Apelação Cível Nº 5007389-43.2022.4.04.7206/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ARACY ISABEL RIBEIRO MACHADO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Em suas razões de apelação, a autora alega que a exigência do tamanho da propriedade estar limitado a 4 módulos fiscais é posterior ao período que postula reconhecimento. Aduz que "o tamanho da terra importa apenas para períodos posteriores a 20/06/2008" e que não há limites de extensão de imóvel rural para caracterização do segurado especial para períodos anteriores à Lei 11.718/2008. Requer a reforma da sentença, com reconhecimento do labor rural de 01/01/1990 a 13/11/2008 ou, subsidiariamente, a anulação da decisão para novo julgamento.
Juntadas as contrarrazões vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Mérito
Da aposentadoria prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91
A Lei nº 11.718/2008, dentre outras alterações, modificou o § 2º e instituiu os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, nos seguintes termos:
Art. 48. Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.
Como se vê, a Lei nº 11.718/2008 instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade com o preenchimento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço urbano e rural, desde que haja o implemento da idade mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.
O mesmo tratamento conferido ao segurado especial (trabalhador rural) que tenha contribuído sob outra categoria de segurado, para fins de obtenção de aposentadoria por idade (Lei nº 8.213/1991, §3º do art. 48), deve ser alcançado ao trabalhador urbano, que fará jus ao cômputo de período rural para implementar os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria prevista no caput do art. 48.
A interpretação do § 3º do art. 48 deve ser feita à luz dos princípios constitucionais da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, de forma que não há justificativa para se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário está desempenhando atividade urbana.
A questão é objeto da Súmula nº 103 deste Tribunal, literis:
A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, §3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período.
Ademais, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel.Ministro Herman Benjamin, julgado em 21-06-2016).
Ressalto, ainda, que a aposentadoria mista ou híbrida, por exigir que o segurado complete 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, é, em última análise, uma aposentadoria de natureza assemelhada à urbana. Assim, para fins de definição de regime, deve ser equiparada à aposentadoria urbana. Com efeito, a Constituição Federal, em seu art, 201, § 7º, II, prevê a redução do requisito etário apenas para os trabalhadores rurais. Exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher, a aposentadoria mista, pode-se dizer, constitui praticamente subespécie da aposentadoria urbana, ainda que com possibilidade de agregação de tempo rural sem qualquer restrição.
Dessa forma, considerando a natureza do benefício, deve ser conferido à aposentadoria por idade híbrida o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não havendo, portanto, exigência de preenchimento simultâneo dos requisitos idade e carência. Caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, é irrelevante e não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado.
A respeito dessa questão, § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício, nos termos do já decidido pela 3ª Seção desta Corte, nos Embargos Infringentes nº 0008828-26.2011.404.9999 (Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 10-01-2013).
Esse entendimento, aliás, está em conformidade com a jurisprudência do STJ (STJ, REsp 1605254/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 21-06-2016; REsp 1476383/PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 01-10-2015; AgRg no REsp 1531534/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23-06-2015).
Da comprovação do tempo de atividade rural
Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF - 4ª Região, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF - 4ª Região, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14-06-2007; TRF - 4ª Região, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).
Ainda, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 26-02-2007; TRF - 4ª Região, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 14-12-2016; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.71.08.009120-3/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF - 4ª Região, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) - tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros - em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).
No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, necessitando ser corroborada por prova testemunhal. Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) tem a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a necessária prova testemunhal.
Em razão disso, entendo que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
Em 18-01-2019 foi editada a MP n. 871, convertida na Lei n. 13.846, de 18-06-2019, que alterou os artigos 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os artigos 38-A e 38-B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas em casos excepcionais: AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antonio Rocha, julgado em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, julgado em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, julgado em 09-03-2022; e AG n. 5031738-34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 22-09-2021.
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Do caso concreto
A fim de comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram colacionados os seguintes documentos, assim elencados em sentença:
* em nome próprio: autodeclaração segurado especial - rural, referente ao período de 01/01/1990 a 01/06/2008 (evento 20, DECL2);
* em nome do cônjuge, Francisco Saul Machado: certidão de registro de imóvel rural, localizado em Bom Jardim da Serra-SC (Fazenda Pelotas), adquirido em 16/01/1976 (evento 1, OUT6, fls. 2-3), recibo de entrega de declaração de ITRm exercício 2007 (evento 1, OUT6, fl. 6), certificado de cadastro de imóvel rural CCIR, emissão 2003/2004/2005 (evento 1, OUT6, fl. 7), notas fiscais de produtor, emitidas em 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 (evento 1, OUT6, fls. 8-33).
A autodeclaração da autora foi confirmada pelas declarações escritas das testemunhas (ev. 20).
Tendo a parte autora nascido em 27-11-1940, implementou o requisito etário em 27-11-1995 e requerido o benefício na via administrativa em 13-11-2008, deveria comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 78 meses anteriores ao implemento etário ou 162 meses anteriores à DER, mesmo que de forma descontínua.
Ao fundamentar a sentença, o magistrado assim proferiu a decisão:
Caso concreto.
No caso dos autos, tendo a parte autora nascido em 27/11/1940, o requisito etário para a aposentadoria por idade rural (55 anos no caso da segurada mulher) foi implementado em 27/11/1995. Ou seja, na DER (13/11/2008), a parte autora possuía a idade mínima exigida para a concessão do benefício.
O INSS indeferiu o pedido em razão de causas diversas (evento 1, OUT6, fl. 37).
A fim de comprovar atividade rural em regime de economia familiar, a parte autora apresentou os seguintes documentos:
* em nome próprio: autodeclaração segurado especial - rural, referente ao período de 01/01/1990 a 01/06/2008 (evento 20, DECL2);
* em nome do cônjuge, Francisco Saul Machado: certidão de registro de imóvel rural, localizado em Bom Jardim da Serra-SC (Fazenda Pelotas), adquirido em 16/01/1976 (evento 1, OUT6, fls. 2-3), recibo de entrega de declaração de ITRm exercício 2007 (evento 1, OUT6, fl. 6), certificado de cadastro de imóvel rural CCIR, emissão 2003/2004/2005 (evento 1, OUT6, fl. 7), notas fiscais de produtor, emitidas em 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004, 2006, 2007 (evento 1, OUT6, fls. 8-33).
Considerando as restrições à produção da prova oral em audiência decorrentes da pandemia de Covid-19, as recomendações da Corregedoria Regional no processo SEI 0001675-95.2020.4.04.8003, e tendo em conta as alterações promovidas pela Lei nº 13.846/2019, foi, inicialmente, substituída a designação de audiência pela juntada de autodeclaração (evento 20, DECL2) e declarações escritas firmadas por 3 testemunhas (evento 20, DECL3-DECL4).
Na autodeclaração anexada, a autora informa que exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01/01/1990 a 01/06/2008, como componente do grupo familiar formado com o cônjuge, Francisco Saul Machado; que cultivavam em terras próprias, localizadas em Bom Jardim da Serra-SC; que exploravam 214 hectares (dos 537), para o cultivo de maças e criação de bois, destinados à comercialização e venda e criação de galinhas, vacas e porcos destinados ao consumo, assim como a plantação de feijão, milho, e outros legumes e verduras; que houve cessão de 50 hectares em parceria com Agro Pastoril Ind.
As testemunhas confirmaram a alegação da parte autora (evento 20, DECL3-DECL4).
Contudo, verifica-se dos documentos anexados, apesar da possibilidade de configurar início de prova material do trabalho agrícola da família, trazem indícios de que se tratam de grandes produtores rurais.
Na certidão de registro de imóveis o cônjuge da autora aparece qualificado como pecuarista, além de apontar área de aproximadamente cinco milhões, trezentos e setenta mil metros quadrados, incompatível com 4 módulos fiscais previstos em lei para o exercício de atividade rural em regime de economia familiar (evento 1, OUT6, fls. 2-3).
Ainda, na certidão encontram-se averbados contratos de compra e venda de 673 pinheiros para Firma Indústria e Comércio de Madeiras Batistella e contrato de parceria para plantio de florestas, firmado com AGRO PASTORIL.
O certificado de cadastro consigna que se trata de "grande propriedade produtiva" (evento 1, OUT6, fl. 7), e o recibo de entrega da declaração do ITR, exercício 2007, indica endereço da família no centro da cidade de Bom Jardim da Serra (evento 1, OUT6, fl. 6), o que foi confirmado pelas testemunhas ouvidas pela autarquia, que declararam que a autora residia no centro de Bom Jardim da Serra há, aproximadamente, uns 10 anos, 15 anos (evento 6, PROCADM3, fls. 48-49).
Nesse aspecto, ainda que a jurisprudência relativize tal limite nas hipóteses em que a exploração não ocorra em toda a área do imóvel, no caso em tela não restou comprovada a utilização parcial das terras.
No caso, observado o porte econômico da atividade, deveria a autora pagar contribuições previdenciárias, porque faz da sua atividade agrícola um negócio mercantil.
Ademais, é pouco crível que a autora, com a ajuda apenas de seu cônjuge, cultive produtos agrícolas em montante considerável (basta analisar as notas fiscais de comercialização, que demonstram, por exemplo, a comercialização de 10 toneladas de maçã, em 28/02/2003 (evento 6, PROCADM3, fl. 30) e o tamanho da parte cultivada das propriedades, sem que contrate terceiros.
Portanto, a atividade por ela desempenhada, à toda evidência, não se coaduna com o conceito de economia familiar (art. 11 § 1º, da Lei 8.213/91), mas se assemelha àquela prevista na descrição do segurado contribuinte individual (art. 11, V, a, da Lei 8.213/91).
Assim, a autora não se desincumbiu do seu ônus de comprovar que exerceu atividade rurícola em regime de economia familiar no período correspondente à carência do benefício pretendido.
Destarte, os pedidos deduzidos na inicial devem ser julgados improcedentes.
É cediço que o tamanho da propriedade agrícola não é suficiente para descaracterizar a condição de segurado especial, devendo ser analisados os demais elementos do caso concreto. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. MÓDULOS FISCAIS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.
2. O fato de a propriedade ser superior a quatro módulos fiscais não tem o condão de, isoladamente, descaracterizar o regime de economia familiar, pois as circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91.
3. Comprovado labor rural nos períodos pugnados, tem a parte autora direito ao benefício pleiteado.
(AC n. 5028990-10.2018.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 08-04-2022)
No entanto, no caso dos autos, é possível verificar que não restou demonstrada a condição de segurada especial da autora.
Como bem analisado em sentença, a autora declarou que houve cessão de 50 hectares de sua propriedade para parceria com a empresa Agro Pastoril Ind. Ainda que à epoca do labor rural não houve a previsão estabelecida pela Lei 11.718/2008 de limitação aos 4 módulos fiscais, a grande extensão da propriedade da parte autora (registro de imóveis com área de mais de cinco milhões de metros quadrados (ev.1, OUT6, p.2-3), acaba por descaracterizar a condição de segurada especial.
Somado a isso, a comercialização de quantias consideráveis de produtos agrícolas - veja as notas fiscais de venda de maçã que somam mais de 32 toneladas do produto (ev. 6, PROCADM3, p.27, 30 e 35) nos anos 2001, 2003 e 2004. Ainda que se admita uma safra única anual, o montante é expressivo e corrobora a tese sentencial da descaracterização do grupo familiar como segurados especiais.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. TAMANHO DA PROPRIEDADE ACIMA DE 4 (QUATRO) MÓDULOS RURAIS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. 1.O fato de a propriedade ser superior a quatro módulos fiscais não tem o condão de, isoladamente, descaracterizar o regime de economia familiar, pois as circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91. 2. Hipótese em que a divergência entre o tamanho da propriedade das terras, se 400 ha ou 150 ha, bem como não ter sido juntado aos autos nenhum documento comprobatório do tamanho destas, tais como a certidão do registro de imóveis, ITR ou CCIR, acrescido da expressiva produção de maçã de até 100 toneladas anuais e ao fato de o marido da autora ser qualificado como pecuarista na certidão de registro de imóvel de Painel, tal cenário leva a crer que se tratava de família de produtores rurais e não de pequenos agricultores em regime de economia familiar. 3. Recurso desprovido para manter a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural. (TRF4, AC 5004891-71.2022.4.04.7206, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 16/11/2023)
Portanto, bem examinados os autos, entendo que deve prevalecer a solução adotada na origem, no sentido da correção da decisão administrativa que negou o benefício previdenciário, não prosperando a insurgência da apelante, diante da ausência de comprovação da qualidade de segurada especial em regime de economia familiar ou individualmente no período de carência necessária para concessão da aposentadoria por idade rural pleiteada, motivo pelo qual deve ser mantida, na íntegra, a sentença.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem como recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g.ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 19-04-2017), majoro a verba honorária de R$ 1.100,00 para R$ 1.210,00 sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a satisfação respectiva, por ser a parte beneficiária da AJG.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da autora.
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Data e Hora: 24/6/2024, às 11:52:25
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Apelação Cível Nº 5007389-43.2022.4.04.7206/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ARACY ISABEL RIBEIRO MACHADO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL. NÃO CARACTERIZADA A CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL.
1. Implementado o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
2. A extensão da propriedade não constitui óbice, por si só, ao reconhecimento da condição de segurado especial, devendo ser analisada juntamente com o restante do conjunto probatório que, na hipótese, não autoriza o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, no intervalo controverso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004478609v3 e do código CRC a4687851.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 24/6/2024, às 11:52:25
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024
Apelação Cível Nº 5007389-43.2022.4.04.7206/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
APELANTE: ARACY ISABEL RIBEIRO MACHADO (AUTOR)
ADVOGADO(A): SAMUREL TEIXEIRA DA SILVA (OAB SC047679)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 863, disponibilizada no DE de 04/06/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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