Apelação Cível Nº 5011772-61.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: JOSE CELSO ROSA DUARTH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a aposentadoria por idade rural, desde 02/04/2018 (DER).
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
"(...)
Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IM PROCEDENTE a pretensão formulada na petição inicial, nos termos da fundamentação.
Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, no patamar de 10% do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade suspendo na forma do artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, por se tratar de litigante amparado gratuidade judiciária.
Publique-se. Intime-se. Registre-se.
Oportunamente, arquivem-se, observando o Código de Normas naquilo que for pertinente."
A parte autora apelou, alegando que (a) provou no processo administrativo, através de vários documentos, que sempre laborou na agricultura na condição de segurado especial, e que ainda sobrevive dessa prática, cumprindo a carência mínima e detendo a qualidade de segurado, assim, fazendo jus ao benefício pleiteado; (b) em relação à carência exigida, que neste caso é de 180 meses, foi devidamente atendida, pois o autor é trabalhador rural, tendo trabalhado toda a sua vida, ora como diarista, ora como pequeno produtor rural, mesmo que de forma descontínua, como atestam os documentos juntados e poderão ser confirmados por meio de prova testemunhal.
Sem contrarrazões e regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal, onde a parte autora postulou a antecipação de tutela (evento 72).
É o relatório.
VOTO
DIREITO INTERTEMPORAL
Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18-3-2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16-3-2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de caráter alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito.
Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio que precede o ajuizamento da ação, conforme os termos da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
Considerando que a ação foi proposta em 07/01/2020, restariam prescritas as parcelas anteriores a 07/01/2015.
No entanto, tendo em vista que a DER é 02/04/2018, inexistem parcelas prescritas.
MÉRITO
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL
A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/91.
O artigo 201, inciso II, § 7º da CF assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Assim, os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei nº 8.213/91 são os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º); e (b) exercício de atividade rural, ainda que descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, independente do recolhimento de contribuições.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, artigo 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Da comprovação da atividade rural
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Ainda que o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que 'É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.'
Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários), corroborados por prova testemunhal. Inclusive, permitindo-se, em algumas situações extremas, até mesmo a prova exclusivamente testemunhal.
A propósito, nesse sentido manifestou-se o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro por ocasião do julgamento do RESP nº 72.216-SP, em 19-11-1995 (DJU de 27-11-1995), afirmando que o Poder Judiciário só se justifica se visar à verdade real. Corolário do princípio moderno de acesso ao Judiciário, qualquer meio de prova é útil, salvo se receber o repúdio do Direito. A prova testemunhal é admitida. Não pode, por isso, ainda que a lei o faça, ser excluída, notadamente quando for a única hábil a evidenciar o fato. Os negócios de vulto, de regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades do Direito. Tal acontece com os chamados 'boias-frias', muitas vezes impossibilitados, dada à situação econômica, de impor o registro em carteira. Impor outro meio de prova, quando a única for a testemunhal, restringir-se-á a busca da verdade real, o que não é inerente do Direito Justo.
Além disso, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:
a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);
b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;
c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;
d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.
CASO CONCRETO
A parte autora, nascida em 01/04/1958 (evento 1 - OUT3), completou a idade mínima para a obtenção da aposentadoria por idade rural (60 anos) em 01/04/2018 e requereu o benefício na via administrativa em 02/04/2018 (evento 20 - OUT4 - página 2).
Visando à demonstração do exercício da atividade rural nos períodos controvertidos, a parte autora juntou aos autos cópia dos seguintes documentos:
a) matrícula de imóvel rural (R.1.M. 2.467), adquirido em 14/12/1989, e vendido em 03/11/1993 (R.4.M), onde o autor é qualificado como agricultor (evento 1 - OUT4);
b) contrato de sociedade rural (02 alqueires), firmado em 10/10/2008 para o cultivo de 01 (uma) safra de soja e com validade até 04/2009, que qualifica o autor como agricultor (evento 1 - OUT5);
c) certificados de cadastro de imóvel rural - CCIR, em nome de terceiros (arrendantes - OUT10 e OUT16), exercícios 2006/2007/2008/2009 (evento 1 - OUT6/OUT7);
d) contrato particular de compra e venda de gado (125 cabeças - R$ 51.450,00), firmado em 23/11/2001, qualificado como agricultor e denominado comprador e contrato particular de compra e venda com reserva de domínio (162 suínos - R$ 17.800,00), firmado em 28/04/2006, qualificado como comerciante e denominado vendedor (evento 1 - CONTRSOCIAL8);
e) contrato de compra e venda de soja RR1, declarado para entrega futura. com pagamento antecipado do preço, onde o autor consta como vendedor, com assinatura apenas de uma testemunha, recibo de pagamento, nota promissória e instrumento particular de confissão de dívida, datados de 09/07/2018 (evento 1 - OUT9);
f) contrato de arrendamento rural (imóvel com 23,17 ha), firmado pelo autor como arrendatário, no prazo de 06 (seis) anos, em 25/10/2005 e com término em 25/10/2011, para o desenvolvimento de culturas e criação de gado (evento 1 - OUT10);
g) contrato de arrendamento rural (imóvel com 4,84 ha), firmado pelo autor como arrendatário, no prazo de 01 (um) ano, em 06/09/2007 e com término em 06/09/2008 (data final incorreta no contrato), para o plantio de cereais (evento 1 - OUT11);
h) contrato de arrendamento rural (imóvel com 3 alqueires), firmado pelo autor, como arrendatário, em 12/06/2008 e com término em 12/06/2009, para o plantio de cereais para a safra 2008/2009 (evento 1 - OUT12);
i) contrato de arrendamento rural (imóvel com 23,17 ha), firmado pelo autor, como arrendatário, em 20/03/2010, pelo prazo de 10 anos, para a exploração rural de milho, soja, feijão e pecuária de corte (evento 1 - OUT13);
j) contrato de arrendamento rural (imóvel com 25 ha), firmado pelo autor como arrendatário em 22/07/2011, pelo prazo de 05 anos, iniciando em 01/09/2011, para explorar a atividade de soja, milho, trigo ou o que lhe convier (evento 1 - OUT14);
l) contrato de arrendamento rural (imóvel com 3 ha), firmado pelo autor como arrendatário, pelo prazo de 01 (um) ano, em 18/04/2012 e com término em 18/04/2013, para o plantio de culturas a seu critério (evento 1 - OUT15);
m) contrato de arrendamento rural (imóvel com 25 ha), firmado pelo autor como arrendatário em 01/09/2007, pelo prazo de 03 (três) anos, para explorar a atividade de soja, milho, trigo ou o que lhe convier (evento 1 - OUT16);
n) declaração de que é isento de apresentação de IRRF, datada de 31/12/2012 (evento 1 - OUT18);
o) nota fiscal de compra de vacinas para aplicação contra a aftosa (09/05/2014) e comprovante de vacinação preenchido em 12/05/2014 (evento 1 - OUT19);
p) guia de trânsito animal (GTA), emitida em 30/10/2014 (evento 1 - OUT21);
q) nota fiscal referente à comercialização de soja em grão, emitida pelo Moinho Iguaçu em favor do autor, na data de 04/03/2011 (evento 1 - OUT23);
r) nota fiscal referente à comercialização de milho a granel, emitida pela Terra Comércio e Exportação de Cereais Ltda, em favor do autor, na data de 27/03/2019 (evento 1 - OUT24);
s) notas fiscais de venda de grãos (trigo, soja e feijão), referentes aos anos de 2009, 2010, 2015, 2016 (evento 7 - OUT2);
t) comprovante de vacinação contra a febre aftosa, preenchida em 25/11/2015 (evento 7 - OUT3).
Os documentos anexados aos evento 1, sob 17, 20, 22, 25 e 27 se referem a terceiros e na sua grande maioria extemporâneos ao período a ser reconhecido ou não são membros do grupo parental.
Na audiência de instrução e julgamento (evento 50 - VÍDEO2), o autor afirmou que:
"Desde criança se criou com os pais na lavoura. Inclusive só com o primário. Trabalhou com os pais no Alto Alegre e por falta de 02 ou 03 notas, pois eram blocos antigos, apareceram de 2018 para cá, mas sempre trabalhou na lavoura, pedacinho aqui, pedacinho lá, pra sobreviver. Tem 06 (seis) filhos. Trabalha sempre, sempre, tipo condomínio. Não teve condições de comprar terra, por isso arrendava terra de terceiros (nas terras de Laskoski, Jovino Veroneze e mais alguns). Na certidão da casamento constou a profissão de ser do comércio porque teve uma lojinha de calçados que o irmão cuidava, sob a justificativa de que para o sustento somente viver da lavoura não dava, mas sempre trabalhou na lavoura. Fez os recolhimentos como contribuinte individual no período de 2002 a 2008 porque o filho abriu uma loja e ele ficou de sócio, pois o filho estudava fora e precisava constar o percentual de 1%, como sócio da pessoa jurídica. Atualmente a loja ficou para os dois filhos mais velhos, que se formaram engenheiros agrônomos. É uma empresa agropecuária. Trabalhou na loja e na lavoura. Atendia as duas coisas juntas para os filhos poderem estudar e que agora é somente dos filhos. Eram menores quando abriu a loja e estudavam. Não lembra exatamente o ano que foi aberta, talvez em torno da ano de 2000. Não teve outro negócio, a não ser a loja de calçados quando casou. Ficou aberta em torno de oito, dez anos, depois não conseguia mais cuidar, pois tinha que se dedicar à agricultura. A loja também ficava em Quedas, como é a agropecuária. Às vezes plantava 10, outras vezes 05 alqueires, às vezes vencia o contrato e não renovava. Plantou no máximo 15 alqueires. Não ficou nenhum período sem trabalhar na agricultura, trabalhou toda a vida. Nos últimos anos levava maquinário de terceiros para fazer a colheita. Antes era sempre manual, ou levava ajudante, ou tocava com os vizinhos."
As testemunhas Inácio Otmar Wickert, Beijamin Cândido Czekoski e Jovino Veroneze prestaram as seguintes informações (evento 50 - VÍDEO2):
"Inácio Otmar Wickert informou que conhece o autor desde 1985, da localidade Alto Alegre, onde moravam próximos e a terra era do pai do autor, em torno de 13 alqueires. Plantavam milho, arroz, feijão, mexia com porco, era agricultura familiar. Na época trabalhava o autor, a esposa, os irmãos, os pais. Eram em torno de seis pessoas. O autor teve um dos filhos nesse local. Quando o autor teve a lojinha de calçados, permaneceu trabalhando com o pai mesmo tendo assim, pois o trabalho na roça não tem dia certo. Trabalhou com a família uns 06, 07 anos. Nessa época não contratavam empregados, nem existia maquinário, era tudo familiar. Também não arrendavam a terra para terceiroa. Depois o autor passou a trabalhar em terra arrendada, na linha mato queimado. Arrendava terra de Pedro Strobovoski e mais alguém, mas não recorda os nomes. Plantava milho, arroz, feijão, tudo manual. Talvez tenha plantado de oito a dez anos no Mato Queimado. Que saiba o autor não tinha empregado e a família ajudava no trabalho. E pelo que sabe o autor nunca se afastou de Alto Alegre e Mato Queimado, e fecha uns 20 anos. Era trabalho braçal. Depois o autor foi para Novo Horizonte e trabalha até agora na agricultura".
Beijamin Cândido Czekoski relatou que conheceu o autor em 1982/1983, quando a família do autor veio para Alto Alegre, pois plantava numa terra próxima, arrendada. Os vizinhos se ajudavam, pois não tinha maquinário na época. A terra era do pai do autor, moravam todos juntos, a família era grande. Eram os pais, quatro irmãos (um estava fora já) e duas irmãs. O autor já era casado. Trabalhavam todos juntos, pois a terra era do pai e com um monte de filhos tinha que repartir, então um ajudava o outro. Tinham porco, vaca, galinha, plantavam feijão. E ajudavam, na época, a colher o feijão porque tinha que colherna hora que amadurecia, debulhar o feijão. Era troca de serviço pois sozinhos não tinham como debulhar um feijão. Tinham várias culturas como milho, feijão, arroz, tudo o que se planta. Vendiam o que sobrava. Tratavam porco, vaca e o que sobrava vendiam. Saíram de lá quando venderam o sítio, mas não sabe exatamemte quando saíram. O autor depois arrendou terra no Mato Queimado, mas não sabe o nome certo dos fazendeiros que arrendavam para o autor (talvez Pedro e Clóvis),. Não sabe quanto tempo ficou na localidade. Depois estava arrendando na linha Iguaçu, Novo Horizonte, mas faz tempo e não sabe quando foi. No ano passado viu o autor trabalhando no Novo Horizonte. Quando estava arrendando o autor não contratou empregado. Viu sempre o autor trabalhando na roça. No Alto Alegre era trabalho manual e no Jovino trabalhava com vaca de leite. Tinha uma loja no passado, mas o autor ajudava a plantar na terra. A lojinha era pequena. O autor tirava o tempo para plantar e tinha a loja para complementar, pois tinha os filhos pequenos. Não tem conhecimento se o autor tinha carteira assinada na agropecuária."
"Jovino Veroneze afirmou que conhece o autor desde 1978, em Quedas do Iguaçu e ele teve uma loja de calçados, mas antes disso o autor trabalhava na lavoura, só não sabe em que local era a roça dele. Após, o autor arrendou no Mato Queimado e já era casado. Posteriormente arrendou as terras do Sr Laskoski, no Novo Horizonte, até 2011. E a seguir, arrendou o seu terreno para o autor de 2011 até 2017. E depois retornou para o terreno do Sr Laskoski até o ano passado. Não soube dizer se o autor tinha empregados. O autor plantava feijão, arroz, milho e tinha o negócio da pecuária, lidava bastante com gado, galinha. Essas coisas todas de um lavoureiro, no caso. E se vendia, era pouco porque na época era tudo braçal. Plantava para o consumo e se sobrava alguma coisa sempre vendia. Não sabe quanto tempo o autor trabalhou no Mato Queimado. No terreno do Sr Laskoski, não sabia se ele tinha empregado na lavoura porque não acompanhava o serviço do autor. Quando arrendou o sítio para o autor era ele que trabalhava até 2017 e aí a plantava milho, soja, feijão, essas coisas da agricultura, além de porco, galinha para o consumo. Quando arrendou o sítio para o autor era o próprio que trabalhava e cobrava 20 %. Era o autor mesmo que trabalhava e não arrendou para terceiros porque tinham contrato e não aceitava. O autor trabalhou duro na roça para formar os dois filhos. Os filhos se criaram tudo meio junto e sempre trabalhando junto com o pai e estudando. Sempre trabalharam na empresa veterinária. Não sabe se o autor foi empregado ou teve carteira assinada na veterinária. Presenciou mais o trabalho do autor na lavoura. Talvez tenha dado uns 10 (dez) anos no Sr Laskoski e depois uns 06 (seis) anos de trabalho com a testemunha. Depois, em 2017 voltou para o Sr. Laskoski até 2020. Confirmou que no início, quando conheceu o autor, mesmo ele tendo a sapataria, estava na agricultura e quase toda a vida foi agricultor."
Apesar das circunstâncias não obstarem, por si só, a condição de agricultor do autor, analisando o conjunto probatório como um todo, verifica-se a impossibilidade de reconhecimento da condição de segurado especial.
O magistrado a quo, na sentença que indeferiu o pedido pleiteado, consignou os fundamentos que o levaram a conclusão de que a parte autora não se enquadra nessa condição e, desse modo, não faz jus ao benefício pleiteado (evento 56):
"(...)
No caso dos autos, o que foi caracterizado é a atividade de empreendimento rural, pois conforme demonstra o contrato de compra e venda acostado em mov. 1.8, fl. 2 e 3, o autor vendeu 160 suínos no ano de 2006, sendo destes, 40 fêmeas matrizes, o que descaracteriza o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, pois não é crível que em uma pequena propriedade rural, seja possível produzir esta grande quantidade de animais, ou, que esta quantia de 160 suínos, se refira apenas ao excedente da produção.
A atividade de empreendimento rural, exercida pelo autor, é novamente demonstrada ao passo que se analisa as datas nos contratos de arrendamento e a cumulação de terras, o que explica a grande quantidade de animais e grãos comercializados, pois somente no ano de 2007, o autor arrendou três imóveis diferentes, sendo o de mov. 1.16, mov. 1.11, e mov. 1.10, datado de 2005 válido até 2011.
Não obstante a isso, no período de abril de 2003 a abril de 2008, o autor possuiu vínculo empregatício urbano, como informado pela autarquia ré, o que contradiz com as alegações autorais de labor campesino, pois mesmo que tenha arrendado diversos imóveis no período em que teve vinculo laboral urbano, o autor não residia nos referidos imóveis rurais, e sim na cidade, como demonstra os contratos juntados nos mov. 1.10 a 1.15, onde consta que reside em endereço urbano.
As notas ficais apresentadas também não podem ser usadas como prova de suas alegações, uma vez que indicam endereço divergente entre elas, sendo também extemporâneas ao período a ser comprovado e em nome de terceiros (mov. 1.24 a 1.26).
(...)"
A análise de vários elementos como a localização do imóvel, o tipo de cultura explorada, a quantidade de produção comercializada, o número de membros familiares a laborar na atividade rural, a utilização ou não de maquinário agrícola, a de mão de obra de terceiros de forma não eventual e a extensão do imóvel, é que permitirão um juízo de valor seguro acerca da condição de segurado especial em regime de economia familiar. As circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91 (TRF4, EIAC n. 2000.04.01.043853-1/RS, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 3ª Seção, DJU de 11.02.2004; TRF4, AC 0011205-91.2016.4.04.9999, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 23.01.2017).
Inequívoco o fato do autor ter se dedicado, ao longo de sua vida, a atividades campesinas. Contudo, não obstante tenha desempenhado o labor rurícola, o que foi confirmado pela prova testemunhal, não pode ser qualificado como segurado especial da previdência.
Pelos documentos trazidos aos autos, conclui-se que exerce sim a função de agricultor. Contudo, não se enquadra no conceito de pequeno produtor rural em condições especiais, mas se trata de agricultor empreendedor, até porque, em nenhum momento afirmou que a produção seria para a subsistência. Aliás, as notas fiscais de comercialização da produção rural demonstram valores significativos e os produtos cultivados e animais criados são destinados à comercialização e não para a subsistência dos membros do núcleo familiar.
Nesse sentido é o entendimento da Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. NOTAS DE PRODUTOR RURAL DE VALOR ELEVADO. DESCARACTERIZAÇÃO DA ECONOMIA FAMILIAR. 1. Embora exista início razoável de prova material hábil acerca do exercício da atividade rural, o qual foi corroborado por prova testemunhal, o valor das Notas de Produtor Rural evidencia que se trata de grande produtor rural, o qual não pode ser considerado segurado especial. (...). (TRF4, AC 5053238-11.2016.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 24.09.2018)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO. RECONHECIMENTO DA COISA JULGADA. MANTIDA A SENTENÇA. 1. O trabalhador rural que preencher os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º, e 142, da Lei nº 8.213/91, faz jus à concessão do benefício da aposentadoria rural por idade. 2. O regime de economia familiar é descaracterizado quando a atividade rural gerar rendimentos além da mera subsistência familiar, proporcionando a aquisição de patrimônio. 3. A alta lucratividade da propriedade rural indica a caracterização da atividade de empresária rural, inviabilizando o deferimento da aposentadoria rural por idade. 4. Reconhecida a coisa julgada. Demanda anterior apreciou o mérito e julgou improcedente o pedido de aposentadoria rural por idade, vez que restou comprovado que não se tratava de trabalho essencial para a subsistência de sua família. (TRF4, AC 5084339-13.2014.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 21.08.2018)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Improcede o pedido de aposentadoria rural por idade quando não atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, inciso VII, 48, § 1º, e 142, da Lei nº 8.213/1991. 2. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 3. Hipótese em que não restou caracterizada a atividade rural em regime de economia familiar durante o período equivalente à carência, razão pela qual se mantém a sentença de improcedência. 4. Verba honorária majorada em razão no comando inserto no art. 85, § 11, do CPC/2015, cuja exigivilidade ficou suspensa em face da AJG. (TRF4, AC 5001340-22.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Juiz Federal Oscar Valente Cardoso, 20.07.2018)
Ademais, o autor possui recolhimentos como contribuinte individual entre 01/07/2002 e 30/04/2008, conforme extrato do CNIS juntado aos autos (evento 20 - OUT3)
Em seu depoimento afirmou que abriu empresa agropecuária para seus filhos que ainda estudavam e eram menores. Atualmente eles que administram a empresa e que não detém responsabilidade sob esses negócios.
Assim, por não restar caracterizado o regime de economia familiar, com agricultura de subsistência e mútua dependência e colaboração da família no campo, o autor não logrou êxito em comprovar a sua qualidade de segurado especial, a teor do que preceitua o art. 373, inc. I do novo CPC.
Ainda que se admita que o labor agrícola seja exercido individualmente sem ser descaracterizado o regime de economia familiar, o trabalho tem que ser indispensável à própria subsistência do grupo, o que não restou comprovado no caso em comento.
Desse modo, nas hipóteses como a dos autos, em que demonstrado que o trabalho agrícola não constitui fonte de renda imprescindível à subsistência da família, mas se resume à atividade complementar, resta afastada a condição de segurado especial.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC, suspensa a exigibilidade da verba em razão da gratuidade da justiça
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da parte autora: desprovido, restando prejudicado o pedido de antecipação de tutela formulado (evento 72).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002999307v78 e do código CRC b19dabee.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 14/2/2022, às 11:3:20
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Apelação Cível Nº 5011772-61.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: JOSE CELSO ROSA DUARTH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO.
1. O trabalhador rural que preencher os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º, e 142, da Lei nº 8.213/91, faz jus à concessão do benefício da aposentadoria rural por idade.
2. A análise de vários elementos (localização e extensão do imóvel, tipo de cultura explorada, quantidade de produção comercializada, número de membros familiares a laborar na atividade rural, utilização ou não de maquinário agrícola e de mão de obra de terceiros de forma não eventual, exercício de atividades urbanas concomitantes e sua importância na renda familiar), é que permitirá um juízo de valor acerca da condição de segurado especial. As circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91.
3. O regime de economia familiar é descaracterizado quando a atividade rural gerar rendimentos além da mera subsistência familiar, proporcionando a aquisição de patrimônio.
4. Hipótese em que as condições patrimoniais e financeiras demonstradas não permitem o reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria rural por idade na condição de segurado especial em regime de economia familiar.
5. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002999308v5 e do código CRC f3a67fef.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 14/2/2022, às 11:3:20
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 31/01/2022 A 08/02/2022
Apelação Cível Nº 5011772-61.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: JOSE CELSO ROSA DUARTH
ADVOGADO: STELAMARI TURETA (OAB PR065619)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 31/01/2022, às 00:00, a 08/02/2022, às 16:00, na sequência 374, disponibilizada no DE de 17/12/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 22/02/2022 08:01:05.