| D.E. Publicado em 12/06/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009875-93.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARGARETE PANCOTTO TURA |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE NO CURSO DA AÇÃO E EXECUÇÃO DAS PARCELAS ATRASADAS DO BENEFÍCIO POSTULADO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. O tempo de serviço rural, cuja existência é demonstrada por testemunhas que complementam início de prova material, deve ser reconhecido ao segurado em regime de economia familiar ou individual.
2. Uma vez completada a idade mínima (55 anos para a mulher e 60 anos para o homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei nº 8.213/1991), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
3. É possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implementação administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 31 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8962899v15 e, se solicitado, do código CRC B5242B22. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 01/06/2017 18:05 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009875-93.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARGARETE PANCOTTO TURA |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza |
RELATÓRIO
MARGARETE PANCOTTO TURA ajuizou ação ordinária contra o INSS objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural a contar do requerimento administrativo, formulado em 12/03/2013 (fl. 13).
Na sentença (19/11/2014) foi julgado procedente o pedido, condenando-se o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural a partir de 12/03/2013. A Autarquia foi condenada, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% das parcelas vencidas até a data da sentença.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Foram interpostos embargos de declaração pela parte autora em duas oportunidades. Os recursos foram julgados às fls. 141 e 144, com alteração da sentença em relação aos critérios adotados para atualização monetária das quantias a que foi condenada a Fazenda Pública.
O INSS apelou sustentando, em síntese, restar descaracterizada a condição de segurada especial, porquanto a autora e seu cônjuge recolheram contribuições previdenciárias sobre valor elevado. Alegou, ainda, que a extensão dos imóveis rurais não permite o reconhecimento do trabalho rural em regime de economia familiar.
Apresentadas contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Mérito
Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 (sessenta) anos de idade, se homem, ou 55 (cinquenta e cinco), se mulher (Constituição Federal, art. 201, §7°, inciso II; Lei nº 8.213/1991, art. 48, §1°), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício (artigos 39, inciso I, e 48, §2°, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica-se o período de 180 (cento e oitenta) meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.
Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguintes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.
No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de atividade rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5°, XXXVI; Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS, art. 102, §1°).
Nada impede, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implementação do tempo equivalente à carência.
Exemplificando, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 (noventa e seis) meses antes de 1997; b) 120 (cento e vinte) meses antes de 2001, c) períodos intermediários - 102 (cento e dois) meses antes de 1998, 108 (cento e oito) meses antes de 1999, 114 (cento e quatorze) meses antes de 2000.
No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31 de agosto de 1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 (cinco) anos, ou 60 (sessenta) meses, não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida nos artigos 39, inciso I, 48, §2° e 143, todos da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1°, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo. Porém, nas ações ajuizadas antes do julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG (03 de setembro de 2014), na hipótese de ausência de prévio requerimento administrativo, em que restar configurada a pretensão resistida por insurgência do Instituto Nacional do Seguro Social na contestação ou na apelação, ou ainda, quando apresentada a negativa administrativa no curso do processo, utiliza-se a data do ajuizamento da ação como data de entrada do requerimento para todos os efeitos legais.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §3°, da Lei nº 8.213/1991, e Súmula 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
A respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº 1.321.493-PR, recebido como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
No referido julgamento, o Superior Tribunal de Justiça manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Ainda no que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurícola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro. Todavia, também é firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.
Esse foi o posicionamento adotado pelo Tribunal Superior no julgamento do REsp. nº 1.304.479-SP, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos, cujo acórdão transcrevo:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (Grifo nosso).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Caso concreto
A parte autora implementou o requisito etário em 13 de setembro de 2012 (fl. 11) e requereu o benefício na via administrativa em 12 de março de 2013 (fl. 13). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 (cento e oitenta) meses anteriores ao implemento do requisito etário, ou nos 180 (cento e oitenta) meses que antecedem o requerimento administrativo, ou ainda nos períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementada por prova testemunhal idônea, a parte autora apresentou documentos, conforme relatado na sentença:
"a) certificado de reservista de seu pai, João Pancotto, datada de 02/02/1946, onde consta como sendo a profissão deste agricultor (fl. 33);
b) certidão de casamento de seus pais, João Pancotto e Gonçalina Ângela Gobbato, ocorrido em 01/10/1955, onde consta como profissão de seu genitor agricultor e de sua genitora do lar (fl. 34);
c) certificado, em nome da autora, de conclusão do curso primário, em 15/12/1970, na Escola Municipal Frei Caneca, a qual, conforme atestado da fl. 36, se localiza na localidade da Capela Santo Antônio, Município de Cotiporã (fls. 35-36);
d) certidão lavrada pelo registro de imóveis da Comarca de Veranópolis, dando conta de que João Pancotto, pai da demandante, era proprietário de um imóvel localizado na Linha Frei Caneca, 2º Distrito do Município, desde 29/03/1971 (fl. 37);
e) declaração de propriedade de suínos, em nome de João Pancotto, pai da requerente, em propriedade localizada na Linha Frei Caneca, Município de Cotiporã (fls. 42-43);
f) carteira do Sindicato dos Produtores Rurais, em nome da autora, com admissão em 30/08/1978 (fl. 44);
g) recibo de pagamento ao Sindicato de Produtores Rurais de Veranópolis, em nome da demandante, no período de 01/07/1978 a 31/12/1978 (fl. 45);
h) ITBI, em nome de João Pancotto, pai da autora, referente ao exercício de 1984 (fl. 46);
i) cópia da certidão de casamento, onde consta que é casada com João Tura, desde 26/07/1986, sendo que, por ocasião do casamento a autora era do lar e o marido agricultor (fl. 25);
j) contrato de parceria agrícola firmado entre Neiva Izelda Turra Bettio e João Turra, marido da autora, em 15/06/2001, em área de 89 hectares de propriedade de Neiva, cunhada da autora (fl. 47);
k) notas fiscais de produtor em nome do marido da autora, João Turra, de 1990 a 2013 (fls. 48-90); e
l) cópia da entrevista rural realizada pela autora junto ao réu (fl. 97)"
De acordo com as diretrizes traçadas pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp. nº 1.304.479-SP, representativo de controvérsia), os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material.
Nas audiências de instrução foram ouvidas cinco testemunhas (fls. 118 e 129). A sentença sintetizou de forma clara os depoimentos prestados:
"[...] foram ouvidas três testemunhas (Helena Marson Turcatel, Santinha Fugali Marson e Aide Facio Cechetto) dando conta de que a autora trabalhou com os pais e irmãos, em propriedade localizada na Capela Santo Antônio, até o seu casamento, e que a família vivia exclusivamente da atividade agrícola, plantando uva, arroz, batata e criando porcos, vendendo o excedente, e que, além disso, não tinham empregados permanentes, tendo a autora começado a trabalhar a cerca de 11 ou 12 anos.
A testemunha Helena Marson Turcatel, agricultora, disse que conhece a autora desde criança. Relatou que a demandante sempre trabalhou na agricultura com o pai e com os irmãos na Capela de Santo Antônio. Após, a requerente casou e passou a trabalhar com o marido, que também é agricultor. Aduziu que trabalhavam essencialmente para o sustento da família e o excedente vendiam. Afirmou que não possuíam empregados e que via a autora trabalhando no campo, pois tinha terras perto.
No mesmo sentido foi o relato da testemunha Santinha Fugali Marson, igualmente agricultora. Disse que tinha terras lindeiras com as da família da autora, a qual sempre acompanhava os pais. Narrou que quando foi morar no local a requerente possuía uns 10 a 12 anos. Afirmou que a demandante trabalhou com a família até casar, a qual não tinha empregados.
Aide Facio Cechetto afirmou que a demandante trabalhava na agricultura desde os 11 anos até casar (com 25 anos). Disse que foi professora da autora, a qual estudava no turno da manhã e trabalhava na agricultura no turno da tarde.
Foram inquiridas, outrossim, outras duas testemunhas, ambas compromissadas e advertidas, dando conta da atividade da autora realizada no período de 1990 a 2013.
A testemunha Waldenir Araújo Ferreira, disse que cria abelhas na propriedade da atuora, que antes era de sua cunhada Neiva, há mais de 35 anos. Afirmou, outrossim, conhecer a requerente desde 1990, quando se mudaram para o local, sendo que esta lá reside até os dias de hoje. Alegou, ainda, que a autora trabalha na agricultura e que, ao que sabe, não trabalha fora. Disse que a família planta no local morango, ameixa, nectarina, pêssego, etc, além de criar peixes e ter pastagem. Esclareceu, nesse passo, que a propriedade é uma parte da autora e outra de sua cunhada Neiva Bettio, acreditando que a parte da autora seja de aproximadamente 20 hectares. Afirmou que a autora trabalha com os filhos, o marido e o genro, e que estes não tem outra atividade. Alegou que vendem o excesso da produção, e que além da plantação tem criação de galinhas e peixes. Indagada, disse que Margarete trabalha na lavoura, tendo-a visto por várias vezes laborando no campo. Outrossim, disse que já viu gente de fora trabalhando no local, mas de forma temporária, na época da safra, quando a família sozinha não dá vencimento, e apenas cerca de 2 ou 3 pessoas, mas nunca o ano inteiro. Por fim, disse que, ao que sabe, a autora desenvolve tal atividade até os dias de hoje.
A testemunha Ângelo José Bettio, por seu turno, quando inquirido, disse que é vizinho da autora, conhecendo-a do local, sendo que a propriedade da autora é conhecida como 'Chácara dos Pêssegos'. Disse acreditar que a autora foi morar no local há mais ou menos 20 e poucos anos, desde 1990, sendo a propriedade de Neiva, que é cunhada da autora, mas que a requerente possui 14 hectares, que comprou de seu irmão. Afirmou, outrossim, que a autora planta em parceria com a cunhada, as quais plantam na propriedade pêssego, ameixa, uva, aipim, morango, etc. Alegou que a fonte de renda da autora é a agricultura, sendo que esta trabalha com o marido, os filhos e a cunhada, sendo a única fonte de renda da família. Perguntado, disse que vendem parte da produção, o excedente, para as pessoas que vão até o local e também parte no CEASA. Perguntada, alegou que a autora mora no local até hoje e exerce a mesma atividade".
Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (documentos do processo administrativo e pesquisa que acompanha este voto), observa-se que a autora possui registro de contribuições nos seguintes períodos:
- Segurado Especial (01/03/2000 a 30/11/2006);
- Contribuinte Individual (01/12/2007 a 31/12/2007);
- Segurado Especial (01/01/2008 a 31/03/2016).
De acordo com o CNIS e o sistema Plenus/INSS (pesquisa em anexo), a autora percebe, desde 04/04/2016, aposentadoria por idade rural (NB 41/1708291692; DER: 04/04/2016; DDB: 16/08/2016; valor em abril de 2017: R$1.227,40).
A respeito do cônjuge da autora, João Tura, o CNIS registra a existência de contribuições nos seguintes períodos:
- Contribuinte Individual (01/03/2000 a 30/11/2006);
- Contribuinte Individual (01/12/2007 a 31/12/2013);
- Facultativo (01/01/2014 a 31/01/2014);
- Contribuinte Individual (01/02/2014 a 31/03/2016).
De acordo com o CNIS e o sistema Plenus/INSS (pesquisa em anexo), o cônjuge da autora percebe, desde 01/04/2016, aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/1663568887; DER: 01/04/2016; DDB: 06/06/2016; valor em abril de 2017: R$1.446,70).
Da análise do conjunto probatório, pode-se concluir que a autora exerceu atividades rurais nos seguintes períodos:
- 13/09/1969 a 04/02/1979: atividade rural em regime de economia familiar;
- 01/01/1990 a 28/02/2000: período reconhecido pelo INSS (conforme Resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição - fl. 14);
- 01/03/2000 a 30/11/2006: atividade rural, com contribuições registradas no CNIS;
- 01/12/2006 a 30/11/2007, atividade rural em regime de economia familiar, no intervalo entre as contribuições registradas no CNIS;
- 01/12/2007 a 31/12/2007: atividade rural, com contribuições registradas no CNIS;
- 01/01/2008 até o requerimento administrativo formulado em 12/03/2013: atividade rural, com contribuições registradas no CNIS.
Tendo em vista a alegação do INSS a respeito do valor das contribuições vertidas pela autora, ressalto que a existência de tais contribuições e seus respectivos valores não prejudicam o cômputo dos períodos para a concessão do benefício requerido. Com efeito, conforme observado na sentença, "o mero fato de a autora ter contribuído, a partir de 1990 como produtora rural, na qualidade de contribuinte individual, tal não exclui o fato de que, na verdade, como faz certo a prova oral colhida, na verdade, exerce a atividade na qualidade de segurada especial, em regime de economia familiar, tendo provavelmente contribuído, já que ausente prova em contrário, por desconhecimento legal, acreditando que tal seria necessário para futura concessão de benefício" (fl. 136-v.).
O INSS alegou, também, que a extensão da propriedade rural da autora constitui óbice ao reconhecimento da condição de segurada especial. Contudo, verifica-se que o documento indicado pelo INSS - fl. 47 - consiste em contrato de parceria agrícola, por meio do qual Neiva Izelda Turra Bettio ("proprietária de 89 (oitenta e nove) ha. de terra"), "em parceria com o Sr. João Turra, plantam os 89 ha. de terras, onde a colheita é dividida 50% para cada parte". Consta ainda que o contrato é feito por prazo indeterminado, tendo início em junho de 2001 (fl. 47). Portanto, não se trata de imóvel rural do grupo familiar da autora. Além disso, a prova testemunhal esclarece tal ponto controvertido. A testemunha Waldenir Araújo Ferreira afirmou que a autora e seu cônjuge trabalham em propriedade de Neiva (cunhada da autora), e declarou que a autora e seu cônjuge são proprietários de cerca de 20 hectares. A testemunha Ângelo José Bettio informou que a autora e seu cônjuge são proprietários de cerca de 14 hectares, e que o restante da área cultivada é propriedade de Neiva. Desta forma, não há indicação de que a autora e seu cônjuge sejam proprietários de imóvel rural com área que inviabilize a sua exploração apenas pelo grupo familiar.
Assim, havendo a autora completado 55 (cinquenta e cinco) anos em 13 de setembro de 2012 (fl. 11) e demonstrado o trabalho rural em período superior a 180 (cento e oitenta) meses, contados, retroativamente, de 2013, é devido o benefício de aposentadoria por idade rural a partir da data do requerimento administrativo (12 de março de 2013).
Percepção do benefício concedido administrativamente no curso da ação
O motivo do indeferimento do benefício requerido em 12/03/2013 foi a recusa autárquica em computar, juntamente com o período de 01/01/1990 a 28/02/2000 (cento e vinte e dois meses), os períodos de trabalho rural em que houve recolhimento de contribuições previdenciárias. Sendo computados os períodos de contribuições, a autora suplantaria em muito o período de carência exigido para a concessão do benefício.
Em consulta ao CNIS e ao sistema Plenus/INSS, conforme dados referidos acima, verifica-se que o INSS deferiu administrativamente a aposentadoria por idade rural requerida em 04/04/2016. Foram levadas em consideração, nesta oportunidade, as contribuições vertidas no intervalo entre 12/03/2013 (primeiro requerimento administrativo) e 31/03/2016.
Assim, deve ser confirmada a sentença, que deferiu a aposentadoria por idade rural à autora desde a data do primeiro requerimento administrativo (12/03/2013).
Fica assegurada à autora a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa.
Constata-se que o INSS não concedeu o benefício devido na época própria, obrigando o segurado, além de movimentar o Poder Judiciário para reconhecer seu direito, a continuar trabalhando para buscar o indispensável sustento, quando este já deveria estar sendo assegurado pela autarquia previdenciária.
Entendo que a mera opção pelo segundo benefício, sem a possibilidade de execução das parcelas do primeiro benefício, a que já fazia jus e lhe fora indevidamente recusado na via administrativa, obrigando-o a postulá-lo em juízo, configuraria indevido gravame ao segurado, tendo em vista não ter concorrido para o equívoco da autarquia, que seria beneficiada apesar do ilegal ato administrativo de indeferimento do benefício na época oportuna. Assegura-se-lhe a percepção dos atrasados decorrentes do benefício deferido judicialmente (com isso prestigiando a aplicação correta do Direito ao caso concreto e justificando a movimentação do aparato judiciário) e possibilita-se-lhe, ademais, a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consistente na prorrogação forçada de sua atividade laboral). A não ser assim, dar-se-ia preferência a solução incompatível com os princípios que norteiam a administração pública, pois a autarquia previdenciária seria beneficiada apesar da ilegalidade cometida ao indeferir o benefício.
Veja-se, neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA IMPLEMENTADA POR FORÇA DE NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. POSSIBILIDADE DE EXECUTAR AS PARCELAS ATRASADAS DO BENEFÍCIO CONCEDIDO EM JUÍZO. PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS DESDE O PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO ATÉ A DER. 1. Contrariamente ao suscitado pelo INSS, não se trata de aplicação da norma do art. 18, §2º, da Lei de Benefícios ("O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado"), pois esta incide sobre situação diversa da dos autos, qual seja a do aposentado que permanecer em atividade, referindo-se esta, por óbvio, ao trabalho desempenhado após a data em que foi concedida a aposentadoria. E, no presente caso, a aposentadoria pleiteada está sendo concedida judicialmente, ainda que seu termo inicial seja fixado em data anterior, de forma que o trabalho após tal termo inicial não foi desempenhado após a data concessiva da aposentadoria. 2. As possibilidades de opção do segurado devem ser ampliadas: assegura-se-lhe a percepção dos atrasados decorrentes do benefício deferido judicialmente (com isso prestigiando a aplicação correta do Direito ao caso concreto e justificando a movimentação do aparato judiciário) e possibilita-se-lhe, ademais, a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consistente na prorrogação forçada de sua atividade laboral). 3. A não ser assim, dar-se-ia preferência à solução incompatível com os princípios que norteiam a administração pública, pois a autarquia previdenciária seria beneficiada apesar do ilegal ato administrativo de indeferimento do benefício na época oportuna. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5013477-60.2017.404.0000, 6a. Turma, SALISE MONTEIRO SANCHOTENE)
Nessa mesma linha de entendimento os precedentes desta Corte (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2008.71.05.001644-4, 3ª Seção, Des. Federal CELSO KIPPER, D.E. 07/02/2011, PUBLICAÇÃO EM 08/02/2011; APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013480-47.2015.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, POR UNANIMIDADE, D.E. 09/12/2016, PUBLICAÇÃO EM 12/12/2016; AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5024467-47.2016.404.0000, 6ª TURMA, Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/11/2016; AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5040006-53.2016.404.0000, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/10/2016).
Tutela específica
Deixo de determinar a imediata implantação do benefício, uma vez que, conforme mencionado, a autora percebe, desde 04/04/2016, aposentadoria por idade rural (NB 41/1708291692).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8962898v32 e, se solicitado, do código CRC D8BF9A20. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 01/06/2017 18:05 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009875-93.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00077935020138210156
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARGARETE PANCOTTO TURA |
ADVOGADO | : | Vilmar Lourenco |
: | Imilia de Souza |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 863, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9022286v1 e, se solicitado, do código CRC 13C73F31. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 01/06/2017 02:00 |
