APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040867-15.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | APARECIDA CAPARELLI MUSSATO |
ADVOGADO | : | FÁBIO ROBERTO BITENCOURT QUINATO |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REQUISITOS CUMPRIDOS. TRABALHO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. EFEITOS.
1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
2. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.
3. "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)" - RESP n.º 1.304.479.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e negar provimento ao recurso do INSS e, de ofício, diferir para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicados o recurso no ponto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2016.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8678791v6 e, se solicitado, do código CRC C149FEB2. | |
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Data e Hora: | 15/12/2016 16:32 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040867-15.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | APARECIDA CAPARELLI MUSSATO |
ADVOGADO | : | FÁBIO ROBERTO BITENCOURT QUINATO |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença publicada na vigência do CPC/15, em que o magistrado a quo julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural à parte autora, a contar da data do requerimento administrativo (05/08/2014), em razão do exercício do labor em regime de economia familiar, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, a partir da data do requerimento na esfera administrativa, atualizadas e acrescidas de juros moratórios, bem como dos honorários advocatícios e das custas processuais.
Em suas razões de apelação a Autarquia Previdenciária sustentou, em síntese, a ausência de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mesmo que de forma descontínua, especialmente pelo fato de haver prova de que o marido da autora exerce atividade urbana. Em sendo mantida a condenação, postulou a reforma do julgado no que tange aos índices adotados para o cômputo do montante devido.
Processados, subiram os autos a esta Corte.
É o sucinto relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Remessa Oficial
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário, a teor da Súmula nº 490: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
Contudo, inviável invocar o preceito da referida súmula, quando o valor do proveito econômico outorgado em sentença à parte autora da demanda é mensurável por simples cálculo aritmético.
O art. 496, §3º, I, do Código de Processo Civil/2015, dispensa a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos para a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
Denota-se da nova disposição legal sobre o tema reexame necessário, que houve uma restrição na aplicabilidade do instituto.
Visando avaliar a repercussão causada pela majoração para 1.000 salários mínimos do limite para a dispensa da remessa necessária, determinei à DICAJ prestasse informações.
Nas informações apresentadas, a Divisão de Cálculos Judiciais referiu que, para que uma condenação previdenciária atingisse o valor de 1.000 salários mínimos, necessário seria que a RMI fosse fixada no valor teto dos benefícios previdenciários, bem como abrangesse um período de 10 (dez) anos entre a DIB e a prolação da sentença.
No caso concreto, é possível concluir com segurança absoluta que o limite de 1.000 salários mínimos não seria alcançado pelo montante da condenação, que compreende desde 05/08/2014 até a data da sentença 09/06/2016.
Assim, tenho por não conhecer da remessa necessária.
Por fim, na hipótese de impugnação específica sobre o ponto, fica a parte inconformada desde já autorizada a instruir o respectivo recurso contra a presente decisão com memória de cálculo do montante que entender devido, o qual será considerado apenas para a análise do cabimento ou não da remessa necessária.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a aposentadoria por idade rural: a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (artigo 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91); b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício.
Quando implementadas essas condições, aperfeiçoa-se o direito à aposentação, sendo então observado o período equivalente ao da carência na forma do art. 142 da Lei nº 8.213/91 (ou cinco anos, se momento anterior a 31/08/94, data de publicação da MP nº 598, que modificou o artigo 143 da Lei de Benefícios), considerando-se da data da idade mínima, ou, se então não aperfeiçoado o direito, quando isto ocorrer em momento posterior, especialmente na data do requerimento administrativo, tudo em homenagem ao princípio do direito adquirido, resguardado no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91.
O benefício de aposentadoria por idade rural será, em todo caso, devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STJ, REsp nº 544.327-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, unânime, DJ de 17-11-2003; STJ, REsp. nº 338.435-SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, unânime, DJ de 28-10-2002; STJ, REsp nº 225.719-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, unânime, DJ de 29-05-2000).
Do trabalho rural como segurado especial
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Da idade para reconhecimento do labor rural
A idade mínima a ser considerada, no caso de segurado especial, em princípio, dependeria da data da prestação da atividade, conforme a legislação então vigente (nesse sentido: EREsp 329.269/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221). Não obstante, cumpre destacar que a limitação constitucional ao trabalho de menor é norma protetiva da infância, não podendo conduzir ao resultado de que, uma vez verificada a prestação laboral, a incidência do preceito legal/constitucional resulte em sua nova espoliação (desta feita, dos direitos decorrentes do exercício do trabalho).
Assim, é de ser admitida a prestação laboral, como regra, a partir dos 12 anos, pois, já com menos responsabilidade escolar e com inegável maior potência física, os menores passam efetivamente a contribuir na força de trabalho do núcleo familiar, motivo pelo qual tanto a doutrina quanto a jurisprudência aceitam esta idade como termo inicial para o cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial (nesse sentido: TRF4, EIAC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, julgado na sessão de 12-03-2003; STF, AI n.º 529694/RS, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, decisão publicada no DJU de 11-03-05).
Do caso concreto
Tendo a parte autora implementado o requisito etário em 02/08/2014 e requerido o benefício em 05/05/2015, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores aos respectivos marcos indicados.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora com Rubens Mussato, ocorrido em 30/04/1979, sendo ele qualificado como lavrador (E1 - OUT5 - p.4);
b) declaração de exercício de atividade rural emitido pelo Sindicato dos Trabalhadores rurais de São João do Ivaí/PR em nome da autora, em regime de economia familiar, no período de 02/01/1996 a 21/08/2014 nas terras de Vitorio Mussato (E1 - OUT5 - p.14) não homologada pelo INSS;
c) notas fiscais de produção rural emitidas em nome do marido da autora em 09/01/2002 (E1 - OUT5 - p.17) e em 05/04/2006 (E1 - OUT5 - p.19);
d) notas fiscais de produção rural emitidas em nome da autora em 16/10/2013 (E1 - OUT5 - p.20) e em 05/08/2014 (E1 - OUT5 - p.21);
e) certificado de cadastro de imóvel rural 2006/2009 do Lote 46, Gleba São João Arroio das Bandeiras, em nome de Vitorio Mussato, com área de 0,537 módulo fiscal (E1 - OUT5 - p.22);
f) matrícula 4.565 relativo ao imóvel Lote 46 da Gleba São João (E1 - OUT6 - p.2) adquirido por Vitorio Mussato em 27/06/1988.
A fim de complementar a prova documental, oportunizou-se a produção de prova oral, momento em que a parte autora relatou que "sempre trabalhou na lavoura. Que trabalha na roça desde a infância. Que não cessou a atividade mesmo após o casamento. Que trabalha atualmente em área de um alqueire de terra. Que a terra é de propriedade de seu cunhado, que possui uma área maior. Que planta para o consumo e o excedente é comercializado. Que reside na cidade. Que vai diariamente trabalhar na área. Que vai a pé, de carona ou de carro próprio. Que trabalha junto com seu esposo. Que ele não possui outra atividade. Que há um caminhão registrado em nome de seu marido, mas quem o utiliza são seus filhos. Que os vínculos de seu marido como caminhoneiro foram realizados em razão da impossibilidade do exercício da atividade por seu filho. Que faz pouco tempo que o caminhão foi adquirido. Que seus filhos auxiliavam os familiares na roça. Que em razão disto adquiriram os veículos. Que cada um dos filhos possui um caminhão. Que atualmente só trabalham no terreno a autora e seu esposo. Que atualmente seu marido está com problemas de saúde que impossibilitam a realização da atividade rural. Que trabalhou recentemente carpindo, catando mato. Que planta feijão, milho, batata, mandioca. Que a renda da família advém dessa atividade. Que não possuem outra renda. Que seus filhos só ajudam quando há necessidade. Que a casa em que reside na cidade foi adquirida em razão da atividade rural. Que seu marido não é aposentado".
Antonio Bento Sobrinho, quando inquirido, respondeu que "conhece a autora há 20 anos. Que desde que a conhece sabe que ela trabalha com lavoura. Que ela ainda trabalha na lavoura. Que ela nunca exerceu atividade urbana. Que a autora trabalha em área de terras cedida pelo cunhado. Que no local trabalha a autora e seu marido. Que eles plantam milho, feijão. Que o tamanho da área mede cerca de um alqueire. Que o casal não possui empregados. Que sabe que quem é caminhoneiro são os filhos da autora. Que não sabe em nome de quem os caminhões estão registrados. Que nunca viu o marido da autora trabalhando como caminhoneiro. Que sempre o vê na roça. Que acredita que o marido da autora possui habilitação especial para dirigir caminhão. Que sabe que às vezes o filho do casal fica doente e acredita que é por isso que ele possui carteira. Que a renda destinada para a compra do caminhão foi obtida pelo exercício da atividade rural, também exercida pelos filhos do casal em outro local. Que a autora vai diariamente trabalhar na roça. Que sabe disso pois mora próximo ao local e vê a autora e o marido se dirigindo ao local. Que às vezes eles vão a pé, que às vezes vão de moto".
Maria Belli Martioli, a seu turno, afirmou que "desde quando passou a residir na região sabe que a autora trabalha na área de propriedade do cunhado dela. Que ela trabalha com o esposo. Que é a única fonte de renda do casal. Que a conhece desde criança. Que quando menor a autora morava no sítio de seu pai, trabalhando na lavoura. Que ao se casar a autora passou a residir no sítio do cunhado. Que o cunhado cedeu parte das terras há mais de 20 anos. Que somente o casal trabalha no local. Que os filhos não ajudam. Que os filhos da autora são caminhoneiros. Que acredita que a renda destinada à compra dos caminhões adveio da venda de área herdada pelo marido da autora. Que nunca viu o marido da autora trabalhando com caminhão. Que quem trabalha com o caminhão são os filhos. Que as despesas da casa são mantidas pela renda advinda do labor rural".
O INSS trouxe aos autos a informação de que o marido da autora possui recolhimentos previdenciários entre 04/2012 e 10/2013 registrados em seu CNIS (E1 - OUT5 - p.7) advindos do exercício da atividade de caminhoneiro (E1 - OUT5 - p.9-12), o que se constituiria óbice ao reconhecimento da qualidade de segurada especial da autora. Além disto, também comprovou haver dois caminhões registrados em nome do marido da autora, os quais foram adquiridos em 02/08/2012 e 13/11/2012 (E12 - CONT8), e que a autora recentemente adquiriu veículo em nome próprio (E12 - CONT9).
No que tange ao exercício da atividade urbana pelo marido da autora, observo que só a prova de seu início a partir de 03/04/2012, quando o mesmo promoveu sua inscrição junto à autarquia como motorista de carro de passeio (E1 - OUT5 - p.8). Antes disto, há provas que demonstram o exercício de atividade rural por ele, consoante conteúdo dos documentos descritos acima nos itens 'a' e 'c'.
Sobre o ponto, resta assentado nesta Corte que o exercício de atividade urbana por integrante do núcleo familiar concomitante ao trabalho rural não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial em regime de economia familiar da parte autora, sempre que o trabalho agrícola for indispensável à sobrevivência dos membros do grupo familiar com um mínimo de dignidade.
No caso concreto, não há prova de que a renda oriunda do exercício da atividade de caminhoneiro pelo marido da autora tenha sido suficiente para a manutenção do grupo, tornando o exercício da atividade rural dispensável, e, assim, não servem para descaracterizar a qualidade de segurada especial. Ademais, tal como já assinalado, vale dizer que a comprovação do exercício dessa atividade remonta a período próximo ao implemento do requisito etário pela parte autora, não havendo elementos de que tal atividade urbana já fosse exercida há mais tempo.
De igual forma o fato de a autora ter adquirido um veículo automóvel em nome próprio (E12 - CONT9) não é suficiente, por si só, para a desqualificação da qualidade de segurada da autora, especialmente porque realizada a aquisição em momento posterior ao implemento do requisito etário.
Veja-se que a autora comprova a comercialização de produção rural nos anos de 2013 e 2014, o que corrobora à insuficiência dos elementos trazidos pela autarquia para o não reconhecimento do direito pleiteado pela autora. No ponto, também vale destacar que a prova testemunhal é coerente e inequívoca quanto ao exercício da atividade rural como fonte de renda indispensável à subsistência da requerente.
Conclusão
Diante deste cenário, entendo ter sido demonstrado o exercício de atividade rural da autora para o fim de lhe caracterizar como segurada especial no período equivalente ao da carência, motivo pelo qual é de ser mantida a sentença de procedência, com a concessão da aposentadoria por idade rural desde o requerimento administrativo (05/08/2014).
Consectários
Juros Moratórios e Correção Monetária.
De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados o recurso no ponto.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu art. 85 quanto à fixação da verba honorária.
Considerando a natureza da causa e tendo presente que o valor da condenação provavelmente não excederá a 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão concessória do benefício postulado (Súmulas 76/TRF4 e 111/STJ), nos termos do art. 85, §3º, I, do CPC/2015.
Consoante determina o §5º do referido artigo, na eventualidade de a condenação superar o limite de 200 salários mínimos, a verba honorária deverá observar os percentuais mínimos previstos nos incisos II a V do §3º, conforme a graduação do proveito econômico obtido.
Por fim, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p.único, da Lei Complementar Estadual nº156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Antecipada
No tocante à antecipação dos efeitos da tutela, entendo que deve ser mantida a sentença no ponto, uma vez que presentes os pressupostos legais para o seu deferimento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e negar provimento ao recurso do INSS e, de ofício, diferir para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicados o recurso no ponto.
É o voto.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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Data e Hora: | 15/12/2016 16:32 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040867-15.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00006745220158160156
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | APARECIDA CAPARELLI MUSSATO |
ADVOGADO | : | FÁBIO ROBERTO BITENCOURT QUINATO |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/12/2016, na seqüência 1040, disponibilizada no DE de 29/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E, DE OFÍCIO, DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A FORMA DE CÁLCULO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS, RESTANDO PREJUDICADOS O RECURSO NO PONTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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