Apelação/Remessa Necessária Nº 5041703-22.2015.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | IVONE TEREZINHA MERLIN |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
1. O tempo de serviço rural, cuja existência é demonstrada por testemunhas que complementam início de prova material, deve ser reconhecido ao segurado em regime de economia familiar ou individual.
2. Uma vez completada a idade mínima (55 anos para a mulher e 60 anos para o homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei nº 8.213/1991), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
3. A implantação de benefício previdenciário, à conta de tutela específica, deve acontecer no prazo máximo de 45 dias.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial, dar parcial provimento ao recurso do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão, restando prejudicado o requerimento da parte autora para concessão da tutela de urgência, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 17 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8920783v38 e, se solicitado, do código CRC FEFD944A. | |
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| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 18/05/2017 14:17 |
Apelação/Remessa Necessária Nº 5041703-22.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | IVONE TEREZINHA MERLIN |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
RELATÓRIO
IVONE TEREZINHA MERLIN ajuizou ação ordinária contra o INSS objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a contar do requerimento administrativo, formulado em 31-10-2012. Requereu, também, a condenação da Autarquia ao pagamento de indenização por danos morais.
Na sentença (evento 56 - 24-07-2014) foi julgado parcialmente procedente o pedido, condenando-se o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural a partir do requerimento administrativo. Reconheceu a sucumbência mínima da autora e condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
O INSS apelou alegando, preliminarmente, a nulidade do processo pela não juntada aos autos dos termos de depoimento. Afirmou estar descaracterizado o regime de economia familiar, tendo em vista que o marido da autora possui vínculo urbano como empregado, não possuindo vínculos apenas por curtos intervalos dentro do período de carência.
Requereu, por fim, a aplicação dos índices de juros de mora previstos na Lei n. 11.960/2009.
Na sessão de 25-02-2015 (evento 75), a Sexta Turma desta Corte não conheceu do apelo do INSS, por intempestivo, e reabriu o prazo recursal às partes, em observância à remessa oficial.
No evento 94, o Julgador monocrático indeferiu requerimento do INSS de degravação da audiência e informou que o material permanece na Serventia à disposição das partes, podendo o procurador a Autarquia obter a cópia pleiteada, uma vez que não há possibilidade de juntar a mídia junto ao Projudi. Diante do julgamento desta Corte, determinou a reabertura do prazo recursal.
O INSS opôs embargos de declaração, os quais não foram acolhidos (evento 107).
O INSS recorreu (evento 111) reiterando as razões do primeiro recurso relativas à nulidade do processo por não ter havido a transcrição dos depoimentos ou juntada dos áudios, bem como estar descaracterizado o regime de economia familiar em virtude do trabalho urbano do marido. Requereu, ainda, a aplicação da Lei n. 11.960/2009 quanto aos juros de mora.
Apresentadas as contrarrazões, vieram novamente conclusos os autos.
Nesta instância, a parte autora requereu a antecipação da tutela (evento 127).
No evento 128 foi determinada a juntada da transcrição dos depoimentos ou da mídia em que foram armazenados, o que restou cumprido (evento 131), tendo sido o INSS intimado.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa Oficial
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
Nesse sentido, as sentenças sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou assegurassem ao autor direito equivalente ao valor de sessenta salários mínimos ou mais.
A superveniência dos novos parâmetros (NCPC, art. 496, § 3º), aumentando o limite para reexame obrigatório da sentença, traz a indagação quanto à lei aplicável às sentenças publicadas anteriormente e ainda não reexaminadas. Uma das interpretações possíveis seria a de que, em tendo havido fato superveniente à remessa - novo CPC - a suprimir o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos, não seria caso de se julgar a remessa. Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não haveria condição (interesse) para o seu conhecimento.
No entanto, em precedente repetido em julgamentos sucessivos, o STJ assentou que a lei vigente à época da prolação da decisão recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
Nesses termos, em atenção ao precedente citado, o conhecimento da remessa necessária das sentenças anteriores à mudança processual observará os parâmetros do CPC de 1973, aplicando-se o novo CPC às sentenças posteriores.
Registre-se que no caso dos autos não se pode invocar o preceito da Súmula 490 do STJ, segundo a qual a dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
No caso concreto, o valor do proveito econômico outorgado em sentença à parte autora da demanda é mensurável por simples cálculo aritmético.
Desse modo, para aferir a aplicabilidade ou não do disposto no § 2º do art. 475 do CPC/73 em comento, é irrelevante o valor que tenha sido atribuído pela parte sua peça inicial, servindo como parâmetro o valor econômico expresso na sentença condenatória que julga a causa.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ART. 475 DO CPC, COM A REDAÇÃO DA LEI 10.352/01. 1. Nos termos do art. 475, § 2º, do CPC, a sentença não está sujeita a reexame necessário quando "a condenação, ou o direito o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos". Considera-se "valor certo", para esse efeito, o que decorre de uma sentença líquida, tal como prevê o art. 459 e seu parágrafo, combinado com o art. 286 do CPC. 2. Os pressupostos normativos para a dispensa do reexame têm natureza estritamente econômica e são aferidos, não pelos elementos da demanda (petição inicial ou valor da causa), e sim pelos que decorrem da sentença que a julga. (...) 5. Embargos de divergência providos. (EREsp 600.596/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 23/11/2009)
A sentença de 24-07-2014 condenou o INSS ao pagamento de aposentadoria no valor de um salário mínimo desde a data de 31-10-2012, quando manejado o requerimento administrativo (DER).
De acordo com a Planilha de Cálculos da Justiça Federal (Programa JUSPREV II), de outubro de 2012 a julho de 2014, a Autarquia Previdenciária não pagou à parte autora o valor de R$ 17.817,06 (dezessete mil, oitocentos e dezessete reais e seis centavos), atualizados monetariamente, quantia equivalente a pouco mais de 24 (vinte e quatro) salários mínimos em 2014, resultando, portanto, na condenação em montante manifestamente inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos.
Trata-se, como visto, de valor facilmente estimável, o que atribui liquidez ao julgado.
Cabe salientar que se a sentença sujeita a reexame necessário é a que condena a Fazenda Pública em valor não excedente a sessenta salários mínimos, impõe-se aferir o montante da condenação na data em que proferida. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados para este efeito, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido.
Não por outra razão é que se toma o valor das parcelas vencidas até a data da decisão de procedência, para fins de aferição do montante da condenação sobre o qual incidirão os honorários advocatícios, nos termos da Súmula 111 do STJ. Não se aplicam à hipótese, as regras de estimativa do valor da causa. Trata-se, no momento, de condenação.
A propósito, vale colacionar as palavras do Ministro Humberto Martins no Resp 1577902 (decisão de 16-02-2016) que bem espelha a hipótese dos autos:
(...) aplica-se o entendimento de que "É líquida a sentença que contém em si todos os elementos que permitem definir a quantidade de bens a serem prestados, dependendo apenas de cálculos aritméticos apurados mediante critérios constantes do próprio título ou de fontes oficiais públicas e objetivamente conhecidas." (REsp 937.082/MG, Rei. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONA QUARTA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 13/10/2008).
(...) Dessa forma, tratando-se de titulo judicial líquido, cujo valor da condenação não supera 60 (sessenta) salários mínimos, a aplicação do disposto no art. 475, §2º, do CPC é medida que se impõe.
Ademais, apesar de o discurso da autarquia previdenciária normalmente girar em torno do argumento de que defende o interesse público, fato é que sua atuação é restrita à defesa do próprio INSS, e não do interesse público ou da sociedade." (...) (grifei)
Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor inferior a sessenta salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, de forma que a remessa não deve ser conhecida nesta Corte.
Do cerceamento de defesa
Superada a alegação do cerceamento de defesa, diante da juntada das mídias ao processo eletrônico, tendo o INSS sido intimado a se manifestar (evento 132).
Mérito
Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 (sessenta) anos de idade, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher (Constituição Federal, art. 201, §7°, inciso II; Lei nº 8.213/1991, art. 48, §1°), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2°, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica-se o período de 180 (cento e oitenta) meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de atividade rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5°, XXXVI; Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS, art. 102, §1°).
Nada impede, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
Exemplificando, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 (noventa e seis) meses antes de 1997; b) 120 (cento e vinte) meses antes de 2001, c) períodos intermediários - 102 (cento e dois) meses antes de 1998, 108 (cento e oito) meses antes de 1999, 114 (cento e quatorze) meses antes de 2000.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31 de agosto de 1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 (cinco) anos, ou 60 (sessenta) meses, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida nos artigos 39, inciso I, 48, §2° e 143, todos da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1°, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo. Porém, nas ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG (03 de setembro de 2014), na hipótese de ausência de prévio requerimento administrativo, em que restar configurada a pretensão resistida por insurgência do Instituto Nacional do Seguro Social na contestação ou na apelação, ou ainda, quando apresentada a negativa administrativa no curso do processo, utiliza-se a data do ajuizamento da ação como data de entrada do requerimento para todos os efeitos legais.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §3°, da Lei nº 8.213/1991, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
A respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº 1.321.493-PR, recebido como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
No referido julgamento, o Superior Tribunal de Justiça manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Ainda no que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro. Todavia, também é firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.
Esse foi o posicionamento adotado pelo Tribunal Superior no julgamento do REsp. nº 1.304.479-SP, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos, cujo acórdão transcrevo:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (Grifo nosso).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Caso concreto
A parte autora implementou o requisito etário em 21-08-2012 (evento 1, OUT4) e requereu o benefício na via administrativa em 31-10-2012 (evento 1, OUT9). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 (cento e oitenta) meses anteriores ao implemento de qualquer dos requisitos, mesmo que de forma descontínua.
Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementada por prova testemunhal idônea, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais se destacam:
a) notas fiscais de comercialização da produção agrícola, emitidas em nome da autora, em 1981, 1983 a 1985, 1988, 2002 a 2012 (evento 1, OUT6, p. 1-6, evento 1, OUT12, p. 15-20, OUT13, p. 1-11 );
b) contrato de parceria agrícola, firmado entre a autora e Jandira Bombonatto, em agosto de 2008, relativo a uma área de 20 hectares, com duração de cinco anos (evento 1, OUT7);
c) certidão de casamento, lavrada em 1977, estando o marido da autora qualificado como agricultor (evento 1, OUT11, p. 4);
d) carta de anuência, firmada em 24-05-2005, por Jandira Bombonatto, dirigida ao Banco do Brasil, declarando que a autora tem consentimento para explorar a área de 20 hectares da Fazenda São Francisco de Sales (evento 1, OUT11, p. 5);
e) matrícula (6.446) e comprovantes de pagamento do ITR do imóvel rural objeto do contrato de parceria (evento 1, OUT11, p. 9-30 e OUT12, p. 1-12);
f) ficha de inscrição do marido da autora, Reonil Merlin, junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mariópolis, com inscrição em 29-05-1980, e registro de pagamento de anuidades até 2003 (evento 1, OUT12, p. 13);
g) ficha de associada da autora ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mariópolis, com admissão em 29-05-1980 e registro de pagamento de anuidades de 2003 a 2005 (evento 1, OUT12, p. 14);
Consta, também, extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais, CNIS, de acordo com o qual a autora teve vínculo com a Cooperativa Agrícola Mista São Cristóvão Ltda., de 01-03-1980 a 07-05-1980 (evento 1, OUT8) .
Foi juntada, ainda, declaração de exercício de atividade rural pela parte autora, no período de 2008 a 2013, firmada em 24-10-2012 pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mariópolis (eveto 1,OUT13, p.12-14) Tal declaração, contudo, não consubstancia início de prova material, uma vez que representa mera manifestação unilateral, não sujeita ao crivo do contraditório.
De acordo com as diretrizes traçadas pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp. nº 1.304.479-SP, representativo de controvérsia), os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material.
Na audiência de instrução realizada em 24-07-2014, foram ouvidas duas testemunhas.
Reinaldo João Vasileski de Freitas:
Conhece a autora há 50 anos, é vizinho. Ela começou a trabalhar na lavoura a partir dos doze anos. Antes de casar trabalhava na terra do pai, depois em terra própria. Tinham duas áreas, uma de 30 e outra de 27 alqueires, isso nas terras do pai dela. Não tinham empregados, só a família, não tinham máquinas antigamente, depois compraram trator. Agora ela trabalha na terra dela, tem 8 alqueires e um pouquinho, faz uns 8 ou 10 anos que trabalha nas terras dela. Eles plantam um pouco e um pouco de vaca leiteira. Não tem empregados. Trabalha ela, o filho e o marido nos finais de semana. Ele trabalha fora agora. Agora eles têm um tratorzinho. Ela sempre trabalhou na lavoura. Não sabe ao certo a quantidade de gado leiteiro, deve ter umas 8 ou 9 vacas. Via ela trabalhando de fato na terra.
Adilson Centenaro:
É vizinho da autora. Conhece a autora desde criança, tem uma diferença de 10, 12 anos de idade. Ela trabalha na agricultura, mexe com leite. Ela tem uma terra que herdou do pai dela. Ela herdou 8,3. Tem uma parte que é utilizada máquina, que fazem plantio, 1 alqueire e pouco tem pasto. Eles têm um trator. Não têm empregados. Conheceu a autora nessa atividade e ela sempre trabalhou na lavoura. Antigamente se plantava mais milho, agora soja, a atividade principal é o leite, tem mais de 10 cabeças, dá em torno de 80 a 100 por dia. Não tem ideia de quanto rende isso. Em torno de 1.500,00 por mês, um pouco mais, um pouco menos. Tem um trator pequeno e um grande que faz a parte do plantio.
A prova testemunhal, portanto, é precisa e convincente da atividade rural da parte autora, na condição de segurada especial, no período de carência legalmente exigido.
Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (evento 1, OUT8), observa-se que a autora teve vínculo com a Cooperativa Agrícola Mista São Cristóvão Ltda., de 01-03-1980 a 07-05-1980 (evento 1, OUT8), com curta duração e fora do período de carência a ser comprovado, fortalecendo-se a indicação de que, de fato, sobrevive unicamente das lidas rurais.
Seu cônjuge, por sua vez, exerceu atividade urbana, na condição de empregado, de 1992 a 2015, recebendo mensalmente valores inferiores a dois salários mínimos, o que não afasta a necessidade do trabalho rural da autora para a subsistência do grupo familiar.
O conjunto probatório, portanto, demonstra o exercício da atividade rural desde longa data até, no mínimo, a ocasião em que requerido o benefício perante o INSS.
Assim, havendo a autora completado 55 (cinquenta e cinco) anos em 21-08-2012 e demonstrado o efetivo exercício de atividade rural por período superior a 180 (cento e oitenta) meses, contados, retroativamente, de 2012x, é devido o benefício de aposentadoria por idade rural a partir da data do requerimento administrativo (31-10-2012).
Consectários. Juros moratórios
Considerando-se que o INSS recorre apenas dos juros de mora, não se insurgindo quanto aos índices de correção monetária, entendo não ser o caso de diferir para a fase de cumprimento de sentença, já decidindo a questão.
Até 29 de junho de 2009, os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% (um por cento) ao mês, com fundamento no artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, conforme firme entendimento consagrado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e, ainda, na Súmula 75 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, na redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação mencionada.
Esta interpretação foi, agora, ratificada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia relativa aos juros de mora incidentes.
Feita a citação já sob a vigência das novas normas, são inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, a teor das Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual nº 14.634/2014 (artigo 5º). Tais isenções não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação imediata do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 9/8/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (NB 156.944.979-9), a contar da competência da publicação do acórdão, a ser efetivada em quarenta e cinco dias.
Tutela de urgência
A parte autora apresentou petição (evento 127) requerendo a a antecipação da tutela.
Contudo, devido ao caráter provisório da tutela pretendida, ainda que a parte autora tenha implementado os requisitos necessários ao seu deferimento, mostra-se mais indicada a concessão da tutela específica, uma vez que se cuida de medida de caráter definitivo.
Diante disto, julga-se prejudicado o requerimento da parte autora para concessão da tutela de urgência.
Conclusão
Remessa oficial não conhecida. Dado parcial provimento ao recurso do INSS quanto aos juros de mora. Determinado o cumprimento imediato do acórdão, restando prejudicado o requerimento da autora para concessão da tutela de urgência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer, da remessa oficial, dar parcial provimento ao recurso do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão, restando prejudicado o requerimento da parte autora para concessão da tutela de urgência.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8920782v47 e, se solicitado, do código CRC 3EA45171. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/05/2017
Apelação/Remessa Necessária Nº 5041703-22.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00002218920138160071
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da Republica Paulo Gilberto Cogo Leivas |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | IVONE TEREZINHA MERLIN |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/05/2017, na seqüência 1347, disponibilizada no DE de 02/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER, DA REMESSA OFICIAL, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO, RESTANDO PREJUDICADO O REQUERIMENTO DA PARTE AUTORA PARA CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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