APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004805-86.2016.4.04.7117/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | ARI MORESCO |
ADVOGADO | : | LUIZ GUSTAVO FERREIRA RAMOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. RESTABELECIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO.
1. Se o cancelamento administrativo de aposentadoria por idade rural baseou-se nas informações de pessoas da localidade ouvidas em diligência administrativa, visando à apuração de denúncia anônima, incumbe ao INSS a judicialização da prova produzida administrativamente, com as garantias legais e assegurado o contraditório, sobretudo quando há farta prova documental apontando em direção contrária às conclusões da autarquia ao revisar o ato de concessão.
2. Uma vez completada a idade mínima (55 anos para a mulher e 60 anos para o homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei nº 8.213/1991), é devido o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural.
3. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, julgar prejudicada a apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante ao restabelecimento do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 17 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8953264v32 e, se solicitado, do código CRC 75F4EB57. | |
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| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 18/05/2017 14:17 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004805-86.2016.4.04.7117/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | ARI MORESCO |
ADVOGADO | : | LUIZ GUSTAVO FERREIRA RAMOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações da parte autora e do INSS contra sentença (03/02/2017) com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES em parte os pedidos formulados na inicial pelo autor (ex vi art. 487, I, do CPC), para:
(a) indeferir o pedido de restabelecimento da aposentadoria por idade rural (41/164.575.180-2), por indevida, nos termos da fundamentação;
(b) declarar inexigível a cobrança de R$ 27.875,16 (vinte e sete mil oitocentos e setenta e cinco reais e dezesseis centavos), posicionado em 09/2016, lançado como débito em desfavor da parte autora, decorrente da percepção da aposentadoria por idade rural NB 41/164.575.180-2; e
(c) indeferir a pretensão de indenização extrapatrimonial.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com metade das custas judiciais. Não obstante, como o INSS goza de isenção legal e a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, não há condenação (ex vi art. 4º, I e II, da Lei 9.289/96).
No que concerne aos honorários advocatícios, não há possibilidade de compensação (art. 85, §14, parte final, do CPC). Assim, condeno a parte autora a pagar, em favor dos advogados públicos, honorários advocatícios, os quais deverão ser calculados no percentual de 10% sobre o valor exigido a título de restabelecimento da aposentadoria por idade rural (parcelas vencidas + 12 vincendas) e de danos morais, que representa a base de cálculo sobre a qual sucumbiu.
No que tange ao INSS, condeno-o também a pagar honorários advocatícios, os quais deverão ser calculados no percentual de 10% sobre o valor lançado a título restituitório (R$ 27.875,16), que representa a parcela do pedido que decaiu. Ressalto desde já que a verba deverá ser atualizada pelo IPCA-E desde a data do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento.
Finalmente, observo que o pagamento de tais valores, em relação à parte autora, resta sob condição suspensiva de exigibilidade, e somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.
Tendo em conta que a condenação em desfavor do INSS, representa valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, não está sujeita a decisão a reexame necessário (ex vi art. 496, §3º, I, do CPC).
Sustenta a parte autora que acostou farta prova documental que reflete o exercício da atividade rural em regime de economia familiar e de forma individual, corroborada pela prova testemunhal, sendo-lhe devido o restabelecimento do benefício.
A autarquia alega que houve má-fé da parte autora ao ocultar fatos na via administrativa, razão pela qual deve devolver as parcelas indevidamente recebidas.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
VOTO
Remessa oficial
Tratando-se de sentença proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, o cabimento da remessa necessária deve ser analisado a partir dos parâmetros previstos no artigo 496, § 3º, do CPC.
Se a sentença sujeita a reexame necessário é a que condena a Fazenda Pública em valor superior ou igual a 1.000 (mil) salários mínimos, impõe-se aferir o montante da condenação na data em que proferida a sentença, pois é neste momento que é feita a avaliação quanto à obrigatoriedade da remessa. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados para este efeito, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido.
No caso dos autos, o julgador singular entendeu não ser caso de reexame necessário. Como a sentença não concedeu o restabelecimento da aposentadoria e apenas eximiu a parte autora de devolver os valores já recebidos, não se pode cogitar de condenação da autarquia a qualquer desembolso, razão pela qual correta a sentença, que considerou não se tratar de hipótese de remessa oficial.
Mérito
Trata-se de pedido de restabelecimento de aposentadoria por idade rural, concedida em 31/07/2013 e cancelada administrativamente em 29/02/2016, após denúncia anônima de que o autor deixara a atividade rural há mais de dez anos e explorava estabelecimento comercial (agropecuária) juntamente com o filho. Em vista disso o INSS está cobrando o pagamento das parcelas pagas indevidamente, no valor corrigido de R$ 27.875,16.
Após a denúncia, a autarquia promoveu diligências (em 05/08/2014) para apurar os fatos, cujo relato, que embasou o cancelamento, transcrevo (evento 1, PROCADM3, fls 47/48):
Atendendo a solicitação desloquei-me até o município de Campinas do Sul, Linha Vertente Bacin. No decorrer da pesquisa tomei depoimento da Sra. Ivani Valentim, que reside próximo das terras que pertenciam ao requerente. A depoente ao ser inquirida relatou que o Sr. Ari possuía propriedade rural que ficava em frente a sua propriedade, informou que o Sr. Ari foi embora do local a mais de oito anos, que segundo soube o Sr. Arlindo Moresco, irmão do requerente é que passou a cultivar parte das terras e o restante das terras foram vendidas para o Sr. Vitorelo. Em seguida tomei o depoimento da Sra. Silvana Kiodeli, que reside na referida localidade. A depoente informou que passou a residir no local a cerca de 7 anos e que não conheceu o requerente, pois o mesmo já não morava mais no local. Em seguida tomei o depoimento do Sr. Célio Kiodeli, que relatou que o Sr. Ari Moresco foi embora da referida linha a mais de dez anos, que segundo soube o mesmo vendeu parte das terras que possuía para o Sr. Helio Vitorelo e também para o Sr. Longo. Informou que segundo soube após vender as terras que possuía o Sr. Ari se mudou para Linha Lajeado próximo da cidade de Campinas do Sul. Em seguida tomei depoimento do Sr. Valdir Cita, que possui terras ao lado das terras que pertenciam ao requerente. O depoente disse que o Sr. Ari vendeu as terras para o Sr. Avelino e se mudou para linha Lajeado a mais de sete anos, que o mesmo não cultivou mais a propriedade desde então. Em seguida me desloquei até a Linha Lajeado, no local tomei depoimento do Morador Sr. Catio Lorenzo, que informou que o requerente residiu no local por um curto período e que a cerca de dez anos se mudou com seus familiares para cidade de Barão de Cotegipe. Ante o exposto concluo que o Sr. Ari Moresco não exerceu atividades rurais no período por ele relatado, sendo que o mesmo reside na cidade de Barão de Cotegipe a mais de dez anos.
O autor implementou a idade mínima de 60 anos em 12/07/2013 (evento 1, PROCADM3, fl. 2), razão pela qual, ao requerer o benefício, necessitou comprovar o exercício de atividade rural como segurado especial nos 180 meses imediatamente anteriores, ou seja, de 1998 a 2013.
Em razão da extensa documentação acostada aos autos, transcrevo a sentença, bem como suas conclusões acerca do trabalho rural da parte autora e síntese dos testemunhos colhidos em juízo:
"II - FUNDAMENTAÇÃO
II.2.1. Da aposentadoria por idade rural
Como se evidencia, o fato que ensejou a revisão administrativa - e a consequente restituição determinada administrativamente - foi a apuração de irregularidades no recebimento de benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural titularizado pelo autor, considerando que apurada a inexistência de labor rural, em regime de economia familiar, há considerável tempo, em período que antecedeu o requerimento de inativação.
A esse respeito, colaciona-se cópia da pesquisa administrativa que motivou o cancelamento da aposentadoria do autor e a consequente ação de cobrança (PROCADM3, fls. 47/48, evento 1):
(...) [transcrito acima]
Todavia, sustenta o demandante que os depoimentos colhidos, além de incongruentes, não retratam a veracidade de sua vida laborativa, porquanto sempre se dedicou a atividades campesinas com exclusividade, conforme revela histórico cronológico por ele suscitado (INIC1, evento 1):
*12/07/1953 - o autor nasce na localidade de Vista Alegre, Linha 7, Secção Cravo, interior de São Valentim; propriedade paterna de 60.800 m²;
*03/01/1976 - o autor casa com Salete Maria Restello, que passa a residir com o mesmo na propriedade rural de Vista Alegre, Linha 7, Secção Cravo, interior de São Valentim;
*22/10/1976 - nasce o primeiro dos filhos do autor, Marcelo Moresco;
*19/12/1977 - o autor adquire, juntamente com o irmão Avelino, as partes da propriedade da família pertencentes aos demais irmãos - matrícula 8.154;
*30/03/1979 - nasce o segundo dos filhos do autor, Marivan Moresco;
*04/12/1979 - o autor adquire a parte da propriedade que pertencia ao irmão Avelino - matrícula 8.154;
*14/10/1980 - o autor vende o imóvel localizado na Vista Alegre, Linha 7, Secção Cravo, interior de São Valentim para Valdemar Conci - matrícula 8.154 - e muda-se para a Linha Guarani - Linha Vertente Bacin, interior de Campinas do Sul - matrícula 3.534 - juntamente com a esposa, dois filhos e os pais;
*17/10/1980 - nasce o terceiro dos filhos do autor, Mari Tania Moresco;
*02/10/1984 - o autor compra uma propriedade rural da Linha Lajeado Ipiranga, São Cristóvão, interior de Campinas do Sul - matrícula 6.157 - para onde se muda com os três filhos e a esposa;
*10/09/1991 - o autor vende a propriedade localizada na Linha Guarani - Linha Vertente Bacin, interior de Campinas do Sul - matrícula 3.534 - para o irmão Avelino;
*05/05/2006 - o autor adquire uma casa em Barão de Cotegipe - escritura pública 3.808 - onde passa a residir o seu primogênito;
*2009 - a esposa do autor se aposenta;
*2011 - o autor e a esposa fixam residência na casa localizada em Barão de Cotegipe - escritura pública 3.808 - quando o autor passa a revezar moradia; ora residindo na casa em Barão de Cotegipe, ora residindo na propriedade de Linha Lajeado Ipiranga;
*01/02/2013 - o autor adquire imóvel de 3,5 hectares localizado na Linha São Francisco, interior de Erechim, para plantação de eucaliptos - escritura pública 5.034;
*28/01/2015 - o autor deixa de trabalhar na propriedade localizada na Linha Lajeado Ipiranga, São Cristóvão, interior de Campinas do Sul - matrícula 6.157 - , vendendo-a para Juliano Sacardo.
Compulsando os autos do processo administrativo NB 41/164.575.180-2, DER 31/07/2013, verifica-se que, ao requer o benefício de aposentadoria rural, foram anexados pelo autor: (1) cópia de sua certidão de casamento, lavrada em 23/01/1976, na qual se declarou agricultor; (2) cópia da matrícula n. 6.157, referente ao imóvel rural de 64.447 m² localizado na 4ª Secção do Polígono D da Colônia de Quatro Irmãos, interior de Campinas do Sul; e (3) notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas (anos de 1997 a 2013), cultivados em Linha Vertente Baccin e Linha Celuppi, no interior de Campinas do Sul/RS (PROCADM3, fls. 3/38 do evento 1).
Por ocasião da entrevista rural, o autor declarou 'que reside na Linha Celupi/Vertente Bacin por cerca de 22 anos, até a presente data, informa que neste período não se afastou das atividades rurais' (PROCADM3, fl.40 do evento 1).
No presente feito, com o objetivo de comprovar o labor rural, em regime de economia familiar, complementou a prova material com os seguintes documentos:
(1) certidão de nascimento do filho MARCELO, lavrada em 25/10/1976, junto ao Registro Civil de São Valentim/RS, constando o autor como agricultor, residente na localidade de Vista Alegre, naquele Município (CERTNASC13, fl. 1, evento 1);
(2) certidão de casamento da filha MARI TÂNIA, lavrada em 19/03/2004, constando o autor como agricultor, residente na Linha São Cristóvão, no Município de Campinas do Sul/RS (CERTNASC13, fl. 2, evento 1);
(3) certidão de casamento do filho MARIVAN, lavrada em 13/12/2003, constando o autor como agricultor, residente e domiciliado no Município de Campinas do Sul/RS (CERTNASC13, fl. 3, evento 1);
(4) matrícula do imóvel rural n. 8.154 do CRI de Erechim e Escritura Pública de Compra Venda, comprovando que o autor e o irmão Avelino Moresco adquiriram, em comunhão, 39,8 ha do lote rural n. 168, da Linha 7, Segunda Secção Cravo, no Município de São Valentim, em 19/12/1977; Posteriormente, em 04/12/1979, o autor adquiriu a parte do irmão, sendo que, em ambos os assentamentos, constou qualificado como agricultor, residente no Município de São Valentim/RS (MATRIMÓVEL6, evento 1);
(5) matrícula do imóvel n. 3.534, 5ª Secção Polígono 'D', da Colônia de Quatro Irmão, alienado pelo autor e sua esposa ao irmão Avelino Moresco, em 10/09/1991, ambos qualificados como agricultores, residentes no Município de São Valentim/RS (MATRIMÓVEL7, evento 1);
(6) escritura pública de compra e venda e matrícula do imóvel n. 6.157, localizado no Município de Campinas do Sul/RS, 4ª Secção do Polígono 'D' (64.447,00m2), alienado pelo autor e sua esposa, em 09/01/2015, a Juliano Sacardo. Constam nos documentos referidos que ambos são agricultores, residentes e domiciliados na Linha São Cristóvão, em Campinas do Sul (MATRIMÓVEL8, evento 1);
(7) escritura pública de aquisição de imóvel urbano (lote urbano n. 7), localizado no Município de Barão de Cotegipe, em 05/05/2006, pelo autor e sua esposa. Ele qualificado como agricultor, ambos residentes naquele Município (ESCRITURA9, evento 1);
(8) escritura pública de aquisição de imóvel rural nº 156, da Linha 04, da Secção Paiol Grande, situado no Município de Erechim, com área superficial de 35.000m2, em 1º/02/2013, pelo autor e sua esposa. Ele qualificado como agricultor, residentes e domiciliados no Município de Barão de Cotegipe/RS (ESCRITURA10, evento 1);
(9) ficha de atendimento ambulatorial do autor, realizada em 28/02/2013, junto à Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim, cujo endereço residencial constou como Linha São Cristóvão, interior de Campinas do Sul/RS (FICHIND11, evento 1);
(10) certidão emitida pela Secretaria Municipal de Administração e Finanças da Prefeitura de Campinas do Sul/RS, atestando que o autor consta inscrito como Produtor Rural desde 06/11/1981, desenvolvendo sua atividade na Linha São Cristóvão, no interior daquele Município (OUT12, evento 1);
Defende, ainda, que, em duas oportunidades anteriores ao pedido de aposentadoria, formulado em 31/07/2013, o próprio INSS reconheceu em seu favor a condição de segurado especial, o que se deu em 01/04/2010 e em 28/02/2013, quando lhe foram deferidos os benefícios por incapacidade, como compravam o extrato do seu CNIS (PROCADM3, fl. 39, evento 1) e as telas de INFBEN anexadas ao evento 49 do feito.
A pedido deste juízo, foi acostada aos autos, ainda, cópia da matrícula n. 6.156, referente à alienação pelo autor e sua esposa, de parte do lote 114, da 4ª Secção do Polígno D, da Colônia de Quatro Irmãos, a Celso Antônio Pagliarini e Andréia Paula Baccin Pagliarini, em 04/06/2007 (ESCRITURA1, evento 44), além de cópias dos talonários rurais a partir do ano de 2006, os quais formaram autos físicos complementares.
A respeito, as notas fiscais e contranotas de gêneros agrícolas que formam os autos complementares revelam a movimentação dos seguintes produtos:
N. FISCAL Nº | EMISSÃO | PRODUTO MOVIMENTADO | VALOR |
P.088.208831 | 09/01/2006 | aquisição de 200 sacos de 25 kg de sal moído iodado | R$ 1.320,00 |
P.088.208832 | 01/04/2006 | depósito de 3.674 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 979,73 |
P.088.208833 | 01/04/2006 | depósito de 3.551 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 946,93 |
P.088.208834 | 01/04/2006 | depósito de 3.880 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 1.034,67 |
P.088.208835 | 01/04/2006 | depósito de 2.411 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 642,93 |
P.088.208836 | 03/04/2006 | depósito de 4.200 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 1.120,00 |
P.088.208837 | 04/04/2006 | depósito de 4.153 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 1.107,47 |
P.088.208838 | 04/04/2006 | depósito de 2.901 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 773,60 |
P.088.208839 | 04/04/2006 | depósito de 4.139 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 1.103,73 |
P.088.208840 | 04/04/2006 | depósito de 2.802 kg de soja a granel C. Vaccarro & Cia. Ltda. em Campinas do Sul | R$ 747,20 |
P. 092.999091 | 27/03/2007 | beneficiamento de 4.276 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.138,00 |
P.092.999092 | 27/03/2007 | beneficiamento de 4.023 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.011,50 |
P.092.999093 | 27/03/2007 | beneficiamento de 3.579 kg de soja a granel OLFAR | R$ 1.789,50 |
P.092.999094 | 28/03/2007 | beneficiamento de 4.089 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.044,50 |
P.092.999095 | 28/03/2007 | beneficiamento de 4.107 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.053,50 |
P.092.999096 | 28/03/2007 | beneficiamento de 4.226 kg de soja a granel GRANEL | R$ 2.113,00 |
P.092.999097 | 29/03/2007 | beneficiamento de 3.762 kg de soja a granel OLFAR | R$ 188,10 |
P.092.999098 | 29/03/2007 | beneficiamento 4.100 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.050,00 |
P.092.999099 | 30/03/2007 | beneficiamento 3.365 kg de soja a granel OLFAR | R$ 1.682,50 |
P.092.999100 | 30/03/2007 | beneficiamento 4.825 kg de soja a granel OLFAR | R$ 2.412,50 |
P.104.317381 | 09/12/2008 | venda de 18.000kg de soja p/ OLFAR | R$ 12.345,00 |
P.104.317382 | 08/12/2008 | venda 4.684 litros de leite PERDIGÃO S/A | R$ 2.201,48 |
P.104.317383 | 12/12/2008 | aquisição de 200 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 1.640,00 |
P.104.317384 | 29/12/2008 | compra de 5000 kg de soja adquiridos de Teresinha Aparecida de Quadros Ceolin | R$ 4.200,00 |
P.104.317384 | 27/01/2009 | venda de 9.727 kg de soja p/ OLFAR | - |
P.104.317386 | 16/03/2009 | venda 4.684 litros de leite PERDIGÃO S/A | R$ 2.629,79 |
P.104.317387 | 31/03/2009 | aquisição de 200 sacos de 25kg de sal moído iodado | R$ 1.640,00 |
P.104.317388 | 15/06/2009 | venda 3.393 litros de leite PERDIGÃO S/A | R$ 2.221,02 |
P.104.317389 | 29/06/2009 | aquisição de 300 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 2.460,00 |
P.104.317390 | 01/10/2009 | compra de 8000 kg de soja adquiridos de Altemir Luiz Ceolin | R$ 4.800,00 |
P.107.098511 | 27/10/2009 | venda de 3000 kg de milho para Irineu Utzig e Vera T. Utzig | R$ 900,00 |
P.107.098512 | 25/11/2009 | aquisição de 227 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 2.224,60 |
P.107.098513 | 15/03/2010 | aquisição de 200 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 1.960,00 |
P.107.098514 | 20/04/2010 | venda de 26.500 kg de milho de Lauro Aloísio Scheneider | R$ 6.360,00 |
P.107.098515 | 26/07/2010 | venda de 06 unidades de HERB. ZAPP 20L p/ Granja Santa Lúcia | R$ 1.080,00 - transportador MARIVAN |
P.107.098516 | 20/08/2010 | venda de 572 sacas de milho a granel p/ José Scolski e Rosa Maria Scolski | R$ 11.440,00 |
P.107.098517 | 21/12/2010 | venda de 1.590 litros de leite para PERDIGÃO S/A | R$ 963,13 |
P.107.098518 | 03/01/2011 | venda de 1.695 litros de leite para PERDIGÃO S/A | 1.026,73 |
P.107.098519 | 22/03/2011 | venda de 4.000 kg de aveia preta p/ Tharles Simioni | R$ 1.520,00 - transportador MARCELO, veículo placas IRL 2439 - Barão de Cotegipe/RS |
P.107.098519 | 14/04/2011 | compra de 5000 kg de aveia preta de Andrey Antônio Pinheiro | R$ 1.500,00 - transportador MARCELO, veículo placas IRL 2439 - Barão de Cotegipe/RS |
P 141.392051 | 02/04/2013 | venda de 2.871,00 kg de soja em grão p/ C. Vaccaro & Cia Ltda. | R$ 1.435,50 |
P 141.392052 | 08/04/2013 | venda de 2.893,00 kg de soja em grão p/ C. Vaccaro & Cia Ltda. | R$ 1.446,50 |
P 141.392053 | 28/03/2014 | aquisição de 150 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 1.500,00 |
P 141.392054 | 23/06/2014 | venda de 18.000 kg de milho p/ Lauro Aloísio Schneider | R$ 6.300,00 |
P 141.392055 | 17/07/2014 | venda de 200kg de erva-mate p/ Barão Comércio e Indústria de Erva-Mate | R$ 234,48 |
P 141.392056 | 30/07/2014 | aquisição de 150 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 1.542,00 |
P 141.392057 | 08/12/2014 | aquisição de 150 sacos de 25 kg sal moído iodado | R$ 1.500,00 |
P 141.392058 | 10/04/2015 | venda de 60.000 kg de soja p/ OLFAR | R$ 65.000,00 |
Ouvido, em audiência, o autor declarou que comprou o terreno urbano em Barão de Cotegipe/RS, no ano de 2006, para um filho que veio do Mato Grosso, de nome Marcelo Moresco. Disse que só veio morar em Barão de Cotegipe no ano de 2013, nessa casa que o filho está, na Rua Vasco da Gama. Questionado, disse que residiu na Comunidade de Guarani, Linha Vertente Baccin, interior de Campinas do Sul/RS, entre os anos de 1980/1984. Após, foi para Linha São Cristóvão e/ou Linha Celupi, também no interior de Campinas do Sul, onde ficou por uns 26 anos até vir a residir em meio urbano, na cidade de Barão de Cotegipe, no ano de 2013 (AUDIO3, evento 40).
Alice Salete Camerini, residente na Linha São Cristóvão, também conhecida como Linha Celupi, no interior de Campinas do Sul/RS, declarou que o autor chegou lá na comunidade entre os anos de 1984 e 1985, na companhia da esposa e dos filhos. Nesse local, permaneceu por uns 25 anos. Questionada, disse que o autor saiu de lá há uns 08 ou 10 anos (menção no min. 1'45) e que ele nunca colocou 'agregados' na sua propriedade. Quando ele saiu de lá a esposa já estava aposentada. Mencionou ter conhecimento de que o autor comprou uma casa em Barão de Cotegipe/RS para o filho que veio do Mato Grosso, de nome Marcelo. Disse que quem tem uma agropecuária em Barão de Cotegipe é o filho do demandante, Marivan. Destacou, por fim, desconhecer supostas inimizades do autor, que pudessem justificar a denúncia feita ao INSS (AUDIO1, evento 40).
Altair Saccardo, também residente na Linha São Cristóvão, em Campinas do Sul, disse que conhece o autor desde o ano de 1984, quando ele veio morar naquela localidade. Seu filho, Juliano Saccardo, comprou a terra do autor no ano 2015. Declarou que, até seu filho comprar a propriedade, o Ari e a esposa moravam lá (menção no min. 2'11). Porém, antes de vender as terras para seu filho, o autor já tinha vendido parte da propriedade para Celso Pagliarini. Questionado, declarou: 'meu piá comprou onde tinha as morada', explicitando, desse modo, que Celso comprou a parte da terra nua, segundo a testemunha, a melhor área cultivável. Sublinhou que a alienação para seu filho foi feita para pagamento em três safras, mediante produto, acha que umas 1.000 (mil) sacas por safra. Também, explicou que, nesse interregno, posterior à venda de parte do imóvel para Celso, mas antes da alienação para seu filho, o autor ficou com cerca de 7 ha, sendo apenas uns 3 ou 4 ha cultiváveis, porque a área tinha bastante benfeitorias (vg. estrebaria, potreiro, cerca). Ali, ele poderia produzir uma média de 200 sacas de soja. O autor também tinha umas vaquinhas de leite. Por fim, afirmou que a agropecuária na cidade de Barão de Cotegipe pertencia ao filho do requerente (AUDIO2, evento 40).
Por fim, a testemunha Jacir Camerini declarou que conhece o autor desde os anos de 1980, quando ele veio morar em Campinas do Sul/RS, primeiro, na Linha Guarani e, após, na Comunidade de São Cristóvão. Conhecia o requerente porque trabalhava na cooperativa, local onde ele entregava seus produtos agrícolas. A testemunha também trabalhou no Comércio Vaccaro, até o ano de 2008, e tem recordação de que, até esta data, o demandante ali entregou produtos agrícolas (AUDIO4, evento 40).
Pois bem, após minuciosa análise ao conjunto probatório, verifico que assiste razão ao INSS, uma vez que há elementos materiais bastante seguros de que o autor deixou, efetivamente, a vocação rurícola, em regime de economia familiar, entre os anos de 2006/2007, período este que converge com a aquisição do imóvel urbano na cidade de Barão de Cotegipe/RS, a venda de parte de sua propriedade na Linha São Cristóvão, no interior de Campinas do Sul/RS, para Celso Antônio Pagliarini e Andréia Paula Baccin Pagliarini, e os elementos colhidos na pesquisa administrativa.
Isso porque, observou-se que, a partir da safra de 2008, a comercialização de gêneros agrícolas sofreu abrupta queda e inexplicável diversificação de cultura para os padrões empregados pelo autor e observados na região.
Com efeito, até 2006/2007 houve a comercialização regular do produto soja para estabelecimentos cerealistas da Região (Comércio Vaccaro e Olfar), conforme revela o levantamento das notas fiscais que formam os autos suplementares acima mencionadas. De 2008 em diante, porém, a relação sequencial de notas fiscais revela a inexplicável aquisição de sal iodado - aproximados 1.577 sacos de 25kg - entre os anos de 2008 e 2015; venda esporádica de leite em meses alternados e isolados do ano (vg. para o ano de 2008 foi registrada uma única venda no mês de dezembro de 4.684 litros; enquanto, em 2009, houve o lançamento de venda de leite apenas no mês de março e junho, respectivamente 4.684 e 3.393 litros; e, por fim, nos anos de 2010 e 2011, ocorreu a entrega do produto em apenas um mês do ano, respectivamente 1.590 litros em dezembro e 1.695 litros janeiro), quando é de conhecimento comum que a produção leiteira, notadamente nos casos de venda externa de significativa quantidade do produto, pressupõe certa regularidade e investimento.
Além disso, estranhamente, nesse período, aparece a venda de erva-mate, nunca mencionada, e a inusitada comercialização de herbicida de um 'pequeno produtor rural' para uma granja agrícola (lançamento em 07/2010), constando justamente como transportador o filho do demandante, MARIVAN, proprietário do mencionado estabelecimento agropecuário.
Também, é a partir desse interregno, que começa a constar, nos talonários rurais, o registro de troca de produtos agrícolas entre o demandante e outros agricultores, até, então, inexistentes.
Conquanto não se possa tomar de forma isolada a movimentação de gêneros agrícolas para fins de indeferimento da qualidade de segurado especial, uma vez que a lei não faz essa exigência (ex vi §1º do art. 11 da Lei 8.213/91), não se pode olvidar que tal fato, acrescido de informações sobre o exercício de atividade incompatível com a agricultura, deve ser considerado pelo juízo ao examinar a demanda.
Não bastasse isso, as testemunhas foram vacilantes ao declarar o momento em que o autor deixou as lides rurais, razão pela qual não merece credibilidade, neste ponto, os depoimentos colhidos em juízo, os quais são inaptos a ampliar a eficácia probatória do período de carência. Vejamos:
Alice Salete Camerini, em audiência realizada em 12/2016, declarou que o demandante deixou a localidade de São Cristóvão há 8 ou 10 anos, período este que coincide com os anos de 2006/2008, quando os lançamentos realizados em seus talonários rurais apresentaram significativas alterações nos termos supra.
Todavia, Altair Saccardo disse que o autor e sua esposa permaneceram na comunidade até o ano de 2015, data em que seu filho adquiriu a propriedade rural de ambos. Ao passo que o autor diz que saiu em 2013.
Por outro lado, registro de endereço firmado em ficha de atendimento ambulatorial não se presta a comprovação do exercício rurícola, porque neste documento é lançado, sem maiores formalidades, as declarações do próprio paciente.
Tampouco, o fato de o INSS ter pago benefícios por incapacidade para o autor na condição de segurado especial é óbice à revisão administrativa e ao indeferimento do restabelecimento do benefício, simplesmente por que um erro administrativo não pode servir de fundamento para convalidação de uma situação indevida.
Sendo assim, entendo que há elementos bastante contundentes que reforçam a pesquisa realizada em sede administrativa, no sentido de que o demandante, realmente, desde o ano de 2007, abandonou a vocação rurícola, passando a exercer atividade incompatível com a agricultura.
Isso posto, e considerando que o autor, ha considerável tempo, não exercia mais atividade rurícola, em regime de economia familiar, quando completou a idade mínima para aposentadoria rural, em 12/07/2013, deve ser mantido o indeferimento de sua inativação.
Isto porque, conforme voto-condutor proferido pelo Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, no julgamento do REsp 1354908/SP (Tema 642) - 'o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade'.
Tal entendimento assentou a exegese de que o conceito jurídico aberto da expressão 'período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício', contida no §2º do art. 48 da Lei 8.213/91, abarca efetiva prestação de serviço agrícola às vésperas da aposentação ou, ao menos, em momento imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário, o que não aconteceu na hipótese.
Não dissente:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA 1.354.908. INÍCIO DE PROVA MATERIAL EXTEMPORÂNEO AO PERÍODO DE CARÊNCIA. EFICÁCIA PROBATÓRIA AMPLIADA POR PROVA TESTEMUNHAL.RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.348.633/SP. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O entendimento firmado pelo Tribunal de origem acerca do que seja período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, está em harmonia com a conclusão do recurso representativo da controvérsia - REsp 1.354.908/SP -, de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício.2. A jurisprudência do STJ entende não ser necessário que o início de prova material seja contemporâneo a todo o período de carência exigido, desde que a sua eficácia probatória seja ampliada pela prova testemunhal colhida nos autos, foi o que se decidiu no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP.3. Agravo regimental não provido.(AgRg no REsp 1573192/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016, sem grifos no original)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.354.908-SP. EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ATÉ O IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO.1. O REsp. nº 1.354.908-SP estabeleceu a necessidade de o segurado estar exercendo atividade rural quando do implemento do requisito etário. 2. O voto condutor do acórdão da Turma consignou que a parte autora comprovou o exercício da atividade rural até o implemento do requisito etário legalmente exigido para a obtenção do benefício, não havendo, portanto, desconformidade com o posicionamento adotado pelo STJ no REsp nº 1.354.908-SP.3. Estando o acórdão de acordo com o entendimento do STJ não é caso do juízo de reexame previsto no art. 1.040, II, do CPC/2015. (TRF4, AC 5033332-69.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relator (AUXÍLIO SALISE) HERMES S DA CONCEIÇÃO JR, juntado aos autos em 31/01/2017, sem grifos no original)"
Retomo.
Primeiramente, observo que as pessoas ouvidas na diligência administrativa que resultou na cassação do benefício não prestaram depoimento na via judicial.
Vale dizer: a autarquia previdenciária cancelou o benefício baseada nas informações prestadas por elas e, quando teve oportunidade de judicializar a prova produzida na via administrativa, com as garantias legais e e assegurado o contraditório, não o fez.
A circunstância é extrememente relevante, sobretudo no caso presente, em que há farta prova documental acostada aos autos apontando em direção contrária às conclusões do INSS ao revisar a concessão, no sentido de que o autor seguiu produzindo e comercializando gêneros rurícolas.
Ademais, as informações prestadas na diligência administrativa pouco esclarecem a situação do autor.
Veja-se que as quatro primeiras pessoas ouvidas (Ivani Valentim, Silvana Kiodeli, Célio Kiodeli e Valdir Cita) são moradoras da Linha Vertente Bacin, em Campinas do Sul, e atestam que de há muito o autor vendeu as terras que possuía e saiu de lá. Ora, segundo informa o próprio autor e confirmam os documentos acostados aos autos, sua propriedade no local (matrícula 3.534) foi vendida em 1991 para o irmão Avelino (como, aliás também referem Ivani Valentim e Valdir Cita), ou seja, muito antes do período equivalente ao de carência, que se inicia em 1998. Portanto, de nada servem as informações prestadas por essas pessoas, exceto a confirmação de que o autor realmente saiu de lá e foi para Linha Lajeado (Célio Kiodeli e Valdir Cita), também no município de Campinas do Sul, não se prestando para infirmar trabalho agrícola alegadamente realizado em local diverso e longe dos olhos dos depoentes.
A única pessoa ouvida na diligência administrativa que reside no local onde o autor afirma ter exercido a maior parte da atividade rural durante o período equivalente ao de carência (1998 a 2013) é Catio Lorenzo, que de fato afirmou que o requerente deixou de residir no local cerca de 10 anos antes. Todavia, o INSS não cuidou de renovar o depoimento de Catio, desta feita em juízo, tornando-o pouco consistente e incapaz de fazer frente, isoladamente, ao conjunto de provas materiais e testemunhais produzidas nos autos e ir de encontro às conclusões administrativas que levaram à concessão do benefício. Acrescente-se que esta foi a única informação que prestou, não lhe tendo sido perguntado, ao que parece, se mesmo não residindo lá o autor seguiu explorando a propriedade ou se alguém o fez.
Também este dado é importante, porque as notas fiscais de produção mais recentes, que cobrem a maior parte do período que necessita ser comprovado, referem-se à propriedade de Linha Lajeado Ipiranga, no distrito de São Cristóvão, interior de Campinas do Sul/RS, adquirida em 1981 e alienada em 2015 (evento 1, MATRIMOVEL8; evento 1, OUT12), e Catio Lorenzo nada esclarece sobre quem produziu no local. Fato é que as notas fiscais demonstram que alguém plantou e criou gado leiteiro no local, ao que tudo indica o autor, em nome de quem estão os blocos de produtor. Se outrem houvesse realizado as atividades e apenas aproveitado o talonário do requerente caberia ao INSS trazer prova nesse sentido, ainda que somente testemunhal, o que também não fez.
Desta forma, entendo que as informações prestadas pelas pessoas ouvidas na diligência administrativa promovida pela autarquia após denúncia anônima são manifestamente insuficientes para levar ao cancelamento do benefício, cuja concessão foi lastreada em abundante prova documental em nome do autor e contemporânea à alegada atividade rural, no período equivalente ao de carência, imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
De qualquer forma, também os documentos apresentados estão coerentes com as alegações do autor e as testemunhas ouvidas em juízo.
Estas convergiram e não apresentaram contradições. Ademais, foram testemunhas oculares do trabalho do autor em Linha Lajeado (São Cristóvão), onde este desenvolveu as atividades rurais durante o período que necessita comprovar, ao contrário das pessoas ouvidas na diligência administrativa do INSS. Por fim, à unanimidade afirmaram que era o filho do autor, e não este, o proprietário de estabelecimento comercial (agropecuária). Prova em sentido contrário deveria ter sido feita pela autarquia, que, também aqui, quedou-se inerte.
Em termos documentais, o fato de ter havido diversificação das atividades por volta de 2008 não é de estranhar, pois o produtor rural sempre busca as alternativas mais atrativas para sua subsistência, sendo certo que a relação custo/benefício de cada atividade varia muito conforme a época, como é o caso do leite (cujo custo varia enormemente conforme varia o custo dos insumos necessários à manutenção e produção do gado leiteiro, bem como do preço pago ao produtor), da soja (que depende da variação de preços do mercado internacional), e do milho (planta extremamente sensível às variações climáticas). Mais importante que a diversificação são as quantidades produzidas, que devem ser compatíveis com a extensão de terras disponíveis, o que ocorre no caso concreto. Releva ponderar, ainda, que a queda de produção não pode se voltar contra o autor, a menos que fosse de tal monta que pudesse sugerir o abandono das lides rurais, pois poderia se dar em razão de eventos climáticos negativos, tal como a falta de chuvas, bem como em razão da diminuição das atividades por motivo de saúde, apenas para citar dois exemplos. Ademais, a falta de notas fiscais nos autos não significa, necessariamente, queda real de produção, dada a possibilidade de o autor simplesmente não as ter guardado ou localizado todas. Por essas e outras razões é que, via de regra, a prova documental é considerada início de prova material e não prova plena, necessitando ser complementada por prova testemunhal idônea.
Quanto à quantidade de sacos de sal iodado adquiridos anualmente, também não causa espécie. O sal iodado é importantíssimo suplemento, quase obrigatório, que deve ser dado regularmente ao gado leiteiro, sob pena de baixa expressiva nos níveis de produção. A aquisição de grandes quantidades, de uma só vez, é prática comum e visa principalmente ao barateamento do custo. Ademais, é grande o consumo de sal mineral e iodado pelo gado, pois os campo nativos do Rio Grande do Sul (e também de grande parte do Brasil) são bastante deficientes em alguns macro e microelementos essenciais ao desenvolvimento orgânico do animal. Somente pelo cotejo entre a quantidade de sacos adquirida e o número de animais a consumí-la em dado período de tempo é que se poderia aquilatar, com maior precisão, se realmente havia excesso na aquisição, a indicar finalidade meramente comercial, o que ​in casu não foi feito.
Por fim, considero que a existência de algumas notas fiscais atestando a comercialização de produtos agrícolas entre os produtores, e não entre produtor e cooperativas locais, não tem maior significação, frente ao volume comercializado com as cerealistas. Também a venda de erva-mate em dado ano somente reforça o exercício da atividade rural, e não o contrário; demais, a árvore da erva-mate é nativa na região do autor, sendo provável que a colheita eventual dos galhos para entrega em indústria ervateira possa ter ocorrido como forma de suplementar a renda em dado momento.
Registro ainda que, em consulta ao CNIS, verifiquei a inexistência de vínculos empregatícios ou de contribuições individuais relativos ao autor, o que reforça a conclusão de que sempre viveu do trabalho rural em regime de economia familiar.
Por tais razões, tenho que o INSS não se desincumbiu de provar que a concessão do benefício tenha sido indevida, razão pela qual deve ser reformada a sentença e julgada procedente a ação, determinando o restabelecimento da aposentadoria por idade rural do autor, desde a data do cancelamento (29/02/2016), com correção monetária das parcelas vencidas e juros de mora, a contar da citação.
Em vista da procedência da ação fica prejudicada a apelação do INSS.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016, e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios seguem a sistemática prevista no artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015. Considerando que o valor mensal do benefício aqui deferido será equivalente a um salário mínimo, bem como que entre a data do indevido cancelamento e a presente decisão de procedência, chega-se a uma condenação correspondente a 15 salários mínimos, é possível, desde logo, projetar que o valor da condenação, mesmo com a aplicação dos juros e correção monetária, não será superior a 200 salários mínimos, para efeitos de enquadramento do percentual de honorários nas faixas previstas no § 3º, inciso I a V, do artigo 85 do CPC/2015.
Assim, fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, sobre as parcelas vencidas até a data deste julgado (Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC/2015.
Tutela específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no artigo 497 do Código de Processo Civil de 2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 9 de agosto de 2007), é devido o cumprimento imediato do acórdão quanto ao restabelecimento do benefício da parte autora (NB 164.575.180-2), a ser efetivado em 20 dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora, julgar prejudicada a apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante ao restabelecimento do benefício.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004805-86.2016.4.04.7117/RS
ORIGEM: RS 50048058620164047117
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da Republica Paulo Gilberto Cogo Leivas |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Dr. Luiz Gustavo Ferreira Ramos. |
APELANTE | : | ARI MORESCO |
ADVOGADO | : | LUIZ GUSTAVO FERREIRA RAMOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/05/2017, na seqüência 1353, disponibilizada no DE de 02/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, JULGAR PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE AO RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8999177v1 e, se solicitado, do código CRC 511E0987. | |
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