| D.E. Publicado em 06/04/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009896-35.2016.4.04.9999/SC
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | JOANITA BUENO |
ADVOGADO | : | Nereu Roepke |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. TRABALHO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. EFEITOS. DOCUMENTOS EXCLUSIVAMENTE EM NOME DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR QUE MIGROU PARA O TRABALHO URBANO. IMPOSSIBILIDADE DA EXTENSÃO DA PROVA. DECLARAÇÃO DE SINDICATO RURAL. NÃO CONSTITUIÇÃO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
2. Declaração emitida por sindicato de trabalhadores rurais, sem a devida homologação do INSS, bem assim as declarações de terceiros não constituem início de prova material do exercício de atividade rurícola, pois extemporâneas aos fatos narrados, equivalendo apenas a meros testemunhos reduzidos a termo. (STJ, AgRg no Resp nº 416.971, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, T6, U. DJ 27-03-06, p. 349).
3. "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)" - RESP n.º 1.304.479.
4. No julgamento do Recurso Especial representativo de controvérsia (REsp n. 1.304.479-SP), o STJ entendeu restar prejudicada a extensão da prova material de um integrante do grupo familiar a outro, quando o titular passa a desempenhar atividade incompatível com a rural. Todavia, o recurso não foi provido, porquanto, na hipótese, verificou-se que a recorrida havia juntado documentos em nome próprio, atendendo à exigência de início de prova material.
5. Considerando o julgamento do REsp nº 1.352.721/SP pelo STJ, em regime de Recurso Repetitivo, a ausência de conteúdo probatório eficaz a comprovar a qualidade de segurado especial deve ensejar a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para julgar extinta a ação, sem resolução do mérito, forte no art. 485, IV, do CPC/2015, no que tange ao período anterior a 20/12/2004, e para reconhecer o exercício de atividade rural no período de 20/12/2004 a 05/12/2011, bem como, de ofício, determinar o imediato cumprimento do julgado no tocante à averbação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de março de 2017.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8851184v4 e, se solicitado, do código CRC 6D0E7EE4. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 30/03/2017 19:24 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009896-35.2016.4.04.9999/SC
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | JOANITA BUENO |
ADVOGADO | : | Nereu Roepke |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença publicada na vigência do CPC/15, em que o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural à parte autora, a contar da data do requerimento administrativo (06/12/2011), condenando a autora ao pagamento de custas e de honorários advocatícios no valor de R$ 900,00, sendo suspensa a exigibilidade das verbas em razão do benefício da gratuidade de justiça deferido à autora.
Em razão do óbito da demandante no curso da lide (fl. 117), seu cônjuge foi habilitado nos autos como sucessor da parte autora.
A parte autora recorreu sustentando, em síntese que desde sua infância exerce a atividade rural como fonte de renda para sua sobrevivência, de modo que, comprovados os requisitos legais mediante apresentação de prova material e produção de prova testemunhal, deve ser reconhecida sua qualidade de segurada especial, concedendo-se aposentadoria rural por idade desde a DER.
Processados, subiram os autos a esta Corte.
É o sucinto relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a aposentadoria por idade rural: a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (artigo 48, § 1º, da Lei nº 8.213/91); b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao período correspondente à carência do benefício.
Quando implementadas essas condições, aperfeiçoa-se o direito à aposentação, sendo então observado o período equivalente ao da carência na forma do art. 142 da Lei nº 8.213/91 (ou cinco anos, se momento anterior a 31/08/94, data de publicação da MP nº 598, que modificou o artigo 143 da Lei de Benefícios), considerando-se da data da idade mínima, ou, se então não aperfeiçoado o direito, quando isto ocorrer em momento posterior, especialmente na data do requerimento administrativo, tudo em homenagem ao princípio do direito adquirido, resguardado no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91.
O benefício de aposentadoria por idade rural será, em todo caso, devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STJ, REsp nº 544.327-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, unânime, DJ de 17-11-2003; STJ, REsp. nº 338.435-SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, unânime, DJ de 28-10-2002; STJ, REsp nº 225.719-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, unânime, DJ de 29-05-2000).
Do trabalho rural como segurado especial
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Da idade para reconhecimento do labor rural
A idade mínima a ser considerada, no caso de segurado especial, em princípio, dependeria da data da prestação da atividade, conforme a legislação então vigente (nesse sentido: EREsp 329.269/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221). Não obstante, cumpre destacar que a limitação constitucional ao trabalho de menor é norma protetiva da infância, não podendo conduzir ao resultado de que, uma vez verificada a prestação laboral, a incidência do preceito legal/constitucional resulte em sua nova espoliação (desta feita, dos direitos decorrentes do exercício do trabalho).
Assim, é de ser admitida a prestação laboral, como regra, a partir dos 12 anos, pois, já com menos responsabilidade escolar e com inegável maior potência física, os menores passam efetivamente a contribuir na força de trabalho do núcleo familiar, motivo pelo qual tanto a doutrina quanto a jurisprudência aceitam esta idade como termo inicial para o cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial (nesse sentido: TRF4, EIAC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, julgado na sessão de 12-03-2003; STF, AI n.º 529694/RS, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, decisão publicada no DJU de 11-03-05).
Do caso concreto
Tendo a parte autora implementado o requisito etário em 08/11/2011 e requerido o benefício em 06/12/2011, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores aos respectivos marcos indicados.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora com Alcídio Bueno, ocorrido em 22/12/1975, em que ele é qualificado operário (fl. 13);
b) anotação de vínculo empregatício na CTPS da autora no período de 02/05/2005 a 11/05/2005 como trabalhador hortifrutigranjeiro (fl. 18);
c) declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaiópolis - SC acerca do exercício da atividade rural da autora nos período de 1990 a 1992 nas terras de Célio Bertotti, de 1992 a 1995 nas terras de João Carvalho, de 1996 a 08/2004 nas terras de vários proprietários, de 09/2004 a 2007 nas terras de Celso Cardoso e, de 2008 a 2009, nas terras de vários proprietários (fl. 21);
d) contrato de arrendamento agrícola firmado pela autora e seu marido, qualificados como agricultores, relativamente à área de 6 hectares localizada na Localidade de Leonel, Itaiópolis - SC, de propriedade de Celso Cardoso, firmado em 20/12/2004, com vigência até 20/09/2007 (fls. 23-24);
e) notas fiscais de produção rural emitidas em nome do marido da autora em 23/02/1990 e 22/03/1991 (fls. 25-28) e de 20/09/2005 a 04/08/2008 (fls. 29-37);
f) declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Benedito Novo - SC acerca do exercício de atividade rural da autora no período de 26/02/2010 a 30/11/2011 nas terras de Renato Lenzi (fl. 39);
g) contrato de parceria agrícola firmado pela autora e seu marido, ambos qualificados como agricultores, relativamente à produção de aipim, milho, batata e feijão, firmado em 26/02/2010, com vigência até 31/12/2012 (fl. 44);
h) notas fiscais de produção rural em nome da autora emitidas entre 27/01/2010 e 26/07/2011 (fls. 47-55).;
Ressalto que a declaração emitida por sindicato de trabalhadores rurais, sem a devida homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), bem assim as declarações de terceiros não constituem início de prova material do exercício de atividade rurícola, pois extemporâneas aos fatos narrados, equivalendo apenas a meros testemunhos reduzidos a termo. Nesse sentido a jurisprudência: (STJ, AgRg no Resp nº 416.971, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, T6, U. DJ 27-03-06, p. 349, e AR nº 2.454, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, S3, U. DJ 03-11-04, p. 131).
A fim de complementar a prova documental, oportunizou-se a produção de prova oral, momento em que o sucessor da parte autora habilitado nos autos, cônjuge supérstite da mesma, relatou que "teve quatro filhos junto com a de cujus. Que seus filhos não mais residem com o autor. Que ficaram morando com os pais até completarem 18 anos. Que nem sua esposa nem o informante possuíam automóvel ou trator. Que o trator utilizado para o transporte da produção rural era do proprietário do imóvel que era arrendado pelo casal. Que nos últimos 20 anos o informante trabalhou como empregado. Que trabalhou também na lavoura. Que sua esposa não trabalhava como diarista, somente como arrendatária. Que ela trabalhava o dia todo na lavoura e o informante a ajudava quando retornava do trabalho. Que antigamente não formalizam o arrendamento, tratando somente do mesmo verbalmente".
MARIANO LANGA, quando inquirido, respondeu que "conheceu a falecida. Que ela foi agricultora. Que conheceu a autora trabalhando na roça. Que desde que a conheceu ela sempre trabalhou na agricultura. Que a autora colhia milho, batata, aipim. Que também tinha criava poucos animais, como galinhas. Que trabalhavam nas terras de Renato Lenzi. Que eram vizinhos. Que faz 7 anos que a conheceu. Que quando conheceu a autora ela somente residia com o marido".
JOSÉ OSNI GIRARDI, a seu turno, afirmou que "conheceu a autora há 6, 7 anos. Que a autora plantava batata, aipim, colhia milho, tinha criação de porco e galinha. Que a autora trabalhava em terra arrendada na área rural. Que não conheceu a autora antes disto. Que ela residia em Iaiópolis. Que ela trabalhava como agricultora naquela cidade. Que o casal teve quatro filhos. Que conheceu a autora em razão dos parentes do marido dela. Que conheceu primeiro os filhos da de cujus, há cerca de 10 a 12 anos. Que foi através dos filhos que conheceu a autora. Que foi a Itaiópolis duas vezes naquele período".
Por fim, MARLI POLTRONIERI LENZI revelou que "conheceu a autora, que ela trabalhava no terreno pertencente a seu marido. Que trabalhava como agricultora. Que o marido da autora também era empregado do marido da depoente, contratado há sete anos. Que a autora produzia. Que o transporte era feito por quem comprava. Que o marido da autora possuía um automóvel, mas não possuía trator, quem possuía trator era seu marido, que emprestava para os empregados transportarem a produção. Que sabe que o casal veio de Itaiópolis. Que acredita que a autora sempre foi agricultora, mas que seu marido trabalhava "fora". Que criavam alguns animais. Que o terreno ficava na área rural. Que o carro que possuíam era bem velho, não se recordando qual era o modelo. Que muitas vezes o carro não funcionava. Que a esposa trabalhava sozinha na lavoura, contando com a ajuda dos filhos e do marido, esse depois do expediente. Que somente os netos residiam com o casal, mas não os filhos. Que sabe que a autora trabalhava como agricultora em Itaiópolis porque ela própria disse isso à depoente".
Observo que a autarquia já reconheceu a atividade rural da autora como segurada especial nos períodos de 01/06/2005 a 31/12/2009 e de 26/02/2010 a 30/11/2011 (fl. 65), insuficientes, contudo, à satisfação da carência para a concessão do benefício almejado.
Pois bem, diante do conjunto probatório, não há dúvidas de que, a partir de 20/12/2004, data do contrato de arrendamento rural firmado pela de cujus e seu cônjuge, há contundente prova material acerca do exercício do labor rural em nome da mesma, o que foi ratificado pela prova testemunhal, impondo-se, portanto, o reconhecimento da atividade rural a partir daquele marco até a data imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
Por outro lado, em que pese o teor do enunciado contido na Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de reconhecimento do tempo de atividade rural no período anterior ao documento mais antigo apresentado, no caso dos autos dois óbices impedem o alcance daquela orientação jurisprudencial à autora.
Inicialmente, não há prova testemunhal convincente e idônea que permita a referida retroação, considerando que as testemunhas ouvidas conheceram a requerente por volta do ano de 2008, eis que todas referiram ter tomado ciência da atividade daquela quando ela se mudou para a cidade de Benedito Novo - SC, há cerca de 7 anos. Desta maneira, resta prejudicada o reconhecimento em período anterior à referida mudança uma vez que as testemunhas não mantinham contato com a demandante naquele momento.
Além disto, apesar de restar assentado nesta Corte que o exercício de atividade urbana por integrante do núcleo familiar concomitante ao trabalho rural não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial em regime de economia familiar da parte autora, sempre que o trabalho agrícola for indispensável à sobrevivência dos membros do grupo familiar com um mínimo de dignidade, tal fato não ilide a necessidade de prova material em nome da requerente.
Com efeito, no que tange à utilização da prova material da atividade rural de um membro do núcleo familiar a outro, quando o titular dos documentos passa a exercer atividade incompatível com a rural, como o trabalho urbano, assinalo que tal matéria foi apreciada em sede de Recurso Especial nº 1.304.479-SP, em conformidade com a sistemática dos recursos repetitivos, resultando na decisão assim ementada:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
No caso apreciado pelo STJ, apesar de terem sido juntados documentos em nome do cônjuge da parte autora, o qual passou a exercer atividade urbana, verificou-se que também foram carreados aos autos documentos em nome da requerente, consoante constou do voto do Ministro Relator, verbis:
"O cônjuge da recorrida exerceu trabalho urbano, portanto, o que contamina a extensão da prova material concernente às certidões de casamento e de óbito.
Por outro lado, o acórdão recorrido descreveu a existência de cópia da Carteira de Trabalho da recorrida em que consta registro de trabalho rural de 1987 a 2002, o que atende à necessidade de apresentação de prova material em nome próprio."
Em decorrência disso, o recurso especial interposto pelo INSS não foi provido, mantendo-se o reconhecimento da atividade rural da recorrida.
Ocorre que a situação posta nos autos não se coaduna com a que resultou no julgado acima referido, porquanto inexistente qualquer documento em nome da autora indicando o exercício da atividade rural antes do ano de 2004.
Destaco que o cônjuge da requerente, apesar de referir ter exercido a atividade rural, manteve de forma constante o exercício de atividade urbana, tendo assim se qualificado quando do casamento entre ambos (documento da fl. 13, item 'a' acima referida), e também é o que demonstram os vínculos empregatícios relativos à atividade urbana anotados em seu CNIS (fls. 61-62), o que consolida a vedação constante no julgado do Superior Tribunal de Justiça acima referido.
Assim, não havendo início de prova material contemporânea e idônea para comprovação do período rural no período anterior ao ano de 2004, não faz jus a parte autora ao benefício de aposentadoria rural pretendido.
Vinha entendendo que a insuficiência de prova acerca da qualidade de segurado especial deveria ensejar a improcedência do pedido, com o julgamento de mérito, e não a extinção do feito sem exame de mérito.
Contudo, tendo em conta o julgamento do REsp nº 1.352.721, em regime de Recurso Repetitivo, passo a adotar a posição do Superior Tribunal de Justiça, que determina a extinção do feito, sem julgamento de mérito, por carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, conforme ementa que colaciono:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16-12-2015)
Logo, o recurso da parte autora merece parcial provimento para julgar extinta a ação sem resolução do mérito, forte no art. 485, IV, do CPC/2015, no que tange ao período anterior ao ano de 2004, e para reconhecer o exercício de labor rural como segurada especial de 20/12/2004 a 05/12/2011, bem como, de ofício, determinar o imediato cumprimento do julgado no tocante à averbação, observando-se aquele já reconhecido pela autarquia.,
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo Código de Processo Civil, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à averbação do período reconhecido. Prazo: 45 dias.
Faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu art. 85 quanto à fixação da verba honorária.
Considerando a improcedência do pedido principal, importando sucumbência de maior monta da requernete, as custas e os honorários ficam a cargo da parte autora, os quais fixo em 10% do valor da causa, devidamente atualizado, nos termos do III do §4º do art. 85 do CPC/2015.
Ainda, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no §11 do art. 85 do CPC/2015.
Ressalto que fica suspensa a exigibilidade dos valores, enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o §3º do art. 98 do novo CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para julgar extinta a ação, sem resolução do mérito, forte no art. 485, IV, do CPC/2015, no que tange ao período anterior a 20/12/2004, e para reconhecer o exercício de atividade rural no período de 20/12/2004 a 05/12/2011, bem como, de ofício, determinar o imediato cumprimento do julgado no tocante à averbação.
É o voto.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009896-35.2016.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00006084220148240073
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Marcus Vinícius de Aguiar Macedo |
APELANTE | : | JOANITA BUENO |
ADVOGADO | : | Nereu Roepke |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/03/2017, na seqüência 58, disponibilizada no DE de 14/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA JULGAR EXTINTA A AÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, FORTE NO ART. 485, IV, DO CPC/2015, NO QUE TANGE AO PERÍODO ANTERIOR A 20/12/2004, E PARA RECONHECER O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO DE 20/12/2004 A 05/12/2011, BEM COMO, DE OFÍCIO, DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE À AVERBAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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