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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DIVERGÊNCIA ENTRE AS PROVAS OBTIDAS NA ESFERA ADMINISTRATIVA E NA FA...

Data da publicação: 07/03/2023, 07:01:37

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DIVERGÊNCIA ENTRE AS PROVAS OBTIDAS NA ESFERA ADMINISTRATIVA E NA FASE JUDICIAL. PREVALÊNCIA DO ACERVO PROBATÓRIO PRODUZIDO NO CURSO DO PROCESSO JURISDICIONAL. 1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. 2. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 3. Havendo conflito entre a entrevista administrativa e os depoimentos prestados em juízo, devem prevalecer estes últimos, porquanto produzidos com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. Não se trata de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. (TRF4, AC 5024342-50.2019.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 27/02/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5024342-50.2019.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LURDES SCAPIN

RELATÓRIO

LURDES SCAPIN propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 09/05/2016, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (08/12/2015), mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, durante a sua vida.

Em 17/12/2018 sobreveio sentença (evento 2, SENT83), que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para:

a) determinar que o réu IMPLANTE a aposentadoria por idade (trabalhador rural), no valor de 1 (um) salário mínimo em favor de LURDES MIORELLI, com DIB em 08/12/2015, no prazo de recurso, sob pena de incidência e multa diária no valor de R$ 200,00, limitado ao somatório de R$ 10.000,00, nos termos do art. 497, do CPC, compensando-se valores eventualmente pagos no período;

b) CONDENAR o INSS ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do requerimento administrativo, que se deu em 08/12/2015 (fl. 81).

O valor da condenação deverá, por ora, sofrer correção e juros de mora desde a data em que deveria ter sido pago, pelos índices oficiais da poupança previstos no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação pela Lei n. 11.960/09, ao menos até que seja definitivamente julgado/modulados os efeitos do Tema 810 do STF, de modo que o índice a ser utilizado para correção poderá vir a ser o IPCA, a depender da decisão da Suprema Corte. Tal definição caberá à fase de cumprimento da sentença, a ser realizada por simples cálculo aritmético, na forma do art. 509, § 2º, do CPC.

Saliento que os índices de atualização monetária e de juros deverão ser aplicados de maneira dissociada, para simplificar e tornar inteligível o demonstrativo de evolução de débito.

Porque sucumbente na totalidade dos pedidos, CONDENO o demandado ao pagamento dos honorários que fixo em 10% sobre o valor da condenação na data desta sentença.

Autarquia isenta do pagamento das custas processuais, nos termos do art. 33, §1º, da Lei Complementar Estadual n. 156 de 1997, com redação dada pela Lei Complementar n. 729, de 17 de dezembro de 2018.

Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação.

Em suas razões (evento 2, APELAÇÃO90), sustenta ser indevido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, nos intervalos postulados, sob o argumento de que, administrativamente, a Autarquia apurou que a parte autora exercia atividade de diarista/faxineira, comparecendo esporadicamente à propriedade rural.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Da aposentadoria rural por idade

São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.

Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".

Na aplicação da aludida tabela do art. 142, a quantidade de meses de exercício de atividade rural exigida é a correspondente ao ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).

Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.

Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 05 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.

A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.

Atividade Rural em Regime de Economia Familiar

O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a apresentação de início de prova material, complementado por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas -, não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).

Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral - ou com a autodeclaração rural -, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural (REsp. n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp. n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).

Consideradas, contudo, as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental que abranja todo o período postulado, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal - ou, como já dito, pelo autodeclaração rural -, nada impedindo que sejam contemplados documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem à conclusão pela existência e/ou continuidade da atividade rural.

Ademais, restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios, por sua vez, define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade familiar respectiva, via de regra, são formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros, ou seja, em nome daquele considerado o arrimo de família. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam-se em início de prova material do labor rural de outro, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

Ainda, necessário salientar que a existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente, de modo a que se possa extrair do conjunto probatório a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não). Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica, por si só, a condição de empregador rural e consequentemente a descaracterização do regime de economia familiar, como se pode da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.

Importante ainda ressaltar que o fato de um dos membros do grupo familiar exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" à descaracterização da condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII, do art. 11, da Lei n.º 8.213/91 (na redação anterior à vigência da Lei nº 11.718/2008), é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido.

No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.

Períodos rurais controvertidos

A autora nascida em 07/12/1960, filha de José Sacapin e de Modesta Papini Scapin (evento 2, OUT4), pleiteia o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, durante toda a sua vida. O juiz da causa limitou o pedido aos 15 anos anteriores a DER, ou seja, de 08/12/2000 a 08/12/2015, que restou reconhecido em parte na sentença, nos seguintes termos (evento 2, SENT83):

(...)

No que concerne à prova testemunhal, Valmir Luiz Cremonini afirmou que conhece a autora desde quando ele tinha aproximadamente 20 anos de idade. Alega que depois que casou a autora e seu esposo moraram um tempo na mesma linha e laboravam na agricultura, plantando milho, feijão e soja. Que moravam em terras próprias de pequeno porte, sem auxílio de empregados. Depois, há cerca de 20 anos, mudaram-se para a linha Guabiroba e permaneceram no labor rurícola por aproximadamente 5 anos, e depois foram morar na cidade, contudo, continuaram a trabalhar na agricultura, vendendo os produtos produzidos. Sobre as alegações de que a autora trabalhava como faxineira, alega que ela fazia bicos, mas que a principal atividade desenvolvida era a rural, pois via com muita frequência a autora indo trabalhar. Afirmou que de um período de 12 meses a autora não laborava na roça por 2 meses, em razão dos períodos de espera da colheita. Alega que não vê mais os autores laborando nas terras há cerca de 1 ano (audiovisual de fl. 304).

Da mesma forma, a testemunha Valdecir Solivo declarou que conhece a autora desde que veio morar na linha Guabirova e praticamente se criaram juntos. Afirma que após o casamento, a autora e seu marido foram morar na comunidade de Pio Décimo, em propriedade própria de pequeno porte e trabalhavam como agricultores, produzindo feijão, milho e trigo para consumo próprio, vendendo o remanescente. Trabalhavam de forma braçal sem ajuda de empregados. Após, em torno do ano de 1995, voltaram para a Linha de Guabiroba, trabalhando na propriedade da Dona Lurdes, continuando no trabalho agrícola, vendendo para o comércio da região. Afirma que a autora morou nessa propriedade até 15 anos atrás, quando foram morar na cidade, para cuidar de seus pais, contudo, afirma que continuaram trabalhando na terra do irmão da autora. Sobre as alegações do labor de faxineira, recorda que a autora veio para a cidade para limpar a casa da mãe e que provavelmente algum bico deve ter feito, mas a atividade principal, cerca de 80% era da agricultura (audiovisual de fl. 118).

Por fim, Adilson Domingos Schiavo afirmou que conhece a autora há cerca de 15 a 20 anos, de quando moravam na linha Guavirova. Lá trabalhavam, ela e o marido, no plantio de grãos para venda e para consumo próprio. Plantavam nas terras de Tranquilo Scapin, sem ajuda de terceiros e de forma manual. Alega que faz cerca de 15 anos que saíram da propriedade e foram morar na comunidade de Pio Décimo e depois foram para a cidade. Alega que trabalharam na agricultura até cerca de um ano atrás. Sobre as alegações do trabalho de faxineira, diz que a autora fazia uns bicos de faxineira quando não estava trabalhando na lavoura. Que no período de um ano a autora trabalhava cerca de 10 meses na lavoura e que a família sobrevivia com a renda advinda da roça.

Nota-se que a autora juntou os documentos apresentados na fase administrativa e judicial, consistentes em:

- Certidão de casamento onde consta profissão do marido agricultor, lavrado em 1982 (fl. 200);

- Contrato de parceria, emitido em 2015, com prazo de 10 anos (fl. 209);

- Notas fiscais de venda de produto agrícola, em nome da autora e de seu marido, dos anos de 1994 (fls. 88/90), 1995 (fls. 94, 98), 1996 (fls. 96/97), 1997 (fl. 87, 95), 1998 (fl. 82), 1999 (fl. 105), 2000 (fls. 110/111), 2001 (fls. 112/113), 2002 (fls. 125/126), 2003 (fls. 131/132), 2004 (fls. 138/139), 2005 (fls. 140/141), 2006 (fl. 142), 2007 (fl. 157), 2008 (fls. 158/160), 2009 (fls. 147/148), 2010 (fls. 153/154), 2011 (fl.165), 2012 (fls. 168/169), 2013 (fls. 166/167), 2014 (fls. 238/101), 2015 (fls. 171/172) e 2016 (fls. 183/184).

Destaco que da prova judicial, não restou qualquer dúvida quanto ao exercício de atividade rural pela requerente na atualidade, questão controvertida na fase administrativa, tendo as testemunhas afirmado com firmeza que a requerente vive da atividade rural, em evidente regime de economia familiar, realizando bicos como faxineira e seu esposo como pintor apenas nos dias/períodos de folga da atividade rural, sendo que cerca de 80% do trabalho é desempenhado na roça e que esta é a principal renda da família.

Ademais, a autora juntou notas de venda de produto rural de todos os anos que pretende comprovar, sendo, inclusive, várias notas emitidas em cada ano, o que justifica o efetivo exercício da atividade rural e que, de fato, essa era a principal renda da família.

Do exposto, ante a prova testemunhal produzida na fase judicial, em conjunto com a prova material nos autos, é firme concluir que restou comprovada a atividade rural nos períodos de 08/12/2000 a 08/12/2015 (data do DER), totalizando período de carência de 15 anos.

Com todo o período de atividade rural ora reconhecido tem-se o tempo de 180 contribuições, período de carência exigido.

Portanto, tendo a parte autora atingido a idade mínima exigida e satisfeito o prazo de carência, o deferimento do benefício de aposentadoria é medida que se impõe, com a data de implantação do benefício fixada a partir do requerimento administrativo (08/12/2015), uma vez que nessa data já havia satisfeito os requisitos para concessão do benefício.

(...)

Desse modo, entendo que a sentença deva ser mantida pelos próprios fundamentos, visto que bem analisou as questões postas.

Em sua apelação, a parte ré procura infirmar o conjunto probatório fazendo alusão à entrevista rural, na qual consta informação de que a autora laborava esporadicamente nas lides campesinas.

Tenho que a questão para o deslinde da contenda é estabelecer que valor pode ser atribuído a elementos colhidos somente na seara administrativa e tomados de empréstimo pela parte ré, que os apresenta em juízo sem o apoio em qualquer outra prova colhida no curso do processo judicial. Importa salientar que na seara judicial há observância ao contraditório durante a produção probatória, o que não ocorre na via administrativa.

Ora, à toda evidência, havendo conflito entre a entrevista administrativa e os depoimentos prestados em juízo, devem prevalecer estes últimos, porquanto produzidos com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional, conforme entendimento adotado por esta Corte nos seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. BOIA-FRIA. ENTREVISTA ADMINISTRATIVA E DEPOIMENTO PESSOAL. TUTELA ESPECÍFICA. (...). 3. Existindo conflito entre a entrevista administrativa e o depoimento pessoal da autora, deve prevalecer este último, porquanto produzido com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. (...)(AC n. 0009402-49.2011.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal Loraci Flores de Lima, pub. em 19/10/2011 - grifei)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AMPARO ASSISTENCIAL AO IDOSO. DIREITO À APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. (...)5. Existindo conflito entre a entrevista administrativa e o depoimento pessoal da autora, deve prevalecer este último, porquanto produzido com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. (AC nº 0016578-79.2011.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Rogério Favreto, pub. em 16/03/2012 - grifei).

Na hipótese dos autos, a parte autora apresentou em juízo não só documentação suficiente, como também testemunhas que, compromissadas e submetidas à contradita, não apenas confirmaram sua versão dos fatos como esclareceram que a autora fazia faxina para ajudar na manutenção do lar, bem como que laborava na faina agrícola 80% do período (10 meses no ano). A parte ré, todavia, em juízo nada apresentou de novo, apenas insistindo nos elementos colhidos no procedimento administrativo.

Face a tanto, tenho que, no caso em apreço, o INSS não se desincumbiu a contento de infirmar, mediante apresentação de provas objetivas e produzidas no âmbito judicial, o panorama probatório fornecido pela parte autora.

Portanto, nego provimento à apelação do INSS, mantendo a sentença.

Correção monetária e juros de mora

Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos respectivos embargos de declaração (que foram rejeitados, tendo sido afirmada a inexistência de modulação de efeitos), deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece, para as condenações judiciais de natureza previdenciária, o seguinte:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.

Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91)

Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), exceto no caso de concessão de benefício mediante reafirmação da DER para data após o ajuizamento da ação, hipótese em que, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 1.727.063/SP, publicação de 21/5/2020), a incidência de juros de mora dar-se-á sobre o montante das parcelas vencidas e não pagas a partir do prazo de 45 dias para a implantação do benefício (TRF4, AC 5048576-34.2017.4.04.7100, Quinta Turma, Relator Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10/8/2021; TRF4, AC 5004167-24.2014.4.04.7117, Sexta Turma, Relatora Juíza Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 6/8/2021).

Até 29 de junho de 2009, a taxa de juros é de 1% (um por cento) ao mês. A partir de 30 de junho de 2009, eles serão computados uma única vez, sem capitalização, segundo percentual aplicável à caderneta de poupança (inclusive com a modificação da Lei 12.703/12, a partir de sua vigência), conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, considerado constitucional pelo STF (RE 870947, com repercussão geral).

A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.

Anoto, por fim, que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a correção monetária e os juros legais, como consectários da condenação, são matéria de ordem pública, não se lhes aplicando os óbices do julgamento "extra petita" ou da "reformatio in pejus". A propósito: AgRg no REsp 1.291.244/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 5/3/2013; AgRg no REsp 1.440.244/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/10/2014; REsp 1781992/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/3/2019, DJe 23/4/2019; AgInt no REsp 1663981/RJ, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.

Desse modo, a incidência de correção monetária e os juros legais deve ser adequada de ofício aos fatores acima indicados, porquanto se trata de matéria de ordem pública, podendo, assim, ser tratada pelo Tribunal sem necessidade de prévia provocação das partes.

Honorários

Mantida a procedência do pedido, uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, § 3º, inciso I, do CPC)a cargo do INSS.

Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no §3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.

Não se desconhece a afetação pelo Superior Tribunal de Justiça do Tema 1059 - (Im)possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação. Todavia, tenho que, em se tratando de questão acessória, e a fim de evitar o sobrestamento do feito ainda na fase de conhecimento, caso o entendimento do Tribunal Superior venha a ser pela possibilidade, resta desde já fixada majoração de 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (artigo 85, § 3º, inciso I, do NCPC) a ser utilizada, de forma a permitir a aplicabilidade do julgado, cujo cumprimento fica diferido para o juízo da execução.

Implantação do benefício

Deixo de determinar a implantação imediata do benefício, visto que a sentença já o fez (evento 2, SENT83).

Prequestionamento

Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.

Conclusão

Mantida a sentença de procedência.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e de ofício, adequar a incidência de correção monetária e os juros legais.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003671729v7 e do código CRC f14c1690.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ANA CRISTINA FERRO BLASI
Data e Hora: 27/2/2023, às 10:31:11


5024342-50.2019.4.04.9999
40003671729.V7


Conferência de autenticidade emitida em 07/03/2023 04:01:37.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5024342-50.2019.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LURDES SCAPIN

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DIVERGÊNCIA ENTRE AS PROVAS OBTIDAS NA ESFERA ADMINISTRATIVA E NA FASE JUDICIAL. PREVALÊNCIA DO ACERVO PROBATÓRIO PRODUZIDO NO CURSO DO PROCESSO JURISDICIONAL.

1. Tem direito à aposentadoria por idade rural a contar da data de entrada do requerimento administrativo, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que implementa os requisitos: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.

2. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.

3. Havendo conflito entre a entrevista administrativa e os depoimentos prestados em juízo, devem prevalecer estes últimos, porquanto produzidos com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. Não se trata de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e de ofício, adequar a incidência de correção monetária e os juros legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de fevereiro de 2023.



Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003671730v3 e do código CRC a3dda801.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 27/2/2023, às 10:31:11


5024342-50.2019.4.04.9999
40003671730 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 07/03/2023 04:01:37.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/02/2023 A 17/02/2023

Apelação Cível Nº 5024342-50.2019.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PRESIDENTE: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LURDES SCAPIN

ADVOGADO(A): JHONAS PEZZINI (OAB SC033678)

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DE OFÍCIO, ADEQUAR A INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E OS JUROS LEGAIS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/03/2023 04:01:37.

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