Apelação Cível Nº 5035641-29.2016.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | TARCISO RAMOS |
ADVOGADO | : | MARA REIS SALLES |
: | ELIANE MARCIA PAIM MARTINS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. COISA JULGADA.
1. A prestação jurisdicional da ação anterior deu-se com cognição exauriente e ensejou, corretamente, a extinção do processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC/73, o que obsta que, nesta ação, seja restabelecido o benefício de aposentadoria por invalidez.
2. Reformada a sentença.
3. Inversão da sucumbência.
4. Honorários advocatícios fixados 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC/2015. A exigibilidade de tais verbas permanecerá sobrestada até modificação favorável da situação econômica da parte autora (artigo 98, § 3º, do CPC/2015).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo para reconhecer a existência de coisa julgada em relação ao processo 5000264-79.2012.404.7010, julgar extinto o processo sem julgamento do mérito, inverter o ônus da sucumbência e condenar o autor ao pagamento dos honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, com exigibilidade suspensa até modificação favorável da sua situação econômica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 07 de junho de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8998777v14 e, se solicitado, do código CRC 1753DEB3. | |
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| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 08/06/2017 17:24 |
Apelação Cível Nº 5035641-29.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | TARCISO RAMOS |
ADVOGADO | : | MARA REIS SALLES |
: | ELIANE MARCIA PAIM MARTINS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença (11/05/2016) que julgou procedente ação visando ao restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, NB 110.022.545-2, desde a cessação, em 05/2011.
Apela o INSS, Evento 98 - PET1, p. 1/6, postulando a reforma da sentença para que o processo seja extinto, sem julgamento do mérito, em face da existência de coisa julgada em relação ao processo 5000264-79.2012.404.7010.
Com contrarrazões, Evento 105 - PET1, p. 1/7, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa oficial
O juízo a quo não submeteu a sentença ao reexame necessário.
Considerando que a condenação diz com o restabelecimento de aposentadoria por invalidez desde maio/2011 e a sentença foi prolatada em maio/2016, resta evidente que a dimensão econômica das sessenta e cinco competências não ultrapassará o limite de 1.000 salários mínimos.
Não é o caso, portanto, de remessa oficial.
Coisa julgada
A controvérsia dos autos cinge-se à questão de saber se há ou não coisa julgada formada nos autos do processo 5000264-79.2012.404.7010, transitado em julgado em 15/10/2013, impeditiva do pleito formulado nestes autos.
Sobre o instituto da coisa julgada, o Código de Processo Civil dispõe no artigo 337, §§ 1º, 2º e 4º do atual Código de Processo Civil:
Art. 337 (...)
§ 1o. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
§ 2º Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
(...)
§ 4º Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado
Nos autos do processo que tramitou no JEF de Campo Mourão, a sentença foi lavrada nos seguintes termos:
Da incapacidade laboral.
Realizada perícia médica, constatou-se que o autor, lavrador, é portador de cegueira bilateral, sendo incapaz para o exercício de sua atividade laboral.
Nesse contexto, tendo em vista o teor do laudo pericial, resta cumprido o requisito referente à incapacidade.
Da qualidade de segurado especial
Em entrevista rural realizada no dia 26/11/2012, o autor informou que morava e auxiliava seu pai na propriedade rural
de aproximadamente 90 alqueires. Segundo ele, seu pai lhe deu apenas 6 alqueires para cuidar, mas mesmo assim auxiliava seu genitor nas atividades da outra propriedade. Toda a parte da lavoura era mecanizada e todo maquinário pertencia ao seu pai.
Dessa forma, inobstante o autor informar que apenas trabalhava para seu pai e possuía apenas uma propriedade de 6 alqueires, não há como afastar o fato de ser uma propriedade familiar de 90 alqueires, não sendo crível aceitar o fato de que não almejava qualquer tipo de lucro decorrente de sua exploração.
Assim, resta não comprovado que o autor trabalha em regime de economia familiar - entendido como atividade indispensável à própria subsistência, em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
Tais elementos, afastam por completo o enquadramento do autor como segurado especial, eis que possuía condições de efetuar contribuições previdenciárias no escopo de almejar a concessão de benefícios.
Por consequência, a improcedência do pedido é medida que se impõe.
Assim, primeiramente, é necessário consignar que não está em questão a incapacidade do autor, que nestes autos é incontroversa.
No processo 5000264-79.2012.404.7010, que tramitou na justiça federal, o autor obteve sentença de improcedência no pleito de restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, cessado administrativamente. Como se vê, no juizado federal o magistrado sentenciante reconheceu que o autor, ainda que trabalhasse com o seu pai, em função das peculiaridades das propriedades (a do autor constituída pelo desmembramento de um todo maior), não se lhe poderia emprestar a qualificação de trabalhador rural em regime de economia familiar.
Já nestes autos, ao fundamento de que a coisa julgada previdenciária pode ser relativizada em circunstâncias específicas, o magistrado sentenciante houve por bem julgar procedente o pedido e determinar o restabelecimento do pagamento do benefício de aposentadoria por invalidez, desde a cessação, no mês de maio de 2011.
Neste cenário, é de ser pontuado que o benefício de aposentadoria por invalidez, que lhe fora deferido na via administrativa, veio a ser cessado por conta de suspeita acerca da condição de segurado especial em regime de economia familiar. O reexame da aposentadoria por invalidez do autor, conforme se depreende dos autos, foi deflagrado a partir de uma declaração firmada pelo autor em documento particular juntado em processo de aposentadoria rural de terceira pessoa, atestando que o terceiro, a Sra. Rosalinda, trabalhara em terras de sua propriedade como bóia-fria, nos anos de 1993 a 1997 (especificamente referenciado o imóvel lote 216-B-7).
Colaciono, por oportuno, os principais registros que dão a dimensão da situação em concreto.
No Evento 1 - OUT53, p. 8/9, se encontra a defesa administrativa produzida pelo autor em face das supostas irregularidades na concessão de seu benefício de aposentadoria.
No Evento 31 - OUT3, p. 3 /4, se encontra a ficha do Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Ubiratã, da segurada ROSILDA DA SILVA BEGALLE, na qual é possível notar que no corpo do formulário estão qualificadas duas testemunhas abonatórias do labor rural da interessada.
No Evento 31 - OUT3, p.5, encontra-se declaração do autor, datada de 13 de dezembro de 2007, cujo reconhecimento da firma se deu por semelhança em 13/03/2008, instrumentalizando o abono do autor em favor da Sra. Rosilda.
O referido documento afirma que:
a Sra. Rosilda da Silva Begalle [...] exerceu atividade rural como: [...] Bóia Fria em minha propriedade denominada lote 216-B-7, Estrada Medeiros Km 16, com Código do Imóvel rural sob o nº 950.084.150.690-7 situado neste Município de Ubiratã - Estado do Paraná no período de 01/01/1.993 31/12/1.997 e não possui outra fonte de rendimento no referido período, ciente de que qualquer informação falsa importa em responsabilidade criminal nos termos do art. 299 do Código Penal Brasileiro.
No Evento 31 - OUT3, p. 21, vê-se a declaração particular da Sra. Rosilda da Silva Begalle, afirmando:
a quem possa interessar, e em especial ao INSS, que a DECLARAÇÃO FIRMADA por TARCISIO RAMOS, em 13. de dezembro de 2007, e juntada ao meu benefício n 140113009-0, referente a função, atividade rural que exerci durante ao período de 01/01/1993 a 31/12/1997. na propriedade LOTE 216-B-7, Estrada Medeiros, KM 7 de Ubiratã -Paraná. foi redigido ERRONEAMENTE. porque NÃO FOI EXERCIDA A ATlVIDADE DE BÓIA FRIA: A FAVOR DO TARCISIO RAMOS mas sim exerci a atividade rural daquele período a Favor de seu Genitor senhor EMILlO MATIAS RAMOS, que era o Proprietário do referido imóvel rural.
O quanto acima referenciado é a concatenação documental da causa que motivou o INSS a investigar a aposentadoria por invalidez, ao cabo da qual a autarquia veio a cessar o pagamento do benefício.
Em audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas duas testemunhas, que atestaram conhecer o autor de larga data e o seu desempenho laboral no meio rural, também foi colhido o depoimento pessoal do Sr. Tarciso (VIDEO3).
Transcrevo trecho degravado (VIDEO3) deste depoimento, que contextualiza o evento gerador do processo que resultou no cancelamento do benefício:
Tem 64 anos; tenho catarata em um, em um eu já retirei; neste ollho (direito) só vejo luz, essa coisa né uma porta aberta, é só, por exemplo, daqui a não estou lhe vendo, nem vulto....
No início de 1998 foi o último ano que plantei roça; em 1996 dei início ao processo de aposentadoria.
Depois que eu me aposentei eu ia no sítio regularmente, mas não trabalhava mais né, e essa vizinha até trabalhou lá pro pai, eu lembro, que ela trabalhou lá né, que ia regularmente lá né, eu pegava carona com ele e ia e ela me pediu que assinasse para essa senhora, que meu pai já tava senil né, constando que ela trabalhou para o meu pai, mas lá no sindicato do trabalhador rural não foi isso que fizeram né; me arrolaram como se eu fosse patrão dela e eu já sem condição de ler nada, num dia de chuva, me aprece essa senhora Rosilda em casa e falou 'olha os papéis tá pronto isso já fazia algum tempo'; falei tudo bem vamos lá assinar, eu tava sozinho em casa, minha esposa tinha saído para comprar alguma coisa para o supermercado para dentro de casa, e eu fui; chego lá eu pedi que lessem só que eu fui numa van da Prefeitura, e cheguei lá no Sindicato eles trouxeram os papéis dentro da van, uma moça lá do sindicato trouxe os papéis dentro da van, aí era pra mim assinar mas ai eu falei, que queria ler, eu queria que vocês lessem para mim, para mim ver se está exatamente como eu combinei com a Dona Rosilda; trabalhou para meu pai; mas não precisa tá de acordo com o que foi combinado, a Rosilda falou, ela é uma mulher muito simples, até nem usou essa palavra mas disse isso, que ela não tem escolaridade quase nenhuma, se sabe, sabe assinar o nome.
PERGUNTA: Quem ? A mulher que o Sr. Assinou em favor dela ou a mulher do Sindicato?
A mulher que eu assinei em favor dela, aí a mulher do Sindicato falou, 'não, aqui ta tudo certinho, nunca ninguém pediu para ler'; eu falei mais eu gosto porque eu tenho deficiência, e eu gosto de ouvir o que está no documento; mas aí começaram a insistir, insistir, aí o motorista disse: 'decidam logo que eu preciso ir embora, que eu tenho mais o que fazer'; aí em resolvi e peguei e assinei aquele papel; assinei e fiquei tranqüilo; pra mim estava tudo bem até que passou-se dois anos; cortaram a minha aposentadoria; aí eu fui a Campo Mourão ver o que é que era e me apresentaram aquilo lá que estava arrolado que ela tinha trabalhado para mim de 1993 a 1997.
Quando o magistrado encaminhou o encerramento da coleta do depoimento pessoal, o autor acrescentou (7'49''):
Eu toda a vida trabalhei na roça, trabalhei com trator; o meu pai tinha alguma coisa que ele me facilitava, eu quero esclarecer isso aqui, por exemplo, eu usava, quer dizer eu era arrendatário, pagava renda, mas eu usava o trator dele, ele só me cobrava a manutenção do trator, é óleo diesel, se quebra alguma coisa era comigo, por minha conta, no meu serviço; e às vezes eu pegava esse trator, e ia ganhar um dinheirinho fora, quer dizer: fazia uma troca de serviços; que agricultor faz muito isso; uma época eu fazia muito 'eu trabalho pra você hoje, amanhã você trabalha pra mim' né; então eu às vezes conquistava até uma colheita fora, né...
JUIZ: Está bom... que uma área de seis alqueires não rende muita coisa.
JUIZ : Está bom. Eu entendi. Esta bem... então a manutenção da máquina era por minha conta...
JUIZ: Está. ...onde eu estivesse trabalhando.
JUIZ: Está certo. Sem mais.
Conforme se vê, nestes autos o autor forneceu elementos que esmiúçam importantes circunstâncias que cercaram a assinatura do documento que, ao fim e ao cabo, deflagrou processo que resultou na cessação do seu benefício.
Entretanto, a questão de fundo, que é prejudicial ao restabelecimento do benefício, qual seja: haver sido negado o reconhecimento de que o autor fosse trabalhador rural em regime de economia familiar, esta questão resta hígida.
É necessário examinar agora, os contornos que cercam o instituto da coisa julgada em matéria previdenciária.
Pois bem, acerca da possibilidade de relativização em coisa julgada em matéria previdenciária, no caso concreto, é preciso examinar se o não reconhecimento da qualidade de trabalhador rural em regime de economia familiar em ação anterior se constitui em questão que possa validamente ser ultrapassada.
A possibilidade de restabelecer o benefício nestes autos, necessariamente demanda considerar-se o autor segurado especial.
Em que pese haver a alegação de que o autor junta provas novas, verifica-se que todas elas dizem com o específico momento em que o INSS deflagra o processo de averiguação da aposentadoria por invalidez, e fazem referência à defesa administrativa e ao processo que tramitou na justiça federal.
Segundo o magistério de Talamini:
Pondere-se que a circunstância de a causa de pedir, no sistema processual brasileiro, ser fundamentalmente configurada pelos fatos que embasam o pedido não afasta a necessidade de diferenciar fatos essenciais e secundários (ou simples). Vale dizer: há um fato ou um núcleo de fatos que dá uma configuração mínima e elementar à causa de pedir. Outros tantos fatos são relevantes para a argumentação do demandante ou para a defesa do demandado, mas estão inseridos no contexto estabelecido pelo fato ou núcleo de fatos essencial. Isso significa que a simples mudança ou acréscimo de tais fatos secundários, na formulação de uma "nova" demanda, não implicará uma nova causa de pedir, de modo que, sendo idênticas também as partes e o pedido, haverá coisa julgada. Nem sempre é simples identificar o fato, ou núcleo de fatos, essencial. Por exemplo, na ação de indenização por acidente de trânsito, a causa de pedir diz respeito à responsabilidade civil extraível do evento específico narrado (um acidente, em determinado momento e lugar, e os danos dali advindos). Todos os demais possíveis detalhes (excesso ou não de velocidade; embriaguez ou não; desatenção ou não de cada um dos condutores etc.) são fatos secundários, integrados no núcleo essencial. A coisa julgada que advier com a sentença final de mérito impedirá que quaisquer de tais fatos, mesmo os que deixaram de ser alegados e discutidos no processo anterior, sejam depois apresentados como pretenso fundamento de uma nova ação, entre as mesmas partes, relativa ao mesmo acidente, e para os exatos mesmos fins reparatórios. Estar-se-á diante da mesma causa de pedir. (TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005. p 77-78). (grifei)
Cabe ressaltar que, embora o julgador sempre deva dar especial atenção ao caráter de direito social das ações previdenciárias e à necessidade de uma proteção social eficaz aos segurados e seus dependentes quando litigam em juízo, há limites na legislação processual que não podem ser ultrapassados, entre eles, os fixados pelo instituto da coisa julgada material, exceto pelas estreitas vias previstas na legislação, como é o caso da ação rescisória.
Aliás, a regra do ordenamento processual brasileiro é a de que a cognição deve ser plena e exauriente para que se tenha um processo justo, garantindo-se o direito fundamental de acesso à jurisdição, possibilitando às partes da relação jurídica sustentarem suas razões e apresentarem suas provas e, assim, influírem, por meio do contraditório, na formação do convencimento do julgador.
Segundo, ainda, Eduardo Talamini (Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT. 2005. p. 58-61):
Nos processos de cognição exauriente, vigora a regra geral no sentido de que mesmo a sentença que julga o mérito tomando em conta a falta ou insuficiência de provas (i. e., que aplique as regras sobre ônus da prova) faz coisa julgada material.
O estabelecimento de ônus probatórios para as partes visa a fornecer para o juiz critérios para decidir naqueles casos em que não foi possível produzir as provas suficientes para formar seu convencimento. É então uma "regra de juízo". O processo, por um lado, não pode ter duração indeterminada no tempo. Não é possível passar a vida inteira tentando descobrir a verdade - até porque, em termos absolutos, a verdade é inatingível. A atuação jurisdicional para cada caso concreto tem de, em um determinado momento, terminar, sob pena de sua prolongada pendência ser até mais prejudicial, no âmbito social, do que os males que o processo buscava eliminar. Por outro lado, o juiz não pode eximir-se de decidir apenas porque tenha dúvidas quanto à "verdade dos fatos". Trata-se do princípio de vedação ao non liquet.
O juiz terá necessariamente de chegar a uma decisão, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Então, a atribuição de ônus da prova às partes serve de critério - o último recurso - para o juiz decidir nesses casos. O legislador, tomando em conta situações de anormalidade, identifica qual das partes em princípio mais facilmente comprovaria um fato, atribuindo-lhe o ônus de prová-lo. Quando o juiz, a despeito de ter adotado todas as providências razoáveis para reconstrução dos fatos da causa, não houver conseguido formar convencimento a esse respeito, ele deverá aplicar as regras sobre ônus probatório - decidindo contra aquele que não produziu a prova que lhe incumbia.
Pois bem, nesses casos, em regra, formar-se-á a coisa julgada material.
A mesma razão que justifica decidir com amparo no critério da distribuição do ônus - evitar a prolongação excessiva do litígio e afastar a insegurança jurídica - legitima igualmente a atribuição de coisa julgada material à decisão a que se chegue.
A cognição não se tornará "sumária" porque o juiz decidiu tomando em conta o ônus da prova ou se amparou em presunções. Se a cognição era exauriente, cognição exauriente continuará havendo. Afinal, não é, em si e por si, mensurável o grau de convencimento de que é dotado o juiz no momento em que sentencia acerca do mérito. Eventualmente, não há plena convicção pessoal do magistrado quanto aos fatos, e ele mesmo assim acaba tendo de decidir, valendo-se de máximas da experiência ou dos critérios de distribuição dos ônus probatórios. Mas a falta de plena convicção pode ocorrer até mesmo quando o juiz sentencia amparando-se em provas ditas "diretas". Por isso, não é o grau de convencimento pessoal do juiz, no momento da sentença, que permite qualificar a atividade cognitiva então encerrada como exauriente ou não. O adequado critério para tal classificação (sumário versus exauriente) é dado por aquilo que se fez antes, no curso do processo - melhor dizendo: por aquilo que o procedimento legalmente previsto possibilitava fazer para chegar à decisão. Processo cujo momento da sentença encontra-se depois de ampla permissão de instrução e debate é de cognição exauriente. Já quando a lei prevê que o pronunciamento judicial não será precedido de tal leque de oportunidades, a cognição é sumária (superficial). Resumindo: a estrutura procedimental instrutória repercute necessariamente na qualificação da cognição. A psicologia do juiz, seu efetivo "grau de convencimento", é insondável.
Portanto, se é exauriente a cognição desenvolvida, e na medida em que a sentença em questão julga o mérito, aplicam-se as regras gerais: há coisa julgada material. Em princípio, a reunião de novas ou melhores provas não permitirá nova ação sobre o mesmo objeto entre as mesmas partes.
Só não será assim, excepcionalmente, por expressa disposição legal. É o que ocorre, por exemplo:
(a) na ação popular (art. 18, da Lei 4.711/1965): a sentença de improcedência por falta ou insuficiência de provas não faz coisa julgada material. Tanto o autor quanto qualquer outro cidadão poderá tomar a propor exatamente a mesma ação popular (mesmos réus, mesmo pedido, mesma causa de pedir), reunindo novos elementos instrutórios destinados a demonstrar a lesividade do ato;
(b) na ação coletiva em defesa de direito difuso ou coletivo (CDC, art. 103, I e II, Lei 7.347/1985, art. 16): aplica-se regime semelhante ao da ação popular. Se a ação foi julgada improcedente porque faltaram provas ou elas foram insuficientes, qualquer legitimado, inclusive o que foi autor da ação rejeitada, pode repetir a mesma ação;
(c) no mandado de segurança: quando não há prova documental suficiente, a sentença que o juiz profere não faz coisa julgada material (Lei 1.533/1951, art. 6°, c/c arts. 15 e 16; STF, Súm. 304). Discute-se, porém, qual o exato motivo pelo qual não se põe essa autoridade. Parte da doutrina e da jurisprudência reputa que não é de mérito tal sentença: terá faltado um pressuposto processual ou condição da ação, de caráter especial, consistente na prova preconstituída (o "direito líquido e certo"). Mas há quem sustente que a sentença, nessa hipótese, é de cognição superficial de mérito. O mandado de segurança seria, então, ação de cognição sumária secundum eventum probationes: se há prova preconstituída a respeito de todos os fatos relevantes, juiz desenvolveria cognição exauriente; ausente esse "direito líquido e certo", apenas se teria cognição superficial.
Em todas essas hipóteses, há disposição legal expressa estabelecendo disciplina própria para a coisa julgada. E, em todas, especiais razões justificam o tratamento especial: (nos dois primeiros exemplos, a regra em exame presta-se a atenuar as conseqüências da extensão da coisa julgada a terceiros; no terceiro, é uma contrapartida à exclusiva admissão de prova preconstituída).
Portanto, a extensão desse regime a outros tipos de processo depende de norma expressa a respeito. Mais ainda: a alteração legislativa apenas se justifica, em cada tipo de caso, se se fundar em razoáveis motivos."
Assim, o processo previdenciário, quer orientado pelo rito ordinário ou pelo rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Federais, é sempre de cognição plena e exauriente, não havendo autorização para a adoção da coisa julgada secundum eventum probationis. O vetor da celeridade processual não pode desencadear numa sentença denegatória por insuficiência de provas sem antes instaurar a cooperação no procedimento visando à solução adequada do processo. O magistrado, quando indefere provas postuladas ou deixa de proceder, de ofício, na busca da verdade dos fatos, limita sua própria atividade cognitiva, relegando para segundo plano o direito do segurado, sob o argumento da celeridade ou do artifício da possibilidade de repetição da demanda sem ofensa à coisa julgada, ao sustentar a aplicação da cognição secundum eventum probationis.
A relativização da coisa julgada em matéria previdenciária carece, portanto, do necessário suporte legal, por meio de alteração do código de processo civil ou, até, pela criação de normas processuais específicas para as ações previdenciárias.
A despeito da compreensão emprestada por alguns juristas e doutrinadores à coisa julgada secundum eventum probationis, se há produção de provas e essas, crivadas em cognição exauriente, forem consideradas insuficientes quanto ao direito constitutivo do autor, o mérito necessariamente será examinado, podendo culminar em julgamento de improcedência do pedido, autorizando, portanto, a formação da coisa julgada material.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Tema 629 no Recurso Especial Repetitivo nº 1.352.721/SP, por maioria, assentou que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência da ação, autorizando-se a extinção do processo sem o julgamento do mérito (art. 267, IV, CPC/73). Nesse julgamento, houve divergência quanto à possibilidade que, em feitos previdenciários com provas insuficientes, possa o processo ser extinto com fulcro no artigo 269, I, do CPC, com julgamento de mérito, ocorredo a coisa julgada material secundum eventum probationis, de forma a autorizar a propositura de nova ação, desde que amealhadas novas provas.
No ponto, peço vênia para colacionar excerto do voto-vista prolatado pelo eminente Des. Federal Roger Raupp Rios na ação rescisória nº 5000348-22.2016.404.0000, in verbis:
A aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis em caso de instrução deficiente (quer dizer, deficiência probatória e não insuficiência completa de provas), harmoniza a necessidade de preservação da coisa julgada, evitando-se a eternização dos litígios, com a proteção do segurado que, por circunstâncias diversas, não teve oportunidade de produzir determinada prova. Se, de um lado, não permite o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, baseadas nas mesmas provas (o que será permitido se houver extinção sem exame do mérito), de outro, autoriza o ajuizamento de nova demanda, mesmo após sentença de improcedência, quando comprovado o surgimento de novas provas, que não estavam ao alcance do segurado-autor quando do processamento da primeira demanda.
Todavia, não tem sido esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o próprio prolator do voto divergente, que aplicou a teoria da coisa julgada secundum eventum probationis, Min. Mauro Campbell Marques, tem ressalvado seu entendimento pessoal, curvando-se ao entendimento da Corte Especial no REsp. 1.352.721/SP (nesse sentido, decisões proferidas nos REsp. 1.574.979/RS, 1.484.654/MS, 1.572.373/RS, 1.572.577/PR e 1.577.412/RS, em que reconhecida a existência de coisa julgada por força de anteriores ações em que proferidos julgamentos de improcedência com exame de mérito).
Na mesma linha, embora convencido de que, no caso de insuficiência de provas, deve haver julgamento de improcedência secundum eventum probationis, passei a aplicar novamente o entendimento pela extinção do processo sem exame do mérito, ressalvando ponto de vista pessoal.
Tal compreensão é relevante no caso concreto. Acaso admitida a possibilidade de ocorrência da coisa julgada secundum eventum probationis, mesmo em caso de improcedência, ou seja, de exame do mérito, será possível o ajuizamento de nova ação, desde que amparada em novas provas e devidamente justificada a impossibilidade de apresentação de tais elementos probantes na primeira ação.
Por outro lado, rejeitada a aplicação da teoria, havendo sentença de mérito, estará fechada - ressalvada eventual ação rescisória - a possibilidade de nova demanda.
Afastada a teoria da coisa julgada secundum eventum probationis, só considero possível o ajuizamento de nova ação se a primeira tiver sido extinta sem resolução do mérito.
No caso concreto, houve improcedência quanto ao tempo rural na primeira ação, e não julgamento sem exame do mérito, de modo que há coisa julgada. Cabia ao autor, naquele feito, ter buscado provimento sem exame de mérito, para que remanescesse a possibilidade de ajuizamento de nova ação.
Assim, ressalvado ponto de vista pessoal, reconheço a existência de coisa julgada, tal como a eminente relatora, concluindo pela procedência da ação rescisória. (...).
Nesse contexto, na linha do expendido alhures, ao ser examinado o conjunto probatório em cognição exauriente e restar constatada a deficiência da prova, haverá julgamento de mérito do pedido, de modo a ensejar a extinção do processo conforme previsto no art. 269, I do CPC/73 (art. 487, I, CPC/2015) fazendo, portanto, coisa julgada formal e material.
E, no meu sentir, a sentença prolatada no primeiro processo que extinguiu o processo com julgamento de mérito foi correta, fazendo, portanto, coisa julgada material, a impedir posterior ação para rediscussão da lide, ou seja, da qualidade de segurado especial em regime de economia familiar, mesmo com novas provas.
Descabe, portanto, no caso, falar na coisa julgada secundum eventus probationis, pois o processo anterior foi solvido adequadamente.
Logo, a prestação jurisdicional em relação à ação anterior deu-se com cognição exauriente e ensejou, corretamente, a extinção do processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC/73, o que obsta que, nesta ação, seja restabelecido o benefício de aposentadoria por invalidez.
Portanto, merece acolhida a apelação do INSS para o fim de reformar a sentença, reconhecendo a existência de coisa julgada e julgando extinta sem julgamento do mérito a ação.
Honorários advocatícios
Invertida a sucumbência, deve a parte autora suportar o pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais seguem a sistemática prevista no artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015.
Assim, fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC/2015. A exigibilidade de tais verbas permanecerá sobrestada até modificação favorável da situação econômica da parte autora (artigo 98, § 3º, do CPC/2015).
Caso o valor atualizado da causa venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no § 3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, e assim sucessivamente, na forma do §§ 4º, inciso III, e 5º do referido dispositivo legal.
Conclusão
Provida a apelação para reformar a sentença e extinguir o processo sem julgamento do mérito pelo reconhecimento da coisa julgada; invertido o ônus da sucumbência; condenado o autor ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, com exigibilidade sobrestada até modificação favorável da situação econômica da parte autora (artigo 98, § 3º, do CPC/2015).
Dispositivo
Assim sendo, voto por dar provimento ao apelo para reconhecer a existência de coisa julgada em relação ao processo 5000264-79.2012.404.7010, julgar extinto o processo sem julgamento do mérito, inverter o ônus da sucumbência e condenar o autor ao pagamento dos honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, com exigibilidade suspensa até modificação favorável da sua situação econômica.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Desembargadora Federal
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/06/2017
Apelação Cível Nº 5035641-29.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00005598020158160172
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | TARCISO RAMOS |
ADVOGADO | : | MARA REIS SALLES |
: | ELIANE MARCIA PAIM MARTINS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/06/2017, na seqüência 755, disponibilizada no DE de 23/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO PARA RECONHECER A EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA EM RELAÇÃO AO PROCESSO 5000264-79.2012.404.7010, JULGAR EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, INVERTER O ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA E CONDENAR O AUTOR AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE 10% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA, COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA ATÉ MODIFICAÇÃO FAVORÁVEL DA SUA SITUAÇÃO ECONÔMICA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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