REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5021201-28.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PARTE AUTORA | : | MARIA DE LOURDES DA SILVA |
ADVOGADO | : | UIVERSON HORNING MENDES |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TEMPO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCABIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devido o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural, a contar da cessação administrativa.
3. Incabível indenização por dano moral em razão do indevido cancelamento de benefício previdenciário, pois não possui o ato administrativo o condão de provar danos morais experimentados pelo segurado.
4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária nas dívidas não-tributárias da Fazenda Pública.
5. Precedente do Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante, que deve ser observado, inclusive, pelos órgãos do Poder Judiciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e manter a antecipação de tutela concedida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de maio de 2018.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Artur César de Souza, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9353966v8 e, se solicitado, do código CRC 2EC54E4A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Artur César de Souza |
| Data e Hora: | 21/05/2018 19:56 |
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5021201-28.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PARTE AUTORA | : | MARIA DE LOURDES DA SILVA |
ADVOGADO | : | UIVERSON HORNING MENDES |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial de sentença proferida antes da vigência do novo CPC, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
"(...)
Ante o exposto, com base no art. 269, I, CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por MARIA DA LOURDES DA SILVA em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para o fim de determinar o restabelecimento do benefício previdenciário de aposentadoria por idade, com efeitos financeiros desde 27/06/2008 (data da cessação), descontadas as parcelas já pagas após a concessão da tutela antecipada em grau recursal, acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos da fundamentação.
Considerando a sucumbência recíproca, mas não em igual proporção, condeno a parte autora ao pagamento de 20% e o INSS ao pagamento de 80% das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º, CPC, observada a súmula 306 do STJ quanto à compensação dos honorários. As custas da parte autora permanecem com exigibilidade suspensa enquanto perdurar o estado de pobreza, na forma do art. 12 da Lei 1060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 475, § 2º, CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (...)".
Exclusivamente por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Em 23/09/2016, os autos baixaram em diligência, para que fosse produzida a prova testemunhal (Evento 17).
Realizada a audiência de instrução em 03/05/2017 (Evento 48), retornaram os autos a esta Corte em janeiro de 2018.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da remessa oficial
Em relação à remessa oficial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial (EREsp 934642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 30/06/2009), prestigiou a corrente jurisprudencial que sustenta ser inaplicável a exceção contida no § 2.º, primeira parte, do art. 475 do CPC/73 aos recursos dirigidos contra sentenças (a) ilíquidas, (b) relativas a relações litigiosas sem natureza econômica, (c) declaratórias e (d) constitutivas/desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenação certa ou de definir objeto litigioso de valor certo (v.g., REsp. 651.929/RS).
Assim, em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.
Não sendo esse o caso dos autos, conheço da remessa oficial.
Aposentadoria por Idade Rural
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Sabe-se que quando a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493/PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 1.321.493/PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
Ressalte-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Regional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo de 01/06/1981 a 24/10/1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Outrossim, em recente decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.348.633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Por estar em consonância com o entendimento desta Relatoria quanto às questões deduzidas, a sentença recorrida merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
"(...)
FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação previdenciária por meio da qual a autora pretende o restabelecimento de aposentadoria por idade rural suspensa em razão de ato de revisão praticado pela requerida.
Inexistindo preliminares ou outras questões processuais pendentes e encontrando-se o feito maduro para julgamento, passo ao exame do mérito.
A alegação de decadência da atividade de autotutela da autarquia ré foi rechaçada por meio da decisão do mov. 1.19.
Como bem esclareceu o acordão proferido no Agravo de Instrumento nº 0011060-35.2011.404.0000, pelo princípio da autotutela, tem o poder-dever de revisar os seus atos quando eivados de nulidade, nos termos das Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
SÚMULA 346
A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
SÚMULA 473
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Consequentemente, dentro do exercício do poder de autotutela a Administração Pública poderá, comprovada ilegalidade, cassar benefício concedido com vício, pois inexistiria direito adquirido decorrente de ato irregular, ilegal ou ilícito.
Todavia, para tanto, é indispensável ser afastada a chamada "coisa julgada administrativa", que impede que a Administração simplesmente venha a desconstituir atos consolidados sem que exista prova superveniente robusta a indicar a ilicitude perpetrada, sendo vedada, assim, a possibilidade de simples revogação de atos cuja edição não guardem qualquer margem de discricionariedade.
Sobre o instituto da coisa julgada administrativa:, ensina a melhor doutrina que:
1.não podem ser revogados os atos vinculados, precisamente porque nestes não há os aspectos concernentes à oportunidade e conveniência; se a Administração não tem liberdade para apreciar esses aspectos no momento da edição do ato, também não poderá apreciá-los posteriormente; nos casos em que a lei preveja impropriamente a revogação de ato vinculado, como ocorre na licença para construir, o que existe é uma verdadeira desapropriação de direito, a ser indenizada na forma da lei;
2.não podem ser revogados os atos que exauriram os seus efeitos; como a revogação não retroage, mas apenas impede que o ato continue a produzir efeitos, se o ato já se exauriu, não há mais que falar em revogação; por exemplo, se a Administração concedeu afastamento, por dois meses, a um funcionário, a revogação será possível enquanto não transcorridos os dois meses; posteriormente, os efeitos terão se exaurido. Vale dizer que a revogação supõe um ato que ainda esteja produzindo efeitos, como ocorre com a autorização para porte de armas ou exercício de qualquer atividade, sem prazo estabelecido;
3.a revogação não pode ser feita quando já se exauriu a competência relativamente ao objeto do ato; suponha-se que o interessado tenha recorrido de um ato administrativo e que este esteja sob apreciação de autoridade superior; a autoridade que praticou o ato deixou de ser competente para revogá-lo;
4.a revogação não pode atingir os meros atos administrativos, como certidões, atestados, votos, porque os efeitos deles decorrentes são estabelecidos pela lei;
5.também não podem ser revogados os atos que integram um procedimento, pois a cada novo ato ocorre a preclusão com relação ao ato anterior;
6.não podem ser revogados os atos que geram direitos adquiridos, conforme está expresso na Súmula nº 473, do STF.
Por consequência lógica, forçoso concluir que, em se tratando de caso de anulação de ato administrativo vinculado, tal qual na espécie, é ônus da parte requerida demonstrar, de forma cabal, que o ato concessivo do benefício está eivado de ilegalidade.
No caso a suspensão da aposentadoria por idade rural da autora fundamentou-se em notícia de crime anônima que dava conta de irregularidade na prova produzida pela requerente em relação à prestação de serviço ao Sr. Anor Pedroso Joslin, consistente em declaração firmada por este atestando que a autora trabalhou, esporadicamente, em safras realizadas em sua propriedade como bóia-fria desde 1990 até a data da declaração (21/01/2002).
Esta notícia de crime anônima teria dado ensejo à instauração de Inquérito Policial para averiguar eventual prática de crime, porém, o procedimento foi arquivado por falta de prova com relação à autora (mov. 1.13 e 1.21).
a) Da alegada ofensa ao Princípio da Ampla Defesa, Contraditório e Devido Processo Legal
Alega a autora que o processo administrativo que deu causa a suspensão do benefício pela requerida estaria eivado de nulidade diante da ofensa aos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal.
Não restam dúvidas que a garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos (RE 425.406-AgR).
No caso em apreço, antes mesmo da suspensão do benefício foi facultado à autora a oportunidade de apresentar defesa e produzir provas no âmbito do processo administrativo, conforme se evidencia do encaminhamento do Ofício nº 326, datado de 23 de maio de 2008 (mov. 1.6).
Devidamente notificada, a autora apresentou defesa administrativa, produzindo provas (mov. 1.6), sendo que, após proferida decisão administrativa de suspensão da aposentadoria, a autora foi novamente cientificada do prazo para apresentação de recurso administrativo, por meio do Ofício nº 436, datado de 24 de junho de 2008.
Portanto, não vislumbro ofensa aos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, pois foram assegurados à autora a possibilidade de apresentação de defesa e produção de prova, com amplo acesso ao processo administrativo.
b) Da ilegalidade da suspensão da aposentadoria
Partindo do pressuposto que o ato de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural é dotada da presunção de legitimidade, necessário que a requerida comprove, de forma cabal, a existência de fraude, como já fito alhures.
Constata-se que o pedido de aposentadoria foi apresentado com Declaração de Exercício de Atividade Rural firmada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Lapa, devidamente homologado pelo INSS (art. 106 da Lei nº 8.213/91), baseada em Certidão de Casamento em que consta o cônjuge como lavrador, declaração do patrão (Anor Pedroso Joslin) e testemunhas (Sr. Benedito Adão Batista Mendes e Sr. Valdomiro Schimaleski), conforme documentos juntados no mov. 1.6.
Se de um lado havia uma notícia anônima que apontava indícios de irregularidade na declaração do Sr. Anor Pedroso Joslin, de outro, verifica-se que a requerida não produziu prova da falsidade de tal declaração, lembrando que o Inquérito Policial instaurado foi arquivado por ausência de provas e que, devidamente instada a se manifestar sobre esta prova, a requerida permaneceu inerte (mov. 1.21 e 1.23).
Ademais, a autora, devidamente notificada para apresentar defesa, produziu outras provas visando a comprovar a sua condição de trabalhadora rural no período indicado (Declarações de Testemunhas - Sr. Benedito Miranda, Sr. João Maria Teixeira, Sr. Rogério Kutacho, Sra. Roseli Kutacho e Sr. Benedito da Silveira Dias - mov. 1.6) e estas provas, juntamente com as já produzidas previamente à concessão da aposentadoria não foram desconstituídas pela requerida.
Cumpre esclarecer que a requerida, em contestação, sequer impugnou as outras provas colacionadas aos autos, restringindo-se a tão somente alegar a falsidade da declaração do empregador Anor Pedroso Joslin.
Ademais, de um exame atento das provas colacionadas aos autos entendo que são suficientes para comprovar o exercício de atividade rural, ao contrário do afirmado pela autarquia federal.
De acordo com as regras veiculadas pelo artigo 39, I, 48, §2º, e 143, todos da Lei nº 8.213/91, o segurado trabalhador rural pode aposentar-se com 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher. Porém, a fim de se aposentar sem a necessidade de contribuição, deve comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A autora, ao tempo do pedido administrativo, contava com idade superior a 60 anos. Portanto, presente o requisito do artigo 48, §1º, da lei 8.213/91.
A questão do reconhecimento de tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, envolve tanto a análise de aspectos de direito quanto de fato. Quanto aos aspectos puramente legais, havia controvérsia acerca da delimitação da idade a partir da qual o tempo de serviço rural do segurado pode ser computado, a qual foi definitivamente pacificada pela edição da Súmula nº 5 da Turma de Unificação Nacional: "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários."
Com relação às questões fáticas, estas se resumem à efetiva comprovação de ter o autor, efetivamente, trabalhado em atividade rurícola na condição de segurado especial, definida pelo inciso VII, do artigo 11 da Lei de Benefícios.
Considera-se como tal o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, desde que o labor rural seja indispensável para sua própria subsistência ou do grupo familiar. O regime de economia familiar se caracteriza, pelo trabalho com base em uma única unidade produtiva, pressupondo a atividade conjunta e cooperada de todos os membros da família, a qual é indispensável para a própria subsistência do grupo.
Relevante destacar também que, a teor do que dispõe o art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91, exige-se início de prova material para a declaração do exercício de atividade rural, extraindo-se daí a vedação expressa à utilização pelo Juízo de prova exclusivamente testemunhal para tal finalidade.
Esclareço que início de prova, como fala a lei, deve ter significação específica, não se confundindo com prova propriamente dita. Caso contrário, estar-se-ia a negar vigência à lei, impondo ao segurado o adimplemento de condição inexistente para a concessão de benefício. De igual modo, deve-se ter em mente que a jurisprudência dominante admite a chamada prova indireta para fins de atendimento da exigência relativa ao início de prova material, especialmente quanto aos documentos em nome de outros membros da família, tese perfilhada pelo Juízo.
Isso porque, em épocas mais remotas o ordinário é que todos os membros da família ajudassem na lavoura, invocando-se nesse particular a regra do art. 335 do CPC, que autoriza o juiz a aplicar "as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece". Cabe, então, analisar a plausibilidade de utilização dos documentos apresentados pela parte autora como início de prova material (art. 55, §3o, da Lei nº 8.213/1991), para fins de cômputo do tempo de serviço.
E, no caso em tela, como início de prova material (L. 8.213/91, art. 55, §3º), a parte autora apresentou: Certidão de Casamento, Declaração de Exercício de Atividade Rural firmada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Lapa e Declaração de Patrão.
Comum nos feitos previdenciários, a prova oral, ainda mais considerando quando há alegação de trabalho rural. No caso a prova colhida no âmbito administrativo (Declarações de testemunhas - Sr. Benedito Adão Batista Mendes, Sr. Valdomiro Schimaleski, Sr. Benedito Miranda, Sr. João Maria Teixeira, Sr. Rogério Kutacho, Sra. Roseli Kutacho e Sr. Benedito da Silveira Dias - mov. 1.6) se demonstrou idônea a ratificar que a autora permaneceu trabalhando na lavoura no período de 1990 até o momento do pedido administrativo.
Referido período, a toda evidência, é suficiente à concessão do benefício de aposentadoria rural, tanto que o benefício previdenciário foi concedido no âmbito administrativo.
Portanto, sem sombra de dúvida, não havendo prova robusta acerca da irregularidade na concessão do benefício e sendo suficiente a prova produzida em relação à atividade rural, o benefício deve ser restabelecido, confirmando-se a liminar anteriormente concedida em grau recursal.
Neste cenário, tenho como não desconstituída a presunção de legitimidade do ato concessivo da aposentadoria por idade rural, diante da ausência de prova de irregularidade no ato concessivo do benefício previdenciário, devendo este ser restabelecido.
A propósito:
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE NA CONCESSÃO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO.
1. A concessão de benefícios previdenciários pode se pautar em requisitos alteráveis ao longo do tempo, razão pela qual, mesmo que concedidos regularmente, a administração pública pode cessá-los quando houver configurada a hipótese que impõe o desenquadramento no arquétipo legal. De outro lado, o INSS tem o dever de rever os benefícios concedidos com vício (ao teor da Súmula 473 do E.STF, bem como por força do art. 54 da Lei 9.784/99), cuja lide correspondente pode ser deduzida na via judicial (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).
2. Mera suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não dá ensejo, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, uma vez que o sistema jurídico do Estado de Direito é baseado nas presunções de boa-fé e de não culpabilidade. Afastar essas presunções constitui ônus de quem alega, e deve ser feito de modo claro, com provas, e não com meras suspeitas. Nas diligências realizadas pela Gerência Regional de Arrecadação e Fiscalização do INSS não restou comprovada nenhuma irregularidade no que tange aos requisitos para a concessão do benefício da autora. Em juízo, a Autarquia também não produziu prova que demonstrasse a falsidade ou adulteração dos documentos que embasaram a concessão do benefício na via administrativa, limitando-se a tecer alegações genéricas. Razão pela qual o benefício deve ser restabelecido.
3. Apelação da parte-autora provida. (TRF 3ª REGIÃO; APELAÇÃO CÍVEL nº 0102369-05.1995.4.03.9999/SP - 95.03.102369-6/SP; RELATOR Juiz Federal Convocado Carlos Francisco; DE 21/05/2010).
O restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade deve retroagir a data da sua suspensão indevida (27/06/2008), devendo a requerida pagar a autora os valores desde esta data, descontados os benefícios auferidos após a concessão de tutela antecipada em grau recursal.
No que concerne aos juros e correção monetária, aqueles têm seu termo inicial na data da citação e estes na data em que os valores deixaram de ser pagos.
Outrossim, observando-se o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4357:
a) caso o termo inicial seja anterior a 25/03/2015, até esta data os juros e a correção monetária devem ser calculados na forma da Lei n.º 11.960/2009;
b) a partir de 25/03/2015, os juros são os aplicáveis às cadernetas de poupança no mesmo período e o índice de correção monetária é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
c) Dos Danos Morais
A parte autora postula indenização por danos morais, pleito que merece ser rejeitado pelo Juízo.
Conquanto se aplique ao INSS, como ente da Administração Pública Indireta, a regra da responsabilidade objetiva insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição da República, dispensando-se qualquer elemento de prova acerca da culpa ou do dolo do ente público, o fato é que, para o deferimento da indenização pretendida, deve haver a demonstração do dano de ordem moral alegado e do nexo de causalidade entre este e o suposto ato lesivo (comissivo ou omissivo).
A matéria referente ao dano moral vem gizada no art. 5º, X, da Constituição República, que estabelece o seguinte: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Consiste, assim, na lesão ao patrimônio espiritual de uma pessoa; é a dor, a mágoa, o menoscabo, a vergonha infligida injustamente a outrem. O dano moral, por ser algo intangível, é de difícil constatação, ao contrário do que ocorre com uma perda material. Todavia, isso não significa seja impossível sua verificação. Ante a especificidade do direito envolvido, cabe ao juiz decidir com base no que habitualmente ocorre.
No caso, entendo que os fatos narrados na inicial não revelam um caso de lesão à intimidade, à honra ou à imagem do autor, não se podendo cogitar de dano de ordem moral. Não se nega o aborrecimento do segurado em ter que ingressar com uma demanda judicial e aguardar o tempo necessário à tramitação do processo para ver restabelecido seu direito. Todavia, tal situação revela tão somente uma consequência de o Estado-Juiz ter chamado para si a tarefa de resolver os conflitos sociais e vedado o exercício da autotutela. O mero aborrecimento ou transtorno decorrente da necessidade do ajuizamento de uma demanda judicial para a defesa de direito de ordem patrimonial, tal qual na espécie, não constitui afronta a qualquer direito da personalidade da parte autora, o que afasta a possibilidade de caracterização dos danos morais.
Com efeito, o mero dissabor, por si só, não se confunde com o dano moral, instituto nobre, reservado para situações em que efetivamente ocorrer lesão a bens jurídicos como a honra, a imagem ou a intimidade. Calha trazer à baila, neste ponto, o enunciado nº 159 da 3ª Jornada de Direito Civil: "o dano moral, assim compreendido todo o dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material."
Nesse sentido, cito recentes decisões proferidas no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ MANTIDA POR MAIS DE 5 ANOS. CESSAÇÃO ESCALONADA. DANO MORAL. NÃO DEMONSTRADO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA LEI 11.960/2009. ADI 4.357 E 4.425. EFEITOS. (...) 4. Indevida a indenização por dano moral, ante a ausência de provas da lesão, resultando a suspensão do benefício em dano material compensado pelo próprio pagamento retroativo das parcelas suspensas, não possuindo tal fato características do dano moral alegado. 5. A partir de julho de 2009, impõe-se: a) a observância do que decidido com efeito "erga omnes" e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, ou seja, incidência de correção monetária pelo INPC; b) para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez (ou seja, sem capitalização dos juros moratórios), até o efetivo pagamento, do índice oficial de juros aplicado à caderneta de poupança, conforme entendimento firmado pelo STJ. (TRF4, AC 5003645-10.2012.404.7200, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Ezio Teixeira, D.E. 11/11/2013).
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSS. EQUÍVOCADO INDEFERIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. NEXO CAUSAL NÃO COMPROVADO. Imputada a responsabilidade objetiva ao Estado, torna-se dispensável a verificação da existência de culpa do réu, bastando apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito ou força maior. Não havendo comprovação de qualquer ato ilícito praticado pela requerida no indeferimento do pedido, pois que o indeferimento do pedido administrativo foi fundamentado em interpretação razoável da norma legal, não havendo qualquer prova de erro crasso ou decisão teratológica no indeferimento do pedido extrajudicial, conclui-se pelo descabimento de indenização. (TRF4, AC 5003104-68.2012.404.7202, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 30/10/2013).
Sendo assim, a improcedência do pleito de condenação da requerida no pagamento de danos morais se impõe. (...)"
Na audiência de instrução, realizada em 03/05/2017, foi tomado o depoimento pessoal da autora e ouvidas três testemunhas (Evento 48 - TERMOAUD1).
No depoimento pessoal da autora Maria de Lourdes da Silva, constaram as declarações abaixo (Evento 48 - VIDEO4):
"(...) Que é aposentada. Que trabalhou na zona rural, aqui na Lapa, lá no norte e em Contenda. Que trabalhou na Lagoa Gorda para o Almir, para o Anor e também na Campina para o Afonso Veleski. Que trabalhou muito tempo, não sabendo dizer ao certo por quantos anos. Que trabalhava um pouco para um e um pouco para outro, não tinha tempo certo. Que trabalhou um bom tempo na Lagoa Gorda, colhendo pêssego e arrancando feijão, nos períodos de safra. Que trabalhou também na Campina, na plantação de pinus, com o Bastião, que é uma das testemunhas. Disse que sua aposentadoria foi cassada em razão de uma denúncia de que ela não teria trabalhado, mas que desde os 8 anos de idade já trabalhava na lavoura com o pai. Que foi criada na lavoura, mas que de fato nunca teve sua carteira assinada. Que trabalhava por dia para um e para outro. (...)"
O depoimento da testemunha Benedito da Silveira Dias apresentou o relato que segue (Evento 48 - VIDEO2):
"(...) Que conhece a autora há bastante tempo. Que ela trabalhou na zona rural por mais de 15 anos. Que não sabe por que a aposentadoria dela foi cassada. Que a autora trabalhou em Passa Dois para o Sr. Anor. Que ela trabalhava na lavoura. (...)"
No depoimento da testemunha Roseli Kutacho Mayevicz, por sua vez, foram referidas estas informações (Evento 48 - VIDEO3):
"(...) Que a autora trabalhou na zona rural por mais de 20 anos. Que ela trabalhava na lavoura. Que não sabe o motivo pelo qual foi cassada a aposentadoria da autora. Que ela trabalhou para o Sr. Anor. (...)"
Por fim, a testemunha Sebastião de Fatima de Campos declarou o seguinte (Evento 48 - VIDEO5):
"(...) Que conhece a autora desde 1980. Que ela sempre trabalhou na zona rural. Que a autora trabalhou na lavoura bem mais de 15 anos. Que tem conhecimento de que a aposentadoria da autora foi cassada, mas não sabe o motivo. Que ela trabalhou para um plantador de pinus, o Sr. Afonso. (...)"
Da exegese acima, tenho que restou comprovado o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima, pois a parte autora juntou aos autos início de prova material, inclusive em nome próprio. Ademais, as testemunhas foram uníssonas no sentido de complementar os indícios documentais colacionados, mencionando o labor rural desempenhado pela autora, na condição de boia-fria, no período de carência.
Destarte, correta a sentença que determinou o restabelecimento da aposentadoria por idade rural, a contar da cessação administrativa (27/06/2008), descontados os valores pagos por força da antecipação de tutela.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção deste Tribunal, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n. 8.880/94;
- INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91;
- IPCA-E a partir de 30/06/2009.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo STF, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29/06/2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios e custas processuais
Diante da sucumbência recíproca, por ter a parte autora decaído quanto ao pedido de condenação do INSS ao pagamento de danos morais, resta mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais determinada na sentença.
Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do NCPC, as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência"; devendo ser compensados, nos termos da Súmula nº 306 do Superior Tribunal de Justiça.
De igual forma, o pagamento das custas processuais deve ser suportado por ambas as partes, sendo suspensa a exigibilidade quanto à autora, por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita. Ressalva-se, ainda, que o INSS responde pelo pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 desta Corte).
Antecipação de tutela
Confirmado o direito ao restabelecimento do benefício de aposentadoria, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida (Evento 1 - OUT13 e INF14).
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Conclusão
- Remessa oficial improvida;
- adequados os consectários legais;
- mantida a antecipação de tutela concedida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e manter a antecipação de tutela concedida.
Juiz Federal Artur César de Souza
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/05/2018
REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5021201-28.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00026197820118160103
RELATOR | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
PARTE AUTORA | : | MARIA DE LOURDES DA SILVA |
ADVOGADO | : | UIVERSON HORNING MENDES |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/05/2018, na seqüência 109, disponibilizada no DE de 27/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E MANTER A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO | |
AUSENTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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