Apelação Cível Nº 5026681-16.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: DAVID RIBEIRO DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Em suas razões de apelação, o autor (que implementou o quesito etário em 01-07-2016) afirma que o tamanho da propriedade não impossibilita o reconhecimento do regime de economia familiar e que restou comprovado, através da prova dos autos, o exercício de atividade rural. Requer a modificação da sentença, com concessão do benefício pleiteado.
Oportunizadas as contrarrazões vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Mérito
Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 anos de idade, se homem, ou 55, se mulher (Constituição Federal, art. 201, §7°, inciso II; Lei n. 8.213/91, art. 48, §1°), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2°, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei n. 8.213/91 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica-se o período de 180 meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5°, XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, §1°).
Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
Assim, a título de exemplo, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 meses antes de 1997; b) 120 meses antes de 2001, c) períodos intermediários (102 meses antes de 1998, 108 meses antes de 1999, 114 meses antes de 2000).
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994 (data da publicação da Medida Provisória n. 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei n. 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n. 8.213/91.
A disposição contida nos artigos 39, inciso I, 48, §2° e 143, todos da Lei n. 8.213/91, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1°, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação (STJ, REsp n. 1450119-MT, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves).
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §3°, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
No que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro. Todavia, também é firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.
Esse foi o posicionamento adotado pelo Tribunal Superior no julgamento do Resp n. 1.304.479-SP, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos:
Transcrevo o acórdão:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (Grifo nosso).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
A fim de comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram colacionadas diversas escrituras de imóveis rurais em nome do autor e diversas notas fiscais de produtor rural.
Na audiência de instrução realizada em 09-05-2018, foram ouvidas 3 testemunhas (ev. 05), que informaram que o autor trabalhou na agricultura durante os últimos 15 anos.
Tendo a parte autora implementado o requisito etário em 01-07-2016 e requerido o benefício na via administrativa em 05-07-2016, deveria comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores a 2016, mesmo que de forma descontínua.
Ao fundamentar a sentença, a magistrada assim proferiu a decisão:
A prova documental anexada aos autos demonstra que o autor tem muitas escrituras de terrenos nesta cidade, cuja soma excede em muito os 4 módulos fiscais.
No entanto, ditos documentos estão aptos a reconhecer que o autor, ainda que exercendo atividades rurais no período de carência, não se trata de pequeno produtor rural, conforme declarado na inicial.
A prova testemunhal havida no dia de hoje, por sua vez, corrobora a atividade rural exercida pelo autor e sua família desde longa data, coincidindo com os documentos apresentados nos autos.
No entanto, no que se refere à área do imóvel rural, não basta que esta ultrapasse os 4 módulos fiscais previstos na legislação previdenciária para descaracterizar o regime de economia familiar. Outros fatores devem ser observados conjuntamente, tais como a contratação de empregados permanentes, a utilização de maquinários que caracterizem média ou grande produção agropecuária e a renda auferida.
Em relação a esta última, temos que os valores das notas fiscais de produtor não nos levam a crer se tratar de um pequeno produtor rural. Tal conclusão extrai-se de vários fatores, dentre os quais a produção da propriedade.
Alie-se a isto que temos até a confecção de um carimbo em algumas delas (por ex, fls, 54) onde consta 'Davi Ribeiro de Souza', o número de seu registro e, como endereço 'Fazenda Santa Cruz do Peri'.
Qual produtor da região vende tanta produção sem se utilizar de empregados e ainda faz um carimbo, apresentando como endereço de sua pequena propriedade rural uma 'Fazenda'?
Denota-se da produção dele, aliada aos inúmeros imóveis adquiridos, que não se compatibilizam com o regime de economia familiar, revelando realidade diversa. Há fortes indícios de se tratar de atividade lucrativa forte, feita em propriedade de exploração de agricultura e pecuária, e não diante de pequeno produtor rural, segurado especial.
EMENTA: REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. A aposentadoria rural por idade é devida a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei no 8.213/91 e pressupõe a satisfação da idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e a demonstração do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. A extensão da propriedade é aspecto a ser considerado juntamente com o restante do conjunto probatório, não constituindo, individualmente, óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial. . Hipótese em que não restou caracterizado o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, porquanto o autor possui bens incompatíveis com a condição de segurado especial. (TRF4, APELREEX 0012547-45.2013.404.9999, Quinta Turma, Relator Luiz Antonio Bonat, D.E. 01/03/2016)
No próprio procedimento administrativo, o autor afirmou (fls.87) que possui um trator equipado para suas atividades, além de criar vacas e produzir queijo e leite.
Ainda que as testemunhas tenham dito que o maquinário era emprestado, o que vale mais são as próprias alegações do autor.
A circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos rurais ou de haver a utilização de maquinário agrícola, não retiram, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracterizam o regime de economia familiar. Não há lei, inclusive, que exija que o segurado desenvolva a atividade manualmente (STJ, REsp 1.403.506/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/12/2013, e TRF4-APELREEX 0005826-82.2010.404.9999/PR, 6º Turma, Rel. Des. Celso Kipper, julgado em 06-04-2011).
No entanto, no caso em tela, verifico que, como referido na sentença, o autor é proprietário de vários imóveis, com grande extensão de terras. Conforme documento constante no ev. 2, OUT30, em nota assinada por Engenheiro Agrônomo do CREA-SC, foi feito um levantamente técnico apurando a existência de uma gleba de 133.100,00m2.
Ademais, as notas fiscais de produtor rural trazidas aos autos demonstram uma produção elevada e que acaba ultrapassando os limites razoáveis relativos ao exercício de atividade rural em regime de economia familiar. Há notas fiscais de valores vultuosos referentes à venda de feijão, alho e gado (R$ 19.600,00 em 2002 - alho; R$ 13.500,00 em 2000 - feijão; R$ 11.250,00 em 2006 - feijão; R$ 25.600,00 em 2010 - feijão; R$ 10.000,00 em 2011 - feijão; R$ 22.000,00 em 2015 - gado).
Descaracterizada, dessa forma, a condição de segurada especial da parte autora.
Portanto, bem examinados os autos, entendo que deve prevalecer a solução adotada na origem, nos sentido da correção da decisão administrativa que negou o benefício previdenciário, não prosperando a insurgência da apelante, diante da ausência de comprovação da qualidade de segurada especial no período de carência necessária para concessão da aposentadoria por idade rural pleiteada, motivo pelo qual deve ser mantida, na íntegra, a sentença.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem como recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g.ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 19-04-2017), majoro a verba honorária de R$ 880,00 para R$ 1000,00 sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a satisfação respectiva, por ser a parte beneficiária da AJG.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da autora.
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Apelação Cível Nº 5026681-16.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: DAVID RIBEIRO DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. NOTAS FISCAIS EM VALOR VULTUOSO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. O alto valor constante nas notas fiscais de venda de produtos rurais acaba por descaracterizar o regime de economia familiar que ensejaria a concessão do benefício pleiteado.
3. Hipótese em que a parte autora não preencheu os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade rural, uma vez que não comprovou o labor rurel em regime de economia familiar.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020
Apelação Cível Nº 5026681-16.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: DAVID RIBEIRO DE SOUZA
ADVOGADO: VITOR HUGO ALVES (OAB SC023038)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 696, disponibilizada no DE de 30/11/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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