Apelação Cível Nº 5001771-10.2015.4.04.7127/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MANOEL DOS SANTOS PIMENTEL (AUTOR)
ADVOGADO: Andréia Lorini
ADVOGADO: Andréia Lorini
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, contra sentença (05/11/2018) que restabeleceu benefício de aposentadoria por invalidez.
Argumenta o apelante, inicialmente, que o exercício de atividade laborativa afasta a existência de incapacidade. Ao final, defende que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA por si só não determina incapacidade laboral, sendo necessário que seu portador se apresente sintomático a ponto de não poder exercer atividades laborativas.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Cumpre referir, inicialmente, que vinha entendendo que o portador do vírus HIV, mesmo sem sintomatologia da doença, sofre acentuada resistência de grande parte da sociedade, inclusive do meio empresário, e o estigma a que está sujeito é ainda bastante profundo, interferindo sobremaneira nas suas chances de se colocar profissionalmente no mercado de trabalho. Assim, não se poderia exigir do doente portador de HIV a mesma condição para o labor de uma pessoa que não tem o vírus ou que padece de outras espécies de doenças caracterizadas pela condição crônica ou progressiva, tornando possível a outorga de amparo por incapacidade ou benefício assistencial, de forma definitiva.
Todavia, revi minha posição diante de julgados proferidos pela 5ª Turma desta Corte, principalmente diante das razões defendidas pelo Desembargador Federal Roger Raupp Rios, em sessão de julgamento realizada em 14-03-2017, no sentido de que há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
A conclusão que se extrai deste julgamento é a de que, estando a doença assintomática, a mera possibilidade de haver estigmatização no seio social não justifica a concessão de benefício por incapacidade, fazendo-se necessária a comprovação em concreto da ocorrência do processo discriminatório.
Necessária a demonstração de que vem enfrentando um processo de estigmatização, a comprometer sua participação na sociedade, não sendo suficiente, segundo o precedente desta Turma antes referido, mera alegação. É necessário que se produza alguma prova, documental ou testemunhal, ou mesmo que se colham indícios de que o autor esteja sofrendo discriminação diante da doença.
Caso concreto
Inicialmente, o autor teve seu pedido julgado improcedente, com fundamento no fato de que o perito afirmara categoricamente não haver incapacidade para o labor (evento 37).
De fato, o perito do juízo assim concluiu:
"Justificativa/conclusão: O Autor apresenta Doença pelo vírus da Imunodeficiência Humana Categoria A do CDC e Sequela de antigo trauma tendíneo na mão esquerda, patologias atualmente compensadas (estabilizadas ou residuais) e sem patologias oportunistas associadas, não tendo sido constatado no presente exame médico pericial através da anamnese, manobras semiológicas realizadas durante o exame físico e análise dos exames apresentados no ato pericial e acostados aos autos (e-PROC) sua incapacidade para a realização de atividades laborativas na atualidade ou à época de requerimento do benefício previdenciário pleiteado na inicial.
Sob o ponto de vista técnico (médico-pericial), levando-se em conta a história clínica, o exame físico geral e segmentar, pela análise dos documentos apresentados durante o ato pericial e carreados aos autos, via e-PROC, este Médico Perito conclui pela ausência de patologia incapacitante, no momento, destarte apto para o labor."
Irresignado, o demandante interpôs apelação (evento 44), a qual teve provida, obtendo a anulação da sentença, em razão do reconhecimento do cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova testemunhal para eventual comprovação da ocorrência de preconceito e discriminação em relação a segurado diagnosticado com HIV (evento 7).
Baixados os autos à origem, foi realizada audiência para colheita do depoimento pessoal do autor e a oitiva de testemunhas (eventos 60 e 61).
Do depoimento do autor pode-se concluir que se trata de pessoa humilde, que exercera ao longo de sua vida profissional atividades eminentemente braçais, tais como pedreiro e ferreiro. Trabalhava em construção civil. Disse que comentou com um colega que era portador de HIV e este comunicou para a chefia, tendo sido demitido em seguida. Acredita no fato de que a doença pode ser transmitida por picada de mosquito, o que afasta as pessoas; as empresas onde procura trabalho pedem referência e ficam sabendo, e por isso não o contratam. Fecham-se as portas para trabalho. Acredita piamente que se um mosquito picá-lo e depois picar outra pessoa, vai transmitir a doença, inclusive tal teria sido dito para ele por profissional médico. Diz que na região onde mora há crença de que a doença seja transmitida assim. Como é cidade pequena todo mundo fica sabendo. Vive de ajuda da filha, com quem mora, juntamente com uma neta.
A primeira testemunha, Vera Lúcia Pires Moreira, dona de casa, vizinha do autor, mora próximo a ele. Disse que conhece o demandante há cerca de 30 anos, que ele mora com a filha, e que sempre trabalhou na construção civil. Ficou desempregado por causa da doença. As pessoas ficam sabendo, porque uma conta pra outra. Têm medo, nem tomam chimarrão, porque têm medo de pegar a doença. Sabe que o autor procurou emprego depois que descobriu que era portador do vírus, e conseguiu apenas um emprego, tendo sido demitido quando descobriram a doença. Diz que sabe que ele vive de ajuda de outros, como a filha. Todo mundo ficou sabendo da doença e as pessoas se afastaram. Anteriormente as pessoas visitavam o autor, depois não mais. Presenciou situação de preconceito: uma pessoa que ia na casa dele parou de ir porque tinha medo de pegar a doença por que um mosquito poderia picar.
A segunda testemunha, Graciele Pires Moreira, dona de casa, foi vizinha do autor em dois bairros. Disse que ele mora com a filha. Informou que o autor sempre trabalhou, como pedreiro e carpinteiro, na construção civil. Afirmou que há muito ele tempo está sem serviço, e que pode ser porque ele está doente. Existe preconceito, ela mesma ia na casa dele, agora não vai mais, porque tem os filhos pequenos, tem medo de tomar um mate. Conhece outras pessoas que também deixaram de visitá-lo. As pessoas acham que a doença é transmitida por mosquito e se afastam.
O que se conclui a partir das declarações prestadas é que a doença, no caso do requerente, acarreta bastante preconceito/discriminação, tanto que até o próprio portador acredita que representa um perigo para as outras pessoas, porque a doença seria transmissível por picada de mosquito, deixando vulnerável quem está próximo, crença que se estende aos colegas de profissão, trabalhadores na construção civil, e que motivou a dispensa de emprego, e a dificuldade, senão dizer, quase impossibilidade, de inserção no mercado de trabalho.
De anotar que, ao contrário de determinados setores sociedade onde já é possível a plena reinserção profissional das pessoas acometidas de HIV, é consabido que, nas camadas populares, ainda permanece tal efeito estigmatizante que inviabiliza a obtenção de trabalho.
Assim, improvido o apelo no ponto.
Exercício de atividade remunerada
O exercício de atividade remunerada não implica em contradição com a afirmação da existência de incapacidade em época coincidente, haja visto que a parte autora teve obstado o seu benefício na via administrativa, o que justifica eventual retorno ao trabalho para a sua sobrevivência. Não se desconhece a realidade fática das pessoas que, em diversas situações, são obrigadas, mesmo sem condições físicas plenas, a voltar ao exercício laboral, em razão da necessidade, por não possuírem outras fontes de sustento.
Se o segurado voltou a trabalhar porque teve negado o direito ao benefício, embora sem condições físicas, inclusive aumentando os riscos à sua saúde, não pode pretender o INSS utilizar-se deste fato, nascido da ilegal negativa de concessão do amparo previdenciário, para mais uma vez prejudicar o segurado. A atitude da autarquia, no âmbito de aplicação do princípio da boa-fé objetiva, equivale ao tu quoque, que ocorre quando alguém viola determinada norma jurídica e depois que reconhecida a ilegalidade, tenta tirar proveito da situação a que deu causa.
Apelo improvido no tópico.
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência esse regramento.
O juízo de origem, tendo por aplicáveis as disposições do art. 85, §§ 3º e 4º do novo CPC, fixou os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Conforme as Súmulas n.º 76 deste Tribunal Regional Federal e n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (sentença).
Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do mesmo dispositivo legal.
Assim, os honorários vão fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas, observado o trabalho adicional realizado em grau recursal.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Conclusão
Mantida a sentença na íntegra.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5001771-10.2015.4.04.7127/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MANOEL DOS SANTOS PIMENTEL (AUTOR)
ADVOGADO: Andréia Lorini
ADVOGADO: Andréia Lorini
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. HIV. estigma social comprovado. exercício de atividade remunerada.
1. Ainda que acometido o segurado de infecção assintomática pelo vírus HIV, diante da ausência de incapacidade, o direito a benefício por incapacidade deve ser reconhecido caso haja comprovado preconceito e discriminação, os quais associados a outros fatores, impeçam ou reduzam o exercício de atividade laboral remunerada. Hipótese dos autos.
2. O eventual exercício de atividade remunerada durante o período em que indeferido o benefício por incapacidade na via administrativa não se constitui em fundamento para se negar a sua implantação ou o pagamento das parcelas vencidas desde a indevida interrupção. Se o segurado trabalhou quando não tinha condições físicas, de forma a garantir sua subsistência no tempo em que teve ilegitimamente negado o amparo previdenciário, é imperativo que lhe sejam pagos todos os valores a que fazia jus a título de benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de abril de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/04/2019
Apelação Cível Nº 5001771-10.2015.4.04.7127/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MANOEL DOS SANTOS PIMENTEL (AUTOR)
ADVOGADO: Andréia Lorini
ADVOGADO: Andréia Lorini
Certifico que este processo foi incluído no 2º Aditamento do dia 15/04/2019, na sequência 540, disponibilizada no DE de 01/04/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
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