Apelação Cível Nº 5021498-30.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATALINA BORGES
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença de parcial procedência, publicada em 31/10/2018 (e.2.163), que condenou o Instituto a conceder à autora o benefício de auxílio-acidente a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença (DCB em 09/04/2012).
Sustenta, em síntese, que a autora não faz jus ao benefício de auxílio-acidente, pois não há comprovação de que tenha ocorrido acidente de qualquer natureza. Alega, outrossim, que, na hipótese de a condenação ser mantida, devem ser aplicados os critérios de juros e correção monetária previstos na Lei 11.960/2009 (e.2.171).
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Na presente ação, ajuizada em abril de 2012, a autora postulou o restabelecimento do último benefício de AUXÍLIO-DOENÇA percebido (DCB em 09/04/2012) e a sua conversão em APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
Narrou ser portadora do vírus HIV desde 2004 e, devido às complicações da doença (retirada cirúrgica do baço, doenças oportunistas, fraqueza, prostração, desânimo, inapetência, cefaleia, síncopes, dores generalizadas), recebeu vários benefícios de auxílio-doença desde 2009 até 2012. Alega, no entanto, que seu quadro clínico piorou muito e que, em razão disso, faz jus à aposentadoria por invalidez. Juntou aos autos diversos documentos médicos demonstrando a evolução do seu quadro desde 2004 até 2012 (e.2.11 a e.2.56).
Do CNIS e demonstrativos do Sistema Plenus anexados no e.2.76 a e.2.78, extrai-se que a autora teve vários vínculos de emprego (CLT) a contar de 10/01/2003 até 12/2011 e esteve em gozo de dois benefícios de auxílio-doença: n. 536.731.631-6, no período de 06/08/2009 a 01/07/2011, e n. 549.058.753-5, no período de 18/11/2011 a 09/04/2012.
Na perícia judicial, realizada em 17/06/2016 (e.2.139/140), pelo Dr. Shálako Rodriguez Torrico (CRM/SC 11.170), especialista em ortopedia e traumatologia, o perito concluiu que a autora apresenta uma deformidade que implica na redução de sua capacidade laborativa, decorrente dos quadros clínicos de portadora de HIV (CID Z21), encondroma do osso do fêmur esquerdo (CID R22.4) e esplenectomia (CID D73.8). Concluiu que as patologias associadas implicam uma redução parcial e permanente de sua capacidade funcional, calculada em aproximadamente 10%, há cerca de 8 anos. Ressaltou, no entanto, que as doenças não são passíveis de cura, e que a autora deve empenhar-se para que seu sistema imunológico se mantenha ativo e eficiente, tendo em vista que sofreu uma queda das células de defesa do organismo com a retirada cirúrgica do baço.
O julgador a quo, na sentença, após tecer longas considerações genéricas sobre os requisitos legais para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente e também acerca da fungibilidade entre eles, ao analisar o caso dos autos, assim referiu:
Meritum causae:
A autora almeja o reconhecimento do direito à aposentadoria por invalidez, cujos requisitos são: (a) condição de segurado; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade.
Verifica-se, portanto:
(a) e (b) condição de segurado e cumprimento da carência de 12 contribuições mensais são requisitos incontroversos nos autos.
Quanto aos requisitos (c) e (d) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade que garanta a subsistência e caráter definitivo da incapacidade, registro que a prova pericial foi suficientemente clara para atestar a existência de redução na capacidade laborativa, ad litteram:
A parte Autora apresenta atualmente uma deformidade que implica na redução de sua capacidade laborativa, decorrente do quadro clínico de Portadora de HIV (vírus causador da AIDS - Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida), Encondroma do Osso do Fêmur Esquerdo (tumor benigno localizado na região da coxa no tutâno ósseo), Esplenectomia (retirada cirúrgica do baço por hemorragias de pele). De CID 10 Z 21, R 22.4 e D 73.8.
O expert, portanto, concluiu:
Do quadro patológico associado implica numa redução parcial e permanente de sua capacidade funcional calculada em aproximadamente 10% há aproximadamente 8 (oito) anos, devido a degeneração causada pelo seu quadro patológico. Porcentagem avaliada segundo a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades em Direito Civil - Portugal – IMeP (fls. 141-146).
Assim, faz jus ao benefício de auxílio-acidente, a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença."
Como se pode perceber, o julgador a quo não analisou, objetivamente, a possibilidade de concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença postulados pela parte autora e, de outro lado - quiçá induzido pelas conclusões do perito -, acabou por conceder o benefício de auxílio-acidente, sem que sequer tenha sido aventado, nos autos, a ocorrência de qualquer acidente. Em virtude disso, entendo que a sentença mereceria anulação.
Porém, vou além. Isso porque, na verdade, a própria perícia deixou a desejar, pois, diante do complexo quadro clínico apresentado pela autora - declarado, inclusive, nos atestados médicos anexados no e.2.45, e.2.46, e.2.55/56 e.2.140 e comprovado por diversos documentos -, o perito, Dr. Shálako Rodriguez Torrico, cuja especialidade é ortopedia e traumatologia, limitou-se a constatar que a autora "apresenta atualmente uma deformidade que implica na redução de sua capacidade laborativa, decorrente do quadro clínico de Portadora de HIV (vírus causador da AIDS – Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida), Encondroma do Osso do Fêmur Esquerdo (tumor benigno localizado na região da coxa no tutâno ósseo), Esplenectomia (retirada cirúrgica do baço por hemorragias de pele)", quando, na verdade, a autora traz uma extensa documentação comprovando estar realizando acompanhamento médico desde 2004 e já esteve em gozo de auxílio-doença pelo período de cerca de dois anos e meio em razão das patologias constatadas.
Embora o entendimento desta Corte seja no sentido de que, em regra, mesmo que o perito nomeado pelo Juízo não seja expert na área específica de diagnóstico e tratamento da doença em discussão, não haveria de se declarar a nulidade da prova por se tratar de profissional médico e, portanto, com formação adequada à apreciação do caso, não se pode olvidar que este Tribunal vem reiteradamente anulando as perícias realizadas por aquele profissional (v.g. AC 0017036-23.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, D.E. 02/05/2017; AC 0001438-92.2017.404.9999, QUINTA TURMA, de minha relatoria, D.E. 27/04/201; AC 0001338-74.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 19/07/2016; AC 0015584-12.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 02/12/2015 e AC 0014583-94.2012.404.9999, SEXTA TURMA, Relator NÉFI CORDEIRO, D.E. 31/01/2013), o que fragiliza a formação de convicção sobre o estado de saúde da parte autora, considerando, ainda, a existência de documentação médica dando respaldo à alegação da demandante de que se encontra incapacitada ao trabalho, bem como a jurisprudência desta Corte no tocante aos portadores do vírus HIV.
Portanto, entendo que dever ser anulada a sentença, determinando-se a reabertura da instrução, para que seja realizada perícia judicial por médico especialista em infectologia, para avaliar, exaustivamente, a alegada incapacidade da parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por anular, de ofício, a sentença, determinando a reabertura da instrução, para que seja realizada nova prova pericial por médico especialista, restando prejudicada a apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001356644v19 e do código CRC 0dd5e142.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5021498-30.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATALINA BORGES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por invalidez/AUXÍLIO-DOENÇA. portador de HIV. PERÍCIA INSUFICIENTE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA, que concedeu o benefício de auxílio-acidente, PARA A REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA.
1. Quatro são os requisitos para a concessão dos benefícios em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário (no caso do auxílio-doença) ou definitivo (no caso da aposentadoria por invalidez) da incapacidade.
2. Hipótese em que a perícia realizada nos autos não é suficiente para dirimir a controvérsia, sendo necessária a realização de nova perícia com especialista em infectologia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, determinando a reabertura da instrução, para que seja realizada nova prova pericial por médico especialista, restando prejudicada a apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 16 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001356645v4 e do código CRC 321d35b3.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/10/2019
Apelação Cível Nº 5021498-30.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATALINA BORGES
ADVOGADO: Diego Antônio da Silva (OAB SC034955)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/10/2019, na sequência 288, disponibilizada no DE de 27/09/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA, DETERMINANDO A REABERTURA DA INSTRUÇÃO, PARA QUE SEJA REALIZADA NOVA PROVA PERICIAL POR MÉDICO ESPECIALISTA, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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