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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 STJ. TRF4. 5011954-47.2021.4.04.9999...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:04:15

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 STJ. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do NCPC, implica carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem resolução do mérito (art. 485, IV, do NCPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486, § 1º, do NCPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa. Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça. (TRF4, AC 5011954-47.2021.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 26/07/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011954-47.2021.4.04.9999/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000647-27.2020.8.21.0040/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

APELANTE: VALDA MARIA SILVEIRA HOFFMANN

ADVOGADO: MIRIAN RAQUEL PEREIRA FONSECA (OAB RS048369)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

VALDA MARIA SILVEIRA HOFFMANN propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 18/05/2020, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, formulado em 26/06/2019, mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, desde os doze anos de idade até a DER.

Em 23/05/2021 sobreveio sentença (evento 77, SENT1) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado na inicial por VALDA MARIA SILVEIRA HOFFMANN em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, resolvendo-se o mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC.

Sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor dos procuradores do requerido, que vão fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa, corrigido monetariamente pelo IGP-M desde a data da propositura (18-05-2020) e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir da data do trânsito em julgado, tendo em vista o labor desenvolvido pelos profissionais e a natureza da causa, em conformidade com os critérios estabelecidos no art. 85, §2º e §16º, do CPC.

A exigibilidade da verba sucumbencial resta suspensa, nos termos no art. 98, §3º, do CPC, em virtude da Gratuidade Judiciária já concedida à autora e que vai mantida por ocasião desta sentença, haja vista a inexistência de impugnação ou de elementos supervenientes ao seu deferimento que justifiquem a revogação do benefício.

Inconformada a parte autora interpôs apelação (evento 83, APELAÇÃO1) alegando, em síntese, que sempre trabalhou na agricultura e que o fato de seu marido ter exercido outras atividades e perceber aposentadoria urbana não é suficiente para descaracterizar o trabalho rural em regime de economia familiar. Pediu o reconhecimento do trabalho rural e a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural ou a extinção do feito sem resolução do mérito.

Com contrarrazões ao recurso (evento 86, CONTRAZ1), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.

VOTO

Recebimento do recurso

Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.

Da aposentadoria rural por idade

São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.

Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".

Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.

Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).

Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.

Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.

A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.

O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.

Atividade rural

O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).

Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.

As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.

Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:

"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."

De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.

Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.

Da contemporaneidade da prova material

É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:

A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.

Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.

Da prova da atividade em regime de economia familiar

O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.

Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.

Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade

No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.

Do caso concreto

A parte autora, nascida em 09/11/1963, implementou o requisito etário em 09/11/2018 e requereu o benefício na via administrativa em 26/06/2019. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade ou ao requerimento administrativo, ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.

A sentença foi proferida nos seguintes termos:

"(...)

In casu, a autora deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 180 meses, se considerarmos a data que atingiu a idade mínima (09-11-1963 – Evento 01, IDENT3).

A parte autora referiu que exerceu atividade rural no período de carência, aduzindo que laborou em regime de economia familiar desde os 12 anos de idade, inicialmente com seus genitores e, posteriormente, com esposo e filhos.

Como início de prova material do período pretendido da atividade rural de 1975 até 2019, a autora juntou aos autos:

-Atestado escolar exercido nos anos de 1974 e 1975 em escola municipal localizada na área rural da cidade de Caçapava do Sul/RS (Evento 1, PROC7, p. 12);

- Cadastro de produtor rural em nome do esposo da autora datado do ano de 2001 (Evento 1, PROC7, p. 19);

- Declaração do genitor da autora indicando que, no ano de 1992, cedeu áreas para o esposo da autora (Evento 1, PROC7, p. 13);

- Nota fiscal de produtor rural emitida em nome do esposo da autora, referente aos anos de 1997, 1998, 1999, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 (Evento 1, PROC7, p. 123/173);

Os documentos em nome do genitor da autora, após seu casamento (ano de 1983) não foram considerados.

Sob essa conjuntura, a prova oral foi colhida nesse sentido (Evento 40):

No seu depoimento pessoal, a autora Valda Maria Silveira Hoffman, afirmou que reside na área rural desde quando nasceu, mas não residiu em outro local, embora possuísse um imóvel na área urbana. Confirmou que residem em uma área com 50ha, realiza a venda de leite, possui vacas, 20 ovelhas, galinhas e porco. Destacou que realiza a plantação de verdura para consumo e venda. Asseverou que possuía uma loja, há mais de trinta anos, na área urbana, mas que durou por pouco tempo. Alegou que seu esposo recebe aposentadoria, pois trabalhava em uma empresa. Esclareceu que os produtos indicados como venda nas notas fiscais colacionadas aos autos eram vendidos na propriedade de localidade Faxinal, que pertencia a sua genitora. Afirmou que realizou o arrendamento de área rural de propriedade de seu genitor para criação de vacas de leite (Evento 40, ARQ2).

A testemunha Hélio Peres conhece a autora porque são vizinhos e sabe que ela tem criação de terneiro, galinhas, vaca de leite e lavoura de verduras. Afirmou que a proponente sempre trabalhou na área rural. Não sabe se o esposo da proponente exerceu outra atividade. Nega que tenha adquirido animais dos proponentes. Asseverou que realizava a "troca de guia", para comprovar que exerciam atividade rural (Evento 40, ARQ3).

A testemunha Valderi Penha declarou que conhece a autora desde quando ela nasceu, na mesma localidade rural. Afirmou que, quando a proponente casou, ela permaneceram no local, embora seu esposo saísse para trabalhar. Contou que a autora realiza a plantação de mandioca, batata, milho, criação de porco e vaca de leite. Destacou não saber a atividade exercida pelo esposo da demandante (Evento 40, ARQ4).

A testemunha Lelia Estel afirmou que a autora foi sua aluna em escola da zona rural e sempre residiu na localidade. Sabe que a proponente faz queijo, planta mandioca, milho, pastagem e realiza criação de gado. Acredita que o imóvel rural em que ela reside possui cerca de 50 ha. Não sabe a existência de algum empregado. Afirmou que o esposo da autora era funcionário público e a autora permaneceu na área rural. Tem conhecimento de que a demandante possui imóvel na área urbana (Evento 40, ARQ5).

Como visto, a prova oral colhida não confirmou, sem sombra de dúvida, que a autora e sua unidade familiar exerciam atividade rural em regime de economia familiar.

Consoante demonstrado pela parte demandada, o esposo da autora possuía vínculo urbano, na condição de empregado, até o ano de 2004 e recebe, desde o ano de 2002, aposentadoria urbana por tempo de contribuição, auferindo renda mensal de R$ 3.525,19 (três mil quinhentos e vinte e cinco reais e dezenove centavos) (Evento 13, OUTR2).

Com efeito, embora conste a alegação de que a produção familiar era realizada em área de propriedade dos genitores da autora (imóveis de matrículas do Evento 43), as notas fiscais emitidas no bloco de produtor rural do esposo da autora geram dúvida se efetivamente ocorreu o labor rural. Isso porque a autora, em seu depoimento, destacou que a área pertencia a sua genitora, mas era seu esposo quem realizava os negócios dela, embora emitindo as notas em seu nome. Além disso, a testemunha Hélio confirmou que realizavam "troca de guia" somente com o fito de comprovar o labor rural.

Somado tudo isso, depreende-se que o labor rural em regime de economia familiar no período indicado na inicial não restou caracterizado, seja pelo labor urbano exercido pelo esposo da demadante ou pela dúvida quanto ao início de prova material.

Nesse sentido, colaciono julgado semelhante oriundo do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

QUESTÃO DE ORDEM. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE DISTINÇÃO. TESE JÁ JULGADA PELO STJ. ACOLHIMENTO COMO JUÍZO DE RETRATAÇÃO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. 1. O caso concreto nada tem relação com o que se discute na primeira parte da tese da questão de fundo tratada no REsp 1.354.908/SP, relativamente à necessidade de demonstração do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, pois a hipótese trata de direito adquirido ao benefício em data anterior à DER, onde foram preenchidos os requisitos etário e de carência concomitantemente, sendo a DER, consequentemente, mera formalizaçao do pedido para desfrutar do que já fazia jus (direito adquirido). Todavia, uma vez verificado que o tema quanto ao qual foi determinada a suspensão, já foi julgado, entendo mais conveniente levá-lo a julgamento na Turma como juízo de retratação. 2. E, no caso, não se cogita de juízo de retratação, seja em razão do que ficou definido com a subsistência do acórdão em anterior juízo de retratação, seja em razão ao que ficou definido no Tema 642 do STJ, porquanto, o acórdão não destoa do que definido na tese. - O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos de carência e idade. 3. Da mesma forma, em relação aos temas 532 e 533 do STJ, porquanto, tais teses já foram cotejadas com o caso concreto quando do juízo de retratação, não acatado, tendo sido mantido o direito ao benefício, pois a prova dos autos indicava que o trabalho urbano do marido foi exercido fora do período de carência e em curto intervalo de tempo e os restantes vínculos foram rurais e permitiram o trabalho concomitante juntamente com a esposa, inclusive em propriedade de terceiros8.

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. O vínculo urbano do marido, com remuneração em torno de três salários mínimos, aliada à circunstância de ausência de início de prova material do labor rural no período concomitante, afasta a possibilidade de reconhecimento do trabalho rural da autora em regime de economia familiar. (...)9.

Assim, não houve demonstração, minimamente, do exercício da atividade rural no período total indicado, acompanhado, minimamente, de prova documental. Sequer é possível precisar se, efetivamente, a autora exercia a atividade agrícola.

Em suma, tenho que não restou demonstrado o exercício da atividade rural pela autora, em regime de economia familiar, pelo período de carência (180 meses), conforme fundamentação supra, não atendendo a demandante, assim, o ônus probatório que lhe incumbia, nos moldes do art. 373, I, do CPC, razão pela qual a improcedência do pedido inicial é impositiva.

(...)"

Diante do conjunto prbatório apresentado, como bem referido na decisão recorrida, não é possível concluir se a parte autora exerceu atividades rurais em regime de economia familiar no período de 1975 a 2019.

Entretanto, a considerar que a decisão proferida nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça é vinculante, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito, quanto ao período debatido:

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de cômputo de tempo rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso que, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.

Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural no período necessário à concessão da aposentadoria híbrida requerida.

Dessa forma, possibilita-se que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessária, a concessão da aposentadoria rural por idade, conforme orientação traçada no recurso representativo de contróversia, REsp 1.352.721/SP.

Assim, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do Código de Processo Civil, merecendo parcial provimento a apelação dda parte autora.

Honorários advocatícios e custas processuais

Considerando a extinção sem resolução do mérito da demanda, as custas e os honorários ficam a cargo da parte autora, os quais fixo em 10% do valor da causa, devidamente atualizado, nos termos do III do §4º do art. 85 do CPC.

Resta suspensa a exigibilidade das referidas verbas, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.

Conclusão

Dar parcial provimento ao apelo da parte autora para extinguir o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do Código de Processo Civil.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002989745v56 e do código CRC 3628aaac.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 26/7/2022, às 22:19:56


5011954-47.2021.4.04.9999
40002989745.V56


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:04:15.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011954-47.2021.4.04.9999/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000647-27.2020.8.21.0040/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

APELANTE: VALDA MARIA SILVEIRA HOFFMANN

ADVOGADO: MIRIAN RAQUEL PEREIRA FONSECA (OAB RS048369)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 STJ.

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do NCPC, implica carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção, sem resolução do mérito (art. 485, IV, do NCPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486, § 1º, do NCPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa. Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de julho de 2022.



Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002989746v3 e do código CRC ffd061f2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 26/7/2022, às 22:19:56


5011954-47.2021.4.04.9999
40002989746 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:04:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/07/2022 A 26/07/2022

Apelação Cível Nº 5011954-47.2021.4.04.9999/RS

RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR

APELANTE: VALDA MARIA SILVEIRA HOFFMANN

ADVOGADO: MIRIAN RAQUEL PEREIRA FONSECA (OAB RS048369)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/07/2022, às 00:00, a 26/07/2022, às 16:00, na sequência 24, disponibilizada no DE de 08/07/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:04:15.

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