Apelação Cível Nº 5004118-07.2019.4.04.7117/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: SUELI VELANIR SIQUEIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
SUELI VELANIR SIQUEIRA propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 28/10/2019, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade híbrida, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, formulado em 23/02/2018, mediante o reconhecimento do desempenho de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 03/07/1968 a 15/09/1973. Pediu a reafirmação da DER, caso necessária à concessão do benefício.
Em 22/01/2021 sobreveio sentença (
) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:Pelo exposto, julgo improcedente o pedido, resolvendo o mérito, forte no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Sem custas ou honorários advocatícios de sucumbência (arts. 54 e 55 da Lei n. 9.099/95).
Inconformada, a parte autora interpôs apelação (
) pedindo o reconhecimento do trabalho rural, em regime de economia familiar, no período de 03/07/1968 a 15/09/1973, bem como a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, a contar da DER, e a inversão dos ônus de sucumbência. Por fim, reiterou o pedido de reafirmação da DER, caso necessária à concessão do benefício.Com contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
VOTO
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Da aposentadoria por idade na forma híbrida
Com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).
Na interpretação deste novel dispositivo, este Tribunal Regional Federal orienta:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. 1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem. 2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. 3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural. 4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana. (TRF4, EI Nº 0008828-26.2011.404.9999, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por maioria, vencido o Relator, D.E. 10/01/2013, publicação em 11/01/2013).
Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.
Ainda, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer, caso ocorra a implementação da carência exigida antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento a eventual perda da condição de segurado (§ 1º, do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) (TRF4, Quinta Turma, AC 0025467-17.2014.404.9999, rel. Rogerio Favreto, D.E. 29/05/2015). O referido § 1º do art. 3º da Lei 10.666/2003, assim dispõe:
Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
Conclui-se, pois, que o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício.
O que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. Esse tempo, tratando-se de aposentadoria do § 3º do art. 48 da Lei n.º 8.213/1991, conhecida como mista ou híbrida, poderá ser preenchido com períodos de trabalho rural e urbano.
Não é relevante, outrossim, o tipo de trabalho, rural ou urbano, que o segurado está exercendo quando completa as condições previstas em lei, como já esclarecido pelo Superior Tribunal de Justiça:
[...] seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)
(STJ, Segunda Turma, REsp1407613/RS, rel. Herman Benjamin, j. 14/10/2014, Dje 28/11/2014, trânsito em julgado em 20/02/2015).
Saliente-se ainda, que a questão da impossibilidade de computar período de labor rural remoto, ou seja, anterior em muitos anos à data do requerimento administrativo, sem o devido recolhimento de contribuições previdenciárias, para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida foi submetida ao rito dos recursos repetitivos no STJ, objeto do Tema 1007: possibilidade de concessão aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, §3º, da Lei 8.213/1991, mediante o cômputo de período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
O mérito da controvérsia foi julgado na sessão de 14/08/2019, quando a Primeira Seção do STJ, apreciando o REsp nº 167.422-1/SP e o REsp nº 178.840-4/PR, fixou a seguinte tese:
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
Assim, em face do decidido pelo STJ no tema 1007, é possível computar o período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, para fins da carência para obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Desnecessário que no momento do requisito etário ou do requerimento administrativo a pessoa estivesse desenvolvendo atividade rural, sendo suficiente a totalização dos períodos rurais e urbanos, nos termos do referido precedente, e que tenha sido implementada a idade.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
CASO CONCRETO
A sentença analisou a questão nos seguintes termos:
"(...)
Com a finalidade de demonstrar o labor campesino no período de 03/07/1968 a 15/09/1973, foram anexados ao feito os seguintes documentos: a) Certidões de nascimento das irmãs da autora, nascidas nos anos de 1958, 1962 e 1967, em que o pai, Sr. Irany de Siqueira, foi qualificado como era agricultor; b) Certidão de nascimento da autora, em que o pai foi qualificado como agricultor.
Frente a isso, com vistas a aferir o efetivo exercício de atividade rural em regime de economia familiar, foi, ainda, realizada audiência de instrução e julgamento (evento 41), a qual pode ser sintetizada pelos relatos abaixo transcritos:
Autora: Que residia com os pais e irmãos em terras localizadas na comunidade de Portão de Cadeia, na época pertencente ao município de Cruz Alta/RS, hoje município de Santa Bárbara. Que não possuíam escritura da propriedade. Que não recorda o tamanho da propriedade da qual tinham posse, mas era bem pequena. Que toda a família trabalhava na agricultura. Que trabalhavam para os vizinhos em troca de produtos/alimentos. Que estudava de manhã numa escola localizada em Pinheiro Marcado, distante cerca de 10 km da residência. Que ia para a escola de ônibus e voltava caminhando, e demorava cerca de 3 horas. Que almoçava na escola, pois ganhavam refeição. Que duas vezes por semana ficava na escola durante a tarde também. Que às vezes ganhava carona para voltar. Que trabalhava cerca de uma ou duas horas até anoitecer.
1ª testemunha (Alzira Castro dos Santos): Que conhece a autora desde a infância, pois residiam na mesma localidade (Portão da Cadeia, Saldanha Marinho). Que residiam cerca de 2 km de distância. Que a família da autora era de agricultores. Que trabalhavam em terras próprias. Que possuíam cerca de dois ou três alqueires. Que eram em nove pessoas na família. Que todos trabalhavam na agricultura. Que não trabalhavam para outras pessoas. Que a autora estudava em escola da comunidade e posteriormente na localidade de Pinheiro Marcado. Que a autora ia todos os dias (a pé ou de carroça). Que estudava de manhã e de tarde trabalhava na lavoura. Que a escola não ficava longe. Que toda a família trabalhava na agricultura e não tinha outra fonte de renda. Que vendiam o excedente para os vizinhos. Que não possuíam maquinário e o trabalho era manual. Que a autora trabalhou apenas na agricultura, e deixou a casa dos pais após o casamento. Que ajudava na lavoura mesmo no período em que estudou na escola mais distante.
2ª testemunha (Ilson de Paula): Que conhece a autora desde a infância, pois residiam na mesma localidade (Portão da Cadeia), distantes cerca de 3 km. Que a família da autora era de agricultores. Que trabalhavam em terras próprias. Que possuíam mais ou menos meia colônia de terras. Que eram em nove pessoas na família. Que todos trabalhavam na agricultura, inclusive a autora. Que não trabalhavam para outras pessoas como diaristas ou peões. Que a autora saiu da casa dos pais quando casou. Que o marido da autora era da região. Que a autora estudava e voltava para casa todos os dias. Que não recorda de a autora ter estudado em Pinheiro Marcado. Que não possuíam empregados, e que apenas a família trabalhava. Que não possuíam outra fonte de renda fora da agricultura. Que até o casamento a autora laborou apenas na agricultura. Que plantavam para a subsistência familiar. Que o excedente era trocado. Que criavam galinhas e porcos. Que a autora estudava meio turno e trabalhava com os pais no outro. Que a localidade fica cerca de 8 km de distância de Pinheiro Marcado.
Pois bem. Sustenta a autora que, até o seu casamento, teria residido e trabalhado com seus pais na localidade de Portão de Cadeia, na época pertencente ao município de Cruz Alta/RS, hoje município de Santa Bárbara. O trabalho teria sido realizado em terras próprias, mas a propriedade não possuía escritura pública. Assim, para o referido período, as únicas provas apresentadas pela autora são a sua certidão de nascimento e as certidões de nascimento de suas irmãs, em que o genitor foi qualificado como agricultor.
Não obstante a apresentação das referidas certidões, tenho que as circunstâncias que permeiam o caso em concreto não permitem o reconhecimento do exercício de atividade rural em regime de economia familiar.
Não há nos autos títulos de propriedade rural em nome da autora ou seus genitores, tampouco eventuais contratos de arrendamento firmados, a esclarecer onde efetivamente o grupo familiar residia e laborava.
Não restaram apresentados, de outro giro, documentos de compra de sementes, adubo ou de equipamentos destinados à atividade agrícola, tampouco qualquer prova da existência de comercialização da produção agrícola.
A prova testemunhal, como visto, revelou-se superficial e com várias divergências, demonstrando pouco conhecimento a respeito das circunstâncias que envolvem os fatos alegados pela autora, não havendo sequer menção a respeito de eventual comercialização de produção agrícola.
Como se observa, a prova dos autos indica que não havia produção rural relevante, com fins à comercialização e que fosse indispensável ao sustento familiar, fato que descaracteriza a condição de segurado especial.
Assim sendo, o conjunto probatório carreado aos autos não permite a formação de convencimento acerca do exercício de atividades rurais em regime de economia familiar no período postulado, independentemente dos depoimentos colhidos em audiência.
Isso porque a comprovação de tempo rural não prescinde da apresentação de início de prova material, nos termos do artigo 55, §3º, da Lei de Benefícios e da súmula 149 do STJ:
SÚMULA N. 149. A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
No caso dos autos, contudo, os elementos materiais e testemunhais colacionados aos autos não são suficientes a demonstrar que a demandante tenha desenvolvido as lides campesinas na condição de segurada especial.
Com efeito, os únicos documentos ligando a autora ao labor campesino alegado limitam-se às averbações constantes das certidões de nascimento, as quais equivalem a mera declaração unilateral, insuficientes a configurar início de prova material. Afora isso, não há qualquer prova material que demonstre o desempenho de atividade rural pela demandante.
Observo que conquanto não se faça necessária a apresentação de elementos probatórios para cada ano no qual se pretende comprovar o desempenho da atividade rural, indispensável a apresentação de um início de prova material razoável a amparar as alegações autorais e apto à formação da convicção, o que, in casu, não ocorreu.
Sobre o tema, colaciono precedentes:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE.1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.2. Não tendo a parte autora logrado comprovar o efetivo exercício de atividades rurais, na condição de segurada especial, durante o período equivalente à carência necessária à concessão da aposentadoria por idade, é inviável que esta lhe seja outorgada. (TRF4, APELREEX 0010789-94.2014.404.9999, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 27/05/2015). Grifei.
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CADASTRO DE LOJAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.1. A juntada de documento consistente em cadastro de loja, no qual constam datas e dados pessoais genéricos, equivale a mera declaração unilateral, insuficiente a configurar início de prova material.2. Não havendo início de prova material contemporânea e idônea para comprovação do período rural no período de carência, inviável conceder o benefício de aposentadoria rural à parte autora. (TRF4, APELREEX 0015034-51.2014.404.9999, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, D.E. 27/05/2015). Grifei.
Logo, a partir do desajuste de informações revelado pela prova oral produzida, somada à frágil prova material apresentada, tenho que, muito embora não se negue certa vinculação da autora e de sua família com o meio rural, a condição de segurada especial não restou satisfatoriamente comprovada no período pretendido.
Impõe-se, desse modo, a improcedência do pedido formulado nestes autos.
(...)"
Como referido na sentença, para a comprovação da atividade rural no período de 03/07/1968 a 15/09/1973, a parte autora juntou aos autos certidões de nascimento de suas irmãs, nos anos de 1958, 1962 e 1967, bem como a sua certidão de nascimento, constando a qualificação de agricultor de seu pai.
Dessa forma, sendo todos os documentos anterores ao período postulado, entendo que não há início de prova material apta a configurar o trabalho rural.
Embora a prova oral tenha sido favorável, não é suficiente para a comprovação do trabalho rural da família da parte autora no período postulado
Assim sendo, não se pode reconhecer o interregno debatido, ante a ausência de prova material.
Entretanto, a considerar que a decisão proferida nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça é vinculante, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito, quanto ao período debatido:
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de cômputo de tempo rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso que, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.
Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural no período necessário à concessão da aposentadoria híbrida requerida.
Dessa forma, possibilita-se que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessária, a concessão da aposentadoria rural por idade, conforme orientação traçada no recurso representativo de contróversia, REsp 1.352.721/SP.
Assim, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do Código de Processo Civil, quanto ao período postulado, merecendo parcial provimento a apelação da parte autora no ponto.
Por fim, sem o reconhecimento do tempo rural postulado, não implementa a parte autora os requisitos necessários à concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
Quanto à reafirmação da DER, deve ser mantida a sentença:
"(...)
A parte autora requereu, ainda, a alteração da DER para que lhe seja concedido o benefício de aposentadoria, levando em conta o cômputo do tempo de serviço posterior ao requerimento. Ocorre que o último vínculo empregatício mantido pela autora se encerrou em 16/02/2018, antes, portanto, do requerimento administrativo em 23/02/2018, razão pela qual não há que se falar em reafirmação da DER.
(...)"
Conclusão
Dar parcial provimento ao apelo da parte autora para extinguir o pedido de reconhecimento do tempo rural sem resolução do mérito.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002692006v11 e do código CRC 3b87f096.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 28/10/2021, às 12:18:37
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Apelação Cível Nº 5004118-07.2019.4.04.7117/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: SUELI VELANIR SIQUEIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TEMA 629 DO STJ.
Extinção do feito sem julgamento de mérito, com fundamento no Tema 629 do STJ, em razão da ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002692007v3 e do código CRC 45b58c95.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES
Data e Hora: 28/10/2021, às 12:18:37
Conferência de autenticidade emitida em 04/11/2021 04:01:19.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/10/2021 A 27/10/2021
Apelação Cível Nº 5004118-07.2019.4.04.7117/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
APELANTE: SUELI VELANIR SIQUEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: PABLO LUIS TOMAZELLI (OAB RS064782)
ADVOGADO: LUIZ GUSTAVO FERREIRA RAMOS (OAB RS049153)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/10/2021, às 00:00, a 27/10/2021, às 16:00, na sequência 210, disponibilizada no DE de 08/10/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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