefício, indicar sob qual regime desempenhou suas atividades (empregado rural ou contribuinte individual), pois desta especificação decorreriam diferentes requisitos. Entretanto, tal exigência fere o direito dos trabalhadores que exercem suas atividades sem qualquer formalização e com remuneração insuficiente para o recolhimento de contribuições.
Tal tese, na prática, excluiria a categoria dos trabalhadores rurais boias-frias do âmbito da Previdência Social, razão pela qual o trabalhador boia-fria necessita continuar sendo enquadrado como segurado especial, mesmo após o advento da referida alteração legislativa, em conformidade com as normas de proteção social e da universalização do acesso à previdência social.
O que estabelecem os arts. 2º e 3º da Lei 11.718/08 é a forma como será contada a carência, para o empregado rural e para o segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural.
Quanto à carência do trabalhador rural boia-fria, está pacificado o entendimento segundo o qual este se equipara ao segurado especial relacionado no art. 11, VII, da 8.213/91, (e não ao contribuinte individual ou ao empregado rural), sendo inexigível, portanto, o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício, substituída pela comprovação do efetivo desempenho de labor agrícola, nos termos dos arts. 26, III, e 39, I da Lei de Benefícios.
Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. PRESCRIÇÃO. SEGURADA BOIA-FRIA. COMPROVAÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES.
1. Não deve ser acolhida a prejudicial de prescrição se entre o nascimento e o ajuizamento da ação, uma vez que não havendo prévio requerimento administrativo, não se passaram cinco anos.
2. Demonstrada a maternidade e a qualidade de segurada especial, mediante início razoável de prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade.
3. Esta Corte já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural bóia-fria deve ser equiparado ao segurado especial de que trata o art. 11, VII, da Lei de Benefícios, sendo-lhe dispensado, portanto, o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário.
(AC nº 0017780-28.2010.404.9999/PR, Rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. em 22/05/2014)
Desse modo, mantenho a sentença, visto estar de acordo com o entendimento dessa Corte.
Correção monetária e juros de mora
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos respectivos embargos de declaração (que foram rejeitados, tendo sido afirmada a inexistência de modulação de efeitos), deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece, para as condenações judiciais de natureza previdenciária, o seguinte:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91)
Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), exceto no caso de concessão de benefício mediante reafirmação da DER para data após o ajuizamento da ação, hipótese em que, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 1.727.063/SP, publicação de 21/5/2020), a incidência de juros de mora dar-se-á sobre o montante das parcelas vencidas e não pagas a partir do prazo de 45 dias para a implantação do benefício (TRF4, AC 5048576-34.2017.4.04.7100, Quinta Turma, Relator Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10/8/2021; TRF4, AC 5004167-24.2014.4.04.7117, Sexta Turma, Relatora Juíza Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 6/8/2021).
Até 29 de junho de 2009, a taxa de juros é de 1% (um por cento) ao mês. A partir de 30 de junho de 2009, eles serão computados uma única vez, sem capitalização, segundo percentual aplicável à caderneta de poupança (inclusive com a modificação da Lei 12.703/12, a partir de sua vigência), conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, considerado constitucional pelo STF (RE 870947, com repercussão geral).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Anoto, por fim, que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a correção monetária e os juros legais, como consectários da condenação, são matéria de ordem pública, não se lhes aplicando os óbices do julgamento "extra petita" ou da "reformatio in pejus". A propósito: AgRg no REsp 1.291.244/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 5/3/2013; AgRg no REsp 1.440.244/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/10/2014; REsp 1781992/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/3/2019, DJe 23/4/2019; AgInt no REsp 1663981/RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.
Desse modo, a incidência de correção monetária e os juros legais deve ser adequada de ofício aos fatores acima indicados, porquanto se trata de matéria de ordem pública, podendo, assim, ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação das partes.
Honorários recursais
Mantida a procedência do pedido, uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, § 3º, inciso I, do CPC).
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no §3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Não se desconhece a afetação pelo Superior Tribunal de Justiça do Tema 1059 - (Im)possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação. Todavia, tenho que, em se tratando de questão acessória, e a fim de evitar o sobrestamento do feito ainda na fase de conhecimento, caso o entendimento do Tribunal Superior venha a ser pela possibilidade, resta desde já fixada majoração de 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, § 3º, inciso I, do NCPC) a ser utilizada, de forma a permitir a aplicabilidade do julgado, cujo cumprimento fica diferido para o juízo da execução.
Implantação imediata do benefício
Em sede de decisão proferida em embargos de declaração o juízo a quo determinou a implantação do benefício ora questionado.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Mantida a sentença de procedência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e adequar, de ofício, a incidência de correção monetária e os juros legais.
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Apelação Cível Nº 5008270-17.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO THOMAS DE AQUINO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. BOIA FRIA
1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
2. Em se tratando de trabalhador boia-fria, a aplicação da Súmula 149 do STJ é feita com parcimônia em face das dificuldades probatórias inerentes à atividade dessa classe de segurado especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e adequar, de ofício, a incidência de correção monetária e os juros legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de março de 2023.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003741350v5 e do código CRC 1a067c0e.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023
Apelação Cível Nº 5008270-17.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO THOMAS DE AQUINO
ADVOGADO(A): ANDERSON DA ROCHA GONCALVES (OAB PR069306)
ADVOGADO(A): RENAN BERALDO DE NOVAES (OAB PR065521)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 175, disponibilizada no DE de 24/02/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E ADEQUAR, DE OFÍCIO, A INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E OS JUROS LEGAIS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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